Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 115
Capítulo 115: POV Marlee Woodwork


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Secrets" da Kat Graham



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Eu estava pronta para ver aquele evento acabar, e nem era por causa do meu vestido, tão justo que me dóia ter que dar sempre passos pequenos. O fato era que já tinha sido complicado o suficiente ter que planejar tudo em conjunto com Lucy, por causa da Seleção, e tinha ficado ainda pior com o susto que tínhamos levado dias antes. Cada pessoa que se mexia dentro daquele salão me parecia uma ameaça. Meus olhos estavam quase sempre em America e Maxon e, toda vez que eu me esquecia por um segundo e os desvia para algum outro lado, logo sentia um pânico me afundar por dentro. Eu sentia que, no instante em que parasse de prestar atenção neles, algo terrível aconteceria.
Já estava pronta para ir embora. Pronta para tentar me preocupar menos. Já estava cansada do medo constante e de vê-los se arriscarem daquele jeito. Quando Maxon soltou de seu garfo e praticamente declarou a todos que o jantar tinha se acabado, eu respirei aliviada. Agora só faltavam mais alguns minutos de conversas sobre espumante, talvez meia hora, e eu poderia convencê-los que seria melhor voltar ao castelo. Já tinham marcado presença, a Princesa Lola já tinha até feito mais do que o planejado. Tinha sido ótimo. Não havia a menor necessidade de continuar se arriscando daquele jeito só dois dias depois de alguém tentar, a todos efeitos, sequestrar seu filho mais novo e a mulher.
Corri os olhos rapidamente pela festa, percebendo que Lucy tinha se afastado e fazia o mesmo, só que encostada no bar. Voltei a mirar a mesa da realeza, mas comecei a andar na sua direção. Ela me ofereceu um sorriso quando me coloquei ao seu lado, de frente para a festa, olhos ainda presos nas costas de America.
"Acho que podemos considerar o evento um sucesso," falei, suspirando fundo, de cansaço e certa satisfação.
"Foi perfeito," Lucy respondeu. Eu poderia apostar que seus olhos estavam brilhando só pelo seu tom, mas não me virei para olhá-la. "Bem melhor do que eu poderia imaginar!"
"Você está de parabéns, Lucy."
Vi com o canto do olho que ela sorriu para si mesma, encarando o chão por alguns instantes.
"Dá até medo, não é?" Disse, como se pensasse em voz alta. "Medo da próxima fase. Essa foi tão bem, parece que é para compensar o enorme fracasso que vem pela frente."
Eu revirei os olhos, finalmente me virando para ela. "Para quê tanto pessimismo?" Perguntei, indiganada. "Talvez o sucesso desse evento só prove que você está no caminho certo, que sabe o que está fazendo!"
"Mas eu nunca sei o que estou fazendo!" Ela também se virou para me olhar, balançando a cabeça para si mesma. "Tenho uma impressão constante de que vou falar a coisa errada, ou esquecer de alguma coisa, simplesmente desmoronar tudo em um segundo!"
"Medo de errar não é necessariamente algo ruim," falando isso, eu me virei para a frente outra vez, meus olhos procurando e encontrando America na mesma posição em que estava antes de olhar para Lucy. "Todos temos. Ainda mais quando você entra pra carreira sem querer. Mas pode ter certeza de que todo mundo acredita que você vai conseguir."
"Nós," ela me corrigiu. "Eu não estou nada sozinha nessa."
"E nem vai estar, caso tropece mesmo."
Já podia prever que ela ficaria feliz com a minha resposta, mas me surpreendi quando a sentir colocar o braço em volta de mim e me abraçar de lado. Fiz o mesmo logo em seguida.
"Aliás," disse, "se faltar dinheiro para a campanha, me avisa que eu dou um jeito."
Lucy se afastou um pouco, querendo me olhar melhor. "Tá louca, Marlee? Não vou pedir dinheiro para você! Sem contar que a Princesa Lola já me garantiu que cobriria qualquer falta."
"Verdade," falei, pensando no discurso que ela tinha dado naquela noite de improviso. "O que que será que deu nela, né? Não que eu esteja reclamando!"
