Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 110
Capítulo 110: POV America Singer


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Good Goes the Bye" da Kelly Clarkson.



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Tudo passa tão rápido. O tempo é frágil demais, leve demais, tão incansavelmente fugaz! Já tinha me pegado várias vezes tentando controlá-lo, entendê-lo, percebê-lo. Já tinha sofrido durante várias indecisões e inseguranças, milhares de momentos que eu podia jurar que nunca conseguiria superar. Tinha ido de uma garota que guardava todos os seus sonhos em segredo na casa da árvore até a rainha do meu país. Tinha me testado a todos os momentos, insistindo em me segurar a quem eu sempre tinha sido, ao mesmo tempo que já me sentia parte do mundo de Maxon. Sempre que tinha tido algum problema com Charles quando bebê, todas as vezes em que recusava deixar que qualquer outra pessoa criasse nosso filho, cada batalha que tive que travar para manter o cargo de rainha e mãe ao mesmo tempo, todas as vezes em que achei que fracassaria, todas elas passaram. Rápido e fugaz. Todo o peso de cada uma delas só sobrando dentro da minha cabeça. E, se olhasse em volta, tudo parecia girar tão rápido, tão descontrolado! Até a impressão de tentar ter algum controle era incontrolável. Já tinha explicado para mim mesma várias vezes que era bem mais fácil me deixar levar do que insistir em carregar nas minhas costas o peso de consequências e acontecimentos que estavam fora do meu alcance. Mas era inevitável. O tempo não parava e tudo continuava se movendo à minha volta, transformando minutos em dias, em anos, em filhos e o que viesse pela frente.
Mas, se eu focasse bem nos meus olhos, tudo parecia parar por um instante. Não via o meu quarto atrás de mim, nem a maquiagem e o penteado que Mary já tinha feito. Nem via o brilho da coroa em cima da minha cabeça. Não via nada além dos meus próprios olhos. E eu segurava o tempo nas minhas mãos, em meu olhar, entre eu e o espelho, e podia ver quem eu já tinha sido. Cada um dos momentos pelos quais tinha passado, cada sonho que já tinha significado tudo para mim, ali, nos meus olhos, que piscavam depois de cada memória inudar minha cabeça. Os mesmos olhos de quando eu tinha dezessete anos. Os mesmos olhos que viram o povo de Illéa me saldar como sua rainha pela primeira vez. Os mesmos olhos que tiveram a sorte de ver Charles e Sebastian crescerem. Os mesmos olhos que não podiam nunca adivinhar tudo que aconteceria à sua volta.
Uma batida rápida na porta foi o suficiente para eu desviar o olhar pro resto do meu reflexo. Vi pelo espelho que Mary foi abrir a porta e Madison entrou logo em seguida, carregando o meu vestido.
Voltei meus olhos outra vez para eles mesmo, respirando fundo. Praticamente colecionava aqueles pequenos e rápidos momentos de introspecção que conseguia durante os dias, mas aquele parecia um pouco diferente. Eu tinha acordado diferente. Se me perguntassem honestamente, diria que não estava exatamente no clima de ir em um evento tão grande e formal. Mas era por uma boa causa. E nunca me perdoaria se faltasse só por falta de vontade.
Me virei para Madison quando percebi que ela deixou o vestido na cama. No meio de tanto tule azul, mal conseguia ver minha colcha. Mas Madison estava orgulhosa. Assim que o deixou, se virou para mim, olhos grandes e sorriso nervoso, esperando minha reação.
"É maravilhoso," eu disse, passando meu dedo pela saia da minha cor preferida.
"Ah, que bom que gosta, Majestade," Madison respondeu, abaixando sua cabeça em uma tentativa de reverência. Vi quando soltou seus ombros e respirou fundo, seus olhos piscando várias vezes seguidas.
"Cansada?" Perguntei, a palavra lhe dando vontade de rir, à qual ela teria se entregado, se não parecesse lhe faltar forças para isso.
