Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 11
Capítulo 11: POV Thor Boursheid


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "I Knew You Were Trouble" da Taylor Swift



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Já tinha revirado aquela estante várias vezes, mas eu me recusava a me dar por vencido. Não era possível! Simplesmente não era possível que aquele livro não estivesse ali! Fazia mais de dois meses que eu o estava caçando, mas, de alguma forma, eu nunca o encontrava! As pessoas o devolviam e outras o alugavam antes que eu conseguisse sair da minha aula. A Sra. Dulland já tinha meu número do celular pra me avisar assim que o livro entrasse em território da biblioteca e, mesmo assim, sempre acabavam alugando antes que eu conseguisse colocar minhas mãos nele.
"A senhora disse que ele estava aqui!" Reclamei para ela, que me silenciou levando o dedo aos lábios. Quis revirar os olhos, mas só mordi o lábio.
"Eu achei que estava," ela se colocou na minha frente, lendo cada um dos títulos naquela estante.
Era uma grande perda de tempo e uma frustração grande demais para eu aguentar.
"Deixa!" Falei, quase a matando de susto. "Desculpa, mas deixa. Eu volto quando devolverem."
Andei até a mesa onde tinha deixado a minha mochila e fiz deslizar até que estivesse no ar. Com um único movimento, a joguei por cima do ombro.
"Assim que devolverem de novo, eu te aviso!" Ouvi a voz da Sra. Dulland e assenti como resposta.
Era a mesma coisa. Pela milésima vez. Como é que ela não se cansava? Eu já estava prestes a desistir! E ela ali, agindo como se fosse a primeira vez!
Mas eu não desistiria. Era o mais importante dos diários de Gregory Illéa. Eu precisava vê-lo nas minhas mãos, mesmo que fosse uma cópia. Eu queria ler palavra por palavra que ele tinha escrito, na sua letra. Aquilo quase tinha se tornado um objetivo de vida para mim.
Peguei os livros pesados em cima da mesa que eu levaria. Nenhum daqueles era tão importante quanto aquele que eu queria, mas sair da biblioteca de mãos abanando não era normal. Eu me sentiria quase pelado se saísse do mesmo jeito que tinha voltado. E já que eu não passaria a noite lendo o livro dos meus sonhos, eu me contentaria com algum de história da Grécia.
E talvez um com a história da Nova Ásia. Eu já sabia a história da Grécia de cor. Não tinha como minha nota melhorar. Precisava era focar nas minhas fraquezas.
Antes de ir até o balcão da Sra. Dulland, peguei o livro de história da Nova Ásia que tinha avistado algumas mesas depois da minha.
Quando cheguei na sua frente, seus olhos estavam grudados a uma tela que não poderia ter mais do que dez centímetros por cinco. Ela não se importava. Não perdia um segundo do que quer que acontecesse ali.
Pigarrei para fazê-la se virar para mim.
"Ah, me desculpe," ela disse, se virando para me olhar por um segundo. Era quase como se a vida dela dependesse do que estava passando ali. "Sabe como é," ela pegou o primeiro livro na minha frente quase sem vê-lo e passou pelo detector de códigos de barra, "hoje é o grande dia."
"Grande dia?" Perguntei, só pela obrigação de ser educado. Afinal de contas, aquela mulher já tinha me ajudado muito na minha busca. Pelo menos, ela tinha feito o seu melhor.
"Sim!" Ela se virou pra mim completamente. "Como você não está sabendo? O país todo está parado, louco pra saber quem vai ser escolhido!"
Assim que ela falou isso, meus olhos se voltaram para a pequena tela que exibia o rosto sorridente de uma jovem que eu conhecia.
Mas é claro! A Seleção!
"É hoje que vão anunciar quem vai entrar pra competição?" Eu perguntei e Sra. Dulland soltou uma risada divertida.
"Vocês jovens não conseguem tirar a cabeça dos estudos!" Ela pegou os próximos dois livros de uma vez, passando-os cada vez mais rápido.
"É difícil pensar em outra coisa quando se tem tantas provas," eu respondi, esperando que ela risse.
E ela riu. Ou bufou. Não tinha muita certeza se ela concordava comigo ou desprezava minha opinião.
