Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 117
Capítulo 117: POV William Owens


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Run Away" da Kat Graham.



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Era estranho pensar em tudo que podia mudar na minha vida sem eu sair do lugar.

Acordei aquela manhã no mesmo lugar que no dia anterior, debaixo do mesmo teto, mesmo candelabro. As mesmas paredes azuis escuras à minha volta, a mesma cama embaixo de mim. E, como em todos os dias desde que eu tinha chegado ali, minhas criadas já tinham separado a roupa que eu usaria e me esperavam despertar para abrir as grandes e pesadas cortinas. O sol fez o mesmo caminho de sempre, alcançando meus pés, mas nunca realmente chegando aos meus olhos. Eu me sentei por hábito, deixando que elas começassem a preparar meu banho e aproveitando para olhar um pouco mais à minha volta.

Não tinha mexido em minhas malas. Todas as fotos que tinha trazido ainda estavam nos porta-retratos da mesa de cabeceira. Até aquela que eu carregava só por Tessa.

Eu a peguei, trazendo para ver mais de perto. Tentei me lembrar de como eu costumava olhá-la, tentei imitar o sentimento, mas não consegui. Sabia exatamente o tipo de pensamento que passava pela minha cabeça quando a olhava antes, mas agora eles simplesmente não me convenciam. Não o suficiente para me afetarem.

Realmente era estranha a diferença que um dia podia fazer. Como, em um segundo, uma esperança pequena e quieta podia virar tudo que eu conseguia sentir. E, quase tão rápido quanto tinha aparecido, ela podia se despedaçar. Estranho saber que o pesar que antes me segurava já tinha ido embora. Todo o peso nos meus ombros tinha simplesmente desaparecido.

Mas o que era mais difícil de acreditar era em como eu me sentia diferente. Não em relação à Tessa. Isso era realmente bizarro. Acordar naquela manhã com tão poucos vestígios do que eu tinha sentido por ela, algo que, até então, eu achava que era mais forte do que eu, definitivamente era estranho. Mas não tanto quanto me sentir de repente como eu outra vez.

Já tinha até me esquecido de como era não ter tantas dúvidas sobre quem eu era, para onde estava indo. Fazia tempo demais que eu não andava por aí com o peso do que sentia por ela nas minhas costas. Tempo demais sem ver minha vida como uma grande maldição, da qual eu nunca conseguiria fugir.

Mas era uma sensação boa demais. Quase podia senti-la se enroscando em meus braços, me devolvendo a força que um dia tinha tido, a escolha que já tinha tanto prezado.

Era como finalmente sair da água e poder respirar fundo. Poderia ter passado o tempo que fosse sem ar, mas a sensação de senti-lo enchendo de volta meus pulmões era familiar. E genuína. Bem mais certa do que qualquer momento em que eu tinha passado pensando em Tessa e me sentindo afundar cada vez mais.

De certo modo, eu estava até feliz por tudo que tinha acontecido. Ainda olhava a sua foto e me lembrava bem do dia em que a tínhamos tirado. Nada que importasse agora. Nada que eu realmente quisesse repassar na minha cabeça. Talvez eu devesse ter visto os sinais, como minha mãe tinha dito. Talvez só quisesse acreditar que alguém como ela existia, razão que Jem tinha usado para si mesmo.

O fato era que ela não era quem devia ser. E todo o meu amor por ela pareceu desaparecer como pó, quase como se parte de mim antecipasse que não duraria. A pessoa por quem eu tinha me apaixonado não existia. E nem o que eu achava que sentia por ela.

Me levantei da cama, deixando o porta-retratos para trás, seguindo minhas criadas até o banheiro. Autumn me explicou o tipo de banho que ela tinha preparado, logo me deixando sozinho.

A diferença que um dia podia fazer estava em tudo à minha volta. Foi impossível não notar o quanto aquele banheiro era aconchegante, fresco e relaxante. Até demorei um pouco demais, não por desânimo. Pelo contrário, por vontade de não deixar as coisas mais me passarem batido.

