Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 119
Capítulo 119: POV Clarissa Simpson


Notas iniciais do capítulo

Me mandaram continuar ouvindo o CD da Kat Graham, que tava me dando inspiração. Então continuei! Escrevi esse ouvindo a música "Secrets". Tem clipe, pra quem quiser ver. E dá muita aflição (só não tanto quanto esse capítulo vai dar!). Boa leitura.



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A única prova que eu tinha de que Lola tinha dormido do meu lado era seu vestido na poltrona perto do closet. Foi a primeira coisa que eu vi quando abri meus olhos.
A segunda foi o relógio na mesa de cabeceira. Já eram dez da manhã. Eu tinha dormido, o quê?, quase doze horas seguidas.
Doze horas. Era muito. E eu ainda estava cansada.
Tinha precisado mesmo. Doze horas completamente seguidas. Não me lembrava de ter acordado durante a noite. Primeira vez em dois dias que eu conseguia dormir, não só mais do que só duas horas, como o suficiente para repor tudo que precisava.
Meus braços estavam moles, meus olhos tinham se acostumado à posição. Não me mexi nem um centímetro além de abri-los e voltar a fechá-los. Não queria fazer mais nada no mundo a não ser voltar a dormir. E, ao mesmo tempo, não tinha sono.
Claro que não tinha sono. Era preguiça mesmo. E não era como se eu precisasse acordar. Lola não precisava de mim, senão não teria me deixado dormir até tão tarde naquela manhã. E eu não tinha que fazer nada.
Nada. Podia ficar na cama, pensei, trazendo o travesseiro dela para perto de mim e o abraçando. Não tinha compromisso algum. Chris provavelmente estava competindo comigo para ver quem dormiria mais no seu último dia de folga antes de voltar a trabalhar. E Lola tinha outras criadas.
Eu não precisaria me levantar tão cedo.
"Eu preciso falar com ela."
Abri os olhos. Eu tinha imaginado aquilo? Podia ter jurado ouvir a voz de Kyle.
Girei na cama, forçando meus olhos a fecharem de volta. Estava ficando louca. Ouvindo vozes. Talvez ainda estivesse sonhando. O que me garantia que aquilo era verdade, que eu não estava ainda dormindo?
Talvez nem fossem ainda dez da manhã. Eu tinha mesmo aberto os olhos para ver o relógio ou só imaginado?
Espera. Eu tinha ido dormir no quarto da Lola na noite anterior?
"Eu sei que ela está aí e eu preciso falar com ela!" A voz ficou mais alta.
Abri os olhos de novo.
Não. Eu não estava sonhando. Estava mesmo acordada. E eram mesmo dez horas. Agora só precisaria ouvi-lo de novo para ter certe-
"Eu quero falar com ela AGORA!"
Nem estava ficando louca.
Pulei da cama, mesmo com minhas pernas se recusando a acordar completamente e ameaçando me derrubar antes de eu chegar até a porta. Minha mão estava suada quando peguei na maçaneta e meus olhos ainda lutavam contra ficarem abertos durante muito tempo. Sabia que tinha que ter levantado, mas até meu cérebro estava demorando para me acompanhar.
Quando abri a porta, encontrei Kyle encarando os guardas. Só conseguia ver partes dele por entre seus braços, mas tinha certeza de que era ele.
"O que está acontecendo?" Perguntei, fazendo os dois guardas se virarem para mim. "Deixem-no passar."
Eles não abriram a boca, só voltaram à sua pose e deram um passo para o lado. Kyle marchou para dentro do quarto e eu fechei a porta atrás dele.
Aproveitei para me apoiar nela e esfregar os olhos, tentando me situar. O que eu estava mesmo vestindo? Que dia era aquele? Sabia que estava esquecendo alguma coisa. O que Kyle tinha para fazer? O que eu tinha que estar fazendo?
"Eu sabia," ele disse, balançando a cabeça. "Eu sabia," dessa vez, assentiu sem parar para si mesmo.
O que quer que eu estivesse esquecendo agora seria intensificado pelo fato de eu ter estado dormindo enquanto o devia estar fazendo. Provavelmente já teriam rumores por aí de que eu era a pior criada no mundo.
