Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 116
Capítulo 116: POV Kyle O'Malley


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Run Away" da Kat Graham



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Da noite para o dia, o castelo parecia ter enchido de gente. Nem era só pelos guardas vermelhos e britânicos que transitavam como se ainda estivéssem em Londres. Nem pelos outros illéanos que pareciam ter brotado do nada. Era cedo ainda, oito horas em um domingo, mas a Sala de Jantar abrigava convidados mais do que especiais: câmeras.
Uma equipe de filmagem estava estacionada na frente da mesa da realeza, nos obrigando a ficar em silêncio ou conversar o mais baixo possível, enquanto outras várias câmeras revezavam filmando os selecionados. Também tínhamos recebido conhecimento sobre uma terceira equipe que devia estar naquele momento fazendo alguns takes dos jardins e outros lugares por onde a Seleção passava. Segundo o Rei Maxon, quanto mais atenção déssemos a outros assuntos, menores as chances de descobrirem que tínhamos um incidente a esconder. E, quem sabe, o autor do ataque ficasse mais inibido a tentar outra vez, sabendo que poderia ser filmado a qualquer instante.
Por causa da atenção repentina, todos os selecionados fizeram questão de descerem pro café mais arrumados. E não eram só as roupas deles que tinham melhorado. O ânimo de todo o cômodo parecia ter mudado no instante em que as câmeras entraram. Os oito que ainda sobravam conversavam animados, como verdadeiros amigos. Lançavam vários olhares na direção de Lola e ela, como boa princesa, os devolvia elegantemente, ignorando todas as minhas bufadas depois de cada interação deles.
Estar sendo filmado teve um efeito bastante diferente em mim. Quando me dei de cara com um dos câmeras, minha vontade foi de dar meia volta e pedir que me trouxessem o café da manhã no quarto. Mas isso talvez chamasse ainda mais atenção para mim, então tomei meu lugar de direito na mesa rapidamente. E me contentei em ficar em silêncio por uma boa parte do café.
Tinha uma cadeira só entre a de Lola e a minha. A cadeira de Clare. Nem pensei em me sentar nela. Pelo contrário, fiquei esperando que ela aparecesse. Já não a via fazia tempo, desde que ela tinha insistindo em ignorar meus pedidos de cautela, e até sentia uma certa falta dela. Todas as vezes em que as portas se abriram, pude jurar que seria ela. Mas, depois de quase meia hora, acabei desistindo.
"Lola," a chamei, o mais baixo possível, não conseguindo ignorar a luzinha vermelha a alguns metros de distância que focava na minha cara.
Era inevitável imaginar todas as pessoas que estariam na frente de uma televisão, presenciando aquele momento. Não era ao vivo, mas ainda assim. Todos veriam qualquer coisa que acontecesse, qualquer besteira que eu fizesse. Pior ainda seria se me ouvisse.
"Lola," falei mais alto, fazendo ela me olhar por cima do ombro. Sorri de lado para a câmera, engolindo o que queria dizer. Teria que falar alto demais de onde estava. Talvez fosse melhor simplesmente deixar para outra hora.
Uma olhada rápida de novo na direção de Lola me deu outra ideia. Peguei as coisas que deviam ter sido de Clare e troquei de posição com as minhas. E logo pulei para a cadeira ao lado dela.
Ela me olhou estranho, bastante surpresa. Me inclinei de um jeito que era até um pouco próximo demais, mas que, pelo menos, deixava minha boca fora do alcance de quem me filmava.
Quem sabe a proximidade até ajudasse. Se meu irmão assistisse, poderia diminuir as perguntas no próximo telefonema.
"Posso te perguntar uma coisa?" Pedi.
Lola sorriu para a câmera, sem parar de se servir educadamente de um muffim. "Claro," disse.