"Acho que algumas pessoas simplesmente vêem esse tipo de coisa de outro jeito," Lucy também olhava para a frente, e pude apostar que nós mirávamos a mesma mesa, "de um jeito mais claro. Enquanto tem gente que simplesmente não sabe que pode estar passando por um abuso."
"É sobre isso a campanha, não?"
Ela deu de ombros. "Isso e outras coisas também. Mas esse é o meu grande foco pessoal, tentar explicar que abuso pode vir de quem menos se espera. E é a coisa mais difícil de as pessoas entenderem."
Franzi a sobrancelha, a olhando por cima do ombro. "Como isso pode ser a coisa mais difícil de entenderem?"
Lucy respirou fundo, provavelmente já tendo revisitado aquele assunto mil vezes. "É difícil conseguir fazer alguém entender que algo como um estupro vindo de um estranho é tão ruim quanto um vindo do amor da sua vida. Aliás, já começa que é bem difícil explicar que, só porque você já conhece o cara e tem alguma relação com ele, não significa que ele não pode vir a te estuprar. Por incrível que pareça, abusos vindo de familiares são mais fáceis de aceitar do que aqueles que vem do cara em quem você confiou na sua intimidade."
"Mas a campanha é para mudar isso?"
"É para tentar, realmente," ela me olhou de lado e sorriu, um pouco triste. "Tentar explicar que não importa quem seja, quantas vezes você já ficou com ele voluntariamente ou quantas vezes disse que queria alguns minutos atrás, no momento em que você não quer e ele força, é abuso. Não é não, mesmo que tenha vindo logo depois de vários sim. Você tem o direito de mudar de ideia, de parar quando quiser. Não deve nada a ninguém, a não ser honestidade consigo mesma. Honestidade de não se deixar passar por algo tão terrível como um abuso só para não ferir os sentimentos de outra pessoa. É seu direito decidir o que quer fazer e quando com o seu corpo. Como eu disse, ele pode ser um estranho que não está nem aí para você ou o amor da sua vida, se ele vai contra a sua vontade, é abuso."
Lucy podia não ter percebido, mas conforme ela foi falando, sua voz foi ficando mais direta, mais firme. Era quase palpável o quanto ela acreditava naquilo. E me deu um orgulho enorme. Eu esqueci de olhar para a America e para o Maxon, esqueci que a festa estava quase acabando. Me deu vontade de assar um bolo e começar outra, só para celebrar a pessoa maravilhosa em que ela tinha se tornado.
E Lucy realmente não sabia o quanto eu a admirava, pois desviou os olhos para o chão logo depois do que tinha falado, suspirando outra vez. Como se só estivesse mesmo fazendo o mínimo, como se a sua vontade de mudar e de ajudar as pessoas não fosse linda de se ver.
Dessa vez eu fiz mais do que só deixar meu braço em volta da sua cintura. Eu me virei para ela e a abracei o mais forte que podia.
"Te desejo toda a sorte do mundo, Lucy," falei, me afastando para olhá-la. "Queria que todo mundo tivesse vindo para ver tudo que você tem conquistado."
Ela balançou a cabeça. "Eu entendo."
"Principalmente Mia," foi minha vez de suspirar. "Ela estava esperando esse evento há meses, mas hoje não estava se sentindo muito bem."
"Ela tem alguma coisa?" Toda a preocupação do mundo passou pelos olhos de Lucy e eu quis lhe abraçar outra vez.
"Não sei," mordi o canto dos lábios. "Ela disse que precisava de um dia para não fazer nada, não pensar em nada. Acho que talvez toda a comoção dos últimos dias possa tê-la assustado um pouco. Não sei."
"É, eu ouvi dizer que está tudo um pouco," Lucy buscou uma palavra que combinasse o melhor possível, "delicado," completou, fazendo eu concordar com a cabeça. "Aspen disse que a Princesa Lola mandou virem guardas especiais da Inglaterra."
Eu me virei de volta pra frente, fazendo um aceno com a cabeça para a mesa dela, onde, logo atrás, quatro guardas diferentes dos outros a assistiam. "Os de vermelho," expliquei. "Mas é por precaução. Carter jura que tudo já se acalmou e que eles não tem razão para acreditar que outro ataque acontecerá. Aliás," olhei rapidamente em volta para me certificar de que ninguém me ouviria e então continuei, minha voz mais baixa, "eles acham que pode ter sido sem querer."