"De qualquer jeito," eu disse, pegando os livros que ela colocou na minha frente, "muito obrigado. Eu vou estar esperando a sua mensagem, okay?"
"Pode deixar, menino," seus olhos já tinham se voltado para a tela.
Eu coloquei meus livros na mochila enquanto andava até a porta, meus passos ecoando pela biblioteca vazia. Antes de sair, dei uma última olhada em sua direção.
"Bom programa!" Falei, mas ela não pareceu me ouvir. E eu me senti bastante idiota.
Quem fala, 'bom programa'? Por que eu tinha que ser tão esquisito?
O ar do lado de fora estava bastante diferente da biblioteca. Estava mais quente, mas não de um jeito ruim. Depois de passar horas entrando e saindo de salas de aula com ar condicionado, o calor do ar livre era reconfortante. Mesmo assim, eu coloquei meu moletom. E comecei meu caminho até a minha república de bicicleta.
Me deixava louco pensar que eu estava sempre tão perto do diário do Gregory Illéa e, ao mesmo tempo, tão longe! Não era possível que logo ali, na melhor universidade do país, eu ainda tivesse problemas como esse! Aquela também era para ser a melhor biblioteca. E mesmo assim, nós tínhamos uma cópia. Uma única cópia para todos os alunos. Que tipo de loucura era essa? Aonde eu precisaria ir para conseguir outra?
Tive que parar em um sinal para deixar as pessoas passarem. E foi aí que me veio. No castelo. Eu conseguiria outra cópia no castelo.
Mentira. Eu conseguiria o original lá. Eu conseguiria colocar as minhas mãos no papel que Gregory mesmo tinha tocado. Na tinta que ele tinha colocado no papel. Seria bom demais pra ser verdade.
E eu nunca seria escolhido. Eu tinha me esquecido completamente que essa Seleção existia. Era verdade que eu tinha me inscrito, mas só porque Vitor tinha insistido. Ele sempre se sentia deslocado na nossa família, apesar de jurar que nós não o fazíamos se sentir diferente por ser adotado. Eu sempre senti uma necessidade de agradá-lo. Era besteira, mas nunca parecia ser o suficiente. E se ele precisava que eu me inscrevesse para ele ver essa coisa toda como uma oportunidade para ele, eu me inscreveria.
E era isso que eu tinha feito. Sem nem pensar por um segundo que eu poderia ser escolhido. Eu nem tinha pensado muito bem no que isso signficaria. Não que minhas chances tivesse aumentado. Eu ainda era muito novo, muito moleque para participar. Mas o mínimo de esperança de poder conhecer o castelo me animou.
Pedalei até mais rápido, quase errando o caminho.
Imagina! Eu teria a biblioteca inteira só para mim! Eu não teria que batalhar por livros! Que tipo de cara vai para o castelo para conquistar a princesa e fica olhando livros? Tá bom, talvez eu. Se eu fosse. Mas era exatamente esse o ponto! Eu seria o único! Incontáveis livros. Todos só para mim!
Só de me perguntar quais livros teria lá, quantos sobre história de Illéa mesmo que eu nunca nem poderia imaginar, eu já me animei. Já estava vendo a minha quadra quando caiu a minha ficha.
Eu era muito idiota mesmo. No que eu estava pensando? Tinha uma boa razão para eu nem me preocupar em ser selecionado quando eu me inscrevi. A mesma ainda servia. Eu não seria escolhido. A princesa não olharia para a minha ficha e diria, "Esse daqui parece que vai aproveitar bem a biblioteca. Vamos chamá-lo". A não ser que eu a implorasse por uma noite no castelo, as chances de eu conhecer o lugar mais próximo do paraíso na terra eram mínimas.
E ficar imaginando a cena quando nunca aconteceria só estava me deixando pior. Droga de livro que fugia de mim!
Demorei mais tempo para andar na minha quadra do que tinha demorado todo o caminho até ali. Eu nem pedalava mais, só deixava a bicicleta ir sozinha. E quando finalmente cheguei à minha casa, podia ouvir meus colegas de república do lado de fora.
O som da gritaria deles aumentou ainda mais quando e abri a porta. Mas até que eu tivesse deixado a bicicleta na área de serviço, eu não tinha parado para ouvir sobre o que eles falavam.