"Levemente," ela respondeu em meio à sua quase risada. Seus olhos miraram a cama por um segundo, cogitando se sentar. Mas ela acabou por só se apoiar no dossel.
"Mary," me virei para ela, que estava parada à minha esquerda. "Ainda tem chá?"
"Sim, Ames. Gostaria de uma xícara?" Ela já ia em direção à mesinha perto da varanda.
"Se Madison me acompanhar," ofereci, apontando para lá.
Ela praticamente jogou a cabeça para trás, desistindo de qualquer pose que poderia querer manter por estar trabalhando, e sentou na cadeira como se tivesse sonhado com ela durante anos.
Eu ajustei meu robe e fui atrás dela, tomando a cadeira à sua frente e puxando outra para Mary, que nos servia.
"Dia cheio?" Perguntei, assim que adocei o meu e o segurei com as duas mãos.
Não estava com sede. E nem estava frio. Mas gostava da presença do chá, mesmo que só por isso mesma. Madison, em compensação, pareceu desfazer nós em seu pescoço com cada gole, o esticando em todas as direções.
"Vossa Majestade nem imagina," disse.
"Pode me chamar de você," pedi, esperando que ela fosse sorrir. Mas ainda estava ocupada demais em tentar domar seu cansaço.
"Seu vestido foi dos mais complicados," ela continuou, intercalando palavras com goles de chá. "Não teria me importado tanto, mas os últimos dias não foram dos mais fáceis."
"Se eu soubesse, teria escolhido algum antigo," falei, olhando na direção de Mary, que só levantou as sobrancelhas e se escondeu atrás da xícara.
"Não, não!" Madison exclamou. "Não queria que usasse um vestido qualquer. Sei o que esse evento significa. Tanto para você, quanto para Lucy Leger. Não queria deixar que passasse batido."
"E eu agradeço, de verdade," falei, me esticando na mesa para segurar sua mão. "Seu trabalho duro é muito apreciado."
"Se não fosse por todo o trabalho extra," ela continuou, soltando da minha mão logo para apertar sua nuca.
"Trabalho extra?" Se Mary não tivesse perguntado, eu teria.
Madison bufou uma risada. "Tive que fazer um smoking do zero hoje para a pior pessoa para vesti-lo."
"Quem?" Mary quis saber, se inclinando na direção de Madison.
Essa deu de ombros, tentando parecer distraída, mas seus olhos estavam focados em sua xícara. "Marc Hynes," respondeu.
Mary continuou perto dela, mas eu deixei minha xícara na mesa, sorrindo por já saber daquilo.
"O padeiro?" Mary perguntou. "Por que ele vai?"
"Lola," falei, trazendo os olhos dela para os meus. "Ele é o convidado dela."
Tive que apertar os lábios para não rir quando ela os arregalou. "Mas ele não é um selecionado!"
"Claro que não," falei, rindo de leve. Madison só nos assistia. "Mas ela o chamou para acompanhá-la. A escolha é dela, oras."
"E ela pode simplesmente escolher assim?"
"Era isso que eu queria saber," Madison comentou, desviando meus olhos pra ela por um segundo antes de voltar a mirar Mary.
"Não é um evento oficial da Seleção, ela podia chamar quem quisesse. E ninguém também, se preferisse," expliquei. "Mas aparentemente ela escolheu chamar um amigo."
Mary bufou uma risada. "Será que é só isso mesmo?" Ela perguntou, enquanto Madison sorria, nervosa.
"O que mais poderia ser?"
"Ah, Ames. Depois da Seleção de Charles, você realmente acha tão improvável assim que essa tome um caminho não-convencional?"
"Prefiro não presumir nada," declarei, levantando as mãos no ar. "E vocês deviam fazer o mesmo."
Madison parecia ter várias opiniões e não ter a menor vontade de dividi-las conosco. E eu tampouco queria trazê-la para o centro da conversa, depois de tudo que tinha acontecido entre ela e um dos selecionados.
