Era estranho estar mais uma vez com Davi depois de tudo o que acontecera. Algumas vezes sentia a mão dele pegando a sua e recusava, assustado com o gesto repentino, como se Davi fosse um estranho. Beijar o garoto não tinha exatamente o mesmo gosto. O fantasma de Patrícia sempre estava presente no ar.

Miguel suspirou. Odiava aquilo.

– Qual o problema? – o outro perguntou, no final do dia, quando Miguel deu um passo para trás logo depois de ter selados seus lábios rapidamente em uma despida.

Ele segurara a pergunta o dia inteiro, e Miguel sabia disso. Ambos sabiam que alguma coisa simplesmente não parecia certa nas carícias que tinham trocados, nas palavras, nos beijos. Não havia mais a mesma paixão, e Miguel se perguntou pelo menos meia centena de vezes se tinha feito a escolha certa perdoando o outro.

Talvez eles não tivessem jeito mesmo. Talvez Patrícia tivesse sido o final deles de uma vez por todas e não valesse a pena arrastar o relacionamento, fingindo que nada de errado acontecera e que ambos não sabiam o que estava acontecendo.

– Me desculpe. – Miguel disse. Os dois estavam parados perto da porta do apartamento de Miguel. Então ele falava baixo, para que Bia não os ouvisse. Não queria ter que compartilhar aquela conversa com a menina, quanto menos ela soubesse melhor – Acho que estou um pouco cansado…

Mas os dois sabiam que não era verdade. Os olhos de Davi – aqueles olhos mel pingados de verde que ainda lhe causavam arrepios – diziam isso para Miguel.

– Deixe-me adivinhar – o outro tomou a fala. – Seu cansaço tem nome. Patrícia.

Por mais que Miguel odiasse admitir, Davi estava certo.

– Eu já disse mil vezes… – Davi começou, mas não era isso que Miguel queria ouvir. Já sabia o que ele diria. Repetiria o quanto o amava, o quanto estar com Patrícia não significara nada.

– Não é sua culpa. – Miguel falou, interrompendo o namorado. – O problema sou eu, acho. Eu só… Preciso de tempo.

– Tempo – Davi repetiu, um pouco distante. – Certo, posso te dar um pouco de tempo, acho…

Os dois se encaram por um tempo. A tensão era palpável. Davi coçou a cabeça despreocupadamente.

– Acho que vou embora – ele disse, finalmente.

Desta vez, porém, não avançou para os lábios de Miguel. Na verdade, ele não fez nenhuma menção de tocar o garoto, virando de costas e chamando o elevador. Dirigiu-lhe apenas um último olhar. E toda a tristeza do mundo estava ali.

Como poderia resistir aquele olhar? Todos os momentos bons que viveram voltaram com força para Miguel, o primeiro encontro deles, a saída para o restaurante com os amigos de Bia e a mão de Davi sobre sua perna, o beijo no banheiro do shopping e quando tivera que pará-lo antes que fosse fundo demais. O jeito que ele o consolara quando encontraram com a mãe no restaurante, como falara que o amava depois de rejeitá-lo no cinema. Todas as vezes que se preocupara à toa, as vezes que ultrapassaram limites. Cada momento bom voltou para ele e Miguel não os ignorou. Não podia negar, amava aquele homem parado a sua frente.

E, droga, quem era Patrícia?

O elevador se abriu com um TRIM, mas Miguel avançou para Davi antes que ele entrasse. Beijou-o, pegou sua parte traseira, empurrou-o de costas para uma parede. Por um momento o outro pareceu confuso, mas não resistiu. Apenas quando os dois se afastaram, buscando ar, ele perguntou:

– Pensei que precisava de um tempo!

– Já tive um tempo – Miguel respondeu.

– Tempo rápido – refletiu antes de avançar novamente para o outro, passando as mãos em sua nuca e o fazendo se arrepiar.

Os dois ainda trocaram alguns amassos e carícias antes de Miguel começar a procurar a maçaneta da porta para poderem entrar.

Davi percebeu isso.

– A Bia vai estar aí – ele disse sabiamente.

– Dane-se.

Era isso. Estava sobre o feitiço de Davi, convencera. Sempre o tinha desejado e sempre o desejaria.

A porta do apartamento finalmente se abriu e, enquanto eles entravam, o elevador finalmente se fechou.

Era isso.

Davi não iria a lugar algum.