Linha Tênue escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 19
Bem que se quis


Notas iniciais do capítulo

Capítulo referente a música nove da playlist: Bem que se quis, da Marisa Monte
Boa leitura, e mais uma vez, peço desculpas pelo atraso, minha imaginação está de férias, e estou me focando em outra fic no momento.



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Alguma coisa havia se quebrado dentro dele, feito-o em pedaços. A morte da irmã, tão rápida, tão sem explicação. Ele se odiou pelas coisas que não disse. Pelas brigas estúpidas que ambos sempre tinham. Por cada palavra ruim que dirigiu a ela.

Nunca achamos que algumas coisas vão acontecer conosco. Elas estão sempre tão distantes e indistintas. São horriveis de se saber, pelos noticiários, pelas conversas entre amigos. São um grande choque, mas logo nos esquecemos. Mas quando acontece com alguém próximo a nós, ou até mesmo com nós mesmos, ai sim vemos o quanto somos iguais a todos os outros.

Isaak não foi à escola naquela semana, a ideia de chegar perto de outras pessoas era terrível. Ele simplesmente não queria ver os olhos de pena delas. Nunca haveriam de compreender o que ele estava sentindo.

Tão pouco Mel conseguia entender, por mais que tentasse, de sua maneira distorcida, lhe dar apoio. Por um instante fugaz desejou que ela também estivesse muito longe dali. Não queria dividir sua tristeza com ninguém, nem mesmo com seus preocupados e inconsoláveis pais.

Mas Melisandre não foi embora. Ela ficou com ele até onde deu. Mesmo com seus ataques de raiva, e de choro, e mesmo dizendo para que sumisse, que o esquecesse, ela sempre voltava. Naquele momento não sabia ao certo se a odiava ou se a amava ainda mais.

–Vá embora, Mel. -ele disse pela enésima vez, enquanto a observava, uma garota franzina, de marias-cuquinhas escorridas e avental tentando fazer comida para ele. O cheiro de queimado subiu, e ela tossiu, praguejando baixinho e desligando o fogo.

–Já disse que não vou deixá-lo aqui sozinho. -ela savia que era incapaz de fazer isso. Normalmente era indiferente e encrenqueira, e preferia brigar com Isaak do que ajudá-lo em algo, mas aquela era uma situação extrema. E situações extremas pedem medidas desesperadas. Com esse pensamento, fez o tempero queimado deslizar pela pia, junto com bastante água, e voltou para a mesa da cozinha, picando mais um pouco de cebola e alho.

Mel se amaldiçoou bastante aquela semana, se perguntando porque não cozinhava um pouco melhor. Quando Isaak se recusara a comer, ela foi forçada a ir até lá e confrontá-lo, e ainda mais, preparar ela mesma a comida. Mesmo que não parecesse, no fundo ele achava graça de suas tentativas falhas a cozinha.

–Você está gastando os ingredientes, sabia?

–Cale a boca. -sua mão escorregou e ela acabou cortando a mão no processo. Voltou a praguejar, correndo d evolta para a pia e colocando o corte em baixo da água corrente. A ardência fez com que trincasse os dentes. -Preciso de um curativo. E você vai ter de terminar o tempero.

–Francamente, pessoas como você...

Isaak sumiu da vista dela por alguns minutos e voltou trazendo uma caixinha de remédios e coisas afins, que colocou no lado oposto da mesa, chamando-a com o dedo indicador. Mel tirou a mão da água, indo até ele e sentando-se ao seu lado, estendendo a mão machucada. Estava sangrando bastante, para um cortezinho daqueles.

–Pessoas como eu, o quê?

–Tem problemas na cabeça. Deveriam deixá-la longe da cozinha. -e começou a limpar a ferida, com um algodão. Depois pegou outro chumaço, encharcou de alcool e passou no machucado, sabendo que apesar do seu silêncio, ela estava fazendo caretas de dor. Passou uma pomada antisséptica, colocando uma pequena gaze por cima e terminando por fechar tudo com um esparadrapo.

–Ficar fora da cozinha uma vírgula, se eu fizer isso, você morre de fome.

–Quem me dera.

–Oras, não comece... quer saber de uma coisa? -ela colocou um dedo no peito dele. -Você está sendo como eu. Teimoso, incompreensível e distante. Mas sabe, isso não combina com você, e não lhe faz bem.

–Você sempre foi assim.

–Eu sei viver desse jeito, essa sou eu! -ela aumentou o tom de voz, e o dedo desceu automaticamente. -Eu cresci assim. Aprendi a lidar comigo mesma. E a viver na solidão. E escute aqui, seu moleque idiota, eu não vou deixá-lo seguir esse mesmo caminho, sabe por quê? Porque eu me importo! Me dói vê-lo se esfarelar assim, na minha frente, e não poder fazer nada...

Ela reparou que havia se alterado demais, tanto que já estava levantada. Mordeu o lábio inferior mais uma vez. Aquela sensação era horrível.

Diga algo...

–Eu já estou perdido, Mel... eu não consigo ver nada. E a dor... ela não vai embora. Todos os dias, eu acordo pensando que foi tudo um sonho, mas no fim não é. E esse lugar, e as lembranças, estão me deixando louco...

–Isaak... -e ela fechou os olhos, e o abraçou, acariciando brevemente seus cabelos, ainda que não fosse tão sentimental quanto deveria. -Eu estou com você. Assim como esteve comigo quando mais precisei, estou aqui agora. Você não precisa se esconder... apenas... volte... por mais que seja dificil, volte...

–Voltar para onde?

–A ser você... se não for você, não faz sentido nenhum. -ela manteve-se abraçada por um tempo, perguntando-se se tal frase tinha explicado o que queria dizer.

Houve alguns minutos de silêncio, e logo após um suspiro cansado.

–Farei isso por você, okay?

Mel assentiu calmamente com a cabeça. -Acho bom...

–Que diabos de atitude é essa?

–A minha, você já deveria estar acostumado.

–Sua irritante. -ele puxou metodicamente uma das marias-chiquinhas dela, como antes... e então a garota pode ter uma breve esperança de que Isaak ia ficar bem.

Não respondeu aquilo. Apenas voltou a largá-lo e se dirigiu a tábua, estendendo o cabo da faca para ele. -Ande, eu preciso de ajuda.

–Fraca.

–Insuportável. Não posso cozinhar com a mão assim.

–Tente com a outra.

–Sou completamente destra.

–Tanto faz... -ele escondeu o sorriso e tomou o lugar dela.

Mel sabia que ainda não era o Isaak de antes, ele estava apenas se esforçando para não preocupá-la. Também acreditava que, um dia, aquelas rachaduras em seu coração haveriam de sarar. E até que este dia chegasse (e muito além disso) ela não iria a lugar nenhum...

O que que a gente
Não faz por amor?

Ele cantarolou brevemente, enquanto cortava a cebola, mantendo os olhos afastados para evitar que estes ardecem.

–Vem, meu amor, vem pra mim
Me abraça devagar
Me beija e me faz esquecer

–Você pulou uma parte. -Ele argumentou baixinho.

–Não me interessa.

E então ela levantou-se, colocou os ingredientes já picados dentro de outra panela limpa, assim como óleo. Seus olhos foram em direção aos dele, e um minuto depois, ela abaixou o corpo para lhe dar um beijo doce.

Mesmo uma pessoa como ela tinha coração, afinal...


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Notas finais do capítulo

Até a próxima :3
Kisses



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