Sentia a culpa sem saber pelo que era. Mas, mesmo assim, tudo que consegui fazer foi continuar apoiada na porta. Ainda precisava de mais alguns minutos para conseguir responder direito.
"Desculpa," falei, "é só que eu-"
"Desculpa!" Kyle praticamente gritou, me dando a impressão de ter me acordado de uma vez, como com um tombo. "É tudo que você tem para falar? Quem é você, Clarissa?!"
Uou. Por que ele estava bravo assim? Não sabia o que tinha deixado de fazer, mas certamente não precisava daquilo. Qual era o problema dele?
Abri a boca para responder, mas acabei não falando nada, só deixando meus olhos ajustarem à quantidade de luz e observá-lo direito. Seus cabelos loiros estavam quase molhados, mas de suor. Ele respirava tão fundo que parecia crescer cada vez que inspirava. E seus olhos estavam vidrados em mim, de um jeito estranho.
Senti meus lábios formando palavras, mas ainda não conseguia falar nada. Pisquei várias vezes, forçando meu cérebro a trabalhar.
E foi quando vi a expressão no rosto de Kyle relaxar. "Você nem sabe do que eu estou falando, sabe?" Ele riu, de um jeito irônico que só deixava tudo aquilo mais assustador. "Você nem sabe!" Mesmo entre risadas engasgadas, sua voz saía alta e clara. "E eu achando que te conhecia."
Ele levou as mãos à cintura, balançando a cabeça para si mesmo.
"Kyle, eu-" comecei a falar, mas estava cedo demais, eu estava cansada demais para conseguir entender. O que quer que fosse, podia esperar. E nem devia ser tão importante assim. Nem devia-
Em um segundo, meu coração foi parar na minha garganta. Tudo que eu estava pensando desapareceu sem deixar rastros. Qualquer dúvida que antes eu podia ter fugiu como o chão dos meus pés. E eu não conseguia sentir nada do meu peito para baixo.
"V-você-"
"É," ele disse, respirando de novo fundo, provavelmente percebendo que eu tinha entendido.
Eu tinha entendido do que ele estava falando.
Ele sabia.
Ele sabia?
"C-como?"
Ele bufou, frustrado. "Desde quando isso importa?"
Mas tudo estava indo tão bem. O que eu tinha feito? O que tinha me denunciado?
"Por quê, Clare? Que tipo de pessoa faz isso?"
Eu balancei a cabeça, querendo responder, mas sem ter ideia de por onde começar.
"O que deu na sua cabeça?" Ele levantou a voz. Mesmo do outro lado do quarto, mesmo a metros de distância de onde eu me empurrava contra a porta para me manter de pé, ainda podia sentir sua raiva como se gritasse a centímetros do meu rosto.
"Eu-"
"Por quê?"
"Foi sem querer."
Teria apostado que as palavras saíram da boca de outra pessoa se não estivéssemos sozinhos.
"Sem querer?!" Ele franziu a testa, como se até então aquela ideia nunca tivesse parecido possível.
"Sim," respondi, minha boca tomando vida própria. "Eu não sabia que era você. E, antes que pudesse saber o que estava acontecendo, as coisas saíram do meu controle."
Mesmo depois de dias mentindo e me escondendo, eu estava surpresa pela facilidade com a qual aquilo vinha para mim. Ele estava certo. Quem eu era? Quem eu havia me tornado?
"E você nunca pensou em me falar? Em nenhum momento?" Ele parecia estar começando a se acalmar, o que me dava um certo alívio.
E, à menor ameaça de me safar com outra mentira, pude sentir meu corpo inteiro tremer.
Me empurrei mais forte contra a porta, prometendo para mim mesma que só tinha que aguentar mais alguns segundos e estaria livre.
"Eu não sabia como," continuei. "Não sabia como te contar. Por isso achei melhor acabar com tudo."
Eu odiava o jeito que ele me olhava. Seus olhos não estavam mais tão vidrados, ele já os piscava várias vezes seguidas, como se minhas desculpas ainda encontrassem problemas em fazer sentido para ele.
Mas ele não me olhava do mesmo jeito que antes. Eu não era mais Clarissa para ele. Era uma estanha.
E me sentia como uma estranha. Como se um lado meu que nunca soubesse existir tomasse conta da situação. E eu ignorava o quanto aquilo parecia errado pela simples promessa de sair ilesa daquele abismo.