"Como vai a Seleção?"
Ela devia esperar qualquer coisa, menos aquela pergunta, pois virou o rosto para mim com os olhos arregalados, me olhando como se eu tivesse enlouquecido.
"Só por curiosidade," corri para acrescentar.
Ela franziu a testa antes de responder, talvez questionando até porque eu estaria curioso sobre o seu futuro.
A verdade era que eu estava começando a ficar incomodado. Não fazia muita coisa ali dentro, costumava passar os dias só dormindo e andando pelo castelo. Quem sabe, uma vez de volta na Irlanda, eu fosse torcer para conseguir ter aquela rotina. Mas, do outro lado do mundo, eu estava entediado. Lola estava ocupada e eu já nem saberia dizer se Clare ainda estava em Illéa, de tanto que andava sumida. Tinha tido ideias completamente diferentes para aquela viagem quando nós chegamos. E não estava sendo tão divertido quanto tinha imaginado.
Não que muita coisa me esperasse em Dublin. Mas mesmo assim.
"Vai bem," foi o que Lola respondeu, sem parecer acreditar no que falava.
Não estava acompanhando de perto a Seleção e nem precisaria. Já podia imaginar como tudo andava. Lola exigindo demais dos selecionados, não se deixando aproximar. Aquilo poderia demorar meses. Eu precisaria arranjar alguma coisa pra fazer.
Se pelo menos a Clare não estivesse desaparecida.
"Ei, você conhece esse cara aí que," olhei por cima do ombro na direção da câmera, me fechando mais na direção da Lola, "que tá interessado na Clare?"
"Não, só de nome," ela respondeu, levando um pedaço de muffim perfeitamente cortado à boca.
"Ela já o conhecia antes?" Insisti, apesar de Lola nem olhar direito para mim, continuar fazendo pose pras câmeras. "Eu mal a vi desde que a Seleção começou," continuei. "Eles estão juntos faz tempo? É por isso que ela veio? Por ele? Eles estão juntos de verdade?"
"Okay, Kyle," Lola soltou de seu garfo e virou na minha direção. "Uma pergunta de cada vez."
Eu respirei fundo. Por mais estranho que fosse, aquela pequena interação já ajudava em tudo não ficar tão chato.
"Por que ela anda tão desaparecida?" Era a pergunta que eu mais queria fazer. "Ela está guardando algum segredo?"
"Uma de cada vez, lembra?" Lola apertou os olhos, respirando fundo. "Não sei porque ela anda tão desaparecida. Acho que simplesmente está ocupada, fazendo alguma amizade por aí."
"Mas você é a melhor amiga dela! Não sabe o que ela vem fazendo na última semana inteira?"
Lola suspirou, algo atrás de mim atraindo seus olhos. Eu estava bem ciente de que ela acompanhava o que quer que fosse sem me dar atenção, mas eu estava focado na conversa. Ela ainda não tinha respondido tudo que eu queria saber.
"Olha, Kyle," seus olhos finalmente chegaram de volta aos meus, desviando de algo logo ao meu lado. Olhei rápido por cima do ombro, sentindo uma pontada de esperança de ser Clare. Mas era só um criado qualquer, trocando o prato de muffins à nossa frente. "Clare o conheceu faz pouco tempo, mas eles andam passando mesmo bastante tempo juntos. Eu não o conheço, mas acho que eles andam se entendendo."
"Como você a deixa passar tanto tempo assim com um cara que nem conhece? Alguém que-" me cortei logo a tempo, antes de falar besteira na frente das câmeras. "Alguém que pode muito bem ser perigoso?"
Lola soltou uma risada rápida. "Como eu deixo?! Ela tem vinte anos de idade. Não tem o que eu deixar!"
"Mas você não acha meio suspeito esse interesse dele? Do nada. E como ela, sei lá, grudou nele! O que ele deve estar falando pra ela ficar tão assim?"
"Assim?"
