O aluno novo encarou Karina que variava entre a incredulidade e a indignação.

–O Duca é o neto da Dona Dalva. - comentou o mestre.

–Nossa que coincidência! Nós já nos conhecemos, não é Duca?

–É, muita coincidência mesmo.

–Mundo pequeno. Oi Blue. Tudo bem?

Ela não teve tempo de responder, Gael interrompeu a confusão que se formara.

–Vamos voltar para o treino, depois as senhoras conversam! Que foi Pri? Quer conversar vai na psicóloga! Bora! Formem duplas! Quero sequência 10 vezes, depois troca.

–O que esse cara tá fazendo aqui? - Karina comentou com Duca.

–Segundo a minha avó, ele veio para ficar.

–Posso fazer com algum de vocês? Estou meio deslocado. – Felipe intrometeu-se na conversa.

–Aí novato, pode treinar comigo. Se tiver coragem.

–E você é?

–Cobra.

Eles cumprimentaram-se e iniciaram o exercício.

No final da manhã, Pedro desceu da Ribalta e apesar de atrasado, passou para dar um beijo na namorada.

–Fala grande mestre! –saudou parando ao lado de Gael.

–Ai meu saco! Tinha que ser o Menestrel do Capiroto! O que vai aprontar agora?

–Que isso mestre, só vim dar um beijo na minha Esquentadinha.

–KARINA! Resolve isso aqui.

Ela sorriu e correu para abraça-lo.

–Tá melhor minha linda?

–Uhum. Já tá indo pra aula?

–Na verdade tô atrasadão, preciso levar a Tomtom na Acquazen. Mas eu precisava da minha dose diária de beijo antes.

–A gente se vê na escola então.

–Tá chegando a semana de provas. Você vai me ajudar a estudar?

–Acho que eu vou precisar da sua ajuda. – brincou rindo.

Pedro congelou ao avistar o novo aluno da academia.

–Diz que eu não tô vendo, quem eu tô vendo Esquentadinha!

–É...– Karina não sabia o que dizer, nem ela tinha se recuperado da surpresa ainda.

–O que esse cara tá fazendo aqui? – perguntou em alto e bom som, atraindo a atenção dos lutadores. Felipe apenas devolveu–lhe a encarada. Cobra começou a encaixar as peças do que estava acontecendo.

–Pedro calma. – Karina pediu baixinho.

–"Esse cara" é meu aluno. Você não cansa de bagunçar o meu treino? Já não tá na hora de vocês irem pra escola?

–Já sim pai. Nós estamos indo, né Pedro?

–Vamos. - deu outra longa encarada no Felipe e seguiu a namorada.

Pararam em frente ao vestiário, Pedro estava irritado. Todas as emoções daquele último dia em Gramado lhe bateram, como um soco no estômago.

–A Tomtom, eu preciso ir.

–Na escola conversamos?

–Claro. - beijou a testa dela e saiu.

Após a ducha, quando Karina estava pegando a mochila em seu armário, o novo lutador passou em direção ao vestiário.

–Felipe! - ela chamou.

–Blue. Pensei que estava me evitando.

–O que você está fazendo aqui?

–Nossa que boas vindas calorosa!

–Eu não esqueci o que você fez. O que você quer aqui?

–Vim para me especializar, seu pai já explicou. Eu quero ir pro MMA e o mestre Gracie achou que Muay Thai era uma boa.

–Em São Paulo tem tantas academias de renome. Por que escolher justo essa? Em outro estado?

–Realmente tem ótimas academias, mas o mestre Gael é um dos melhores. Achei que valeria a pena.

–Claro, convenientemente você escolheu meu pai.

–Por que está tão incomodada?

–Só estou achando estranho tudo isso.

–Peraí, você acha que eu mudaria de cidade só para ficar perto de você?

–Eu só não acredito em coincidências.

–Você é linda Blue. Mas eu realmente tenho algo mais importante para me dedicar.

–Espero que seja isso mesmo. Porque eu amo o Pedro e nós estamos muito bem.

–Mesmo? - aproximou-se dela e perguntou baixinho, próximo de seu ouvido.–Então porque fica tão mexida quando estou perto?

–Não fico nada!