Me levantei. "Agora, se me dão licença, preciso me arrumar." Eu lhes dei as costas e fui até o vestido.
"Claro," Mary disse, logo antes de eu ouvir o barulho de sua xícara sendo colocada no pires. Em menos de dois segundo ela estava do meu lado, pegando o vestido da minha mão.
Madison agradeceu o chá e saiu, deixando que Mary me ajudasse a vesti-lo e completasse tudo com meu colar de estimação, ou melhor, a réplica que Nina tinha me presenteado depois de descobrir que eu o tinha perdido.
Estava de novo à frente do espelho, mirando meus próprios olhos, quando outra batida veio à porta. Dessa vez, meus olhos encontraram o reflexo dos de Maxon.
Em meio a todo o tempo que tinha se passado à minha volta durante minha vida inteira, ele era a única constante. Mesmo quando pensava nos meus anos antes de conhecê-lo, ainda o sentia presente, como se tudo tivesse acontecido para que eu encontrasse meu caminho até ele. E, antes que me virasse para olhá-lo, ele tinha chegado até mim e colocava os braços em volta da minha cintura, me abraçando, amassando o vestido, me fazendo esquecer de todas as horas que tinha passado me arrumando, toda a falta de controle que parecia me assombrar, todo o medo de que meu tempo de felicidade pudesse estar acabando. Com um único beijo rápido, ele conseguiu me dar a impressão de ter acabado de começar a viver o que só podia ser um sonho. Dois pequenos segundos de seus lábios nos meus e qualquer desânimo que eu tivesse antes parecia ter desprendido de mim como uma camada de poeira assoprada para longe.
Quando nos afastamos, deixei minhas mãos traçarem sua gola da nuca até estarem a arrumando, ajeitando o blazer, a gravata borboleta e o pequeno pingente com o brasão de Illéa. Maxon preferiu passar aquele pouco tempo brincando com um cacho do meu cabelo que Mary tinha modelado à perfeição. Quando nossos olhos se encontraram, eu imitei seu sorriso.
Ele inspirou profundamente, olhando cada centímetro do meu rosto, me fazendo quase prender a respiração para ouvir o que ele ia me falar. Quando ele abriu a boca, eu já estava pronta pra repetir o mesmo para ele.
"Acho melhor você olhar no espelho," ele disse, me fazendo recuar a cabeça.
Definitivamente não era o que eu esperava que dissesse.
"Como assim?" Uma olhada na direção do meu reflexo e eu entendi porque. Marly já corria na minha direção, um lenço à mão para limpar toda a bagunça que Maxon tinha feito. "Você também tem batom no rosto," falei, encontrando seus olhos pelo espelho.
Mas ele já tirava o seu próprio lenço do bolso e se limpava.
"Majestade!" Mary exclamou. "Esse lenço é parte do smoking!"
Ela correu pelo quarto, procurando outro, mas Maxon recusou. Quando me virei de volta pra ele, meu batom estava retocado e ele esperava com o braço no ar para sairmos. Mas a minha vontade era estragar minha maquiagem de novo.
"Essa é a sua última chance, Mer," Marlee disse assim que nos encontrou do lado de fora do quarto, no corredor. "Depois de agora, qualquer desistência será vista como descaso."
"Não vamos desistir, Marlee," lhe assegurei, enquanto Maxon ficava quieto entre nós.
Ela levantou as mãos no ar. "Só estou falando, talvez não seja a melhor ideia levar isso adiante."
"Lucy planejou esse evento do zero durante meses!" Exclamei. "Não quero decepcioná-la!"
"Eu entendo, Mer. De verdade. Mas estamos falando da sua segurança!"
Fiz Maxon parar comigo no segundo andar para olhar para Marlee. "Nós estaremos seguros. Ou pelo menos tão seguros quanto estamos aqui."
"Sebastian decidiu não ir."
"E é escolha dele. E de Nina. E de Charles e Gabrielle-"
"Que também vão ficar."