"Assim, o tempo inteiro com ele! Ela disse que não conseguiria deixar alguém que ela se importa depois daquilo," fiz uma careta junto com a palavra, "mas como é que ela já pode se importar com ele? Quem que é ele? Por que ela se importa tanto assim com ele? De onde ele saiu?"
"Qual é o seu problema, Kyle?" Apesar de ela ter baixado a voz, Lola parecia mesmo era ter vontade de gritar. "Por que você, do nada, está tão preocupado assim com quem a Clare deixa se aproximar dela? Que diferença faz pra você?"
"Ela é minha amiga! E você a conhece, ela nunca acha que alguém pode ter más intenções! Mas eu consigo ver!" Empurrava os cotovelos com força na mesa, rangendo os dentes e me obrigando a continuar falando baixo. "Eu sei que tem alguma coisa errada com ele, Lola. E toda essa história. Do nada, ela esquece da gente pra ficar o tempo todo com ele? Isso não existe!"
"Esquece da gente?" Lola riu. "Kyle, ela não esqueceu da gente. Ela dormiu no meu quarto na noite passada e você-"
Ela parou a frase no meio, se contentando em balançar a cabeça para si mesma.
"E eu o quê?"
Suspirou. "Nada."
"Não, nada não. E eu o quê? O que você ia falar?"
Lola balançou de novo a cabeça, mas parou quando seus olhos encontraram os meus. E ela parecia estar pensando, e eu a deixei. Tinha a sensação de que sabia o que ela diria. Sabia que escutaria Lola falando que Clare não estava muito feliz comigo. Que era ridículo pensar que ela poderia ter me esquecido, quando, na verdade, estava com raiva de mim. Não sabia porquê, mas tinha uma forte impressão de que eu tinha feito algo de errado.
E já fazia uns dias que me sentia assim. Só tinha preferido ignorar a sensação ruim de que uma das minhas únicas amigas ali não queria cruzar o caminho comigo.
"Ela não te esqueceu, Kyle," foi tudo que Lola acabou dizendo.
Mas não era o suficiente. Ela não estava me contando tudo.
"Por quê?" Insisti.
Ela balançou de novo a cabeça. "Por nada, oras."
"Lola, o que aconteceu?"
Era tão difícil assim ela simplesmente me falar o que eu tinha feito de errado? Se eu soubesse, poderia consertar e não ter que ficar o tempo todo pensando em como queria voltar para a Irlanda.
"Kyle, não sou eu que tenho que te contar," apesar de suas palavras, tive a impressão de que estava prestes a ceder. "Ela que precisa tomar a iniciativa."
"Mas, se for assim, talvez eu nunca saiba!" Lola já devia entender que eu tinha uma boa ideia do que ela iria me contar, mas ainda mantinha a sua negação plausível. "E eu preciso saber!" Insisti, quase implorando, no tom mais baixo que conseguia. Nem me importava mais com a câmera que já devia ter cansado de ver minhas costas tampando a pessoa que mais queriam filmar. "Eu preciso ter certeza."
Algo pareceu acender dentro da Lola. Ela relaxou sua expressão e respirou fundo. "Você está certo," falou. "Se depender dela, talvez você nunca saiba. E você realmente tem o direito de saber," finalmente, estávamos entrando em um acordo. "Mais do que isso, ela não sabe o que pode estar perdendo por medo de falar."
Já podia até ver, Lola me contaria a besteira que eu tinha feito, eu consertaria e Clare não se esconderia mais. Aquilo não era só um jeito de eu ficar menos entediado. Não. Clare também não teria que passar o tempo todo com o guarda lá, as coisas poderiam voltar a ser como eram antes.
Eu queria tanto que tudo voltasse a ser como era antes!
"Ela anda mesmo se escondendo de você, Kyle," Lola confirmou, me deixando ansioso para o que ela diria em seguida, "e anda fazendo isso," ela parou para engolir a seco, logo antes de continuar e me fazer sentir o chão fugir de meus pés, "porque ela é a Karen."


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Notas finais do capítulo

TCHÃ TCHÃ TCHÃÃÃÃ



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