Rainha dos Corações escrita por Angie


Capítulo 81
Perdão | Layla


Notas iniciais do capítulo

HOJE É QUINTA, HOJE É DIA DE RDC!
Resolvi não postar antes porque não tinha o capítulo 100% pronto e não queria apressar as coisas, já que esse era um capítulo importante. Mas, diferente do que fiz nos últimos três anos, dessa vez não sumi por meses! Foi só uma semaninha. Estou muito orgulhosa de mim mesma. Será que vamos finalmente colocar um ponto final nessa história?

Antes de mais nada, gostaria de avisar que revisei o capítulo 9 (da Isabella). Foram só algumas mudanças mínimas (porque não achei nada MUITO problemático hahah), só tirei algumas coisas desnecessárias e adicionei algumas informações, e pretendo dar mais uma revisada futuramente. Também coloquei no ar a revisão do capítulo 7 (o flashback da Juliane). Sempre achei o nome antigo "Como eu conheci sua mãe" meio ruim, então finalmente consegui arrumar. Agora ele se chama "À Primeira Vista". As mudanças nesse capítulo também não foram muito grandes, só adicionei mais detalhes (e tirei uma comparação meio ofensiva que tinha).

Voltando ao presente, esse capítulo volta para a trama da Layla na Germânia e é uma espécie de finalização para ela. Eu precisaria de milhões de capítulos para detalhar essa história da maneira que ela merece, mas, como ela não é a principal nessa fic, resolvi terminá-la por aqui (já era planejado, na verdade, mas eu só mudei um pouco a ordem das coisas e resolvi fazer essa parte mais cedo).

Mais uma coisa antes de deixar vocês em paz: queria divulgar o trabalho da minha amiga linda e perfeita Ana, @anne.clairbr Nos últimos tempos, ela vem feito uns desenhos de princesa (depois de ler A Selecão hahahaha) que têm me inspirado muito (ai quero escrever mil fics com a "Princesa Ana"). Mas ela faz outras coisas lindas também! Como ela mesma diz, vão dar biscoito em https://www.instagram.com/anne.clairbr/


Espero que gostem do capítulo!
xoxo ♥ ACE

PS: Eu estou pensando em trocar a divisão do capítulo de *** para ♕♕♕. Testei nesse já, me contem o que acharam! (Li umas histórias que tinham uma divisão tão lindinha e quis mudar a minha hahaha)



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Layla teve uma infância feliz. Cresceu em Haslev, uma pequena cidade a oeste de Copenhague, como uma menina comum. Frequentou a escola local como todas as outras crianças plebeias. Quando chegava em casa — uma simples construção de madeira perto da igreja da localidade — sua mãe a recebia com um sorriso e com ordens para que ela fizesse sua lição de casa. Não eram pobres, mas nunca foram ricas. Lisa dava de tudo para oferecer à pequena Layla tudo que ela precisava, apesar dos poucos recursos. Trabalhava como professora de alemão pela manhã e, pela tarde, era voluntária na igreja, doando-se com amor para os mais necessitados. Com a vida modesta que levavam, Layla nunca imaginou que era uma Princesa e que sua mãe, filha de um importante Conde, outrora fora dama de companhia da Rainha da Germânia sobre a qual lia nos livros de história. No momento em que, meses antes, tudo fora revelado, ela não pôde acreditar. Afinal, ela era Layla Sophie Foester, uma garota comum nascida e crescida na Dinamarca e que, por um acaso, fora escolhida para a Seleção. Nunca poderia se ver como a herdeira da Germânia.