De certo modo, talvez eu soubesse que devia sair da Seleção. Teoricamente, o que tinha me levado até ali tinha desaparecido. Eu podia muito bem fazer minhas malas e voltar à vida e os antigos planos que ainda me esperavam em Belcourt.

Mas sabia que ainda não era hora. Tinha uma forte impressão de que não estava pronto. Talvez ficasse em cinco minutos ou até o final do dia. Talvez precisasse de mais uma semana. Só sabia que ainda ficaria ali. Por enquanto.

Quando entrei de volta em meu quarto, tinha um pequeno bolo me esperando na mesa perto da janela. E, logo na sua frente, um bilhete.

Sabia que minhas criadas me observavam quando fui até ele, o abrindo para ler.

"Pensei que talvez precisasse de energia extra nessa manhã. Tem chocolate aí o suficiente para um bolo inteiro. Aproveite!

P.S. Se quiser inventar uma desculpa para passar o dia inteiro no quarto, pode contar comigo para encobri-lo.

ASS. Carolyne."

Dobrei o bilhete outra vez, olhando de verdade agora para o bolo. Era quase um muffim, mas realmente parecia ter usado todo o chocolate do castelo. E eu fiquei extremamente agradecido de ter lhe conhecido.

Eu precisava dar mais crédito para ela, pensei, enquanto comia o bolinho. Se um dia tinha feito tanta diferença na minha vida, era principalmente por causa da noite que eu tinha passado com ela. Por toda conversa que tivemos enquanto eixávamos passar vários filmes de terror. Por tudo que ela tinha me dito, por todas as vezes em que tinha me provado que o problema não era o mundo, não era eu. Não era minha vida que estava errada. Ainda existia gente que valia a pena por aí, gente que eu queria do meu lado.

Nós passamos horas na sala de cinema, colocando um filme atrás do outro, mesmo sem termos prestado a mínima atenção ao último. Perdemos todas as cenas em que devíamos ter ficado com medo e, ao invés disso, nós ríamos. Das histórias que eu contava, das que ela relutava, mas acabava dividindo comigo. De como não tínhamos a menor ideia do que estava acontecendo na tela do cinema e de como não nos importávamos. De como alguns minutos se tornaram horas que eu não queria ver acabar.

Não queria ver o dia amanhecer, não queria ter que voltar para o meu quarto. Não queria, porque sabia que logo teria que tomar uma decisão. E, por enquanto, eu queria continuar aonde eu estava.

Por melhor que aquela noite tivesse sido, agora eu sentia uma pontada de culpa. Carol tinha feito tudo aquilo porque eu precisava me animar e eu a tinha privado de sono. Ela precisava bem mais do que eu e, não só devia ter dormido quase nada, como ainda tinha acordado disposta a assar um bolo do sabor exato que eu precisava sentir na minha boca.

Era algo tão simples, tão fácil de passar despercebido. Mas aquele bolinho era a prova de que ter me inscrito na Seleção tinha sido uma ideia ótima. Em meio a tanta turbulência, depois de tanto tempo me afundando em um mar sem fim e sem esperanças, aquele pequeno bolo de chocolate era a melhor demonstração de carinho que eu podia pedir. Valeu a pena ter deixado tudo para trás, pelo menos por ter conhecido alguém como ela.

E eu tinha também um enorme carinho por Carol. Ela ainda não via, devia também ter passado tempo demais invísivel para conseguir enxergar, mas ela era uma pessoa maravilhosa. Do tipo que dava vontade de apresentar para todo mundo que eu conhecia. Ela despertava admiração em qualquer pessoa que cruzasse seu caminho e eu tinha tido a sorte de ser essa pessoa. Bem quando mais precisava.

Durante o tempo que levou para minhas criadas me vestirem e eu ter que descer pro café da manhã, só consegui pensar em uma coisa. Eu queria encontrar Carol. Precisava encontrá-la. Precisava poder abraçá-la e agradecê-la por ser do jeito que era. Por estar do meu lado, mesmo sem eu merecer. Por conseguir fazer com que eu me sentisse bem menos quebrado só de me ouvir falar de tudo que tinha acontecido.