–Então não tem porquê se preocupar. – estendeu a mão em sua direção.– Amigos?

–Não posso ser amiga de alguém que eu não confio.

Bateu a porta do armário e saiu, deixando-o ainda com a mão estendida.

Karina foi até o escritório de Gael, Bianca tinha acabado de chegar e estava ajudando o pai com as contas. Alguns alunos ainda treinavam, Duca ministrava a aula.

–Pai, precisamos conversar! – pediu exaltada.

–O que foi agora filha?

–Esse cara! Ele não pode continuar aqui na academia!

–Por que isso?

–Pai, lembra daquele cara que me beijou em Gramado? Que gerou toda aquela confusão com o meu namorado?

–Lembro?

–Agora até eu fiquei interessada. - Bianca comentou.

–É ele pai! Ele não pode continuar aqui.

–O que você está me dizendo?

–Ele, pai. – demonstrou apontando para a direção dos vestiários. - Ele é o Felipe de Gramado.

–Como assim gente, do que vocês estão falando?–Bianca que não tinha visto o novo lutador, não estava entendendo.

Gael pressionou a ponte do nariz.– Agora entendi aquela cena do Menestrel. Olha só K. Eu entendo como você está se sentindo, mas eu não posso mandar ele embora.

–Mas pai!

–Chega Karina. Essa é uma academia de respeito, qual é o nosso lema? Hein, qual é?

–Força e honra. –respondeu a contra gosto.

–Seria honrado da minha parte mandar o garoto embora só por causa da minha filha? Eu respondo: Não. Ele tem muito futuro K e eu prometi ao Gracie que cuidaria pessoalmente do treino dele.

–Então já vou deixar claro uma coisa: Não conte comigo! Não quero ficar perto dele, não quero ter contato. Nada de me fazer treinar com ele, pode ser?

–Posso considerar isso. Mas pode ter certeza de que eu vou delimitar muito bem as coisas. Ele não vai se meter com você.

–Será que alguém pode me explicar o que está acontecendo? – Bianca chamou a atenção.

–Eu explico.

–Tô indo pra aula. Tchau.

–Boa aula filha.

–Boa aula maninha.

*****

Na aula de Biologia...

–Pê você tá legal?

–K tem alguma coisa que você precisa me contar?– virou o corpo de lado na cadeira, ficando de frente para ela e apoiando-se em seus joelhos.

–Não! Eu não sei o que você está pensando Pedro, mas estou tão surpresa com tudo isso quanto você!

–Sei lá. É tudo tão estranho. O que esse cara veio fazer aqui K?

–Disse que veio treinar.

–Mas por que aqui? Ele não morava longe pra caramba?

–Eu perguntei isso pra ele.

–Você foi falar com ele? – irritou-se.

–O que você queria que eu fizesse? Eu precisava esclarecer as coisas.

–Não estou gostando nada dessa história. Agora o quê, vão ser amiguinhos?

–Não! E foi isso que eu falei pra ele.

–E o que ele disse?

–Que meu pai é um dos melhores e que foi o mestre dele que indicou. Meu pai confirmou a mesma versão. Mas olha só Pedro, eu deixei bem claro pra ele que eu te amo.

–Você falou isso pra ele?

–Que eu te amo? Óbvio. Não precisa se preocupar, eu não vou ficar perto dele.

–Treinando no mesmo lugar é meio difícil né. E nós já vimos que ele não respeita muito o fato de você ter namorado.

–Ele disse que não é por mim que está aqui. Afirmou que era pra treinar.

–Não sei o que pensar.

–Deixa essa história pra lá. Por favor? Nós estamos tão bem.

–Eu sei. – beijou a cabeça dela.

–Galerinha tenho uma boa notícia para vocês! – interrompeu o professor, na frente da sala.

A sala ficou em polvorosa, querendo saber o que era.

–Quem aqui já praticou mergulho?

Somente três alunos levantaram a mão.

–Quem aqui tem vontade?

Quase todos levantaram a mão, incluindo Karina e Pedro.

–Consegui convencer a diretoria da escola a autorizar uma viagem com vocês!

Os alunos ficaram doidos, todos falando ao mesmo tempo.

–Pra onde? – uma aluna quis saber.