Naquele momento, porém, sentada na grande sala de música do Palácio Ivor I como Eris, a Princesa Herdeira da Germânia, ouvindo sua mãe biológica, a Rainha Freya, tocar uma melodia delicada em seu clarinete, ela começava a imaginar como sua vida seria tivesse ela seguido seus caminhos sem intervenções. Imaginou-se ainda pequena correndo pelos corredores daquele imenso palácio, sendo perseguida pelo pai. Imaginou-se ouvindo a mãe tocar seu belo instrumento todos os dias. Imaginou-se, ainda na pré-adolescência trajando um vestido tão majestoso quanto o que trajava agora e visitando uma das Famílias Reais distantes. Nunca falaria dinamarquês, nunca conheceria a cidade que chamava de lar e nunca teria Lisa como mãe. Olhando para os pais biológicos, ela pensou em como eles seriam mais felizes se ela nunca tivesse sido raptada. Como suas feições, agora gastas pelos inúmeros anos em cativeiro, estariam conservadas. Como eles governariam a Germânia com justiça e bondade, diferente do que fizera Luther. Diante a todos aqueles pensamentos — de memórias roubadas que o tempo nunca poderia devolver — a garota não pôde deixar de se sentir culpada por não tido a oportunidade de estar ali nos anos anteriores. Ela deveria ser Eris, a filha da qual Werner e Freya tanto se orgulhavam. Mas essa menina nunca existiria de fato, ou como era imaginado, por mais que Layla tentasse.

Mesmo não a conhecendo como deveriam, os pais biológicos amavam a garota de uma maneira que ela nunca poderia compreender. A mãe dedilhava elegantemente as notas no clarinete de olhos fechados, balançando o corpo suavemente com o ritmo da música. Seus cabelos, já com muitos fios brancos, se mexiam com o movimento, assim como seu belo vestido azul-marinho. Diferente de quando conhecera a filha alguns meses antes, suas feições agora estavam mais suaves, como se todas suas preocupações tivessem sumido. Nas poucas vezes que abria os olhos durante a música, olhava para Layla com ternura, dedicando sua arte a sua tão preciosa princesa. O pai, por sua vez, alternava o olhar entre a esposa e a filha, sempre com um sorriso no rosto. Apenas por sua expressão serena, Layla entendia o quão importante momentos como aquele eram para ele. Os reis eram pessoas incríveis que se amavam muito e que poderiam ter dado muito amor a Eris. E que, com certeza, estavam dispostos a acolher Layla da melhor maneira possível. O tempo que lhes fora roubado nunca voltaria, mas pelo menos a pequena família tivera a oportunidade de estar junta depois de tantos anos afastados.

— Lindo, querida — disse o Rei para a Rainha quando esta tocou as últimas notas da canção batendo palmas levemente. — Você fica melhor a cada dia. Em pouco tempo, vai recuperar a perfeição de outrora.

— Assim espero — ela afirmou, guardando o clarinete no local adequado e sentando-se na poltrona ao lado do marido. — Filha, quando éramos pequenos, costumávamos nos chamar de Klarinettist e Bewunderer, porque eu estava sempre tocando, e seu pai, sempre me admirando. Na época, sem dúvidas, eu tocava muito melhor do que toco agora.

Layla imaginou os dois ainda jovens se divertindo pelo Palácio. Pelo que ouvira de sua tutora — em uma das que deveriam ser aulas sobre a história da Germânia, mas que mais eram fofocas sobre os membros da realeza do passado e do presente — a história de amor de Werner e Freya era uma das mais comentadas do país. Amigos desde infância, os dois se apaixonaram aos poucos, na medida que cresciam, e tiveram que conviver com a distância por anos. Ao pensar em como seus pais biológicos acharam o amor, Layla olhou para Jeb, sentado a seu lado. Diferente dos Reis, eles se apaixonaram rápido e se casaram quase que em um impulso. Mas ela nunca poderia se arrepender de sua decisão. Desde que chegaram a Viena, o rapaz não saíra de seu lado, sempre a apoiando em todos os momentos e até se esforçando para aprender alemão. Ele, que meses antes era apenas um jardineiro em Amalienborg, fora o mais afetado por todas as mudanças na vida de Layla. Ao mesmo tempo, porém, era, entre os dois, o que mais se mantera firme e otimista.

 — Você já está ótima. Amo ouvi-la tocar — elogiou a Princesa sorrindo para a mãe. — Consigo compreender o porquê de o papai ter se apaixonado pela senhora.