"Sem querer?"
"É. Sem a intenção de realmente dopar alguém. Pelo menos é o que andam falando pelo castelo. Mas eu acho que é só um jeito de acalmar todo mundo. Não queremos que esse assunto chegue na mídia e que todos comecem a ver a Seleção como uma ameaça."
"Entendo," ela falou, ainda mais baixo que eu.
"Não conte para ninguém," pedi. "Pode falar com Aspen, é claro. Mas se mais alguém souber-"
"Licença."
A única palavra dita direta e alta tão perto de mim me fez dar um salto de susto. Pronto. Já podia jurar que alguém terrivelmente fofoqueiro tinha ouvido. Principalmente um dos jornalistas! Quando me virei para ver a quem pertencia a voz grossa, meu coração batia rápido e pesado dentro de mim.
Mas era só Marc, constatei, levando uma mão discreta ao peito.
"Desculpa, não quis assustar," ele disse, apesar de apertar os olhos para mim, tentando ver pela minha expressão o porquê de tanto alarde.
Mas eu logo me recompus. Sorri, educamente, olhando por cima de seu ombro na direção da mesa da família real. Encontrei os olhos de Lola, que rapidamente me fez um aceno com a cabeça e voltou ao que parecia ser uma conversa bastante animada com America.
"Está tudo bem, Marc?" Lucy perguntou.
Meus olhos voltaram para ele, que olhou dela para mim, depois de volta para ela.
"Está. Só queria saber se posso falar com você um segundo. Sozinho," acrescentou, provavelmente notando minha falta de inclanação para me afastar.
Eu lhe mandei um olhar de reprovação acompanhado de um pequeno sorriso, disse à Lucy que, se precisasse, eu estaria por perto e me afastei.
Mas minha curiosidade era muito maior do que minha educação, diminuindo consideravelmente a minha pressa em me distanciar a ponto de não conseguir mais ouvi-los.
"Eu queria saber se tem como eu fazer uma doação," foi a primeira coisa que ouvi Marc falar, o que só retardou ainda mais meus passos. "Não tem como eu nem tentar fazer algum lance neesse leilão, mas queria poder ajudar de algum jeito."
Aquilo era estranho. De um jeito que me fazia querer voltar lá e abraçá-lo, mas estranho. Ninguém no castelo sabia direito de onde Marc tinha vindo, nem de onde era. Mas, pelo que parecia, ele não tinha muito dinheiro. Quase nada, só o suficiente para sobreviver dia após dia. Não do tipo que podia se dar o luxo de doar o próximo salário.
A voz de Lucy era baixa demais e eu não consegui entendê-la, mesmo que tentasse esticar meu pescoço discretamente na direção deles. Até parei alguns metros de lá, fingindo estar ocupada em observar a mesa da realeza, mas não consegui extrair uma só palavra que ela tinha dito. Só murmurinhos.
Por sorte, Marc falava mais alto. E o que ele disse em seguida foi ainda mais surpreendente.
"Se eu puder ajudar também com alguma outra coisa," ele falou. "Não sei como é a organização, mas eu já trabalhei de muita coisa. Se precisar de alguém para consertar algo ou até só para cozinhar para algum evento menor, o que for. Pode me chamar. Assim que eu terminar o que tiver pra fazer no castelo, eu apareço lá."
Quis olhar para ele por cima do ombro, mas, assim que ameacei, pude jurar tê-lo visto com o rosto na minha direção. Cambaleei mais alguns passos discretos para a frente, involuntariamente começando um caminho até a mesa de America.
Marc sabia ser irritante. E, mais ainda, terrivelmente cético. Mas era inegável que ele tinha um coração bom. E até senti um certo orgulho dele naquela hora. Queria volta lá, e dar um abraço gigante nele e em Lucy e agradecê-los por serem tão lindos! Mas, se eu o conhecia bem, qualquer atitude como essa poderia ser usada no futuro como uma razão para não ser mais tão legal. E não queria incentivá-lo a voltar a desacreditar em tudo que ainda tinha de bom no mundo. Principalmente se uma boa parte estivesse dentro dele.
