Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 108
Capítulo 108: POV Keon Illéa


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Run Run Run" da Kelly Clarkson.



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A atmosfera dentro daquele carro era quase palpável. A princesa não falava nada e eu tampouco me arriscava a começar uma conversa. Tinha um assunto em especial que me rodava a cabeça, que estava quase me deixando nervoso quanto mais tempo passava esperando para começar. Mas não era nem de longe apropriado para se jogar fora assim, em qualquer lugar, E eu ainda precisaria me certificar de que estávamos sozinhos antes de abrir a boca.
Pensei em falar sobre o clima, algum esporte, talvez até só questionar como ela estava. Mas já tinha perguntado quando a encontrei nas portas principais do castelo e ela não tinha feito questão de desenvolver a conversa. Ficaria estranho eu insistir de novo.
Nem me importaria com aquela distância entre nós. Em qualquer outro momento, com qualquer outra pessoa, eu nem a teria percebido. Mas cada segundo que nós passávamos em silêncio parecia deixar mais arriscado o que queria falar com ela. Não precisava só ficar sozinho com a princesa, precisava saber que ela me entenderia, que não estaria estragando tudo ao falar com ela. E quanto mais tempo nós passávamos sem falar nada, mais aquilo parecia uma má ideia.
Fechei meu punho, descontando o nervosismo que ameaçava me afetar, e olhei para a janela. A cidade parecia já nos esperar, pessoas parando na rua para nos ver passar. Aquilo era estranho, um espetáculo do qual eu nem queria fazer parte. Não estava só usando cada um dos telespectadores que ficavam em casa, assistindo toda essa Seleção e a própria princesa. Tinha roubado a chance de todos aqueles que realmente gostariam de estar no meu lugar. Como Dane tinha falado nos Jogos Aquáticos, tinha quem queria muito ter sido selecionado e eu que estava ali. O mínimo que podia fazer era aproveitar aquela chance, por mais que não fosse do jeito que todos esperavam.
E logo eu teria a oportunidade de falar de verdade com ela. Tinha que esquecer do clima desconfortável ali dentro e me concentrar no que nos esperava. Eu e a futura rainha de uma das nações mais importantes do mundo sozinhos, sem ninguém para nos ouvir falando do que quer que fosse.
Só percebi que tinha estado segurando a respiração, quando o carro parou e eu a soltei. Lola me olhou na hora, soltando seu cinto e franzindo a sobrancelha. Quando nossos olhos se encontraram, ela sorriu, parecendo genuinamente feliz.
"Sei que vocês não são tão acostumados a estar no centro das atenções," ela disse, seus olhos passando de mim para a janela ao meu lado, "mas é só fingir que não tem ninguém com a gente."
Segui seu olhar para o lado de fora, onde a rua estava tão lotada de pessoas, que precisava de seguranças para as empedirem de alcançarem a janela do carro. Não conseguia nem enxergar aonde nós estávamos, se tínhamos mesmo chegado à praia ou se ainda faltava muito. Mas a princesa se ajeitava para sair, então eu fiz o mesmo. Até que o motorista nos avisou que podíamos ir.
Fui o primeiro a abrir a porta. As pessoas, que antes abriam e mexiam a boca sem fazer qualquer barulho, agora gritavam, o som me acertando quase como um tapa. Sabia que tinha estado abafado antes, só não imaginava o quanto. Ou então gritaram mais forte ao me verem.
Várias tinham placas, cartazes com meu nome, alguns até com os de outros selecionados. A maioria das pessoas era feita de mulheres, que os balançavam e tentavam encontrar um jeito, um buraco entre os braços dos seguranças para chegar um pouco mais perto do carro de onde eu tinha saído. Me empurrei contra ele depois de fechar a porta, tentando me manter o mais longe possível.
Até que um guarda real parou na minha frente, roubando minha atenção, e fez um mínimo gesto com a cabeça. Poderia jurar que o tinha imaginado, mas ele fez outra vez, quando eu não reagi. E então percebi que era na direção da princesa.
Olhei pro lado dela, já esperando que ela estivesse comigo na rua, mas esperava ainda dentro do carro.
Mas é claro! Como era idiota! Eu tinha que abrir a porta para ela!
