Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 10
Capítulo 10: POV Margaret Degrasse


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Now You Know" da Hilary Duff



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Alisei minha saia mais uma vez, só para vê-la de novo voltar ao seu estado amassada. Por que aquele tecido precisava ser tão teimoso? Já tinha passado com o ferro umas cinco vezes entre o jantar de ontem e o café da manhã de hoje e os amassados sempre voltavam. Em lugares diferentes, de formas cada vez mais loucas, mas sempre presentes. Estava começando a querer voltar para o meu quarto e trocar de roupa, mas eu só tinha dois minutos para me apresentar e não queria me atrasar. Não no meu primeiro dia de trabalho.
Aquela era a melhor saia que eu tinha. Como era irônico que no primeiro dia sem o uniforme de criada, eu estaria usando uma saia que me faria parecer pior do que antes? Jeca. Sem jeito. Completamente inadequada. E ficar ajustando-a? Não me deixava nem um pouco mais graciosa.
Parei de andar e bufei de raiva, puxando as barras da saia para baixo mais uma vez. Enquanto a esticava, ela parecia perfeita. Mas foi eu soltá-la que ela voltou a ficar amassada. Aquilo estava me dando nos nervos! Não tinha ninguém em volta, mas eu já sentia minhas bochechas pegando fogo de vergonha! Por que eu precisava ser tão errada?
Meus próximos passos foram quase como uma marcha. De raiva de mim mesma. De raiva da minha saia idiota na qual eu tinha gastado o meu salário de três meses. Tudo para impressionar uma estilista que provavelmente só me veria como alguém que não sabia de nada. De nada. Eu nem tinha entrado ainda no ateliê e eu já me sentia completamente deslocada.
Logo que alcancei a porta, parei de andar de novo. Era como se tivesse uma força me impedindo de entrar. Na minha cabeça, comecei a me perguntar se valia a pena. Não só chegar na hora e estar completamente mal vestida. Mas ter que passar por tudo que me esperava do outro lado.
Eu queria mesmo ser estilista? Era realmente essa carreira que eu queria para mim? Eu poderia muito bem voltar a ser criada. Tinha certeza que ninguém ia reclamar. Pelo contrário. Eu tinha insistido muito para que me dessem uma chance de mudar de emprego. Ninguém se importaria se eu simplesmente desisitisse. Eu poderia desistir. De vez assim.
Não seria nada fácil, disso eu sabia. Todo mundo tinha falado na minha cabeça. Costurar é fácil, trabalhar como estilista é muito mais difícil. Eu não era May Singer. Eu não era Madison Hunter. Eu não sabia se tinha talento. Ou se eu só estava dando o primeiro passo para uma queda fenomenal.
Respirei fundo sozinha, sem ter ideia do que escolheria. Eu poderia correr. Eu poderia fugir. E voltar para a minha vida normal.
Ou eu poderia arriscar. E talvez conseguir tudo que eu sempre tinha sonhado.
Mas se eu arriscasse, eu também poderia perder tudo. Poderia nunca conseguir realizar meu sonho. Poderia ter que voltar com o rabo entre as pernas para aqueles que sempre me falaram que eu não conseguiria. Será que valia a pena essa dúvida? Quão terrível seria ter que voltar e encarar todos e admitir que eles estavam certos? Mortificante.
Eu não estava nem perto de uma decisão quando a porta do ateliê abriu com tudo, quase me batendo no rosto. Cambaleei alguns passos para trás enquanto duas pessoas saíam casualmente.
E foi apoiando na parede e levantando os olhos para elas que eu percebi que não eram duas pessoas quaisquer. Era Madison Hunter, minha nova chefe. E May Singer.
"E quando você volta?" Madison perguntou, juntando alguns papéis na sua mão e parando de andar.
"Só quando a Seleção já tiver começado," May a entregou mais alguns, que Madison teve que equilibrar para encaixar na pilha em suas mãos. "Não estávamos esperando que fosse criar essa loucura. Não tão cedo. Não por uma seleção masculina."
