Bruxa por acaso escrita por Bia3009


Capítulo 3
Olho de vidro


Notas iniciais do capítulo

Acabei demorando demais para atualizar a história, mas pretendo escrever um capítulo por semana se o interesse dos leitores aparecer.
A história será narrada por Liza até certo ponto, depois será narrado em terceira pessoa.



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Depois de uma surra e muitas broncas papai e mamãe nunca mais tocaram no assunto e era como se ele nunca tivesse realmente existido. Pelo menos não para eles, por que estava tudo tatuado em minha mente.

Todos os dias dava a desculpa de que ia colher morangos no bosque e meus pais me deixavam ir. Eles só não sabiam que o bosque, depois de cinco ou dez minutos de caminhada, resultava naquele lugar que eu conheci á uns meses atrás.

Eu me perguntava todos os dias por que eu continuava voltando. Eu acreditava em três hipóteses. Primeira: eu era uma daquelas pessoas que gostavam de sentir dor. Elas tem um nome para defini-las do qual eu não me lembro, mas pelo menos é isso que sinto quando volto lá. A mais pura e aguda dor. Segunda: Minha missão divina na terra é salvar aquelas moças que são acusadas de bruxaria e impedir que alguma delas seja queimada novamente. Terceira: eu sou uma completa idiota e não tem nenhuma explicação sentimental ou religiosa.

Seja o que for, tenho a impressão de que vou visitar aquele lugar até o dia da minha morte.

O tempo estava fresco. Natan havia saído com o papai para venderem leite e só estava eu e minha mãe, ela tecendo um vestido no trico. Meu irmão parecia ser o único que notara meu comportamento estranho, mas nunca comentou comigo sobre isso. Ele devia saber que eu não diria nada.

– Mamãe, estou indo ao bosque - Disse como de costume. Ela ergueu os olhos do trico e eu engoli em seco.

– Fazer o que no bosque Elizabeth? - Suas órbes azuis, assim como sua voz, ardiam em desconfiança. Quase vacilei ao tentar lhe responder.

– Colher morangos oras! o que mais faria no bosque? - Uma risada nervosa escapou de minha boca. Ficamos assim por um tempo. Mamãe me queimava com os olhos e eu suava frio.

– Volte antes do sol sumir - Disse por fim. Ao sair pela porta, soltei um longo suspiro silencioso.

Comecei minha caminhada diária até o bosque e foi adentrando naquela imensidão verde. Árvores, arbustos e flores. Eu já tinha ouvido falar que plantas eram seres vivos. Como elas conseguem ficar presas em um lugar pela vida inteira? se eu fosse uma planta, com certeza já teria saído por aí.

Os gritos começaram a dar sinal de vida em meus ouvidos e eu sobre que estava perto. Depois de muito tempo os observando eu aprendi que aquelas pessoas na verdade eram um grupo chamado Defensores Divinos. Na minha inútil opinião infantil, esse era o nome mais idiota do mundo.

Eu havia chegado um pouco tarde hoje. Eles já estavam preparando para queimar a vítima que se escondia de meus olhos, quando alguém interrompeu o ato. Pensei que fosse um home, pois sua voz era roupa e molhada. Mas estava enganada.

– Seus emprestáveis! não acredito que não trouxeram a maldita tocha! - Vociferou uma mulher baixa e gorda.

Todos ali abaixaram as cabeças em sinal de vergonha e eu logo deduzi que aquela mulher era a líder do grupo.

– Vamos logo pegar as malditas tochas, antes que eu fique com raiva e queime vocês junto com a ninfeta.

– Sim Senhora Peal - Disseram todos juntos e passaram a seguir a mulher, sempre com as cabeças voltadas para o chão.

Quando a tal Senhora Pearl virou para poder prosseguir eu me assustei por alguns segundos com sua aparência. Ela sim parecia ser uma bruxa. Sua pele era enrugada e seu olho direito, totalmente branco, sem íris nem pupila. Parecia um olho de vidro.

Porém, logo quando eles saíram de perto do local de punição, as fisionomias de Pearl já não eram mais importantes para mim. Meu coração que antes doía, agora estava despedaçado e sangrando muito. Uma menina estava presa ali, uma menina que parecia ter minha idade. Seu corpo estava todo ferido e seu rosto carregava um semblante assustado. Eu não poderia deixa-la ali. Não teria coragem.

Peal podia ser assustadora, mas não inteligente o bastante para deixar alguém vigiando. Me aproximei devagar para não assusta-la, mesmo sabendo que ela já havia me visto.

– Olá, qual o seu nome? - Perguntei quando já estava na sua frente. Sua voz saiu falha, quase em um sussurro.