–Então eu queria mesmo era levar vocês para Fernando de Noronha. Mas a diretora disse que não faz sentido, já que temos Cabo Frio aqui do lado. Mas mesmo assim, lá é muito bom! Alguém já conhece?

Alguns levantaram a mão.

–Como vai ser isso professor? – Pri perguntou.

–Estou programando para assim que a semana de provas acabar. Antes de vocês entrarem em férias. Vou precisar da autorização dos pais. Entrei em contato com uma escola de mergulho a qual eu já levei alguns alunos antes. Consegui fechar um preço bacana, se forem mais de 15 alunos. E podemos passar a noite na instalação da escola, assim teremos o outro dia para aproveitar. O que me dizem?

Os alunos comemoraram e ele passou o resto dos dados, inclusive a autorização e até qual dia poderiam fazer o pagamento.

–Vamos K?

–Quero muito. Mas será que meu pai deixa? Ele é tão difícil pra essas coisas.

–Se você não for não tem graça.

–Mais tarde eu falo com ele.

–Agora vamos iniciar a aula? Em que página do livro nos paramos? Alguém anotou? - chamou a atenção o professor.

–312 professor.

–Obrigado Aline, começa lendo para classe então.

*****

O casal de namorados voltava da escola, juntamente com o João e René.

–Qual é a boa de hoje? Aula de skate?

–Então eu estava pensando de intercalarmos, um dia você me ajuda com o skate e no outro eu te ensino autodefesa. Lembra?

–Antes eu estava torcendo para você esquecer isso. Mas agora, acho que vai ser uma boa aprender alguns golpes. Onde vamos treinar?

–Na academia. Deve fechar às 19 horas.

–Eu te encontro então. Tenho que procurar uma resenha na internet de um livro chatão que a professora passou.

–Não vai ler o livro?

–Juro que eu tentei Esquentadinha, mas não deu não.

–Olha lá hein Pedro, não vai dar control c+ control v.

–Deixa comigo, tenho as manhas.

–Ok. Até mais tarde então. Tchau René, valeu pela carona.

–Imagina K, você é praticamente irmã do meu filho agora.

–Irmã caçula.

–Caçula uma ova!

–Caçula sim, eu nasci 4 meses antes de você.

–Qual a necessidade disso? - Pedro interrompeu a discussão e René riu.

*****

A lutadora esperava o namorado na porta da academia e já estava com a roupa própria para treinarem: aquele short cinza soltinho, uma regata preta com top da mesma cor e chinelo Havaianas. Pedro chegou no horário combinado, vestindo um short azul marinho, camiseta branca e o cabelo ligeiramente preso.

Ele olhou a namorada de cima a baixo.

–Vai treinar assim?

–Vou. Por quê?

–Nada. Isso não vai prestar. - falou para si a última parte.

Entraram na academia que agora estava vazia e Karina tirou a regata para ficar mais à vontade.

–Vamos lá meu aluno. Começar com o alongamento que é muito importante.

–Ok.

Alongaram braços, pescoço, tronco e Pedro não conseguia desviar o olhar do corpo da namorada.

–Pedro! Deixa de corpo mole, alonga com vontade.

–E que vontade!

–O quê?

–Nada não. Assim agora né?

–Isso. Tá bom, vamos começar. Primeiro eu quero ver o seu soco.

–Meu soco? É normal ué.

–Bate em mim.

–Eu não vou bater em você.

–Deixa de bobeira, Pê.

–É sério K, não quero te machucar.

–Eu sei me defender, vai!

Ele desferiu o golpe e ela bloqueou.

–Muito bem, mas tenta deixar a sua mão assim ó. A chance de você se machucar é menor. Outra coisa, presta atenção na minha movimentação. Te achei meio travado, o segredo do soco está no ombro. Soco é ombro e cintura, assim ó. Ombro e cintura. – explicou fazendo o movimento correto.

–E que cintura.

–Pedro! Presta atenção poxa.

–Foi mal. É que você tá toda gostosinha.

–Não começa. Deixa eu te mostrar, quando uma pessoa vem te atacar de frente e ela é mais forte que você, pode se concentrar nas partes mais sensíveis do rosto. Tipo o olho.