Fui direto para a cozinha e abri a geladeira. Ouvi Rusty falando para todos ficarem em silêncio e foi nos poucos segundos que eles obedeceram que eu peguei uma das garrafas de cerveja que estavam na porta da geladeira.
E então, assim que eu a fechei com tudo, eles gritaram todos juntos. Não sabia se ficava assustado ou se corria para ver qual time tinha feito um gol. E antes que eu pudesse decidir, Gael me avistou na cozinha.
"OLHA ELE AÍ!" Ele gritou me dando um tapa no ombro que praticamente me enterrou no chão. E quando eu achava que ele ia me soltar, ele me arrastou para a sala.
Rusty foi o próximo a correr para mim, me segurando pelas bochechas do jeito que ele sempre fazia e sempre me irritava.
"AH, o queridinho da princesa chegou bem na hora," ele falava, enquanto eu tentava me livrar dele.
Mas a minha desviada me fez dar de cara com mais cinco dos caras que moravam conosco.
"Eu não sabia que você estava apaixonado."
"Quem diria que de todos aqui, você que seria escolhido."
"Deve ter alguma coisa errada. Eu me inscrevi. Como é que escolheram ele?"
Todos pararam de me olhar para se virarem para Stuart.
"Quê?" Ele perguntou, depois deu de ombros. "Eu quero ser rei."
Todos riram, alguns deram tapas nas costas dele, depois se viraram para mim.
E eu ainda estava tentando entender do que eles estavam falando.
"Rei?" Perguntei, mas ninguém pareceu me ouvir.
"Escuta, Thor," Gael ainda me segurava pelo ombro e me fez ficar bem na sua frente para olhar bem nos meus olhos. "Você sabe que eu sempre te considerei um dos meus melhores amigos aqui." Isso não era verdade. Até então, ele só me tratava com o novato que não sabia de nada. E fazia três anos que nós morávamos juntos. "Por isso," ele continuou, "eu espero ser o primeiro convidado para as festas no castelo."
"Não..." foi tudo que eu consegui falar. Não estava conseguindo parar e pensar direito no que eles estavam falando. Eles se mexiam muito rápido em volta de mim, me pedindo coisas, cobrando promessas, dívidas que eu tinha com eles. Até mesmo pela amizade, um trabalho feito, uma louça lavada.
Mal conseguia ouvi-los, quando eles mudaram de assunto. Eles começaram a me deixar sozinho, cada um se virando para o seu celular, ligando para pessoas diferentes. Nós teríamos uma festa lá em casa. Tudo para comemorar que eu tinha sido escolhido.
Eu tinha sido selecionado.
Se não bastasse que toda a bagunça e a atenção que eles estavam me dando já estavam me deixando tonto, quando a casa começou a encher de gente, a coisa toda ficou ainda mais irreal. Não parecia normal. Não parecia lógico. Eu já tinha passado do lado bom ao lado ruim de ser selecionado sozinho. Já não parecia que realmente era algo que seria decidido por outra pessoa. E por que alguém me escolheria?
Era difícil de acreditar. Cada pessoa que passou pelo porta veio me cumprimentar. E me perguntou o que eu estava achando, como eu estava. Mas eu não tinha a menor ideia. A música estava alta demais para eu conseguir pensar e a bebida que me ofereciam a cada dois minutos não estava ajudando. Mas a verdade era que eu não tinha certeza de que não estava sonhando. Ou que eles não tinham errado alguma coisa. Eu tinha medo de acreditar de verdade e depois descobrir que, na verdade, a princesa tinha errado. Era para ela ter escolhido um Theo, não um Thor. E, me desculpe, mas você vai ter que continuar na sua vidinha de estudante de História, cuja maior preocupação é conseguir colocar as mãos em um livro que, para todos efeitos, pode muito bem não existir.
Os diários de Gregory Illéa eram uma grande parte da razão de eu não querer nem pensar direito no que tudo aquilo significaria. Não queria me animar de verdade. Não entendia direito em que mundo eu seria escolhido. Vitor não tinha sido, como ele mesmo me contou. Ele estudava Ciências Políticas e não tinha sido escolhido. O que eu estaria fazendo lá como estudante de história?