"Eu achava que fossem fazer de Lola algum tipo de ídola, mas achei que demoraria."
"Exato!" May parecia animada por ver que Madison concordava. "Estava esperando que eles tivessem que acostumar com a ideia de uma princesa de fora vindo para roubar os solteiros mais cobiçados de Illéa. Mas faz dois dias que ela está aqui e todas as meninas do país já querem ser iguais a ela!"
"Acho que a sede por príncipes e princesas nunca acaba desse lado do oceano," Madison soltou uma risada, mas não parecia tão entretida pelo assunto. "Mas então, eu vou te mandando alguns dos desenhos, você pode ir dando a sua opinião. E se tiver alguma coisa que você goste muito-"
"Pode deixar que eu te aviso," May a cortou e depois sorriu. "Não sei se vou ter muito tempo para ver milhares de desenhos, vai ser uma turnê pelas principais lojas do país inteiro. Mas farei meu melhor!"
"E eu prometo que não vou te mandar nada que não valha a pena!" Madison devolveu o sorriso, mas ela estava de frente para mim e o que eu mais vi foi dúvida. Talvez medo. Ela olhava para May como eu olhava para ela. Como uma admiração que vinha junto com a realização de que você nunca seria tão boa.
"Bom, então a gente vai se falando," May se inclinou para ela e lhe deu um beijo em cada bochecha.
"Tá bom, então. Boa viagem!" Madison completou assim que May se virou de costas para ela e começou a andar na minha direção.
Eu me apertei contra a parede, quase querendo me camuflar. Mas assim que ela passou por mim, ela sorriu.
Simples assim. Um sorriso de oi. Um sorriso de, 'e aí'. Um sorriso que eu queria emoldurar. May Singer olhou para mim. May Singer SORRIU para mim!
Ainda ouvindo seus passos ecoarem atrás de mim, eu me afastei da parede, testando para ver se minhas pernas aguentavam ficar esticadas sem o apoio. E então meus olhos caíram em Madison.
Ela digitava alguma coisa furiosamente no seu celular, equilibrando os papéis no braço esquerdo. Nem parecia ter me percebido ali.
Mas então ela começou a andar. E sem saber direito se eu devia me apresentar ou falar alguma coisa, eu dei um passo à frente. Só o suficiente para entrar em seu campo de visão e fazê-la olhar para mim.
Por um segundo, ela só franziu as sobrancelhas. Depois eu vi que ela sabia quem eu era. Ela sabia quem eu era! E eu nem precisei falar nada.
"Margaret Degrasse?" Ela perguntou.
"Maggie," a corrigi, o que a fez franzir as sobrancelhas de novo. Dessa vez, não de dúvida. Mas como se quisesse entender se eu tinha mesmo a corrigido na primeira palavra que tinha falado pra ela.
"Maggie," ela repetiu depois de alguns segundos. "Você está atrasada," ela disse.
E começou a andar, comigo logo atrás dela. Nós entramos no ateliê e ela voltou a mexer no celular.
Eu não estava atrasada. Eu tinha certeza disso! Talvez pudesse ter chegado alguns cinco minutos antes, mas estava em cima da hora!
No começo, meus olhos seguiram Madison até ela deixar a pilha de papéis em cima da mesa e se sentar logo do lado. Mas aí eu vi que eram desenhos. E desses desenhos, eu comecei a olhar a mesa, atarefada, bagunçada, mas, de certo modo, bastante meticulosa.
E depois meus olhos seguiram para os três manequins logo atrás. E o mural que estava em cima deles na parede. Recortes e recortes de fotos e desenhos. Anotações. Cores e amostras de tecidos para todos os lados. Tanta confusão, mas eu tinha certeza de que ela sabia exatamente porque cada um daqueles detalhes estava onde estava.
Continuei analisando o ateliê me virando para o outro lado. Era como uma sala de aula. A mesa dela era como a mesa da professora. E do outro lado, várias mesas parecidas, do mesmo tamanho, estavam espalhadas, criando estações. Cada uma com o seu mural e o seus manequins. Um masculino e um feminino. Apesar de ser só nós duas ali, cada estação estava repleta de coisas e estudos.