— Sua tia, Alice, mãe de Aline, foi uma grande facilitadora também. Sempre fazia questão de exaltar todas as qualidades de sua dama de companhia favorita — Werner contou, colocando uma das mãos sobre a de Freya. — Nunca pude agradecer minha irmã o suficiente por ter me apresentado a uma mulher tão incrível.

A Rainha corou, mas, antes que pudesse responder ao marido, a porta da sala se abriu, revelando ali a figura esguia da Princesa britânica. Aline, que estava vivendo em Viena temporariamente, trajava calças de alfaiataria bege e uma blusa de cetim azul royal que se ajustavam a seu corpo perfeitamente. Aquela garota era o ideal de nobreza de Layla por estar sempre tão calma e elegante. A expressão que trazia em seu rosto naquele momento, porém, não era nada usual. Ao mesmo tempo, ela parecia estar magoada, feliz e até irritada.

— Notícias da Dinamarca — ela anunciou, firme, se aproximando dos Reis, da Princesa e de Jeb. — Acabei de falar com Juliane ao telefone.

— Como ela está? — questionou Freya enquanto a sobrinha se sentava em uma grande poltrona vermelha ao lado da dela. — Na última vez que a vi, ela estava grávida. Pelo que Layla me contou, deveria ser das gêmeas. Ah, como gostaria de ter conhecido as meninas antes de…

— Estão todos bem. Aos poucos, se recuperam da morte de Isabella, ainda mais agora com a nova adição à família — respondeu a britânica antes que a Rainha pudesse terminar a frase, dirigindo o olhar a Layla. — Laryssa deu à luz a uma menina. Decidiram chamá-la de Isabella Aurora. Juliane não poderia estar mais encantada com a criança. 

Layla não pôde deixar de ficar feliz com a notícia. Por mais que tivesse saído da competição repentinamente depois da revelação de sua verdadeira identidade, as outras Selecionadas não se esqueceram dela. Ainda em Skagen, elas mandavam cartas para a garota, atualizando-a sobre tudo que ocorria na corte dinamarquesa. Em uma dessas cartas, as garotas revelaram que Alexander escolhera Laryssa. Layla ficara feliz, já que a menina ruiva sempre fora muito amável com todas as outras. Ficou, porém, intrigada e revoltada com o fato de ela estar esperando um filho fruto de uma violação criminosa a seu corpo. Uma donzela tão doce — ou qualquer outra donzela — nunca deveria passar por tamanho sofrimento, e Layla revoltava-se toda vez que pensava no pai biológico da criança. Desde então, dirigira muitas de suas preces à futura Princesa da Dinamarca e a seu filho ou filha, desejando que eles tivessem saúde e fossem amados como mereciam. Assim, receber de Aline a informação que Isabella Aurora nascera em muito alegrava a Princesa Germânica.  

— Fantástico. É mesmo um belo nome — disse o Rei. — E sobre Elisabeth?

Aline suspirou e fechou os olhos brevemente.

— Elisabeth se recusa a voltar a Viena. Segundo Juliane, ela está muito bem adaptada a Copenhague, mesmo estando lá por apenas dois meses — respondeu ela juntando as mãos, como se tentasse se controlar. — Eles estão pretendendo matriculá-la em uma escola Germânica na cidade, onde ela poderá terminar seus estudos em alemão.

— Johanna sempre dizia que as responsáveis por seus filhos seriam suas irmãs, caso algo ruim acontecesse a ela ou a seu marido. Lembro-me bem disso — falou Freya com a voz tranquila. — Eu sei que você acredita que seria melhor para sua prima estar aqui, no país onde cresceu e onde reside seu irmão. E Werner e eu certamente adoraríamos recebê-la e criá-la. Nós precisamos, porém, compreender o lado dela. 

— A senhora acredita mesmo que uma menina de apenas 16 anos pode decidir seu destino? — questionou a Princesa, já um tanto irritada. — Vocês todos acreditam demais em Elisabeth.

