Bruxa por acaso escrita por Bia3009


Capítulo 2
Ser diferente é coisa do diabo


Notas iniciais do capítulo

Não é bem aqui que a história começa, já que essa é apenas um flash back da personagem e a visão que ela teve sobre aquilo. Espero que gostem.



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Me lembro bem da primeira vez que vi bruxas. Eu tinha apenas sete anos e estava acontecendo o festival de primavera em Flous. Todos estavam muito ansiosos, inclusive eu. Nunca tinha ido a um festival antes, tudo isso era novo para mim. Eu sabia que seria marcante para mim, mas de uma forma boa e não ruim como foi.

– Mamãe, podemos ir agora? - Perguntei pela décima vez naquele dia. Minha mãe sempre foi calma ,mas é claro que depois de tanto ouvir a mesma pergunta ela já estava ficando impaciente.

– O festival não vai sair do lugar filha, tenha calma! - Sua voz se elevou um pouco e eu encolhi os ombros. Gesto que fazia quando tinha medo.

– Não grite com ela Mary, a menina só está animada - Disse papai passando a mão na minha cabeça. Mamãe revirou os olhos e dava para ver que tinha sido vencida por ele. De todas as pessoas no mundo, meu pai era o único que acalma e vencia minha mãe.

– Está bem Edgar, não falo mais nada então. Vou chamar o Nataniel - Dito isso ela foi andando pelo corredor até sumir dentro do quarto de meu irmão, que era quatro anos mais velho que eu. O melhor irmão que alguém podia ter, apesar de ser um pouco exibido ás vezes.

–-

Logo na entrada do festival não consegui mais conter minha alegria, ria descontroladamente, pulava, andava em círculos. Aposto que quem passava perto achava que eu tinha algum problema. Eu não podia acreditar no que estava vendo. Era tudo tão lindo, tão colorido. Os músicos tocavam em seus belos violinos enquanto as pessoas dançavam animadamente. A alegria do lugar era contagiante e eu estava adorando tudo aquilo.

– E então Liza, o que está achando de seu primeiro festival? - Mamãe me perguntou.

– Está sendo ótimo! - Respondi um pouco eufórica e mamãe sorriu, mas foi um sorriso de apenas alguns segundos e depois seu rosto ficou tão sério que cheguei a ficar com medo dela.

– Escutem crianças, deixarei vocês livres para poderem fazer o que quiserem, mas não ultrapassem os arbustos atrás do festival entenderam? - Eu e Nataniel assentimos. Eu nem sequer sabia por que ela estava dizendo aquilo, mas meu irmão parecia saber.

– Ótimo - A expressão de mamãe tinha suavizado um pouco - Nos encontrem no centro do festival assim que o sol começar a se deitar no horizonte - Ela não disse mais nada e antes que eu pudesse fazer qualquer coisa meu braço foi agarrado por Nataniel e ele me arrastou para dentro.

– Não se esqueçam, não ultrapassem os arbustos crianças! - Papai gritou quando já estávamos longe.

– Nós não vamos fazer isso pai, eu prometo! - Meu irmão gritou de volta.

Eu e Natan ficamos correndo entre a multidão, esbarrando nas pessoas. Era engraçado quando elas nos lançavam olhares de repulsa, como se fossem superiores à nós. Acontece que minha família é uma das mais pobres de nossa aldeia e por conta disso nossas vestes não são lá grande coisa. Recebemos olhares tortos a todo momento, apenas não ligamos para nenhum deles.

Dançamos sem classe e sem ritmo ao som da música, sem nos importamos como aquilo parecia ridículo. Nataniel parecia uma minhoca se mexendo daquele jeito e eu podia apostar que estava do mesmo jeito.

Com as poucas moedinhas que tínhamos compramos maçãs caramelas e ficamos a saborear os doces sentados no chão de terra. Eu nem sei quantas vezes já tinha comido um doce tão bom como aquele. Uma, duas vezes no máximo.