– Arabela. Por favor, me tire daqui. Eu não aguento mais.

– Tudo bem Arabela, meu nome é Liza e eu estou aqui para lhe ajudar - Disse tentando transmitir conforto e acho que deu certo. Um pequeno sorriso cresceu em seus lábios como se ela estivesse me agradecendo. Os nós estavam bem apertados, eu levei um bom tempo para solta-la e enquanto tentava resolvi puxar conversa. Sei que não era hora nem lugar apropriado, mas queria saber por que ela estava ali.

– E então Bela, por que você está sendo acusada de bruxaria?

– Eu não pratico bruxaria, meu pai inventou tudo isso - Disse cabisbaixa e eu logo me arrependi de ter sido tão inconveniente - Ele mentiu para Pearl, disse que uma vez me pegou proferindo algumas palavras estranhas e de repente tudo começou a flutuar, mas isso não foi o que me afetou. O mais doloroso...é saber que meu próprio pai quer me ver queimando em uma fogueira - Lágrimas inundavam seus olhos escuros e eu me senti mal por ela.

Não demorou muito e Arabela caiu em cheio no chão. Senti seus braços rodearem meu pescoço e sua cabeça se enterrou em meu ombro enquanto ela chorava baixinho. Estava agradecendo por eu ter a salvado e para mim aquilo valia mais que um simples obrigado.

– Venha, vamos sair daqui antes que...

– A bruxa foi libertada! - Gritou um dos membros do grupo. Droga, eu havia demorado demais para libertar Arabela. Pearl estava me encarando furiosa, como se fosse me matar.

Não esperei para ver o que eles iam fazer. Olhei para a menina ao meu lado que felizmente, não demorou para entender. Nós começamos a correr, com o grupo mais desumano da aldeia atrás de nós.

Eles gritavam coisas ameaçadoras, principalmente Pearl.

– Quando eu colocar as mãos em vocês, as duas vão ser queimadas lado a lado! - Ouvi uma última ameaça da mulher do olho de vidro antes de finalmente despistarmos todos.

Arabela caiu ao meu lado ofegante. Meu vestido favorito estava rasgado e minha pele machucada pelos galhos que atrapalhavam o caminho, mas nada importava agora.

– Liza... - A menina me chamou com a respiração descompensada.

– Sim?

– Somos amigas agora?

– Com certeza Bela - Disse sorrindo.

–-

Nós não cruzamos mais com o grupo e eu sabia que não poderia voltar lá novamente. Eles haviam visto meu rosto e me reconheceriam se eu resolvesse me arriscar. Eu poderia ter uma lista de defeitos, mas com certeza não sou tão burra.

Quando voltei para casa mamãe deu um grito assustado e pediu explicações para o meu estado. Disse simplesmente que havia rolado de um barranco, mas não sabia se ela acreditara ou não.

Já era noite. Mamãe estava fazendo o jantar, papai a ajudava. Eu e Natan nos aconchegávamos nas camas de nosso quarto.

– Sabe Liza, você pode ter enganado nossos pais com essa historinha de barranco, mas eu sei que tem a ver com seu comportamento.

– Pense o que quiser Nataniel. Eu não te devo satisfações

– Pare com isso Liza! quer matar seu irmão de curiosidade? ande garota, me conte o que você fez para ficar daquele jeito - Um sorriso sapeca cresceu em meus lábios.

– Conte seu dia primeiro maninho.

– Ah, vamos ver... - Disse pensativo - Eu passei o dia todo com o papai na venda e nem se eu tomar dez banhos vou tirar esse cheiro de leite do corpo - Ri um pouco com a falsa indignação em sua voz.

– Agora conte o seu Liza. Você sabe que pode confiar em mim. Eu sou seu irmão mais velho, meu dever é te proteger a cima de tudo, por que é isso que irmãos fazem - Abri meus olhos para fita-lo, ele estava sendo sincero. Eu ia contar, quando alguém começou a socar a porta da frente e começamos a prestar atenção no que acontecia depois da porta de nosso quarto.

– No que posso ajudar? - Mamãe disse abrindo a porta.

– Bom dia Senhora Wayne, eu vim lhe trazer um comunicado - Senti um calafrio na espinha que logo se expandiu por todo o meu corpo. Aquela voz rouca e molhada. Olho de vidro. Minhas suspeitas se confirmaram quando olhei pelo buraco da fechadura.

– Sua filha invadiu nosso território e libertou uma bruxa, isso é algo muito grave.

– Oque? - Papai disse parecendo indignado levantando do sofá - Liza nunca faria isso, você está enganada Peal!

– Eu vi com meus próprios olhos e você sabe muito bem que isso é traição, sua filha vai ter que pagar! - Gritou a mulher.