— Essa jovem menina sofreu muito nas mãos de Luther, Aline. Viveu com ele por 10 anos, viu de perto todo o mal que ele fazia sem poder fazer nada — afirmou Freya sem se exaltar, surpreendendo Layla por sua calma digna de uma dama. — Sim, ela mal saiu da infância. Sim, ela não deveria ter de escolher entre seu país de origem e sua família. Mas, depois de tantos anos sendo criada por um tirano, é o mínimo que podemos fazer por ela: concedê-la um pouco de liberdade.

— Deixemos que ela fique em Copenhague e que lá complete seus estudos — anunciou Werner, balançando a cabeça positivamente. — Eventualmente, se ela assim decidir, pode voltar à Germânia. Enquanto isso, nós nos encarregaremos de cuidar de Andreas.

— Vou pedir para que os conselheiros se encarreguem das questões legais, para que Juliane e Christian, assim, tenham a guarda legal de Elisabeth. — Os Reis sorriram com a resposta da sobrinha, que, por sua vez, não parecia muito contente com a decisão.

Layla pensou na jovem Elisabeth, que só conhecera pelas conversas de seus pais com Aline. Apesar de nunca a ter encontrado pessoalmente, sentia pela outra garota. Ficara órfã muito cedo, sendo então criada por Luther, um homem que fora capaz de prender o próprio irmão para conquistar o trono e que governara a Germânia como um tirano. Agora, depois de ajudar a tirá-lo do governo, vivia em uma enorme incerteza. Aparentemente, todos queriam sua guarda, disputando em família quem seria o mais merecedor. Layla ainda não compreendia muito bem os assuntos reais, mas via que a jovem Elisabeth estava agora submetida a mais um grande jogo de poder. Não pôde, também, deixar de pensar em Wanessa, ou melhor, Helga, que fora parte desse jogo durante toda sua vida e que tivera sua vida arruinada por conta disso.

— Majestades e Suas Altezas Reais. Anuncio a chegada de Úrsula von Dumperg.  — Uma voz surgiu da porta subitamente, fazendo com que todos os presentes virassem as cabeças com rapidez.

Ao olhar para a entrada da sala, Layla ficou chocada. Ali, estava a mulher de cabelos vermelhos nada naturais e belos olhos cor de esmeralda que a garota conhecia tão bem. Sua mãe, a quem todos em Haslev se referiam como Lisa, estava parada no batente da porta, trajando um belo vestido rosado de mangas compridas. Era estranho vê-la naquele ambiente tão sofisticado. Layla não conseguia imaginar aquela mulher como a filha de um Conde que era, como uma dama de companhia que vivera por anos no Palácio Ivor I. Para ela, a mãe adotiva seria para sempre Lisa Foester, uma simples mulher no interior da Dinamarca que dedicava sua vida a lecionar, ajudar os mais necessitados e cuidar da filha. Vendo a dama que a criara ali, a jovem Princesa pensava em toda a vida que deixara para trás em Haslev — vida aquela que nunca deveria ter sido sua.

Saudosa, Layla começou a se erguer do sofá a fim de ir até Úrsula, afinal, as duas não se viam desde que a Seleção começara — o que parecia uma eternidade. Foi impedida, porém, por seu marido, que segurou seu braço com firmeza. Ao para o lado, percebeu que ele fazia um sinal com a cabeça em direção a sua mãe biológica. Freya, com muita elegância, se levantara de sua poltrona, olhando fixamente para a recém-chegada.

— Úrsula. — A Rainha trazia um olhar que Layla não conseguiu decifrar. 

— Freya. — A mãe adotiva estava calma, não demonstrando nenhum sentimento negativo pela outra mulher. — Temos muito o que conversar.

Freya não respondeu. Ainda sem perder a compostura, andou até a outra mulher. As duas se encararam por alguns segundos, que pareceram horas para as quatro outras pessoas presentes no recinto, tamanha era a apreensão. Layla olhou de relance para o pai, que mordia o lábio inferior, aguardando o próximo ato da Rainha. Aline franzia as sobrancelhas, intrigada com aquele momento histórico. Por sua vez, Jeb apenas apertava a mão da esposa, lembrando-a de sua presença reconfortante. 