Ele disse que não se importava. Que era a vida. E depois foi na direção da geladeira, que duas horas depois do Jornal Oficial não tinha mais nada além de cerveja. Ele realmente não parecia se importar. Mas não era isso que me incomodava. Não era culpa. Sei lá. Às vezes era só medo.
Pelo resto da noite, eu não consegui me livrar da festa. Não que eu quisesse, mas nem pude chegar a sentir falta da atenção que estavam me dando. Todos pareciam me ver, não importava para onde eu ia. Era uma coisa bem estranha para mim, que tinha passado todas as festas mais como invisível ou, no máximo, como o menino de cabelo de fogo. Ninguém ali estava tirando sarro do meu cabelo ou me ignorando. Todos me chamavam pelo nome quando eu passava, mesmo que já tivessem me cumprimentado mil vezes antes.
Mas, depois de algumas horas, virou uma festa normal. Não me esqueceram, mas a maioria das pessoas se concentraram nos seus grupinhos e eu fiquei sem saber para onde ir. Vitor estava ocupado com uma menina e meu melhor amigo, Travis, tinha ido embora um pouco antes para ir ficar com a namorada dele. Não sem me fazer prometer que eu falaria dele para o rei.
Sozinho no meio de tanta gente, eu decidi que precisava de um pouco mais de álcool. Não queria ficar sóbrio o suficiente para pensar no que estava acontecendo, e aquela parecia a melhor ideia. Tudo ainda parecia bastante irreal e eu queria que continuasse daquele jeito.
Nem sabia direito como eu cheguei até a geladeira, mas cheguei. E quando a abri, descobri que só tinha mais duas garrafas de cerveja. Antes que pudesse reclamar, ouvi a voz de Gael. Ele passou por mim, me fazendo cambalear alguns passos para trás, enquanto ele e um cara qualquer colocavam as novas cervejas que eles tinham comprado pra gelar.
Eu os deixei e me concentrei na garrafa na minha mão.
"Olá," uma voz cantou no meu ouvido e eu me virei para ver quem era. Quando não encontrei ninguém na minha direita, me virei para o outro lado.
E lá estava ela. Natasha Kim, como uma visão para mim. Ela sorriu, jogando seu cabelo por cima do ombro e virando a cabeça como se estivesse encabulada. Eu tive que piscar algumas vezes para ter certeza de que estava mesmo a vendo ali, olhando para mim.
"Olá?" Soou bem mais como uma pergunta do que eu tinha em mente.
Ela riu do meu jeito. "Posso te contar uma coisa que eu nunca falei para ninguém?"
Eu concordei com a cabeça, já imaginando mil coisas. A maioria que eu mesmo não achava muito apropriado para a cozinha com tanta gente em volta.
Natasha se inclinou para a frente e eu a encontrei no meio do caminho. Ela mirou o meu ouvido. "Se eu fosse a princesa, eu também teria te selecionado."
Minha reação foi franzir a sobrancelha. Aquilo não fazia muito sentido. Mas ela se afastou devagar e parou quando estava a dois centímetros de mim. E foi quando eu percebi que não tinha porque fazer sentido. Não tinha porque nem pensar naquilo.
Em cinco minutos nós estávamos subindo as escadas e desviando das pessoas para chegar até o meu quarto. Eu a segurava pela mão e a cada passo que dava, eu rezava para ela não mudar de ideia.
Mas ela não mudou. Eu bati a porta atrás dela e a tranquei. E quando eu me virei, ela estava sentada na minha cama, sorrindo para mim. Praticamente contei os segundos até eu me aproximar dela. Mas ela não parecia querer esperar. E antes que eu pudesse tomar uma atitude, ela estava me beijando, me segurando pelo pescoço, me puxando para baixo.
Todo e qualquer álcool que eu podia ter ingerido naquela noite pareceu evaporar naquela hora. Eu estava beijando Natasha Kim. A garota que todos naquela república já quiserem. Ou melhor, na faculdade. Ela era exclusiva. Ia de um relacionamento a outro, mas sempre com os caras mais ricos e fodas de todo o campus.
Mas ela estava ali, na minha frente, me beijando, me puxando para ela. Eu não era sem graça como Ashlee tinha me dito ao terminar comigo. Pelo contrário. Eu era um dos caras fodas. Eu tinha sido escolhido pela Natasha. Eu tinha sido escolhido pela princesa.


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