Somente uma Dança escrita por Layla Glêz


Capítulo 1
Seulement une danse


Notas iniciais do capítulo

O capítulo foi inspirado em várias músicas. Give Me Love - Ed Sheeran é uma, mas se eu fosse listá-las aqui daria uma playlist inteira.
Enjoy it!



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Virou outra dose, sentindo o álcool rasgar sua garganta com um sorriso torpe nos lábios. Queria que rasgasse de fato, abrindo-o em dois a partir da boca.

Nas suas contas perdidas, era a quarta seguida e as imagens rodopiavam a sua frente, tropeçavam do modo que lhe parecia conveniente. A quem importava? Tudo naquela festa era a pura metáfora do que jamais seria, os ternos elegantes, os sorrisos medidos, o serviço educado. A luminosidade dos lustres parecia-lhe então estupidamente irritante, petulância essa de cegá-lo, fazendo seus olhos doces transbordarem uma gota de sal.

Ergueu-se, farto de tudo. Festa, música, alegria. Queria se embebedar em um bordel qualquer, no suor de uma mulher qualquer, uma cujo nome e a imagem seriam esquecidas ao amanhecer, enquanto suas calças ainda estivessem pelo chão.

As risadas feriam seus ouvidos, arranhavam sua mente e ele sentiu-se vacilar com o primeiro passo, estando completamente bêbado, estúpido e ferido pelo término de uma paixão que desde sempre não poderia dar certo.

- Senhor, concede-me a honra desta dança? - a voz chegou aos seus ouvidos e ele se virou para fitar a dona de tão melodioso tom.

Viu os cabelos castanhos, caindo em cachos perfeitos por seu colo, o coque deliberadamente mal preso, o decote farto e bem comportado, a cintura mediana, a estatura baixa para seus padrões, a saia armada, escondendo possivelmente belas e torneadas coxas; ou seria ousadia demais imaginar suas coxas?

Atrás dela, risos abafados indicavam suas amigas e ele as buscou com os olhos perguntando a si mesmo qual o motivo da piada. Porém os olhos negros o fitaram, sem abrir espaço para ele olhar para outro lugar. Tudo nela era o extremo oposto da mulher que dominava sua mente, a meretriz cujos arfares lhe levavam ao delírio quase todas as noites.

Enquanto ela, a prostituta, era loura, a sua frente havia uma morena; se a outra possuía olhos azuis os da moça eram negros; talvez a única semelhança fosse a pele leitosa e os lábios, aqueles malditos lábios em forma de coração, rubros, entreabertos, como se pedissem para serem beijados até se tornarem dormentes.

- Não acho que seja uma boa ideia - retrucou, apoiando-se sobre o balcão.

Massageava as têmporas enquanto se sentia feito uma besta acuada. Cujo único lobo era a debutante a sua frente.

- Seria muita falta de educação sua... - começou e esperou que ele dissesse seu nome, naquele velho joguete que todos faziam desde tempos imemoriais.

- Wolf. Jonathan Wolf - proferiu, exaurido demais até para discutir.

- Monsieur Wolf, recusar a anfitriã do baile - completou, ainda com aquele mesmo olhar tão adulto em sua face de criança.

Tinha se esquecido por completo que aquela era uma festa de debutante, um pretexto claro para a família DeBrouglie firmar negócios enquanto sua adorável filha, Elena, surrupiava alguma atenção. Nem sequer se lembrava o motivo de ter um convite, mas talvez fosse por sua carreira em ascensão de jornalista.

Suspirou derrotado. Não podia negar, não quando claramente havia tanta influência em jogo.

- Deixe-me ao menos recuperar algum equilíbrio com um copo d'água - pediu, em tom ranzinzo.

- Claro - concordou com um sorriso e um gesto de erguer a saia e dobrar os joelhos, virando sobre os calcanhares e caminhando para o canto de suas amigas.

Oh, céus. Ao se esgueirar por seus calcanhares teve a certeza: estava perdido naquela dança.

Não demorou mais de minuto até que se visse encarado novamente pelos olhos negros e ao baixar o copo d'água - agora vazio - decidiu então entrar na brincadeira da moça, caminhando por todo o salão até se deparar com a dona daquele par negro.

Curvou-se a sua frente, como era apropriado, e estendendo-lhe a mão perguntou em tom rouco, notando sua face ser tomada por uma expressão ligeiramente surpresa.

- Posso ter a honra, senhorita?