"-Mas a minha é ir! Marlee," me soltei de Maxon para pegá-la pelas mãos. "Não precisa ficar preocupada com a gente. Tomaremos cuidado. Mas simplesmente não podemos deixar de comparecer hoje! Maxon tem um discurso!"
Ela olhou de mim para ele, dando de ombros depois, vencida. "Então prometem tomar cuidado?"
"Totalmente!"
"Ótimo," ela soltou das minhas mãos e se virou na direção da escada, nos fazendo andar também. "Porque eu contratei provadores para vocês."
"Provadores?" Maxon que perguntou, seu tom mostrando que ele sabia do que ela falava.
Mas eu ainda estava perdida. "Que tipo de provadores?"
"Humanos," ela respondeu, quando chegávamos ao último lance de escada. "Para provarem tudo que vocês forem comer e beber durante a noite."
Eu revirei os olhos, apesar de sentir uma pequena pontada de segurança que me era agradável. "Pessoas que morrerão caso tentem nos envenenar?"
"Que jeito terrível de pensar na sua própria segurança, Mer," ela disse, chegando ao último degrau e parando para me olhar.
Foi só então que eu percebi que alguns guardas vinham conosco, passando por nós e se posicionando à nossa volta.
"Mas diga o que quiser, que eu vou continuar preferindo ver vocês vivos."
"Ela tem certa razão," Maxon disse, me fazendo lhe dar um tapinha na barriga.
"Não quero pensar em pessoas com vidas em risco por nossa causa!" Reclamei.
"Então não devia ter aceitado a coroa," ela disse, apontando pra minha cabeça, onde a menor das coroas douradas estava presa em meio aos meus cabelos. "Se ver qualquer pessoa vestida inteira de branco, são seus provadores. Boa festa!"
Sem me dar mais chance de protestar, ela girou em seu calcanhar e saiu pelas portas principais, a cauda de seu vestido justo rosa escuro sendo arrastada atrás dela a cada passo.
Ainda tinha muito que reclamar, alternativas a indicar, mas meus olhos pararam em Marc, a única pessoa perto da entrada que não estava ali a trabalho. E a que mais parecia desconfortável.
Ele puxava seu blazer e as mangas da camisa pra frente, ajeitava a gravata, a afrouxava, voltava a tentar apertar, parecia prestes a arrancar tudo e pisar em cima. Nem disfarçou quando nós chegamos perto dele. Nem pareceu ter nos notado direito, poderia apostar que não nos tinha reconhecido. Passava a mão na faixa na sua cintura, tentando puxá-la pra cima, depois empurrar um pouco para baixo, dando uma afrouxada na camisa, voltando a enfiar dentro da faixa. Ele era a definição de inquieto. E eu já podia imaginá-lo desistindo daquilo e voltando para a cozinha.
Mas o que ele não via era que estava muito bem assim. Por mais que sua gravata estivesse torta e sua camisa não tão bem passada, ele continuava muito bonito. Era bom vê-lo em alguma coisa que não fosse um avental.
Já ele não partilhava da minha opinião. E só me fazia perguntar realmente o porquê de ele ir com a gente. Tinha decidido não presumir nada e nem deixar minha imaginação criar explicações escandalosas, mas ele claramente não queria estar ali. Quase se coçava, sentindo na pele que não pertencia naquelas roupas. De todos os selecionados e a opção de simplesmente ir sozinha, por que a Princesa Lola escolheria levar alguém que odiaria o evento? Não parecia ser o tipo de coisa que uma amiga faria. O que será que tinha entre os dois?
O máximo que eu podia adivinhar era que tinham se conhecido durante os Jogos Aquáticos. Era o que todos sabiam. Como tinham ido daquilo até ela o convidar para o evento de Lucy, eu não saberia dizer. Talvez fosse pelo significado do evento, talvez tivesse alguma coisa a ver com Marc e alguém que ele conhecesse. Talvez significasse alguma coisa para ele.
Talvez ela significasse.