— Você cuidou da minha maior joia. Você foi a mãe que eu não pude ser. — ela disse sorrindo. — Muito obrigada.

Para a surpresa de todos, Freya deu um passo à frente, envolvendo Úrsula com os braços. A outra mulher arregalou os olhos, sem saber como reagir. Poucos instantes depois, porém, retribuiu o abraço.

Observando a cena, a Princesa sorriu. Aquele abraço, por mais simples que parecesse, significava muito para ela. Significava a união de seu passado com seu presente e seu futuro — da pequena Layla Sophie Foester em Haslev com a majestosa Eris Sahana Stela em Viena. Quando as duas mulheres mais importantes de sua vida, a primeira que a trouxera ao mundo e a segunda que a criara, se abraçaram, Layla sentiu que tudo em sua vida fazia sentido. Não deveria se sentir culpada por nunca ter sido a filha de Freya e Werner, não deveria sentir que sua vida fora uma mentira, não deveria sentir falta dos momentos que nunca viveu. Deveria se alegrar pelos caminhos que o destino fizera para ela, por mais tumultuosos que esses tivessem sido. Deveria agradecer por agora ter duas mães que a amavam muito. E, o mais importante de tudo, deveria reconhecer que ela era quem era por causa de tudo que ocorrera em sua curta vida. 

Layla Sophie ou Eris Sahana Stela, ela se orgulhava de quem era.

♕♕♕

Quando abriu a porta de um dos inúmeros quartos do Palácio de Hetzendorf, sozinha pela primeira vez desde que chegara a Viena, Layla tremia. O local era, no mínimo, assustador. A mobília escura e antiquada era iluminada somente por uma luz amarelada vinda do grande lustre de cristais, já que cortinas espessas impediam que qualquer luz externa entrasse. Diferente dos cômodos das outras Residências Reais, aquele não tinha pinturas ou decorações coloridas, que certamente dariam um ar mais alegre ao recinto. Os cabelos ruivos da garota que se sentava à mesa mais ao canto da sala eram a única cor que Layla conseguia ver. E eram também, com certeza, a parte mais amedrontadora do pequeno cômodo.

Wanessa, ou melhor, Helga estava em silêncio, virando as páginas de um livro com tranquilidade. Meses antes, logo depois de ser descoberta pelas autoridades dinamarquesas, fora mandada a Hetzendorf. Desde então, Werner, amargurado, a mantera naquele quarto, proibindo qualquer contato com o mundo externo, fazendo com que a jovem garota sentisse tudo que ele e sua esposa sentiram em seus quase dezessete anos aprisionados. Assim como fizera com os Reis, a solidão, sem sombra de dúvidas, tirara toda a vivacidade da filha de Luther. Seus cabelos, antes de um tom vermelho brilhante, agora traziam um tom opaco. Seu corpo estava ligeiramente mais magro. Suas roupas, antes tão extravagantes, agora se reduziam a um vestido preto sem caimento. A Princesa que outrora fora — a grande herdeira da Germânia por tantos anos — não estava mais ali. Em seu lugar estava apenas uma garota triste, cuja vida se esvaía aos poucos. 

Cautelosamente, Layla andou até a outra em passos lentos, não sabendo ao certo como agir. Durante a Seleção, elas não se tornaram amigas. Wanessa, como era chamada então, não deixava as outras meninas se aproximarem, fato que nunca foi visto com desconfiança pelas demais competidoras, visto que todas procuravam respeitar os espaço pessoal de cada uma, nunca forçando amizades. Os acontecimentos de Ørstedsparken, porém, criaram um misto de sentimentos sobre a garota que estava agora em sua frente. Uma mistura agonizante que Layla não conseguia explicar. Assim, à medida que chegava mais perto da antiga Princesa Herdeira, mais seus músculos se contraíam. Por mais que tivesse sido sua ideia ir até ali — o que fora firmemente contestado pelos pais biológicos, pela mãe adotiva e por Aline — ela não conseguia evitar a raiva e o medo que sentia daquela garota.