Kyle balançava a cabeça, inconformado ainda, mas não mais com a minha posição naquilo.
Eu arrisquei um passo na sua direção, minhas pernas quase não me sustentando. Rezei para que não percebesse minha fraqueza e engoli a seco antes de falar o que eu esperava ser a última coisa que precisava para convencê-lo.
"Eu nunca quis te enganar," falei, pela primeira vez sentindo um pouco de firmeza em uma meia verdade. "Sei que errei bruscamente e que você pode nunca me perdoar. Mas precisa acreditar que não era minha intenção. Eu não queria nos colocar nessa posição. Me desculpe."
Ele levantou os olhos para mim, apertando-os para me ver melhor. Ainda estava a metros dele, torcendo cada segundo para minhas pernas me aguentarem só mais um pouco. Mas tinha a impressão de poder sentir sua respiração quente na minha pele. E seus olhos, prestes a ver as marcas das minhas mentiras estampadas em meu rosto, caíram ao chão.
"Não sei se consigo."
Foi o que ele falou. E talvez, em qualquer outra situação, teria ouvido aquelas palavras como uma sentença.
Mas naquele momento elas me soaram como salvação. E foi difícil segurar meu alívio quando ele começou a andar na direção da porta. Continuei olhando para a frente mesmo depois de ele passar por mim, contando seus passos na minha cabeça como segundos até eu estar a salvo.
Mas eles pararam antes de eu ouvir a porta se abrir. E, depois de um tempo esperando outro barulho, arrisquei um olhar por cima do ombro.
Até então, eu não tinha ideia de que aquele era meu maior medo. Até ver sua expressão, não sabia que aquela era a pior coisa que eu poderia ver em toda minha vida.
Mas meu coração sabia, já que pareceu parar de bater. Meus olhos sabiam, enchendo de lágrima na hora. E até meus pulmões param por um segundo de respirar.
Ele sabia que eu havia mentido outra vez. Ele sabia.
Ele me via. Como eu estava, no topo da pirâmide de mentiras e falsas desculpas que eu tinha criado e acumulado. Ele conseguia ver tudo que eu mais queria esconder, o lado podre que eu até então tinha me convencido que não existia dentro de mim. E não tinha como eu voltar atrás.
Não. Meu pior pesadelo já tinha virado realidade. E não tinha o que eu pudesse falar, palavras que eu pudesse inventar, força que conseguisse juntar para convencê-lo do contrário. Em uma única expressão aparentemente em branco, eu tive a certeza absoluta de que ele tinha descoberto a verdade.
"Eu não sei quem você é," ele disse, sua voz agora baixa, sem desviar os olhos dos meus por um só segundo. "Não sei porque resolveu fazer isso, não sei como conseguiu mentir para mim durante tanto tempo, como se atreveu ainda a tentar me enganar outra vez. Não sei quem era a pessoa que eu achava que conhecia, mas definitivamente não te conheço. E não quero conhecer."
Como se eu não fosse nada, como se já nem existisse, ele deu meia volta e saiu pela porta. Não fez questão de fechá-la, de me olhar outra vez, de falar meu nome.
E eu fiquei parada. Imóvel. Como se manter minha posição fosse o único jeito possível de fingir que tudo aquilo não tivesse acontecido, de tentar voltar no tempo e mudar o final.
Fiquei esperando o momento em que começaria a me perguntar milhares de coisas ao mesmo tempo. O momento em que gritaria e choraria e espernearia. Mas eu estava fraca demais para isso. Tremia das cabeças até os pés, intercalando entre senti-los prestes a quebrar e não sentir nada.
Cambaleei alguns passos até a porta, fechando-a. Mas nem minha mão conseguia segurar a maçaneta direito. E meus joelhos ameaçaram falhar durante todo o meu caminho até a janela.
Eu me mexia sem pensar, sem saber o que estava fazendo. Não sabia porque estava indo até lá. Não sabia nem se tudo aquilo tinha mesmo acontecido. Não sabia se eu mesma era real. Se não estava sonhando.
Apoiei minha testa no vidro da janela.