Eu estava para perguntar, quando ele parou de se mexer. Parou de se arrumar, parou de se sentir incomodado com a gravata que lhe apertava e as roupas limpas demais para quem estava tão acostumado a passar seus dias na cozinha.
Ele parou e virou na direção da escada, soltando sua mão que antes puxava uma manga da camisa.
Eu segui seu olhar.
E todos que estivessem por perto acabaram fazendo o mesmo. Todos os olhos nos corredores se viraram na direção da Lola e seu vestido cinza, que roubava todas as luzes do lustre para ele, refletindo em seus menores detalhes em todas as direções possíveis, competindo só com a tiara de diamantes no topo de sua cabeça. Podia ver até de onde eu estava que seu tecido era delicado e que cada movimento fazia com quem ele brilhasse como que por si só. Era até bastante discreto, leve e de uma cor pouco chamativa. Mas não consegui evitar de sentir uma vontade de tocá-lo e estava só esperando que Lola chegasse perto de nós para lhe dizer o quanto ela estava encantadora.
Tinha ficado tão distraída com ela, que me esqueci completamente de Marc. Realmente, só me lembrei porque Maxon se mexeu ao meu lado, roubando minha atenção por alguns segundos e inevitavelmente me fazendo virar pra ele. E então meus olhos caíram em Marc.
Qualquer desconforto que ele parecia ter antes tinha desaparecido como uma poeira assoprada para longe. Poderia apostar que antes vestia um blazer de um tamanho menor e agora sim seus ombros tinham encontrado um que caía como uma luva. Ele até passou as mão pelo peito, a outra pelo cabelo. Mas dessa vez não era para se encontrar, para tentar fugir das roupas que vestia. Dessa vez ele se alisava, como se não tivesse consciência alguma do que fazia, seus dedos movendo por conta própria, enquanto sua cabeça parecia só conseguir pensar no que ele via.
Marc abriu a boca, como se quisesse falar algo e eu praticamente me agarrei a Maxon, na expectativa do que diria. Mas então a fechou de novo, engoliu a seco, até ameaçou olhar para o chão, seu queixo já se inclinando para baixo, mas acabou levantando-o outra vez, mantendo-o na direção de Lola, que já devia se aproximar de nós, não se atrevendo a quebrar o olhar por um segundo sequer.
Até pensei em voltar a mirá-la, mas algo me dizia que me arrependeria de perder qualquer segundo da expressão de Marc. Mesmo assim, eu piscava. Porque não queria me deixar levar pelo que Mary tinha dito. Não queria pensar coisa errada daquilo. Queria ter certeza do que via.
Mas Lola tinha convidado Marc. E eu reconhecia aquele olhar dele. Podia não o conhecer tão bem quanto precisaria para identificar seus olhares, mas alguma coisa ali me era familiar. Ele a olhava diferente, como se a conhecesse, como se quisesse conhecer, como-
Maxon virou o rosto para mim, roubando minha atenção para os seus olhos.
Ele a olhava como Maxon olhava para mim. Marc olhava para Lola como Maxon olhava para mim.
Voltei a mirá-lo, mas Lola tinha chegado até nós, parando à nossa frente, seus vários guardas vermelhos posicionados à sua volta, só aumentando o contraste da cor fria que ela vestia. Olhei rapidamente para ela e aceitei suas palavras de animação para o evento que nos esperava. Teria engatado em uma conversa, lhe dito que achava maravilhoso como ela conseguia se vestir tão elegante e discreta ao mesmo tempo ou enfatizado o quanto aquele evento era importante. Se eu não estivesse a alguns metros de Marc, teria discutido até as maiores polêmicas com a princesa britânica.
Mas só pensava no último assunto que poderia deixar sair pela minha boca. Não fazia questão de fofoca e mal queria incentivar minhas próprias hipóteses para o que estava vendo. Mas estava mais do que só curiosa agora. Estava intrigada. Queria saber, queria poder descobrir se o que eu estava pressentindo era verdade, se estava mesmo diante de algo tão improvável, tão absolutamente frágil. Queria saber se estava na presença de algo tão maravilhosamente incontrolável.