– Qual a graça? - Perguntei emburrada quando percebi que Natan tentava reprimir risadas.

– Você está...com a cara toda melada Liza. Aposto que também riria se estivesse vendo - Ele disse entre risadas baixas. Bem atrás de onde estávamos tinha um lago. Eu me apoiei na terra e olhei meu reflexo no lago. Comecei a rir histericamente quando vi que ele tinha razão e meu irmão me acompanhou. Eu sei que isso parece exagerado, mas realmente estava muito engraçado.

Ficamos assim rindo como bobos, a ponto de algumas lágrimas começarem a descer por nossos olhos. Esse era um dos motivos por eu gostar tanto de meu irmão. Ele era tão maduro para sua idade, mas ao mesmo tempo tão bobo e brincalhão que me fazia gargalhar mesmo das coisas mais idiotas e sem graças.

De repente, um grito cortou nossas risadas. Eu nem sei como o ouvi, no meio de todas aquelas vozes, de toda aquela música, mas eu tinha a absoluta certeza que ouvira um grito. Era um grito de pura dor, sofrimento. Natan não pareceu perceber.

– Nataniel, você ouviu isso? - Perguntei com os olhos arregalados.

– Se você não estiver falando de toda essa gritaria, não ouvi - Meu irmão disse parando de rir.

– Estou falando sério. Tenho certeza que ouvi alguém gritar. Só não sei de ond... - E de novo, aquele grito de dor. Mas não era da mesma pessoa. A voz parecia ser mais fina. Como a de uma criança!

– Estou falando desse grito! Ouviu agora? - Nataniel fez que não com a cabeça e ele me olhava como se eu tivesse um parafuso a menos. Revirei meus olhos e sem mais nem menos sai correndo.

– Liza! espere! a mamãe e o papai vão me matar se eu perder você de vista! - Eu não ouvi os gritos de meu irmão. Apenas corri em direção de onde os gritos pareciam ir e fui parar em frente a alguns arbustos de folhas claras com algumas florzinhas roxas. A mamãe havia falado para não ultrapassarmos os arbustos, mas aquilo não se aplicava à uma emergência não é? Ninguém grita assim por nada.

Sem pensar muito bem sobre as consequências adentrei aqueles arbustos sem saber onde iria parar. Comecei a ouvir vozes, que vinham da mesma direção que os gritos, mas eu ainda não conseguia identificar oque estavam falando.

Finalmente sai dos arbustos e então deparei que nunca tinha visto aquele lugar antes em toda a minha vida, o que era muito estranho, pois conhecia Flous com a palma de minhas mãos.

O lugar cheirava a cinzas e carne queimada, mas eu não parei para ficar observando. Bem no centro tinha uma multidão e eu não conseguia ver o que eles estavam rodeando.

– Queima demônio das trevas!

– Bruxas servidoras de satã, vão arder no inferno pela eternidade suas imunda! – As pessoas gritavam esse tipo de coisa que atiçou, e muito, minha curiosidade. Eu nunca tinha ouvido o termo “bruxa” na minha vida. Do que será que eles estavam falando?

Eu ouvi aqueles gritos de dor novamente. Os donos, ou donas já que aquelas vozes pareciam ser femininas, pediam clemência. Corri abrindo espaço entre a multidão para ver do que se tratava e quando finalmente minha visão de cima foi desbloqueada eu não acreditei no que estava vendo. Aquilo era aterrorizante para uma criança da minha idade.

Eram três mulheres, uma devia ser no máximo apenas três anos mais velha que eu. Elas estavam amarradas, sendo queimadas em uma fogueira! Que monstro teria coragem de queimar pessoas, e ainda por cima, vivas! A cada grito meu coração doía e meus olhos ardiam mais. Não havia nada que eu podia fazer, era apenas uma criança. Mas afinal, por que elas estavam sendo queimadas?