Não fiz a menor questão de me preocupar com as câmeras. Respondi suas perguntas durante o café, mas meus olhos sempre acabavam caindo na porta dos criados, torcendo para que ela fosse a próxima a sair de lá. Quase uma hora se passou e nada.

Assim que pude, me levantei da mesa e saí. A única coisa que me parou foi Marlee Woodwork, para me avisar que eu deveria me arrumar. Teria um encontro com a princesa logo mais.

Meu instinto seria reclamar. Qualquer outro dia, eu teria reclamado. Não poderia recusar, mas teria reclamado.

Mas agora eu já não via um encontro com ela como algo ruim. Era uma oportunidade. Eu não tinha ideia do que poderia me esperar. Quem sabe fosse ótimo. E, mesmo que não fosse, não queria passar mais nenhum segundo lá dentro vendo tudo pelo lado ruim.

Avisei Marlee que precisava falar com uma das criadas, mas que seria pontual. Sala de danças, em meia hora. Eu estaria lá.

O primeiro lugar onde procurei Carol foi no quarto de Keon, mas estava vazio. Fechei a porta correndo, não querendo pensar em como era esquisito eu estar bisbilhotando as coisas dele e torcendo para que ninguém mais tivesse visto.

Depois de lá, achei melhor ir até a cozinha. Não conhecia muito dos aposentos dos criados, mas já a tinha seguido até lá e parecia que muito de seu trabalho era por ali. Senão, pelo menos teria várias opções para perguntar por ela.

E foi exatamente isso que fiz. A cozinha estava cheia, metade preparando um almoço que seria transmitido pela televisão outra vez e a outra metade começando a assar comidas de um chá da tarde. Perguntei para a primeira criada que reconheci por uniforme e ela me disse que Carol estava em seu quarto.

Recebi vários olhares da porta da cozinha até a que dava ao corredor dos dormitórios. Mas estava tão preocupado em me lembrar das direções que ela tinha me dado, que não me importei e nem me incomodei em me explicar. Desviei de todos até estar logo na porta do quarto de Carol.

Levantei a mão para bater. Por alguma razão, a segurei no ar durante um segundo. Um segundo para respirar fundo. E então bati.

"Entra," a ouvi falando.

Assim que pousei a mão na maçaneta, imaginei o que veria. Não sabia onde ficava sua cama, mas a visualizei em um canto, Carol sentada em cima, deitada, lendo algum livro. Ela devia ser do tipo que lia para se esquecer do resto do mundo, para se proteger de todas as oportunidades que poderiam dar errado, oportunidades que ela não aproveitaria.

Quando abri a porta, dei de cara com uma cama à minha esquerda, mas ela não estava nela. Tinha um livro na cabeceira logo do lado, que parecia ser de romance, se é que o casal se pegando na capa era alguma indicação.

Abrindo mais, percebi que Carol estava diretamente na minha frente, mas de costas para mim. Ela parecia ocupada, e eu esperei que me notasse. Apoiei no batente da porta, cruzei os braços e me contentei em observá-la. O que quer que ela estava fazendo demandava toda a concentração possível, pois ela demorou um bom tempo para se lembrar de mim e olhar por cima do ombro.

"Will," ela abriu um sorriso antes mesmo de terminar de falar meu nome, mas logo o retraiu. "Aconteceu alguma coisa?" Perguntou, franzindo a sobrancelha e se esforçando para virar mais para mim.

"Aconteceu," respondi, mantendo minha posição por mais alguns segundos. "Alguém deixou um bolo para mim lá no meu quarto."

Ela pareceu respirar aliviada, seus olhos desviando dos meus para o chão. "Quem será," falou, sem a menor entonação de pergunta.

Eu desencostei do batente e andei até ela. Ia começar a falar outra coisa, mas ela foi mais rápida.

"Você está diferente," disse, me observando, enquanto eu me sentava no pé da cama, o mais perto que conseguia dela.

Seu comentário me fez soltar uma risada rápida. Que sintonia.

"Estou?" Apoiei com o braço de lado na grade da cama, meu rosto na minha mão, e me deixei observá-la.