Durante o caminho todo até o evento, meus olhos iam de Lola para Marc e de volta para Lola. Ela parecia mais calma do ele, parecia saber o que fazia. Mas ainda assim eu sentia às vezes que tinha visto algo nela, uma olhada rápida na direção dele quando ele não estava vendo, uma checada básica da posição das mãos dele em relação às dela e uma ajeitada discreta de suas próprias roupas. Talvez eu estivesse imaginando. Talvez não significasse nada. Mas a tensão dentro daquele carro era mais do que só por qualquer um dos passageiros estar se perguntando o porquê da presença de Marc e, ainda mais importante, a ausência de pelo menos um selecionado. Eles tinham sua própria tensão, pesada, invisível e instigante demais para eu não perceber.
Marc tinha voltado a parecer desconfortável, mas agora de um jeito bem diferente. Ele evitava se mexer muito, passou o caminho inteiro olhando para fora da janela. O máximo de movimento que fazia era para passar a mão no cabelo, que provavelmente tinha sido arrumado por ele, já que era a única coisa descontraída em todo seu traje.
Quando nosso carro parou na frente do começo do tapete vermelho, já tinha me decidido que os observaria durante a noite inteira. Sentia quase uma obrigação de descobrir se tinha mesmo algo entre os dois, não por Lola, mas pelo menos por Marc. Ele era o illéano. E eu inevitavelmente via muito de mim nele.
Principalmente quando ele saiu do carro e seus olhos percorreram o que nos esperava.
Do lado de fora, parecia um evento cinematográfico. Tapete vermelho, câmeras, fãs, repórteres e, por nossa causa, uma boa quantidade de guardas reais vestidos de azul escuro por todo o caminho até o Museu de História Natural de Angeles. Os poucos vermelhos seguiam Lola ou ficavam perto dos azuis de mais alta escalão. Mas ninguém parecia se importar com eles. Todos os olhos seguiam nós quatro conforme andávamos na direção da entrada.
Marc e Lola andaram na frente, sendo obrigados a se tocarem. Mas, mesmo quando o braço dela estava enrolado no dele, eles ainda mantinham uma distância segura e até formal entre seus corpos. Enquanto Maxon e eu íamos praticamente abraçados logo atrás.
Antes de chegarmos à porta, avistei Lucy, que nos esperava com o maior dos sorrisos. Aspen estava logo ao seu lado, vestido com seu uniforme formal e preto, cheio de medalhas merecidas. Fui direto até eles, acelerando meu passo quase até passar por Lola.
Mas ela foi a primeira a falar com Lucy, agradecendo o convite, expressando sua mais profunda gratidão pelo seu trabalho. E então foi minha vez.
Assim que pude, soltei do braço de Maxon para jogar os meus em volta do seu pescoço. Ela também usava um vestido longo, seu cabelo em um coque, toda arrumada e terrivelmente profissional.
"America!" Ela disse quando nos afastamos. "Não acredito que vieram!"
"Como poderíamos não vir?" Perguntei. "Você fez um ótimo trabalho, Lucy! Está de tirar o fôlego!"
Pela primeira vez de verdade, eu olhei à minha volta, trazendo os olhos dela pelo mesmo caminho que os meus faziam. O museu sozinho já seria estonteante. Mas todas as luzes, todas as câmeras, todos os detalhes que ela tinha planejado só deixavam ainda mais difícil de respirar ali perto. Definitivamente me sentia como se estivesse em um evento cinematográfico. Ou pelo menos da realeza.
"Era o mínimo que eu podia fazer," ela disse, me fazendo virar outra vez o rosto na sua direção. "Precisamos urgentemente de um bom resultado hoje."