Dei a volta no carro, tentando não perceber o quão longe ia a massa de pessoas, que tinha fechado até a rua de onde viemos. Mas quando estava chegando perto da porta dela, um outro guarda se aproximou antes e a abriu. A princesa saiu na hora, dando de cara comigo, mas percebendo que tinha sido lerdo e mal educado.
O olhar confuso dela durou dois segundos, sendo rapidamente trocado por um bastante simpático ao enrolar seu braço em volta do meu, mesmo sem eu tê-lo oferecido. Tentei entrar naquela mesma pose dela, enquanto ela acenava para as pessoas e sorria, não muito grande, mas animada. Até parecia controlar o tamanho do sorriso, mas seus olhos não eram domados e praticamente brilhavam ao perceber a mesma multidão que eu, segundos antes, tinha achado assustadora.
Ela, sim, devia estar acostumada e gostar de ser o centro das atenções. Eu preferia passar por trás de todos e não ter ninguém me observando.
Os seguranças mantinham as pessoas longe e os guardas ficavam à nossa volta. Tinham estendido um tapete vermelho, independente da nossa proximidade do mar, até aonde a areia começava. Os guardas reais nos guiaram, suando embaixo de seus uniformes exagerados e vermelhos, sempre perto de nós, mas dando espaço o suficiente para as câmeras nos verem.
Ótimo, pensei assim que as notei focando na minha cara. Passei a mão que estava livre pelos meus cabelos, soltando de propósito algumas mechas para cobrir meus olhos. Não teria só aquele monte de gente nos assistindo, e sim o mundo inteiro. Até o rei do Reino Unido estaria me observando com a sua filha.
Pensar aquilo me fez querer enterrar na areia assim que senti meus sapatos afundando de leve nela. Estava rezando para as câmeras ficarem para trás, quando percebi com o canto do olho que uma vinha conosco a uma distância curta o suficiente para nós conseguirmos nos tocar se quiséssemos. Me virei na hora pra reclamar para a princesa, só para perceber que outra estava logo atrás. Os guardas até abriram caminho para elas.
"Acho melhor nós tirarmos os sapatos," Lola disse, parando de andar e me obrigando a parar com ela.
Como ela conseguia ficar genuinamente feliz, eu não saberia dizer. Mas ainda sorria, achando graça mesmo naquilo, tirando suas sapatilhas e entregando para um dos guardas, parecendo louca para ir em direção ao mar.
Quando parou para me esperar, eu ainda não nem tinha tirado o primeiro. Não parava de olhar dela para o câmera, demorando muito para me obrigar a parar de prestar atenção nele.
Odiava ficar descalço. Com alguém me filmando, pior ainda. Na areia, simplesmente insuportável. Mas a princesa saiu andando assim que eu já tinha tirado os dois sapatos e nem pude reclamar. Eu a segui bem mais devagar, até chegar ao mar.
Ela parou antes de as ondas a alcançarem, deixando que só chegassem nela quando já estavam calmas e fracas.
"Eu adoro o mar," disse, quando percebeu que eu já podia ouvi-la. "Mas bem que podia ter um pouco menos de sal," ela levantou o rosto para sorrir para mim e ver minha reação.
Tentei imitá-la, mas o câmera ainda se mantinha logo ao lado dela e tinha certeza de que o outro estava atrás de mim também.
Era praticamente impossível eu conseguir abrir a boca ali. Todas as palavras que passavam pela minha cabeça soavam estúpidas e fúteis. Seriam distorcidas e ridicularizadas por todas as pessoas que ainda gritavam a alguns vários metros de nós. E aquelas que esperavam em casa para nos ver pela televisão também. Já era ruim o suficiente que soubessem que eu estava participando de uma seleção, ainda mais quando observavam de perto um encontro que só deveria ser visto pelas próprias pessoas nele. Poderia apostar que estavam me julgando, esperando que eu tivesse uma certa atitude, que fosse romântico. Estavam me dando notas, me analisando, me comparando aos outros. E eu só queria poder virar para todos, empurrá-los para longe e gritar de volta que aquilo nem era um encontro de verdade!
"Princesa," assim que minha voz saiu, ela me olhou surpresa. Ainda sorria, agora parecendo triunfante de eu ter falado alguma coisa. Pigarreei antes de continuar. "Preferiria se ficássemos um pouco mais a sós," meus olhos foram direto ao câmera que, ao invés de me conceder a privacidade que estava pedindo, fez questão de focar ainda mais em meu rosto.
