Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 105
Capítulo 105: POV Alex Dobrovisky


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Falling Fast" da Avril Lavigne.



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Minhas mãos estavam estáveis, fazendo movimentos automáticos, os quais eu nem precisava planejar. Mas minha perna estava frenética, se mexendo sozinha para cima e para baixo, cada vez mais rápido.
Eu sabia o que estava prestes a fazer. E toda vez que pensava naquilo, minha perna parecia sair do controle. Mas eu já tinha decidido há tempo o suficiente para saber que era o certo.
Era o certo, repeti para mim mesmo. E eu queria fazer o certo.
Teria feito logo depois do jantar no dia anterior, mas fomos todos interrompidos e nem tive a chance de ver a princesa.
E nem Amelia. Ela também não tinha chegado à Sala de Jantar antes que nos mandassem sair. E todos nós selecionados tínhamos sido obrigados a tomar o café da manhã e almoçar nos nossos quartos.
Era isso. Eu não veria Amelia outra vez. E talvez fosse por isso que minha perna não conseguia parar de se mexer. Talvez fosse por isso que eu quisesse tanto desistir. Ou pelo menos adiar. Queria adiar para depois de eu já tê-la visto outra vez.
Mas não ajudaria.
Parei de mexer a perna e soltei a goiva* e o pedaço de madeira ainda longe de tomar forma.
Vê-la outra vez não ajudaria. Não faria ser nem um pouco mais fácil.
Olhei para o cartão do correio elegante que estava em cima da mesa. Já tinha decorado sua letra no meu nome e imaginado o que ela teria pensando ao escrever. Fiz questão de pensar em várias coisas diferentes, várias que eu mesmo queria dizer a ela. E, principalmente, as que eu tinha tido a chance de dizer.
Mas não fazia diferença. A verdade era que ela queria que eu a deixasse sozinha. Em paz. E, por mais que fosse a última coisa que eu mesmo queria, não suportaria a ideia de tê-la me odiando. Já tinha repetido mil vezes a conversa que tínhamos tido no dia dos Jogos Aquáticos na minha cabeça. E não importava o quanto eu quisesse me convencer de que algo bom tinha saído dela, que eu pelo menos tinha conseguido falar um pouco do que eu sentia, no final das contas, a única coisa que eu via era ela, soltando os ombros, desanimada. Cansada. De ter que me ouvir. Me olhando, respirando fundo, como se já não aguentasse mais lidar comigo.
Peguei a goiva de volta, soltando o cartão.
Se pelo menos eu tivesse me apaixonado pela princesa de primeira, como Peter tinha jurado que aconteceria! Se ela tivesse cruzado meu caminho antes de Amelia!
Não. Tinha certeza de que não era possível. Mesmo que eu tivesse conhecido a princesa antes, ainda teria me apaixonado por Amelia. E se não a tivesse nem conhecido, tinha certeza de que nunca sentiria pela princesa o que já sentia por ela.
Peguei o o bichinho e continuei entalhando. Já tinha mais quatro me olhando, apoiados na mesa. Desde um urso até um cavalo. E nem precisava fazer mais nenhum, ela não os queria. Mas era o único jeito de eu conseguir respirar. O único jeito de me acalmar, de parar de pensar naquilo, parar de tentar me persuadir e dissuadir ao mesmo tempo. O único jeito de eu conseguir me convencer de que esta-
Outch.
Soltei da goiva que rolou pela mesa, depois de ter deixado um corte no meu dedo indicador. Eu devia ter prestado mais atenção no que fazia. Era o quarto corte nas últimas vinte e quatro horas. Já tinha assustado minhas criadas milhares de vezes. Sorte que elas já não estavam ali.
De primeira, achei que nem ia doer, que era um corte como os outros, que só precisaram passar algum tempo dentro da minha boca para parecer que nada tinha acontecido.
Mas esse tinha sido mais profundo. E mais longo. Depois de um curto segundo, ele começou a sangrar, traçando em vermelho toda sua extensão.
Me levantei rápido da cadeira, mas não o suficiente para evitar a gota que caiu na mesa e errou por poucos milímetros o cartão que eu nunca tinha recebido de Amelia. Fui direto ao banheiro, tentando me lembrar aonde as criadas tinham deixado o kit de emergência.
Abri os armários em cima da pia, sentindo meu dedo latejar de leve. Quando não vi nada, me abaixei, abrindo os debaixo.
Assim que avistei a bolsa vermelha, uma batida veio à porta. Antes que pensasse no que estava fazendo, gritei "Entra."
Foi só a voz da princesa me chamando de Birmingham que me faz perceber que eu tinha acabado de pedir para ela entrar sozinha.
Me levantei na hora.
Ela andava devagar, mas me viu no banheiro, bolsa vermelha na mão, dedo sangrando.
"Ai, meu deus. O que aconteceu com você?" Ela disse, indo até mim.
Nem hesitou antes de pegar na minha mão e olhar pro meu dedo.