Maxon praticamente me empurrou para o lado para colocar uma mão no ombro de Lucy. "Garantiremos um bom resultado," ele disse, seus olhos e sua voz tão reconfortantes que tive que passar um braço pela sua cintura e lhe dar o melhor abraço de lado que conseguia. "Pode ter certeza."
Nós cumprimentamos Aspen também antes de entrar e deixar os outros convidados falarem com os anfitriões, mas só depois de Marlee passar por nós e fazer cara de quem queria nos dar uma bronca pela demora. Ela tinha pegado mesmo o jeito daquele trabalho mais rápido do que eu pensava.
Seguimos até estarmos logo ao lado de onde Lola dava uma entrevista com Marc no hall de entrada. Nós mesmos tivemos que parar perto da próxima câmera e responder algumas perguntas, explicar o quanto estávamos animados para aquele momento, como queríamos incentivar todos a falarem daquela causa e ajudarem o máximo possível.
O salão de festas do museu era bastante grande, mas não chegava perto do nosso no castelo. Estava todo arrumado em tons de azul escuro e detalhes em branco. A única coisa vermelha era o tapete. Ao redor do salão, estavam as fotos de todos os item participando do leilão silencioso. Nós passamos quase uma hora andando por praticamente todos, conversando com os convidados que já estavam ali, ministros, governadores, até empresários importantes que fizeram questão de comparecer. Todos vestiam o pequeno broche que nos esperava na nossa mesa com o nome da instituição que Lucy tinha criado.
Quando finalmente pude me sentar e o espetei no meu vestido, já estava bastante cansada. Todos os outros convidados pareceram encontrar seu lugar, e Lola e Marc nos miravam de frente, seus guardas a alguns metros. Sorri para eles assim que se sentaram, especialmente para Marc. E estava prestes a fazer uma pergunta discreta, como quem não queria nada, quando percebi quatro homens vestidos de branco apoiados na parede do lado da porta de onde vinham os serventes. Nossos provadores.
Quando me virei de novo para a frente, resolvi começar devagar.
"Eu realmente lhe agradeço por ter vindo, Princesa Lola," falei, fazendo-a me olhar e sorrir. "Lucy ficou bastante feliz de você estar aqui. Significa muito para ela."
"Significa muito para mim, Majestade," ela respondeu, apesar de não ter a menor obrigação de me dirigir pelo meu título. Meu sorriso já tinha crescido e eu testava palavras na minha cabeça para lhe perguntar de Marc, quando ela continuou. "Aliás, tinha uma coisa que eu gostaria de pedir."
Aquilo me quebrou levemente. "Claro," respondi, educada. "O quê, exatamente?"
Por um segundo, pensei que fosse falar de Marc. Podia jurar que ia me falar o que eu queria ouvir, ou pelo menos acabar com qualquer dúvida que eu tinha sobre a relação que devia existir entre os dois. E se ela me pedisse para apoiá-los? Será que era possível os dois realmente estarem juntos uma semana depois da Seleção dela começar? Será que eu realmente estava presenciando um amor épico e desenfreado? Ela estava mesmo prestes a me confirmar aquilo? Prestes a me pedir que os apoiássemos?
"Será que existe alguma chance de eu falar algumas palavras antes de Vossa Majestade, Rei Maxon?"
Soltei meus ombros, respirando fundo. Eu parecia uma adolescente, movida por curiosidade e um romantismo que, para todos os efeitos, pelo menos até então, não tinha base alguma.
"Como um discurso?" Maxon perguntou na mesma hora em que Marlee se aproximava discretamente de nós.
"Sim, mas bastante curto," Lola nos assegurou. "Não tenho a menor intenção de roubar seu tempo ou sua atenção, mas é que realmente gostaria de poder falar pela causa."
Marlee parou logo atrás de Maxon. "Majestade, preciso que me acompanhe."
Ele demorou alguns segundos para se levantar, mas, quando o fez, deu a volta na mesa até estar ao lado de Lola e lhe ofereceu seu braço. Marc e eu tivemos que ficar para trás, os observando se afastar com uma Marlee que falava baixo e freneticamente no headset que usava.