"Acredito que seja impossível nós ficarmos sozinhos," ela disse, sendo atacada por uma onda um pouco maior do que esperávamos.
Nós dois cambaleamos para longe, tentando fugir dela.
"Talvez," falei, "mas teria como pelo menos termos um pouco mais de espaço para conversarmos só entre nós?"
Ela levantou uma sobrancelha, parecendo considerar aquilo, seus olhos passando de mim para as câmeras.
"Dez metros," ela pediu, seu tom não deixando margem para eles a questionarem. "Façam bom uso de seu Zoom."
Quis rir, mas preferi focar no chão.
"Melhor?" Ela perguntou, trazendo meus olhos para os dela.
"Muito," falei, olhando por cima do ombro na direção da câmera mais próxima.
Não, ainda não estava longe o suficiente. Eu teria que ser bem mais cuidadoso do que planejava.
A princesa foi outra vez na direção do mar, buscando as ondas que já não nos alcançavam, e eu a segui.
"Não existem muitas praias no Reino Unido, não é?" Falei, com a única intenção de criar conversar.
"É o que mais existe," ela disse. "O problema é que a grande maioria não tem areia," explicou, rindo.
Para completar, chutou um pouco da água na minha direção.
Eu dei vários passos para trás, passando a mão em todos os lugares que a água tinha alcançado. Tentei sorrir, no máximo pelas câmeras e para não deixá-la desconfortável. Mas definitivamente não via graça naquilo.
"Se você pudesse mudar uma coisa do seu país, o que seria?" Perguntei, enxugando minha mão na camiseta.
Ela pareceu pensar, se abaixando para brincar com uma onda e senti-la vir e ir nas pontas dos dedos. "Acho que sempre tem o que melhorar, não é? Mas assim, seu clima, geografia e tudo? Não mudaria nada." Se levantou e me mirou. "Acha que deveria melhorar em alguma coisa?"
Dei de ombros, balançando a cabeça. "Cada país é de um jeito. Se todos fossem iguais e utópicos, não teria graça."
Ela sorriu. "Você gosta de viajar?"
"Não exatamente," admiti, fazendo seu sorriso desaparecer na hora. "Depende do lugar," completei, para conseguir que ele voltasse.
E quase voltou.
Ela ficou alguns segundos em silêncio, como se precisasse pensar naquilo. Quando abriu a boca para falar, já olhava de novo para o mar, parecendo tentar memorizar o jeito que ele se movia. "Viajar é a coisa mais enriquecedora que existe," soava como se falasse sozinha, repetindo para si mesma um pensamento que já tinha tido várias vezes. "É o jeito mais fácil de descobrir quem você é e aprender sobre o lugar de onde vem," ela levantou o rosto devagar na minha direção, nossos olhos se encontraram. Um pequeno segundo depois ela sorriu, parecendo fechar ali qualquer introspecção que a estivesse afetando. "E você?" Perguntou, seu tom bem mais aberto, mais casual que antes. "O que mudaria em Illéa?"
"O tamanho," falei, sem pensar, correndo para olhar na direção das câmeras e checar para ver se existia a chance de eles me ouvirem. "Não que eu tenha qualquer problema com algumas das províncias," voltei a mirar a princesa, que me observava atenta, "mas não acha Illéa um pouco grande?"
"Cada país tem seu tamanho," sua resposta pareceu quase estudada.
"Claro. Mas se estamos pensando naquelas coisas que nunca poderiam ser mudadas mas que queríamos que fossem, eu diria o tamanho. Se tivesse um jeito de sermos tudo que somos, mas menores, acho que tudo ficaria melhor."
"Tudo?"
"O alcance do povo, principalmente," expliquei. "Mas e na administração?" Perguntei, enquanto ela se abaixava para deixar outra onda passar entre seus dedos. "O que você mudaria?"
Ela suspirou, se levantando outra vez e colocando as mãos molhadas na cintura, enquanto eu dava um mínimo passo atrás só para desenterrar meu pé da areia molhada.
"É difícil falar alguma coisa específica aqui, olhando para o mar," seus olhos se perderam no horizonte, mas eu continuei olhando para ela.
"Já pensou em transformar a monarquia em absolutista, como a nossa?"