"Foi só um acidente," falei, quando ela pegou a bolsa da minha mão e a abriu na pia. Ela tirava um vidrinho e algumas gases, parecendo saber exatamente o que fazer e até exagerar. "Não foi nada de mais, só preciso de um band-aid."
"Está sangrando demais para um band-aid," ela disse, pegando minha mão e mirando em cima da pia. "Vou passar água oxigenada, está bem? Pode arder."
"Não precisa, mesmo," insisti, mas ela me olhou com cara de quem não acreditava.
Então eu simplesmente deixei meu dedo bem à sua frente. Ela o limpou e, realmente, ardeu. Mas nada insuportável. E logo tinha colocado um pequeno pedaço de algodão no corte e o enrolado com esparadrapo.
Ela era atenciosa demais. Mal me conhecia, mal tínhamos tido a chance de trocar algumas palavras e ela já se preocupava comigo.
Quando olhou para seu trabalho e depois mirou os olhos na minha direção, eu sorri.
"Não está dos melhores," ela disse, "mas pelo menos deve aguentar."
"Está ótimo."
Ela me sorriu de volta, satisfeita, apesar de seus olhos ganharem um tom assustado quando miravam meu dedo e o jeito que o tinha tratado.
Eu comecei a colocar as coisas de volta na bolsa de emergência. Ela já tinha feito muito me ajudando, o mínimo que eu podia fazer era arrumar tudo.
E ela não pareceu discordar. "Foi um dos seus bichinhos?" Perguntou. "Que te machucou?"
"Um novo," expliquei. "Mas não foi culpa dele, eu que me distraí."
Ela sorriu, pressionando os lábios como se não quisesse demonstrar o quanto achava aquilo engraçado. E eu só percebi isso pelo espelho.
Assim que guardei a bolsa de volta no armário, ela saiu para o meu quarto.
"Como você está, Birmingham?" Perguntou, o barulho de seus passos sendo marcado pelos saltos. "Aconteceu alguma coisa?"
Mordi o lábio, a seguindo. Talvez não devia ter escrito que eu precisava vê-la urgentemente. Mas ela não parecia tão ansiosa assim.
"Além do seu acidente, quero dizer," completou, apontando rapidamente para mim. Quando se virou um pouco, viu meus bichinhos na mesa e fez menção de chegar mais perto.
Um alarme soou na minha cabeça.
Ela veria o bilhete de Amelia!
"Na verdade," eu falei, bem alto, e fui me sentar na minha cama, "precisava falar com Vossa Alteza."
"Lola," ela me corrigiu. Não era a primeira vez, já tinha pedido que a chamássemos pelo nome antes. Mas para o que eu ia falar, precisava manter algum tipo de formalidade. "Pode falar," disse, se sentando à minha frente.
Ela me mirou, na expectativa. Estávamos tão longe um do outro, seria fácil não acreditar que minutos antes ela estava me segurando pela mão e curando meu dedo.
Olhei para ele. Ela não tinha hesitado um segundo antes de me ajudar. Eu nem tinha pedido, ela tinha se oferecido. E só parou quando tinha terminado. Tudo isso depois de eu mal tê-la visto desde que a Seleção tinha começado. Ela estava disposta a me ajudar pelo simples fato de eu estar ali por ela.
Mas eu não estava ali realmente por ela, estava?
Voltei meus olhos para os dela, que me esperavam falar pacientemente, sem saber o que eu diria.
Era isso. Eu estava mesmo prestes a estragar tudo. Ela nunca me olharia daquele jeito de novo. Com esperança, promessa de que ainda tinha muito que poderia ser descoberto entre nós. Ela nunca mais me olharia com o mínimo de admiração que tinha agora.
"Alex?" Ela me chamou pela primeira vez pelo meu nome. Devia conseguir ver em meu rosto o quanto tudo aquilo me deixava enjoado.
Não queria que ela tivesse que ouvir aquilo. Mas eu tinha que dizer. Ela era generosa demais para merecer como eu a estava traindo.
"Princesa Lola," comecei, quase sem conseguir fazer as palavras saírem de minha boca, "eu gostaria de te pedir-"
"Sim?"
"Gostaria de te pedir que me elimine."
Ela abriu a boca, mas não falou nada por alguns segundos. Até fazia menção de formar uma palavra, mas continuava em silêncio.
Quando desviou o olhar para minha cama, eu cheguei um pouco mais perto dela.
"Não foi nada que você fez," corri para explicar. "Pelo contrário, você é maravilhosa. E não merece que eu continue aqui a não ser que tenha toda a intenção de ser escolhido."
Ela voltou a virar o rosto na minha direção e olhou nos meus olhos. "Está dizendo que não quer ser escolhido?"
Engoli a seco.
"Eu-" me cortei eu mesmo, olhando para meu colo, pensando em como continuar e me explicar direito. "Eu ficaria extremamente honrado se me escolhesse, Alteza," dessa vez, ela não me corrigiu. "Já estou honrado de ter sido selecionado. E garanto que vim com toda a intenção de ganhar seu coração."