–Isso é jogo sujo.

–Jogo sujo, mas pode te salvar mané! Estou te ensinando autodefesa, não Muay Thai.

–Então você tem mais desses golpes sujos pra me mostrar?

–Tenho vários, mas não vou mostrar tudo hoje. Vamos aos poucos.

–Cheia de coisas sujas pra me mostrar. – provocou sorrindo.

–Malicioso! Você tá terrível hoje.

–É saudade. Quase não nos beijamos.

–Não viemos aqui pra namorar guitarrista.

–Mas bem que a gente podia aproveitar né.

–Um beijinho só e continuamos. Combinado?

Ele a puxou pela cintura que lhe agarrou o pescoço. Os lábios se encontraram em um beijo apaixonado. Após alguns segundos, Pedro envolveu o maxilar dela com sua mão, aprofundando mais ainda suas bocas. A outra mão parecia ferver, em contato com a pele da lombar, causando quentes sensações em outros lugares na lutadora. Ela o empurrou em busca de ar, a respiração completamente descompassada.

–Eu acho que fazemos isso muito bem. – ele comentou.

–Isso o quê? Beijar? - perguntou ainda sem fôlego e sem resistir, buscando novamente seus lábios. Separou-se novamente.–Era só um beijo Pedro.– advertiu.

–Eu sei. Foi você quem me beijou de novo, professora.

–Acho que isso não vai dar muito certo.

–Eu acho que tá dando muito certo. - falou agarrando-a novamente, mas ela o empurrou.

–Preciso de água. Você quer?

–Não, valeu.

Quando voltou, eles retomaram os exercícios. Karina ensinou-lhe onde atacar, quando de frente para o agressor. Ensinou algumas formas de derrubar o oponente sem muito esforço.

–Agora se você é atacado pelas costas, pode utilizar a própria força da pessoa contra ela.

–Como assim?

–Vou te mostrar, me agarra. – ordenou ficando de costas para ele.

–Te agarrar? Pensei que era para focar nos exercícios. - brincou e não pode deixar de reparar na parte favorita da namorada: a bundinha.

–Isso faz parte! - ela exclamou exasperada.

–Sei. - ele aproximou-se, agarrando-a com uma mão na cintura e outra envolvendo seu pescoço. -Assim? - sussurrou em seu ouvido.

Ela não tinha considerado o perigo físico daquele exercício, mas agora, com ele tão próximo era impossível não pensar. Ou melhor, não desejar. Chacoalhou levemente a cabeça, mandando os pensamentos para longe. – Com mais força Pedro!

–Eu gosto quando você é mandona. – provocou, ainda próximo do seu ouvido. Sua respiração quente arrepiando-a. Ela se desvencilhou do abraço.

–Estou realmente tentando te ensinar algo aqui! – reclamou.

–Desculpa, mas as coisas que você tá falando não ajuda.

–Eu só pedi pra você me agarrar, pra te mostrar.

–Não, você me pediu pra eu te agarrar com força. Está difícil aqui, pra mim e pro Mick.

Karina não conseguiu não sorrir. Ela também estava sentindo os efeitos do contato em seu corpo. Parecia que isso realmente não iria funcionar.

–Podemos fazer o exercício? - pediu com a voz mais mansa.

–Ok, vira.

Ele a agarrou e conforme passou o braço por sobre o ombro dela, ela aproveitou esse impulso do corpo dele, dobrou o seu, fazendo com que ele caísse para frente, de costas no tatame.

–Ai. Isso dói.

–Viu como é? De novo!

–Vou sair todo arrebentado daqui.

–Frouxo. Vamos!

Repetiram o movimento mais cinco vezes.

–Mais uma vez e aí a gente inverte, ok?

–Ok. - ele a agarrou antes que estivesse pronta e ela acabou derrubando-o com um pouco de força a mais. No calor do momento ele a puxou para o chão, junto. Ela soltou um gritinho de susto e ele girou os corpos, prendendo-a embaixo dele. -E se isso acontecer professora, como é que eu me solto? - perguntou com a boca quase tocando a dela.

Sem pensar, Karina ignorou completamente o objetivo e entrelaçou a mão nos cabelos do namorado, eliminando a pouca distância que faltava.