E no fundo do salão, do lado das fotos emolduradas de coleções anteriores, estava a pequena porta discreta que levava ao salão de costura. Eu mesma já tinha passado incontáveis horas ali, trabalhando fevorosamente em criações de Madison. Sempre louca para ver um pouquinho do ateliê quando ela abria a porta para ir ver nosso trabalho. E agora eu estava ali. Do outro lado. Pronta para trabalhar diretamente com ela.
"Vá em frente," Madison disse do nada, me fazendo virar para olhá-la. Eu não sabia do que ela estava falando e ela percebeu quando tirou seus olhos da tela do celular para me olhar de novo. Ela revirou os olhos de leve. "Pode ir vasculhar as coisas. Vai conhecer o ateliê. Descobre onde fica tudo. Eu não tenho tempo de te mostrar e é bom que você saiba aprender a se virar sozinha."
Seu tom não era maldoso. Era ocupado. Eu sabia que a minha vida daqui pra frente seria uma loucura como a mesa dela. Como qualquer uma das mesas ali. Eu gostava dessa parte, apesar de que, só de pensar, eu já me sentia intimidada.
Mas eu precisava fazer o meu melhor. Comecei pelo armário que praticamente se escondia no canto do salão. Chequei gaveta por gaveta. Vi onde ficavam os aviamentos e as linhas. Onde tinha fitas e onde eu poderia encontrar desenhos antigos. As gavetas de moldes eram as maiores e mais pesadas. Mas era bom saber que eu poderia recorrer a algum molde antigo caso precisasse. Começar do zero era sempre mais difícil.
Depois que eu já tinha me forçado a decorar cada parte daquele armário, eu comecei a andar pelas estações na outra metade do salão. Madison mal me olhava. Ela tinha se levantado para se sentar na cadeira ao invés da mesa, mas continuava mexendo no celular.
Foi só chegando perto das primeiras mesas que eu percebi que cada uma estava separada para uma pessoa. Ou melhor, para um cara. Uma foto enorme deles encabeçava cada mural, seguida de várias informações a seu respeito e desenhos de moldes para as roupas deles.
"Madison?" Eu chamei, antes que pudesse pensar a respeito e deixar que a pergunta morresse em mim.
"Quê?" Ela nem levantou os olhos para mim.
"Como vocês já sabem as medidas deles?" Eu apontei para a foto do selecionado que estava na minha frente. "Como vocês sabem que esses são os escolhidos?"
"Nós não sabemos as medidas deles," ela soltou o celular e se apoiou no encosto da cadeira. "Nós sabemos a altura e o seu peso. E pela foto de corpo todo, nós temos uma ideia do tamanho que usam. Estamos adiantando para só termos que fazer algumas poucas alterações quando finalmente conseguirmos cada uma de suas medidas."
"Entendi," eu respondi, voltando a olhar para o selecionado.
Danio. Pelo terno que ele usava na foto, ele não parecia precisar da ajuda das criadas do castelo para se vestir bem.
Eu continuei andando pelas estações, focando só nas fotos deles. Cada um era mais bonito do que o outro. Eu poderia jurar que eram todos modelos. Todos ganhariam bem a vida se se concentrassem só em serem bonitos. Eles nem estavam ali, eram só suas fotos, mas eu já me sentia diminuída de vergonha de estar na frente da beleza deles. Eu nunca chegaria ao nível deles. E, pela primeira vez, eu percebi que o mundo glamuroso da moda talvez fosse me engolir inteira. E, se eu sobrevivesse, tinha certeza que sempre veria caras como eles e pessoas como Madison do lado de fora de uma bolha impenetrável.
Meus olhos encontraram um selecionado do meu lado direito e eu li seu nome e profissão.
"Madison?" Chamei de novo, já sentindo que estava sendo chata demais com tantas perguntas.
