Ele dormiu no calor de seus braços.

Miguel dormira nos braços de Davi. Podia sentir a respiração lenta e o ver por soslaio os olhos pesados, então sabia que era verdade. O que podia fazer? Tentava de todo o jeito não se mexer para não acordá-lo. A cabeça estava em seu peito e temia mesmo respirar e interromper o sono do outro.

Como tinha acabado assim? No quarto de Davi, aconchegando-se um no outro? Davi sabia, mas, se tivesse acontecido um mês antes, teria dito que aquilo era loucura. Já não estava mais tão certo disso.

Gostava de Miguel, claro que gostava. Ou não teria investido tanto no garoto. Mas agarrar-se como estava aconteceu? Dificilmente teria acontecido com outra pessoa, refletiu.

Qual era o problema? Por que se preocupava tanto com Miguel?

O primeiro “Eu te amo” que dissera fora uma mentira. Os dois estavam na varanda do apartamento no prédio de esquina, comendo iogurte de banana. E Miguel soltara a bomba. O que mais Davi devia ter feito?

Mas alguém falara que uma mentira quando repetida várias vezes se torna verdade. Davi achava que tinha alguma coisa a ver com política quando a frase fora proferia pela primeira vez, mas não tinha certeza. Não se importava. Encaixava para aquele momento do mesmo jeito.

O que mudara de lá para cá? Caíra nas armadilhas de Miguel. Em cada uma das armadilhas que ele montara, enrocando cada vez mais na teia e caindo cada vez mais no fundo.

De repente, se viu apaixonado.

Quando exatamente a transição acontecera? Não fazia a menor ideia. Percebera quando a opinião de Miguel passou a lhe ser importante e ele não suportou vê-lo correndo para fora do cinema quando ele não o beijara.

Um mês antes, pensara em dizer para o garoto que não queria mais ter nada com ele. Que já dera o que tinha que dar e era melhor que partissem para outra.

Se alguém tivesse lhe sugerido aquilo naquela noite, com Miguel dormindo em seus braços, Davi teria simplesmente rido e o puxado para mais perto.

Entre apaixonar-se e virarem realmente íntimos, porém, levou algum tempo. Davi soube que o amava muito antes de abaixar suas calças ou compartilhar de sua cama.

Eles tinham passado aquele dia inteiro juntos. O anterior também. E muito provavelmente passariam aquela noite juntos também. O antigo Davi teria protestado. Como poderia perdem tanto tempo com a mesma pessoa?

Mas não era perda de tempo.

Teria ficado com Miguel de bom grado por mais uma semana. Dedicando todo seu tempo a ele e só ele.

Os solteiros que o perdoassem, mas não sabiam o quanto era bom estar apaixonado.

Miguel se mexeu em seus braços, e Davi prendeu a respiração. Não queria que ele acordasse. Talvez, se acordasse, percebesse que era tarde e fosse embora. Não era o que ele queria. Queria que Miguel ficasse o resto da noite com ele. Ou, quando chegasse a manhã, não teria nenhuma prova de que tudo aquilo não fora apenas um sonho.

E, se fosse um maldito sonho, mataria o idiota que o acordasse.

Mas, felizmente, Miguel não acordou.

E Davi suspirou feliz, contando os momentos em que estivera com o outro e pensando sobre o amor que se tornava cada vez mais profundo e mais confuso até que finalmente adormeceu também.

Davi amava Miguel. A sua maneira.