"Você sabe o que ela quer dizer?" Perguntei antes mesmo de Marc se virar para me olhar outra vez.
"Não tenho a menor ideia," ele admitiu.
Nossa mesa ficava bem ao centro, bem na frente. Não contaria nem vinte metros até o canto do palco, aonde Maxon e Lola se posicionaram para assistir Lucy os apresentar. Era perto o suficiente para ver Lola arriscando alguns olhares pela festa e sempre os terminando na nossa direção. Ela pareceu ter a intenção de sorrir, mas acabava sempre olhando para o chão, para seu vestido, ou levando as mãos para seu cabelo, onde uma coroa de trança mantinha sua tiara no lugar.
Logo antes de Lucy se posicionar atrás do microfone, Lola olhou de novo na nossa direção, encontrando Marc, que ainda nem tinha se virado na direção do palco.
"Ela está linda, não é?" Ouvi minha voz perguntar antes mesmo de pensar se seria uma boa ideia. Talvez não fosse tão discreta quanto quisesse ser.
Marc olhava para seu prato, as taças à sua frente, completamente desligado, forçadamente desinteressado, sem nem se deixar sentir intimidado por tudo aquilo.
"Vocês se conhecem faz tempo?" Insisti, quando ele não respondeu.
"Quem?" Perguntou, dessa vez levantando o rosto para mim.
Eu sorri, levando um tempo para responder só quando pudesse observar sua expressão ao ouvir o nome que diria. "Lola."
Ele não reagiu. Pelo contrário, só me olhou por alguns segundos.
"Não, Majestade," respondeu depois.
"Ah," soltei, dando de ombros rapidamente. "Parece que já são amigos há bastante tempo," comentei, fazendo ele voltar a olhar para o prato, ambos os braços embaixo da mesa, fechado dentro da sua própria cabeça. Nem fez questão de falar outra coisa. Então eu continuei, dessa vez um pouco menos discreta. "Vocês são amigos, não é? Por isso que ela te convidou?"
Um dos cantos do seu lábio se inclinou para cima, no mais próximo de um sorriso que eu tinha visto nele até então, e pareceu mudar todo o ar à sua volta.
"Tenho a leve impressão de que ela me convidou para provar alguma coisa," respondeu, parecendo se divertir com a ideia.
Eu tive que segurar a minha animação por conseguir fazer ele falar. "O que ela pode querer te provar?"
"Que estou errado."
"Em relação a quê?"
Seus olhos encontraram os meus na hora em que Lucy dava pequenas batidinhas no microfone.
"Nada," ele respondeu, se virando o máximo que podia na direção do palco logo depois.
"Mas vocês são amigos, não é?" Insisti, baixando minha voz. Tinha a leve impressão de que toda aquela minha curiosidade estava longe de ser o comportamento adequado. Mas eu queria uma resposta!
Ele bufou uma risada e virou o rosto na direção de Lola. "Algo assim."
No momento, eu estava satisfeita. Mas só porque não queria atrapalhar Lucy com burburinho ou deixar que as câmeras me mostrassem como desinteressada.
Então apoiei de volta na minha cadeira e olhei para o palco. Lucy e seu vestido vermelho praticamente brilhavam de orgulho e felicidade por estar ali. Ela sorria para todos, seus olhos percorrendo o salão e enchendo a cada rosto que avistavam. E então ela encontrou o meu, me oferecendo um pequeno aceno de cabeça logo em seguida.
"Bem-vindos ao primeiro leilão silencioso," ela começou, sua voz preenchendo o cômodo, "organizado pela Fundação Illéana de Proteção às Vítimas de Estupro."


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Notas finais do capítulo

Para quem não tem Facebook ou não segue os grupos lá, eu tirei algumas semanas de férias. Na verdade, já faz tempo que decidi voltar, mas o meu trabalho estava deixando impossível escrever! Desculpa pela demora!



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