Carol pareceu segurar mais firme ao tecido no seu colo, seus olhos passando rapidamente da minha cabeça aos meus pés e logo voltando a encontrar os meus.

Ela os desviou, focando na tarefa em suas mãos. "É, diferente," disse. "Não sei explicar."

"Não precisa," falei. "O que você tá fazendo?"

Ela alcançou um desenho da mesa e me entregou. "É uma bolsa," explicou.

"Parece complicada," pelo desenho, tinha milhares de partes e parecia ser o tipo de coisa que normalmente seria industrializada.

"E é," ela disse, seu tom levemente frustrado. "Principalmente quando eu nunca fiz nada assim antes!"

"Pra mim, parece ótima," não que desse para ver alguma coisa. Mesmo com o desenho ainda em mãos, eu não tinha ideia de onde ia a parte que agora ela costurava com toda a força possível.

Carol riu. "Não está nem perto de ótima. E eu nem sei se vou conseguir terminar a tempo."

"A tempo de quê?" Me levantei e me coloquei atrás dela.

Só tinha a intenção de deixar o desenho em cima da mesa, mas notei um pequeno pedaço de tecido, todo detalhado, logo na sua frente. Me inclinei por cima do ombro dela para ver mais de perto. Parecia ter sido feito por mágica, de tão minucioso que era.

Não tinha nem pensado na proximidade que estaria de Carol até sentir seu perfume doce. Era tão bom, que não me apressei em me afastar.

"A tempo de um aniversário," ela respondeu devagar, me fazendo sentir sua respiração passar de leve pela pele do meu pescoço, deixando um pequeno rastro de arrepio.

Me estiquei de vez, mas continuei atrás de sua cadeira, a segurando com as duas mãos. "Aniversário de alguém importante?"

Ela concordou com a cabeça. "Uma amiga criada."

Seu cabelo estava solto, um cacho perfeito roçando nas costas da minha mão. Sem pensar direito, a virei para enrolá-lo entre meus dedos.

Ela sentiu logo que eu o desfiz, mesmo que não soubesse o que estava acontecendo. Olhou por cima do ombro na minha direção e me encontrou sorrindo, minha mão já longe da mecha.

"Gosto do seu cabelo solto," falei.

Ela abriu a boca, talvez de surpresa. Depois a fechou, virou para a frente e balançou a cabeça. "Falei que você estava estranho."

"Você disse diferente," eu falei. "Mas tá, estranho. Tem alguma coisa aí que eu posso fazer?"

"Como assim?" Ela já tinha voltado a costurar com toda a força e eu me sentei de novo na cama.

"Na bolsa," expliquei. "Você disse que não sabia se ia dar tempo. Pode dar, se eu ajudar."

Ela bufou uma risada. "Você quer mesmo me ajudar?" Olhou por cima do ombro e eu só concordei com a cabeça, sorrindo, animado.

Ela mordeu o lábio, pensando, mas sem soltar nem um pouco da costura que fazia.

"Na verdade," começou, olhando para o resto da mesa, "tem uma coisa que você poderia fazer, já que deve ser bem mais forte do que eu."

"Qualquer coisa," falei.

"Eu preciso colar o fundo da bolsa, mas não estou conseguindo. Já fiquei vários minutos segurando, mas sempre deixa um defeito," soltou uma mão do tecido para alcançar o fundo e trazer para perto de mim. Logo depois me entregou um tubo transparente. "Essa é a cola. Você precisa passar de um jeito uniforme e rápido, porque ela seca e depois você tem que tirar pra começar do zero. Ficar passando mais camadas deixa ela grossa e não ajuda a colar."

"Parece fácil," falei, sarcástico.

"Nem de longe," ela suspirou.

"Eu sei, tava brincando," falei, girando o fundo da bolsa nas minhas mãos.

Era um papelão bastante duro com um tecido grande o suficiente para cobri-lo inteiro dos dois lados.

"Segue o desenho," ela falou, logo voltando a colocá-lo na minha frente.

"É couro de verdade?"

"Não, deus me livre!" Ela exclamou, quase antes de eu terminar de perguntar. "Não suporto couro. Não quero nem pensar que exista alguém no mundo que use couro de verdade, tirado de um animal."