De repente, um estalo. Meus olhos se arregalaram, e os de Natan também, mesmo que ele não estivesse vendo a cena. Mamãe havia dado um tapa em Peal.

– Você vai ter que passar por cima do meu cadáver para por as mãos em Elizabeth sua maldita!

Silêncio. Peal olhava para mamãe com um olhar cortante, como se estivesse planejando algo. Papai segurava a mão de mamãe como se quisesse acalma-la.

– Se é assim que você quer Mary... - Pearl pegou alguma coisa que eu não conseguia ver. Algo afiado - Irei passar por cima do seu cadáver e pelo de sua família também - Bastou alguns segundos para eu ter a pior noite da minha vida inteira. De início eu não captei as últimas palavras da mulher de olho de vidro, mas bastou alguns gestos para elas se tornaram ameaçadoras.

Pearl passou aquele objeto pela garganta de mamãe, tão rápido que eu pensei ser um fruto da minha imaginação. Mas ao piscar, eu vi que a parede estava vermelha e ela estava no chão, com os olhos distantes e o pescoço sangrando. Abafei um grito com as mãos e não consegui mais olhar quando a mulher passou o objeto também na garganta de meu pai.

O que está acontecendo Liza? – Natan perguntou em um sussurro.

Mortos. Mamãe e papai estão mortos - Respondi com lágrimas grossas escorrendo por meus olhos.

Meu irmão foi até mim com passos silenciosos e me abraçou. Infelizmente, nem seu abraço me confortaria agora.

Passos rodeavam a casa. Eu sabia que eles estavam procurando por mim. Isso continuou por mais um tempo, mas logo os passos cessaram e eu cheguei a pensar que eles tinham partido.

– Será que eles foram embora?

– Não sei. Escute bem o que eu vou te dizer Liza - Assenti engolindo em seco – Vá para debaixo da cama, e não saia de lá mesmo se ouvir gritos entendeu?

– Eu não vou deixar você sozinho nessa! – Meu irmão me olhou sério. Eu nunca o tinha visto assim antes, ele parecia um adulto. Obedeci e fiz o que ele havia mandado.

Eu só tinha a visão dos pés de Nataniel. Agarrei um ursinho que estava ao meu lado e passei a observar. Meu irmão tinha uma espada em mãos, não sei aonde pegara aquilo, talvez fosse algo secreto, não queria pensar nisso agora.

A maçaneta começou a se mexer com fúria. Não demorou muito, e a porta foi arrombada. Eram vários. Eles começaram a atacar meu irmão e gritos dolorosos invadiam meus ouvidos. Eu não tinha controle sobre minhas lágrimas. Elas simplesmente escorriam sem pedir permissão para isso.

O sangue começava a tomar conta do chão. Vi quando Nataniel caiu no chão, pálido e ensanguentado. Estava morto, assim como papai e mamãe.

Eu respirava ofegante tentando ao máximo segurar meus soluços. Todos os que eu amava agora estavam mortos. Eu salvei uma vida hoje de tarde, mas a que preço? se eu soubesse que sacrificaria a vida de minha família nunca teria feito aquilo.

Os passos estavam bem perto de mim. Eu agarrei o ursinho com tanta força que pensei que sua cabeça explodiria. Aqueles passos eram cúmplices do silencio. Eu não conseguia saber onde eles estavam.

Fechei os olhos com força. Eu tentava imaginar minha família, tentava imaginar que nada disso estava acontecendo. Eu estou deitada na grama com Nataniel em meus pais, estamos fazendo um piquenique. Nós estamos rindo e conversando. Meus lábios se curvaram para cima, eu estava conseguindo convencer minha mente de que aquilo era real, mas não por muito tempo.

Senti uma mão gelada agarrar meu braço, com tanta força que tive vontade de gritar. Eu abri meus olhos e lá estava ela. Sua pele enrugada e seu olho de vidro, brilhando furioso.

– Te achei gracinha - Ela tinha dentes podres, seu sorriso me assustava. Era quase doentio - Espero que esteja preparada para conhecer o inferno.

E então foi isso. Eu pensei que hoje seria um dos melhores dias da minha vida, mas eu estava enganada. Foi um início de um pesadelo que me assombrou pelo resto de meus dias e meu único sonho agora, era ter minha família de volta. Um sonho inalcançável.


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Notas finais do capítulo

Acho que alguns vão perceber que a personagem ás vezes faz observações um pouco estranhas e desnecessárias. Ela é uma criança então é natural que seu ponto de vista seja exagerado e até mesmo irritante algumas vezes.
Enfim, espero que tenham gostado.



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