Ela não respondeu com palavras, apenas depositou a mão sobre a sua, fazendo-o sentir sua pele dela por debaixo daquela delicada luva. Wolf teve vontade de tirá-la, talvez com os dentes, dedo por dedo em um ritual somente seu, numa demonstração atípica do que sentia necessidade de fazer com o corpo da garota. Porém, ao invés disso, apenas guiou-a para o centro do salão, tendo a consciência dos olhares que também os acompanhavam.

Prostraram-se ao centro, erguendo os braços e deixando apenas o ar preencher os centímetros entre suas mãos e os olhos cor de mel invadiram os negros.

A música tocou, em tom grave, ele deu um passo, ela deu outro. Suas mãos continuaram presas, como dois ímãs de mesma polaridade pressionados a se aproximar.

Ele sentiu a eletricidade percorrer seu corpo, enquanto a garota não esboçava um sorriso sequer, presa a olhar para seu rosto oval e queixo largo. Encontrando as falhas de sua pele acobreada. Seus corpos se moviam por instinto, por memória corporal, decorando cada passo enquanto avaliações eram feitas, ele a ouviu arfar uma vez, entreabrindo a boca em um 'O' perfeito.

Um passo o deixou há centímetros do ouvido dela, fazendo-o sussurrar com um sorriso arteiro.

- Não conhece minha fama, mocinha?

Soube que ela se arrepiou no instante que outro passo os afastou, mas ela não admitiria. No momento em que teve a oportunidade de responder, aproximou-se com leveza de seu lóbulo e sussurrou:

- De libertino, sedutor e ébrio?

Uma parte dele se arrepiou com o gesto, rosnando baixinho o suficiente para que a música cobrisse. Arqueou uma sobrancelha, enquanto o silêncio entre os dois era invadido por uma nova música, de ritmo completamente distinto, algo mais animado, foi o momento em que sua mão envolveu a cintura da moça com ferocidade. Enquanto sua boca cuspia rispidamente:

- De homem dos quais as garotinhas mantém distância.

Ela gargalhou, fazendo com que seus seios roçassem na camisa dele por um segundo, enquanto ele a rodopiava e respondeu quando ele a puxou novamente naquela valsa:

- Desculpe, monsieur Wolf, mas não sou o tipo de garotinha que corre do lobo mal.

Ele arqueou uma sobrancelha, intrigado, e se antes sua dança era mera cordialidade, de então passou a ser interesse. E já não importava os olhares sobre eles.

Aquela garota era fascinante, de um modo novo, mesmo que fosse tão jovem; parecia que seus olhos negros resguardavam um veneno próprio, uma dose que ele estava ansioso por provar. Ficaram sem palavras quando os braços descobertos dela se enlaçaram às mangas do terno dele, transmitindo o suor que já cobria a ambos.

Os quadris se chocaram, com violência desesperada. Ela se afastou, ele a puxou pelo braço, rodopiando seu corpo e sentindo seu cheiro como um viciado; ela se afastou novamente, girando, enquanto roçava as unhas por seu braço, a outra mão passando por seu próprio pescoço alvo e se fechando em punho, deixando uma marca rosada sutil, mas ele percebeu enquanto ela mordia seu lábio internamente e o arfar mínimo que saia de sua boca o excitava.

Seus corpos colaram, enquanto o quadril dela se movia suavemente para os lados, as mãos dele desceram pelas costas dela, parando pouco abaixo da última costura do espartilho. Ele rosnou, puxando-a em uma estocada rouca.

Ela soltou um suspiro, largando a cabeça suavemente para trás, deixando seu decote ainda mais visível e levantando um dos braços em meneio de bailarina.

Ele a puxou para perto pelas costas.

E os olhos se cravaram noutros olhos.

E as bocas respiravam pesadamente.

Então os dois se afastaram, sem nenhum outro som. O cabelo levemente bagunçado, os rostos suavemente corados. Ela se aproximou de suas amigas, com um meio sorriso maroto.

- O que foi isto? - perguntaram elas.

- Uma dança - respondeu com simplicidade e ao olhá-lo de soslaio repetiu com um sorriso compartilhado sorrateiramente - Somente uma dança.


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Notas finais do capítulo

Se chegou até aqui, deixe sua opinião! E se achar que vale o esforço, recomende! Fazem esta autora feliz!
O que achou dessa pequenina One-Shot sobre um casal que surgiu na minha cabeça?
Até qualquer outra história!
Beijos!