Era legal ver que ela se importava assim. Principalmente quando ela parecia sentir um arrepio ao explicar o quanto aquilo era repugnante para ela.

Ela logo voltou a costurar e eu esqueci que tinha que ajudá-la. Fiquei observando toda a força que precisava colocar para passar a agulha de um lado para o outro do tecido que definitivamente não era couro legítimo. E a cara que ela fazia de concentrada era divertida demais para eu parar de assisti-la.

Foi só quando ela me olhou de esgueio que eu lembrei da minha parte da tarefa.

"Então," comecei a falar, enquanto pegava a cola e abria um pequeno espaço no canto da mesa para mim, "essa criada é muito amiga sua?"

"Bastante," ela respondeu. "Ela é bem mais nova, mas é como se fosse minha irmã mesmo. E seus pais não vão mais organizar uma festa, depois de tudo que andou acontecendo aí com Chris. Ele é irmão dela," correu para explicar, antes mesmo que eu perguntasse.

"Entendi," passei a cola só em uma extremidade do papelão, pressionando em seguida a parte do tecido que ia ali com toda a pressa possível. Fiquei segurando por um tempo.

"E eu? Posso te perguntar uma coisa?"

Levantei o rosto para olhá-la. Ela não fez o mesmo, mantinha-se concentrada no seu trabalho.

"Claro," eu disse.

"Qualquer coisa?" Mesmo sem me olhar, ela levantou as sobrancelhas e os ombros, fazendo a expressão que acompanhava a pergunta.

"Sim, Carol," falei, sem conseguir evitar sorrir. "Pode me perguntar de Tessa."

Quando falei o nome dela, Carol me olhou apreensiva. Parecia tão preocupada com a minha própria reação, que acabei sorrindo ainda mais largo.

"É sério," falei, rindo rápido. "Pode perguntar o que quiser, não me incomoda."

"Sabia que você estava diferente," ela disse, quase como se pensasse em voz alta, analisando meu rosto.

Eu só ri, balançando a cabeça. E fui conferir se a cola tinha funcionado.

E tinha. Mesmo que eu só tivesse passado no primeiro um centímetro de comprimento, pelo menos agora eu tinha uma base para continuar.

"Eu só queria saber se deu certo," ela disse, voltando também ao seu trabalho. "Se seu primo te ligou."

"Não ligou," falei. "Mas não importa. Não me importa, na verdade. Ela pode estar em qualquer lugar do mundo, não muda muita coisa para mim."

Carol levantou de novo seu rosto, dessa vez as duas mãos parecendo soltar do tecido. "Como é que pode não mudar nada para você?"

Ela parou sua pergunta aí, mas eu podia ver todas as outras que ela não tinha feito rodando pela sua cabeça. Como eu podia deixar de me importar tão rápido? Eu estava fingindo antes? Qual era meu problema?

"Então," comecei, despreocupado, "às vezes eu até tento me importar mais. É só que, quando acordei hoje, percebi que não dá para sentir raiva de alguém que não existe. Não dá para ficar me importando com o futuro de alguém assim. Quem eu amava," assim que ouvi a palavra sair da minha boca, quis retrair. Mas só continuei, "não existe. Essa Tessa que ainda está fugindo não é ela, nunca foi. Não consigo me importar com essa e nem continuar amando alguém que eu sei agora que não é real. Ela é uma estranha para mim. E não muda em nada na minha vida.

"Não que eu esteja completamente bem," continuei, só para acalmar a expressão de confusão no rosto de Carol. "Claro que estou, de certo modo, de luto por algo que eu quis por tanto tempo. É só que é bem difícil sentir esse pesar de um jeito quase palpável agora. Eu estava enganado e construí todo esse sentimento em pó. É fácil me desprender agora."

Carol só concordou com a cabeça, ainda parecendo absorver tudo que eu tinha falado. Eu continuava a colar o fundo, alguns centímetros por vez.