Pelo amor de deus, que isso seja um sonho. Não. Um pesadelo, que fazia calafrios escorrerem pelas minhas costas, que me fazia tremer a ponto de sentir meus ossos quase quebrando. Mas um pesadelo. Qualquer coisa. Qualquer coisa, menos-
Meus joelhos se dobraram, prontos para caíram ao chão. Eu queria me jogar em qualquer lugar, parecia prestes a desfalecer. Mas meus olhos estavam vidrados, e eu não conseguia fechá-los. Minhas mãos se tornaram punhos, senão de raiva, então para eu pelo menos tentar juntar o mínimo de força possível.
Eu não entendia. Não conseguia entender. Como eu tinha ido de quase convencê-lo para ser completamente descoberta? O que poderia ter acontecido em alguns segundos de silêncio para ele mudar de ideia? O que eu-
Não.
Eu tinha esquecido! Por que eu tinha que ser tão burra? Por que não falei de vez?!
Agora sim, eu tinha fechado as mãos em punhos. E de raiva! Eu era burra! Eu merecia aquilo porque era burra!
Quis enfiar a minha mão pelo vidro da janela, mas acabei só me virando de costas, esfregando minha testa, arranhando minhas bochechas.
Eu era muito burra. Eu podia ter admitido tudo, falado de vez. Podia ter simplesmente falado a verdade. Mas preferi mentir de novo. Como se desse para ele acreditar que eu não sabia então que era ele.
Tão simples. Uma ideia tão simples, tão fácil de falar, mesmo sendo uma mentira enorme. Tão poucas palavras. Não sabia que era você, Kyle. Não sabia. Ops.
Mas tinha um problema, pensei, sentindo uma onda de vontade de chorar e rir ao mesmo tempo me encobrir. Um único, mínimo, mísero problema. E era assim que ele tinha descoberto. Uma única palavra tinha sido o suficiente para fazer cair toda a fachada que eu tinha custado em construir com todo o podre dentro de mim. Uma palavra e adeus máscara, atrás da qual eu insistia em tentar me esconder. Uma palavra.
Seu nome.
Eu tinha falado seu nome.
Como podia falar que não sabia que era ele quando tinha falado seu nome ainda na festa? Como pude esquecer? E perder a única chance que eu poderia ter de falar a verdade antes que ela me atingisse como um soco no estômago? Eu só tinha piorado tudo.
Me virei de novo para a janela, agora realmente sentindo toda a vontade do mundo de quebrá-la, despedaçá-la, como queria fazer comigo mesma. Mas antes que pudesse juntar alguma força na mão, ouvi a porta se abrir.
Ele voltou, foi a primeira coisa que eu pensei. E a esperança de ter mais uma chance para me explicar roubou todo o ar que eu tinha.
Mas não era ele.
Era Lola.
Me virei na hora de volta pra janela, esticando meus braços o máximo possível para me abraçar, apertando minha testa contra o vidro novamente. Não queria que ela me visse naquela hora, não daquele jeito. Não queria nem a possibilidade de vê-la me olhando do mesmo modo que Kyle, com o mesmo desprezo.
"Clare?" Ela falou baixo e calmo, o contraste com os pensamentos na minha cabeça me fazendo querer chorar.
"Me deixa," pedi, as palavras mal conseguindo sair da minha boca.
Me concentrei em empurrar a testa contra a janela. Quanto mais apertado eu sentia o nó na minha garganta, mais forte eu empurrava.
Eu não queria chorar. Podia sentir as lágrimas se concentrando ao redor dos meus olhos, mas me recusava a admiti-las. Eu sabia que, se derrubasse uma única, nunca mais conseguiria parar. Não conseguiria respirar, não conseguiria viver.
"Me deixa," repeti em um sussurro.
Mas Lola insistiu. "Eu sei que você está chateada," sua voz foi ficando mais alta.
Podia imaginá-la se aproximando de mim e pensar que logo tocaria em meu ombro foi demais. Engoli a seco, apertei meus ombros com as duas mãos, mas não consegui evitar. Já podia sentir as lágrimas escorrendo pela minha bochecha.
Eu era patética. Desprezível. Pequena, minúscula. E só torcia para diminuir a ponto de conseguir desaparecer.
"Mas você precisa saber," Lola disse, "que eu não fiz por mal."
Só percebi que apertava os olhos com força quando os abri.
Quê? Do que ela estava falando?
"Sei que pode demorar para você entender, mas eu falei pelo seu bem."