Meu instinto era pegá-la pela mão, mas me mantive longe.
"Mas?" Ela perguntou, o desapontamento já claro em sua voz.
Ela me odiava. Eu sabia que me odiava. Me olhava como se quisesse voltar no tempo, me trocar por outra pessoa.
E eu sentia aquilo me atingir fundo no peito.
Mas eu não tinha planejado nada. E mesmo ali, com ela à minha frente, Amelia continuava na minha cabeça.
"Mas eu me apaixonei por outra pessoa," foi ainda mais difícil falar isso para ela do que tinha sido para Amelia.
A princesa fez questão de arregalar os olhos. E então se levantou, andando para longe, aumentando a distância entre nós.
Ela realmente me odiava.
"Eu juro que nada aconteceu entre nós," falei, me levantando logo atrás. "Pelo contrário, ela não demonstra o menor interesse em mim. E mesmo se demonstrasse, eu nunca quebraria minha palavra com você."
Ela foi até a janela, observando o jardim em silêncio.
Eu estava a alguns metros dela e sentia que não precisava ouvi-la falar nada para entender o que estava pensando.
E aquilo me matava. Não queria que ela pensasse menos de mim. Pior, não queria que ela pensasse menos de si mesma. O problema não era com ela. Era comigo.
"Vossa Alteza não merece um candidato como eu," continuei. "Não merece ninguém nessa Seleção que não seja completamente dedicado a você."
Ela se virou para me olhar. "Nunca pensei que um de vocês me viria pedir para ir embora," admitiu, só fazendo o nó na minha garganta aumentar.
Ela fez o caminho de volta para a cama, mas sentou olhando para a porta.
"Eu não planejei nada disso," falei, me mantendo de pé.
Ela concordou com a cabeça. "Eu imagino," disse. "Não posso dizer que não estou desapontada, Birmingham. Ou Alex, como preferir," disse, suspirando e olhando pelo meu quarto até seus olhos pararem em mim. "Mas acho que é melhor assim do que encontrá-los juntos."
Eu balancei a cabeça, apesar de sentir a mínima esperança de ela ainda ter uma boa opinião de mim. "Nunca existiria essa possibilidade, Alteza," lhe garanti.
"Porque ela não demonstra nenhum interesse," ela disse, olhando para o chão. Não era uma pergunta.
Mas tão pouco estava correto.
"Porque eu pediria que me eliminasse ainda que ela sentisse o mesmo," a corrigi. "Aliás, principalmente se ela sentisse o mesmo."
Quando seus olhos encontraram os meus, eu vi de novo um pequeno brilho de admiração que eu achava ter desaparecido completamente.
"Isso só faz ser ainda mais difícil aceitar seu pedido," ela disse, se levantando e vindo até mim. "Você tem um caráter invejável, Alex Dobrovisky. E teria sido um ótimo pretendente, se eu tivesse tido a chance de te conhecer melhor."
"Eu sinto mui-"
"Não," ela me cortou. "Não sinta. Não por ter se apaixonado por alguém. E nem por ser honesto comigo." Concordei com a cabeça, apesar de aquilo tudo só me dar mais vontade ainda de me desculpar. "Você pode ir quando quiser," ela continuou. "E desejo boa sorte no que estiver em seu futuro. Seja essa garota, ou qualquer outra."
Ela começou a se afastar de mim em direção à porta, quando eu vi minha mesa com o canto do olho.
"Espera," pedi e ela parou para me olhar. Fui até a mesa. "Posso te dar um de presente?" Perguntei, apontando para os bichinhos que já estavam terminados.
Ela sorriu. "É claro."
Olhei para eles. "Qual seu preferido?"
Ela andou devagar até a mesa e, assim que chegou perto, seus dedos foram direto ao urso. "Esse daqui," disse, o mirando atentamente. "Muito obrigada, Alex," ela se colocou nas pontas dos pés até ter me dado um beijo na bochecha. Depois continuou seu caminho.
Já chegava perto da porta quando se virou de novo para mim. "Posso perguntar uma coisa?" Pediu e eu concordei com a cabeça. "Quem é a garota? Por quem você se apaixonou?"
Era ainda mais difícil ouvi-la falar aquilo. Eu queria responder, e muito. Mas e se ela fizesse alguma coisa com Amelia?
"Eu juro que nada aconteceu entre nós-" falava, chegando mais perto dela.
"Eu acredito," ela me cortou, de um jeito estranhamente gentil. "E não se preocupe, não chegarei a falar nada a ela ou a outra pessoa sobre isso. Só quero saber."
Engoli a seco.
Era tão fácil falar o nome dela. E tão difícil conseguir não sorrir ao aparecer a imagem dela na minha cabeça.
"Amelia Woordwork."
Lola também abriu um sorriso, apesar de escondê-lo logo depois. "Obrigada," disse, depois respirou fundo, me mirando por mais alguns segundos. "Adeus, Alex."
Ela voltou a se virar para a porta e a abriu. Mas antes que a fechasse, eu respondi. "Adeus."


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