"Sim?" Foi olhando para ela que eu percebi que ela não tinha voltado a pegar seu celular. Ela me observava, de braços cruzados e um sorriso no rosto.
Senti uma vontade enorme de me virar de costas para ela, como se fosse conseguir esconder todas as caras que eu devia ter feito enquanto olhava os selecionados. Mas me contentei em esconder minhas mãos.
"Como vocês sabem que esses são os selecionados?" Perguntei pela segunda vez.
"A princesa mesmo que os escolheu," Madison respondeu.
Eu tinha ouvido um rumor de que ela tinha escolhido no dia que tinha chegado, mas eu não conseguia acreditar! Me parecia bastante improvável. Talvez até inconsequente da parte dela.
"Vocês são as primeiras a saberem quem eles são, então?" Eu estava praticamente pensando em voz alta. "Enquanto o resto do país terá que descobrir hoje à noite, no Jornal Oficial?"
"O resto do mundo," ela me corrigiu, satisfeita de me dar a notícia. "Essa vai ser a primeira Seleção com repercurção em toda a Europa e a Nova Ásia."
"Tá falando sério?" Eu soltei sem pensar.
Ela riu da minha reação. "Por que você acha que eu precisava de uma assistente?" Ela se levantou e começou a andar na minha direção. "Essa é a minha chance de fazer a minha marca implacar não só em Illéa, como internacionalmente. Se eu conseguir agradar Lola, eu nunca mais vou precisar de outra publicidade!"
"Ela é difícil de agradar?" Só a ideia dela já me era assustadora. Se alguém como Madison a temia, eu precisaria me preparar.
"Não," ela respondeu, para a minha surpresa. "Ela é bem decidida. Ela sabe o que ela quer. E consegue decidir se gosta de alguma coisa ou não em dois segundos. Mas ela não é má. Nem chata. Ela só é ela."
Os olhos dela praticamente brilhavam enquanto ela falava. Era o mesmo que eu tinha visto quando ela falava com May. Um pouco de medo e uma vontade de agradá-la.
Quando ela percebeu que eu a observava, ela se recompõs. "Bom," começou. "Nós já estamos atrasadas, vamos começar a trabalhar?"
"Claro," eu disse, desconfortável de novo. Eu não saberia por onde começar.
"Você já trabalhou com roupas masculinas?" Ela começou a andar até a mesa dela de novo, mas deu a volta e só parou de frente para o mural.
"Só alfaiataria," eu respondi.
"Ou seja, já," ela praticamente me corrigiu.
Eu a segui bem mais devagar.
"Você se encarregará de supervisionar todas as criadas costureiras. As que cuidarão das roupas dos criados," ela arrancou alguns desenhos do mural. "Não se preocupe com Lola, eu cuido dela. Eu desenharei tudo, você só precisa se preocupar em conseguir que aquilo que está no papel vire exatamente o que eu tinha imaginado," ela se virou e segurou alguns papéis na minha direção.
Eu os peguei, sem saber direito o que eu faria com aquilo.
"Você pode desenhar o que você quiser," ela continuou, e, por um segundo, eu me animei. "No seu tempo livre. Enquanto você estiver trabalhando aqui, eu que cuido dos desenhos. Você é minha assistente, não minha parceira. Entenda isso." Eu só assenti com a cabeça. "Eu sei que você deve ter sonhos, que quer virar uma estilista você mesma. E super apoio que você treine o máximo que pode. Até aceito dar algumas opiniões aqui e ali. Mas você precisa se lembrar que o tempo em que você estiver aqui é para ser dedicado ao seu trabalho. E o seu trabalho é me manter feliz. Entendido?"
Assenti de novo, apesar de já me sentir quase afundada no chão.
"Agora, vá," ela fez um sinal para que eu andasse. "Vai mostrar para as meninas os novos desenhos. Ainda temos dois selecionados sem roupa alguma para vir para o castelo semana que vem."
"Que dia eles vem?" Eu perguntei, apesar de sentir que já estava enrolando demais ali.
"Quarta-feira."


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