Me virei devagar para olhar para ela, que estava mais perto do que eu imaginava. "Como assim?"
"Eu sei que você achava que era melhor continuar mentindo, mas era só medo, Clare," ela esticou as mãos para alcançar meus braços. "E eu não queria que seu medo te impedisse de ser feliz."
"Meu medo? O que-" Eu mesma me cortei no exato instante em que eu entendi o que ela estava falando. "Foi você." Senti minhas próprias palavras me acertando como um golpe na boca do estômago. "Você contou para ele."
Ela franziu a testa, primeiro confusa, depois parecendo realmente assustada. "Você não sabia?"
"Não!" Exclamei, inconformada. "Claro que não!" Puxei meus braços para longe dela, cambaleando para o lado, tentando entender o que aquilo significava. "Como é que eu poderia saber que logo você iria fazer isso comigo?"
Lola tinha contado. Lola, a única pessoa no mundo em que eu tinha confiado minha maior fraqueza a tinha exposto como se não fosse nada.
"Eu achei que," ela parou, balançando a cabeça, mordendo o canto dos lábios, como se lhe custasse a entender. "Espera, o Kyle falou com você?"
Quis empurrá-la para longe de mim.
"Sim, Lola!" Toda a força que tinha me faltado quando ele estava na minha frente pareceu me subir à cabeça de uma vez só, me deixando até um pouco tonta. Pisquei várias vezes, tentando fazer as lágrimas pararem de embaçar minha vista. "Ele falou comigo! Ele praticamente me falou que eu sou a pessoa mais desprezível que existe em todo o universo!" A lembrança do jeito que ele me olhou apareceu na minha mente. "Que," tudo que tinha estado engasgado na minha garganta pareceu vir à tona e eu não consegui evitar de soluçar. "Que nunca mais quer me ver na sua frente." Só consegui falar para mim mesma, tão baixo que ela nem devia ter entendido.
Minha dor pareceu refletir nos olhos de Lola por um segundo, me dando a impressão de estar prestes a chorar também. "Ele falou isso?!"
Ela entortou suas sobrancelhas, como se fosse o máximo que podia fazer para não soluçar comigo. E eu quase senti pena dela.
Mas a culpa era sua. Ela que tinha contado para ele. Ela sabia que eu não estava pronta! Como podia ser tão inconsequente a ponto de pensar que ficaria tudo bem?
Engoli o choro o máximo que podia, só para conseguir respondê-la como queria.
"O que você esperava?" Minha voz arranhava a garganta. "Que ele fosse vir aqui me abraçar e dizer que tinha passado o tempo todo sonhando com aquilo?" O que mais me doía era o quanto eu queria que isso que tivesse acontecido. "Que-" parei, tentando lembrar do que ela mesma tinha falado. "Que eu seria feliz?"
Ela abriu a boca pra responder, mas estava perdida demais para isso. E falta de resposta dela me confirmou que era exatamente isso que ela tinha imaginado.
"Eu esperava mais de você," falei, dando alguns passos para trás, sentindo as lágrimas voltarem a contornar meu rosto.
"Não, espera," Lola veio na minha direção, suas mãos tentando alcançar as minhas. "Não está tudo perdido. É só choque, Clare. Tenho certeza de que quando ele se acalmar-"
"Não importa!" Falei tão alto, que ela recuou um pouco com o susto. "Será que você não vê isso? De todas as pessoas do mundo, como é que você, logo você, foi contar para ele? Depois de todas as vezes em que eu disse que não estava pronta? Depois-" Balancei a cabeça para mim mesma, lutando contra a vontade trocar minhas palavras por só choro. "Depois de tudo que eu fiz por você?!"
Eu lhe dei as costas, enxugando meu rosto com as costas das mãos. Lola se atreveu a me segurar pelos ombros, mas eu a afastei na hora. E assim que vi todas as coisas naquele quarto que eram minhas, percebi que precisava sair de lá.
Comecei a juntar tudo que conseguia ver, já ansiando pelo momento em que eu poderia correr para longe dali.
"Eu estava tentando ajudar!" Ela veio logo atrás, na defensiva, seus olhos implorando para que eu parasse um segundo para a escutá-la.