"Acho que a coisa que me incomoda de verdade é o tempo que eu fiquei me culpando por algo que poderia ter sido evitado completamente," admiti, agora já preso ao assunto. "Mas já tomei a decisão de voltar a ser quem eu sou. Parar de ver tudo como uma grande maldição na minha vida e voltar a colecionar experiências."

"É isso que está diferente," todas as sua rugas de preocupação desapareceram e Carol sorriu.

"É," concordei, segurando seu olhar por alguns segundos mais. Só quando ela o desviou de volta para o tecido em seu colo, que eu continuei falando. "Só meu pai ainda deve estar empenhado em conseguir encontrá-la. Mas é por Jem. Desde que meu tio morreu, ele sempre se sentiu na obrigação de cuidar da irmã dele e de Jem. Mas nós dois preferimos ficar de fora.

"Além de que," continuei, "não precisamos de mais má publicidade com nosso nome."

Carol me olhou estranho. "Do que você tá falando?"

Eu ri. "Pede para Ian um filme para a nossa próxima sessão de cinema," falei. "Filme dele, das mentiras que ele resolveu contar sobre meu pai."

Ela parecia cada vez mais confusa.

"Depois te explico direito," prometi. "Agora, olha uma coisa. Eu devo simplesmente dobrar o tecido e colar aqui?"

Ela manteve seu olhar suspeito por um segundo, mas logo o mirou na direção do fundo. "Isso," disse. Como eu vou colar o fundo também na bolsa, essa parte pode ficar remendada."

"Ótimo," falei.

Ela voltou a costurar, sua mão segurando tão firme que os dedos já estavam vermelhos.

"Por que você não faz isso em uma máquina de costura?" Quis saber.

"É impossível!" Ela exclamou. "A máquina não faz essa curva! A minha, pelo menos. Precisa ser a da Madison, mas ela está sendo usada."

"Não tenho ideia de quem seja."

"Estilista do castelo. A oficial," ela esperou que eu reconhecesse, mas só balancei a cabeça. "A que foi pega com o Dylan."

"Ah. Sei."

"Ela é a única que tem uma máquina onde você consegue prender essa parte," ela mostrou a que segurava com a mão esquerda, "para que a costura fique perfeita. E a máquina costura ainda mais firme, aliás. Sem contar que demora pouco tempo."

Ela enxugou a testa com as costas da mão que segurava a agulha grande e grossa.

"Teoricamente, você também tem algo que pode segurar a parte que tem que ficar imóvel."

"Minha mão?"

Eu balancei a cabeça. "As minhas," a corrigi.

Soltei rápido da parte do fundo que eu tinha estado segurando para colar e chequei para ver se tinha dado certo.

Precisava ficar mais um tempo, mas eu deixei de lado para ajudá-la. "Vamos lá, me diga como segurar que eu mantenho ela firme para você."

"O problema é que eu tenho que segurar essas duas partes juntas," ela começou, já bastante desanimada.

"Ótimo, eu tenho duas mãos," falei, sentando mais na ponta da cama. "Pode soltar," falei, colocando uma mão em cima da dela, a outra passando por baixo do braço dela para segurar a segunda parte.

Ela já estava suada, seus dados fracos e exaustos. Demorou para deslizar a mão por baixo da minha, provavelmente com medo de eu não conseguir segurar e acabar com todo o progresso que ela tinha tido até então. Mas eu estava determinado a não decepcioná-la. Ela, mais do que ninguém, merecia uma ajuda impecável.

Ela aproveitou para estralar os dedos e alongar as mãos. Quando voltou a pegar na agulha, ficou um tempo olhando para o tecido, pensando em como encaixar agora que meus braços estavam no caminho.

Eu cheguei ainda mais perto.

"Empurra esse na direção daquele," ela disse, apontando para minhas mãos. "Mas não muito forte, senão você perde o controle e fica torto."

"Pode deixar," falei, determinado.

Custou um pouco para ela conseguir achar uma posição que realmente facilitasse para ela costurar, mas acabou entrelaçando um braço nos meus e, uma vez confortável, ela pôde trabalhar ainda mais rápido.

"Você sempre faz esse tipo de coisa?" Perguntei, a assistindo costurar.