Quando já não os conseguia ouvir, até acelerei meu passo para chegar perto da mesa. Lola já tinha percebido que eu me aproximava fazia um tempo e me esperava com um sorriso bastante largo, que ela pareceu engolir a seco logo depois.
"Tudo bem por aqui?" Perguntei assim que todos me notaram.
"Tudo ótimo," Maxon respondeu. "Aconteceu alguma coisa?"
"Não, eu só-" me cortei, tentando pensar em uma boa desculpa para explicar minha presença repentina, quando meus olhos correram pela mesa e pararam em Lola, "queria perguntar uma coisa à Princesa."
Vamos lá, algo simples, algo rápido, lógico, levemente urgente. Algo que explique porque eu tinha ido tão determinada até a mesa e agora estava ao seu lado, de pé, parecendo ter caído de paraquedas ali.
"Pode perguntar," Lola disse, se inclinando de leve na cadeira. Seus olhos se perderam atrás de mim por um segundo antes de voltarem a me mirar com expectativa.
Eu tinha mesmo os interrompido. Poderia ter desviado o caminho e ido ficar ao lado dos guardas, trocar algumas palavras com Johnson e os britânicos. Mas não, tinha feito questão de parar logo ali.
Mas eu conseguiria inventar uma desculpa. Eu consegui-
Ah! Sabia exatamente o que perguntar.
"Eu só queria saber," dei alguns passos em volta da mesa, para chegar mais perto dela. Até pensei em sentar na cadeira de Marc, mas me mantive de pé, "se você quer convidar algum selecionado para algum encontro amanhã. Essa é a sua semana de convidá-los e, até agora, não me informou de plano algum," mesmo que a tal semana dela só tivesse começado dois dias atrás, acrescentei na minha cabeça.
"Oh," ela soltou, desviando de novo o olhar do meu por alguns segundos. "Não sei."
"Porque, caso queira organizar algo para amanhã, seria bom eu saber logo para poder me certificar de que tudo daria certo," estava tão segura da minha ideia, que quase acreditava eu mesma que tinha mesmo ido até ali com aquele intuito. "Sei que eles adorariam poder passar um pouco mais de tempo com a senhorita. Principalmente aqueles que ainda não tiveram a chance de conhecê-la melhor, como William."
Meu preferido, pessoalmente.
Ela parecia realmente confusa. Tudo bem que era estranho eu estar perguntando aquilo ali, mas ela já devia ter alguma ideia de encontro, era esperado dela.
Ou talvez fosse isso. Ela não tinha ideia alguma. Ela não sabia ser romântica. Eu teria que ajudá-la!
"Se você quiser," falei, pausando só para seguir seu olhar até Marc, que dava alguns passos descontríados na nossa direção, e depois voltar a mirá-la, "posso arranjar com a irmã da Princesa Gabrielle para vocês fazerem alguma aula de dança juntos. Seria muito agradável e uma ótima ideia de encontro."
Lola ficou quieta, me observando, respirando devagar. Acabou só concordando a cabeça, bem na hora em que eu tive que desviar um pouco da mesa para deixar que Marc se sentasse do lado dela.
Ou melhor, do lado de America. Minha posição ali deve tê-lo forçado a afastar sua cadeira e mais parecia que ele acompanhava a rainha do que a princesa, de quem estava notavelmente longe.
"Ótimo," eu disse. Era o suficiente para mim. "E com Will mesmo? Ou devo informar outro selecionado?"
Por um segundo, achei que tivesse só imaginado a pergunta, pois a mesa toda ficou em silêncio, trocando olhares. A única que não se mexeu foi a Lola. Ela manteve os olhos em mim, só concordando com a cabeça, pensativa.
"Pode ser," acabou falando, quase parecendo duvidar do significado das palavras. Eu realmente a tinha pegado desprevinida. "Pode ser William. E a dança. Como achar melhor." Eu franzi a sobrancelha, o que ela deve ter notado, pois logo acrescentou. "Eu confio em seu bom gosto, Woodwork."
Eu sorri, satisfeita. Pronta para mudar de assunto e perguntar o que tinha passado a noite inteira preso na minha garganta.
"Querem ir embora?"


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