Mas eu desviava deles. Estava cansada já de ficar na sua frente. Não queria nem ouvi-la. Não exisita motivo algum que pudesse me convencer de ficar ali. Ela sabia bem o que tinha feito, sabia o que aquilo faria comigo. Ela sabia. E eu não a deixaria fingir que não.
"Eu realmente achei que estava te ajudando."
"Não, Lola," a cortei, cansada das desculpas. "Você só acha que estava tentando ajudar," joguei todas as peças de roupa que segurava na cama, correndo para enxugar de novo meu rosto.
Não queria ser fraca. Estava cansada de ser a frágil. Ela que tinha errado, ela que devia estar chorando sem conseguir parar ela que devia-
"Eu só queria te libertar dessa mentira!"
E ela ainda não entendia!
"O que você fez foi roubar meu poder de decisão sobre a minha própria vida!" Voltei a juntar minhas coisas, ela me seguindo pelo quarto e eu tendo que desviar o tempo todo de suas mãos e seus olhares de desculpa. "Esse é o seu problema! Você acha que sabe de tudo melhor do que ninguém! Mesmo quando a vida não é sua!"
"Espera aí," ela parou de me seguir. "Você realmente tá me atacando para defender a sua própria falta de honestidade?"
"Eu estou defendendo a minha voz!" Por ironia, parecia que essa quase não sairia. "A minha escolha sobre a minha vida! Que eu realmente achava que importava para você!" Assim que voltei a jogar o resto das minhas coisas na cama e comecei a tentar juntá-las, meus olhos caíram no vestido de Lola, do outro lado do quarto.
Ele brilhava, dobrado, pendendo de leve em cima da caixa da tiara dela. Debochando dos meus medos, das minhas fraquezas. Como uma bandeira pronta para me provar que eu não era como ela, que não pertencia ali.
"Ele estava certo," falei, tão baixo que Lola não pareceu ouviu.
"Desculpa se eu não me sinto confortável em ficar assistindo você perder a melhor oportunidade da sua vida por pura insegurança!" Ela falava, nenhuma daquelas palavras registrando para mim.
Minhas lágrimas pareceram parar de cair, seus rastros secando e deixando meu rosto gelado.
"Ele estava certo," repeti, dessa vez mais alto.
"Do que você tá falando?" Ela se virou para ver o que eu olhava.
Chris, pensei, me levantando para encará-la. "Você simplesmente resolveu tomar a decisão mais importante da minha vida sem me consultar. Não para me ajudar, não porque era o melhor para mim, mas porque você é você. E eu sou eu."
Ela respirou fundo, levantando o queixo de leve na minha direção, se preparando para inconscientemente negar o que estava prestes a falar. "Isso não faz o menor sentido."
"Para você, Lola," voltei a juntar as coisas na cama, enfiando a maioria em uma mochila velha e surrada que eu tinha. "Porque você está do lado de dentro e não sabe o que é sempre ser empurrada para fora."
Bloqueei qualquer lembrança que eu sabia que me faria voltar a chorar. Eu logo sairia dali. Logo não teria mais que olhar no rosto dela. Só precisava aguentar mais alguns segundos sem desmoronar.
"Clare!" Sua voz tremeu, mas eu sabia que era só porque ela nunca imaginaria que eu algum dia a enfrentaria.
Joguei a mochila nas costas, apertando sua alça com força. "Você não entende, Lola. E nem nunca vai entender. Foi bom enquanto durou. A ilusão de que eu poderia fazer parte do seu mundo. Seu e de Kyle. Mas eu nunca devia ter acreditado de verdade que a divisão não existe. Você ainda é você. E eu não posso confiar em alguém que me vê como inferior."
"Eu não te vejo como inferior!" Eu podia sentir a frustração na sua voz. "Clare, eu nunca faria nada para te prejudicar!" Ela veio falando, enquanto eu andava até a porta, suas mãos tentando me segurar, me parar, me fazer escutá-la só mais um pouco. "Você é a pessoa mais importante no mundo para mim!"
"Mas eu não sou," me virei para olhá-la, já pronta para sair dali pra sempre. "Porque, se eu fosse, a minha opinião importaria um pouco mais para você. O meu medo importaria. Ao invés disso, você resolveu tomar sozinha a decisão de destruir qualquer chance que eu tinha de ser feliz."


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Notas finais do capítulo

O próximo é mais feliz, prometo!



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