"Não, é minha primeira bolsa."

"Isso eu sei, você falou. Mas presentes assim, para suas amigas. Você sempre faz à mão?"

Por alguma razão, ela demorou para me responder. Era quase como se minhas palavras a tivessem calado intencionalmente.

"Não é como se," ela começou, parando para dar de ombros, "como se eu tivesse muita alternativa."

"Como assim?"

Ela demorou de novo para falar. "Não tenho como pagar por uma bolsa dessas," acabou dizendo, sua voz vários tons mais baixos. "Quer dizer, mal feita como essa, eu quase tenho."

"Não está mal feita," a corrigi. "E eu não estava me perguntando sobre você comprar presentes ao invés de fazer," não queria falar de dinheiro, não naquela hora. "É que a maioria das pessoas que não pode se dar o luxo de sair comprando presentes para todos que conhecem não se esforça para criar algo com as próprias mãos."

Ela ficou quieta outra vez, mas agora sorria para si mesma. Um sorriso humilde e discreto, mas que eu fiz questão de notar.

"Eu só não queria que ela sentisse que esquecemos dela," disse. "Já é ruim o suficiente o irmão ter passado por tudo isso. E ela gosta mesmo do aniversário dela. Acha que deveria ser feriado nacional."

Ela riu sozinha, provavelmente lembrando da amiga falando isso.

"Já tentou comentar com o Rei Maxon sobre isso?" Perguntei de brincadeira.

Mas Carol riu ainda mais. "Seria a cara dela fazer isso," disse.

"Eu não a conheço," falei, desviando um pouco a minha mão de onde percebi que ela costuraria em seguida, "mas acho que ela vai ficar bem feliz."

"Tomara."

"Acho impossível," continuei sem lhe dar muito tempo de falar, "ela não gostar. Impossível que ela não note o trabalho que deu e como você se importa."

Carol deu de ombros. "Nem é tanto trabalho assim."

Balancei a cabeça para mim mesmo, olhando o chão por um segundo, inconformado. Como ela podia ser tão cega para si mesma?

Na hora, me lembrei de uma história que ela tinha me contado na noite anterior sobre seu pai. Sobre como ela tinha passado uma noite inteira preparando um bolo para ele quando ainda era criança e como ele nem deu bola. E, principalmente, sobre como ele a abandonou dias depois.

Por causa de um único cara que não viu a sorte que tinha de tê-la por perto, ela agora achava que era invisível pro resto do mundo.

Levantei o rosto para olhá-la de novo. Ela não era nem um pouco invisível para mim.

"Carol," comecei, sem saber direito o que diria em seguida. "O que você faz é incrível. Excepcional. Não ache que é normal," ela olhou para mim, seus olhos brilhando como quem nunca tinha ouvido aquilo antes. "Não é normal, não é comum, definitivamente não é banal. Não existem muitas pessoas como você. E saiba que todo mundo vê isso. Todo mundo nota como você sempre deixa por onde passa mais bonito."

Ela me olhava tão confusa quanto eu esperava que ficasse. Não era possível que eu fosse mesmo o primeiro a falar isso para ela! Talvez simplesmente fosse difícil acreditar, depois de ter passado despercebida por tanta gente de quem ela quisesse a atenção.

"Aliás," voltei a falar, assim que pensei nele, "o correio elegante que você recebeu na festa," por instinto, estiquei um dos meus dedos, na melhor tentativa de segurar sua mão, ou pelo menos tocá-la, "fui eu que enviei."

Era estranho. Eu mesmo estava nervoso. Eu mesmo senti meu estômago embrulhar quando lhe contei e seu rosto ficou ainda mais branco do que o normal. Desviei meus olhos, pronto para me explicar, para reforçar que ela realmente não entendia o impacto que tinha nas pessoas. Mas fui interrompido.

Antes que mais uma única palavra pudesse sair da minha boca, alguém bateu na porta e a abriu sem precisar de permissão.

"William Owens," era Marlee Woodwork e ela não parecia nem um pouco feliz. "Você está atrasado para o seu encontro com a Princesa Lola."


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