–Ah, Thony! - chamei, lembrando-me de algo importante. - Você queria conversar comigo, não era? - ele havia me mandado uma mensagem na noite anterior e disse que só falava pessoalmente.

Ele, que tinha parado e se virado para me olhar, deu um meio sorriso encantador.

–Não, Jullie, eu não queria conversar com você. Eu preciso conversar com você – ele me corrigiu pacientemente e com uma seriedade que me deu calafrios. - É diferente, admita.

–Claro, claro – fui até ele e olhei-o bem nos olhos. - E então? O que é?

Anthony hesitou. Ele quase nunca hesita para me responder. Só quando a coisa é muito, muito séria e, ou ele acha que eu não vou gostar, ou ele tem certeza de que eu não vou gostar. Fechei os olhos e contei até três, numa respiração profunda. Só então encarei-o novamente.

–Vai, começa – incitei.

–Hmmm, é... agora vai começar a aula... na hora do almoço, pode ser? - ele sorriu temeroso.

–Ok, na hora do almoço – provavelmente a história seria longa, então, era melhor que tivéssemos tempo. - Mas não me peça para esperar mais. Entendido? - depois do aceno com a cabeça dele, eu sorri marota. - Agora, temos tempo de sobra para eu ver como ficou esse cabelo.

–Ah, Jullie, não! - reclamou ele.

–Vamos, vamos! - insisti pulando, tentando alcançar a aba do boné.

–Não! - ele me impediu rindo. - Está um horror!

–Duvido!

–Você não vai mais querer andar comigo depois que ver o estrago! - ele disse convicto.

–Até parece que eu sou assim tão má! - fiz uma careta. - E você bem sabe que eu sempre te achei lindo de qualquer maneira – assim que as palavras saíram da minha boca, me arrependi delas.

–Sempre, é? - ele ergueu uma sobrancelha.

–Sempre – afirmei envergonhada.

–Então eu vou ficar me achando, agora – ele declarou e deu uma piscadinha.

–ANTHONY!!! - alguém o chamou e olhei para ver quem se aproximava. Seu amigo.

–Essa é a minha deixa – falei, soltando-me dele. - Até a aula. - sorri e me afastei.

Eu não estava sozinha, todavia, não era como se isso fizesse alguma diferença. Peguei minha mochila no banco e sentei-me num canto, quieta. Queria que todos me deixassem em paz, eu não estava me sentindo muito bem. Pelo menos consegui o que queria.

–Finalmente, o sinal tocou, não é? - levei um susto quando Ronnie falou ao pé do meu ouvido. - Vamos entrar?

Eu não tinha escutado aquela buzina irritante, mas tanto fazia. Essa aula eu tinha apenas com Ronnie, então, não estava me importando muito. Assim que Ronnie chamou novamente meu nome, eu lembrei que não tinha respondido ela. Levantei-me, peguei minha mochila e sorri.

–Vamos. Vamos, sim – falei ainda aérea.

Thonny estava me deixando preocupada e pensativa, porém Ronnie manteve a palavra e não tocou no assunto. Nos sentamos juntas como sempre e ela me deixou pensando. Eu estava, na verdade, tentando ver em que ponto a minha amizade com Thony começou a ter esses probleminhas. Porque, sempre, sempre, sempre, contávamos tudo um ao outro. Eu sabia tudo sobre ele e ele sabia tudo sobre mim. Hmmm, quase tudo. Havia duas coisas que nem Ronnie, nem Thony sabiam sobre mim. Duas coisas que ninguém no mundo sabia sobre mim.

Uma náusea passou em meu corpo e eu fiz uma careta, engolindo o líquido de gosto ruim e tentando recobrar o equilíbrio. Fixei os olhos em meus cadernos e tentei me situar na matéria. Pelo menos não era assunto novo. Mas isso queria dizer que haveria prova em breve.

–Hmm, Jullie, você está bem? - cochichou Ronnie ao meu lado.

–Sim, sim, eu só fiquei um pouquinho tonta. Deve ter sido queda de pressão. - murmurei de volta. - Já vai passar, prometo.

–Você tomou café, não tomou? - agora ela estava muito interessada na resposta.

–Claro que sim – respondi mais que depressa, mas eu não tinha tomado café, precisava manter a forma. Não que eu fosse gorda, mas eu não era tão esbelta quanto Ronnie. E minha genética fazia-me engordar com um grão de arroz a mais. Eu não podia me dar a esse luxo.

As primeiras aulas passaram sem muito mais acidente por parte de meu corpo. Embora eu ainda estivesse tentando imaginar o que havia de errado com Anthony, tentei não transparecer minhas aflições. Na última aula antes do almoço, minhas esperanças de manter tudo como se estivesse igual foram destruídas. Aula de química. Prova. Não consegui conter o gemido desanimado na minha boca.

–Vamos lá, vai dar tudo certo! - sussurrou Ronnie enquanto me arrastava para minha carteira. - Você vai se sair bem. Tenho fé. Boa sorte. - me deu um beijo na testa e foi para o seu lugar. Provas não eram permitidas as duplas.

Assim que foi-me dada a prova, deixei de lado o assunto “Thony” e concentrei-me no assunto mais urgente “química”. Eu não era muito boa nessa matéria. Na verdade, ligações iônicas não era tão fácil assim, não. Os minutos se passaram e eu pude fazer a prova com um misto de calma e nervosismo – mais para muito nervosismo. No final da aula, Veronica pôs as mãos em meus ombros e passou a massageá-los, tentando aliviar minha tensão.

–Você vai ver, amiga, vai dar certo – ela repetiu. - Você estudou, vai tirar uma boa nota.

–Eu espero que sim – respondi temerosa.

Pior. Agora que o assunto “prova de química” tinha se finalizado, o assunto “Thony” voltou com força total, causando-me uma baita dor de cabeça. Levantei-me e deixei Ronnie me guiar para fora da sala, em direção ao refeitório.

–É isso mesmo! Determinação. É assim que eu gosto!

Sorri para ela, do melhor jeito que consegui. Ela sorriu para mim, e depois fez uma careta.

–Você continua estranha, Ju – concluiu. - E não é por causa da prova. Por acaso é por causa do Thony? Eu mal vi ele hoje!

–NÃO!- arregalei os olhos e apressei-me em dizer. - Não é nada, Rô. Juro.

Ronnie arqueou uma sobrancelha, claramente descrente. Dei o meu melhor sorriso fingido para ela. Eu não sabia por que estava mentindo, mas sabia que falar a verdade implicava contar a ela sobre meus sentimentos com relação ao meu melhor amigo.

–Não é nada, Veronica – insisti. - Eu só estou um pouco tensa por causa da prova. Eu juro.

–Mesmo? - ela me olhou inquisidoramente.

–Sim – assenti e olhei ao redor, procurando por Thony. - Desculpa, Ronnie, logo a gente conversa.

–Vai me explicar seu comportamento? - ela sorriu marota.

Suspirei resignada e concordei com a cabeça. Ela não me deixaria em paz. Se bem que era quase que um papel dela, sendo minha melhor amiga e, praticamente, irmã.