Assim que perguntei isso, ela me olhou, sua sobrancelha franzida, parecendo deixá-la com quase medo do que eu tinha sugerido.
"Por que eu faria isso?"
Dei de ombros, tentando parecer desinteressado. "Só uma opção."
A princesa bufou uma risada, começando a andar um pouco mais para dentro do mar. "Não tenho o menor interesse de fazer meu povo ser um escravo da nossa regência."
Tive que engolir meu sorriso para não parecer feliz demais com sua opinião.
"Mas você é aliada de um país absolutista," falei, mais animado que antes, a seguindo pelo mar e nem me importando de estar sentindo o nível de água subir cada vez mais pelas pernas da minha calça.
"Não é o meu país, não tenho direito de dizer como deve ser governado," ela completou, o mar já alcançando seus joelhos e ela se deixou molhar até os cotovelos. Parecia estar se segurando para não mergulhar de uma vez.
"Mas se pudesse dar sua opinião," continuei, colocando as mãos atrás das costas, "o que aconselharia o povo de Illéa a fazer?"
Ela suspirou outra vez. "Nunca parei para pensar nisso," respondeu, se esticando outra vez e virando para me olhar. "Você tem alguma ideia, Cardiff?"
Deixei meus olhos passarem dos dela para o mar no horizonte, só para ganhar tempo. Estava de costas para todos os outros e, se bloqueasse todo o barulho, quase conseguiria acreditar que estávamos mesmo sozinhos. Tentei organizar os pensamentos na minha cabeça o melhor possível, querendo chegar devagar ao ponto.
Mas, quando abri a boca, percebi que um dos câmeras aparecia do lado da princesa, tentando ser discreto, mas mantendo uma distância menor do que dez metros entre nós. E com uma vista perfeita até a minha boca.
"Nunca pensei nisso também," menti, sorrindo para a princesa, que já se distraía outra vez com a água. Levei uma mão à boca antes de continuar, fingindo só estar satisfazendo algum tique secreto meu. "Mas às vezes me pergunto se não existe algo melhor para o povo do que o que temos agora."
Ela bufou uma risada. "Absolutismo é bom somente para o regente, Cardiff," disse, seu tom bem mais casual do que suas palavras.
O câmera se aproximou ainda mais e um barulho atrás de mim me avisou que o outro executava o mesmo plano. Eu dei um passo em direção à princesa e tirei as mãos das costas para me abaixar e deixar que a água molhasse também os meus dedos. Contava os segundos para sair da praia, mas não queria que pudessem ver aquilo na minha cara.
"Acha que existe esperança para Illéa-"
"Nós vamos passar o encontro inteiro falando de política?" O jeito que ela me cortou não foi nem rude, mas definitivo. Mal soou como uma pergunta. E, quando nossos olhares se encontraram, ambos levantamos o rosto discretamente.
"Não," respondi. "Você está certa. Podemos falar sobre qualquer coisa."
"Devemos usar esse tempo para nos conhecermos melhor," ela completou, como se minhas palavras fossem dela. E então abriu um sorriso, se mexendo devagar até chegar ao meu lado, pegou meu braço e enrolou o seu em volta dele, se dando o direito de até pegar na minha mão depois. "Me fale de você, Cardiff," pediu.
"O que quer saber?" Perguntei, deixando que ela guiasse um caminho que faríamos pelo comprimento da praia e que nos obrigaria a passar perto de um dos câmeras.
Ela ficou em silêncio um segundo. "Está gostando de ficar no castelo?" Perguntou então. "Sei que já tem pelo menos um amigo. Vocês se falam bastante?"
"Um amigo?"
"Marc Hynes," explicou, virando o rosto todo para olhar para o mar, mas depois se voltou para mim, quando demorei para responder.
"A gente se fala normal," respondi. "Por que quer saber?"
Ela abriu um sorriso, o desfazendo logo em seguida e dando de ombros. "Nenhuma razão em especial."


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Notas finais do capítulo

Eu estou bem gripada, então se alguma coisa não tiver feito sentido ou se algum erro bem grotesco tiver passado, ME PERDOEM!
Vou tentar escrever o próximo capítulo amanhã mesmo! Escreveria agora, mas mal estou conseguindo abrir o olho haha. Só que vai depender de como eu acordar.

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