Assistir aquilo foi um pesadelo. Eu queria sair correndo e nunca mais voltar ali, mas estava com tanto medo que simplesmente não conseguia me mexer. Assustada, aterrorizada, chocada. Eram tantos adjetivos. Por um minuto eu pude jurar que uma delas, a menor de todas, olhou para mim. Seu olhar transmitia pura dor e tristeza e eu pude sentir tudo que ela sentia. Esse foi o pior minuto da minha vida.

Fiquei ali parada, enquanto as três morriam devagar e do pior jeito possível. Imaginei o que fizeram para ter uma morte tão cruel. Mataram? Roubaram? Com certeza devia ser muito pior do que aquilo.

Senti uma mão apertar meu ombro e me assustei. Quando virei tive certeza que estava encrencada. Mamãe me olhava com um semblante nada agradável, seus olhos transmitiam puro desapontamento.

– Elizabeth, o que eu falei para você e seu irmão? O que eu deixei bem claro na hora que saíram? – Não sei por que fiz isso, mas fiquei olhando para ela, com os olhos vibrados, e não falei nada.

– Responda Elizabeth Angelina Wayne! – Mamãe gritou, quase tão alto quanto todas aquelas pessoas ali presentes. Quando eu finalmente disse alguma coisa, não foi um pedido de desculpas, nem uma justificativa do motivo de ter ultrapassado os arbustos. Eu apenas perguntei o que estava em minha mente naquele momento.

– Por que essas mulheres estão sendo queimadas?

– O que? – Mamãe se fez de desentendida, mas ela sabia do que eu estava falando.

– ESSAS mulheres! – Disse enfatizando bem essas e apontando para aquela cena novamente. Ela engoliu em seco por um momento e mediu bem suas palavras. Como a boa observadora que sou, eu consigo ver pelas expressões das pessoas o que elas sentem, as suas emoções e reações, mas eu acho que elas não sabiam que eu conseguia fazer isso.

– Minha filha, preste bem atenção no que vou lhe dizer – Assenti e depois de um suspiro mamãe retomou a nossa conversa.

– Essas mulheres são perigosas, elas são bruxas...

– O que são bruxas? – Interrompi curiosa.

– Bruxas são mulheres malvadas, que usam magia negra para matar e prejudicar pessoas, elas fazem pacto com o demônio e...

– Mas como você sabe que elas usam magia negra? – Interrompi novamente.

– Ora Liza, já está comprovado que algumas pessoas podem nascer com poderes, verdadeiras aberrações da natureza!

– Mas sempre há suas exceções, algumas bruxas podem ser boas – Indaguei e mamãe começou a ficar irritada.

– Bruxas são cruéis seres do demônio que devem ser destruídas! Queimadas na fogueira ou enforcadas em praças! – Seu tom de voz elevado tinha voltado. Mamãe odeia quando alguém a questiona.

– Ei espere um pouco, acho que estou entendendo. Essas mulheres são queimadas vivas, enforcadas em praça pública, só por que são diferentes? Então ser diferente é coisa do Diabo? – Eu nunca tinha sido sarcástica em toda minha vida e aquilo tinha soado de um tom totalmente grosseiro e arrogante. Ela demorou a falar alguma coisa. Suspirou, ficou me olhando com aquele olhar impaciente e frustrado. Eu estava certa, eles as queimavam por que elas eram diferentes. Achei aquilo um absurdo, mas quem era eu para achar alguma coisa?

– Vamos embora Liza, seu pai e Natan estão esperando lá na frente – Mamãe pegou na minha mão para sairmos daquele lugar cheio de caos.

Antes que adentrássemos os arbustos eu olhei pela última vez aquela cena e agora as bruxas já estavam mortas, eram apenas pedaços tostados de carne humana. O povo vibrava em comemoração, vibravam por que tinham matado mulheres inocentes que nada tinham feito. Ser diferente era um crime, que devia ser penalizado com pena de morte.

– Não olhe criança, um dia você entenderá sobre o assunto – Mamãe disse por fim, mas quer saber de uma coisa? Eu nunca compreendi.


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