A outra, vendo que alguém se aproximava, fechou o livro, colocando-o na mesa. 

Prima — ela disse em dinamarquês sem levantar o olhar.

Layla não respondeu. Com elegância, ela se sentou na cama, sentindo a dureza do colchão em que Helga dormira por quase quatro meses. Por longos instantes, apenas encarou suas mãos entrelaçadas em seu colo. Desejou que Jeb estivesse ali, segurando sua mão e a dando forças para traduzir em palavras tudo o que ela sentia. Sozinha, sem a confiança que o marido emanava, não sabia sequer por onde começar aquela conversa. Como poderia falar com alguém que por tanto tempo fora tratada como a maior ameaça para sua vida? Como dar ouvidos àquela que causara um mal tão grande a sua família e à família de Isabella? Como poderia escolher as palavras certas quando a ferida ainda estava tão exposta?

— Falamos muito sobre Elisabeth nesses últimos tempos. Ela está na Dinamarca, se é que você se importa. Eu nunca a conheci, mas ouvi muito sobre como ela sofreu sendo criada por Luther. Como ela teria sido mais feliz se tivesse se mudado para a casa de uma de suas tias quando se tornou órfã — Layla finalmente falou, se esforçando para parecer firme e segura. — Também falamos muito sobre você, mas não da mesma maneira. Meus pais nunca demonstraram compaixão por você. Minha mãe, que sempre fala de Elisabeth como uma vítima, trata você como uma das mais perigosas criminosas da nação. Ela nem sequer aceitou vir até aqui. Meu pai também se recusou. Para ele, você e Luther estão mortos.

Mais uma vez, o silêncio reinou pelo pequeno cômodo. Layla observou com atenção a menina em sua frente. Em outra realidade, tivessem elas realmente crescido como primas, talvez elas seriam próximas. Talvez todo aquele ódio que sentia no momento nunca existiria. Ela poderia amar Helga. Poderia ter nela uma irmã, uma amiga, uma confidente. Tivesse Luther nunca tomado o trono, talvez elas estivessem lendo aquele livro que Helga segurava juntas. E, com certeza, jamais teriam de lidar com um silêncio tão frio quanto aquele. 

— Mas eu queria entender, prima. Queria entender o que a levou a fazer tudo o que fez — ela afirmou, fazendo com que a ruiva finalmente a encarasse. — A voz de Elisabeth vem sendo fundamental para a tomada de decisões e para o julgamento de Luther. Mas creio que, até o momento, ninguém ouviu você. Queria lhe dar uma chance. 

Mais uma vez, as duas ficaram em silêncio por alguns instantes antes de Helga finalmente tomar coragem para responder.

— Você nunca me entenderá, Layla, porque eu...  — Sua voz falhou, como se ela segurasse o choro. — Eu não tenho como me explicar. Não existe explicação. Você pode dizer que eu era apenas uma criança e que não tinha consciência do que estava acontecendo, assim como Elisabeth. Mas essa não é a questão. Eu fui criada com minha prima, ambas temos Luther como um pai, biológico ou adotivo. Entretanto, ela sempre foi uma pessoa melhor que eu. Ela sabia tudo sobre a corte, muito mais que eu, com certeza. Conhecia todas as estratégias do meu pai, era uma das pessoas mais respeitadas no Palácio.  Mesmo assim, ela não chegou ao ponto que cheguei. Não foi capaz de seguir as ordens de meu pai de forma tão extrema. Eu mereço ser condenada, mereço pagar pelo que fiz. Eu sou uma criminosa. E não posso dizer nada que me faça menos culpada.

De súbito, Helga começou a chorar. As lágrimas escorriam nada discretas por sua face empalidecida por tantos meses em quase completa escuridão. Seus soluços eram baixos, porém suficientes para balançar o coração de Layla. Por muito tempo, pensara que a prima não tinha sentimentos. Afinal, fora capaz de assassinar Isabella à sangue frio. Enquanto se preparava mentalmente para aquele encontro, não imaginou que poderia ver aquela garota chorar como fazia agora. Imaginou que ela riria, que ela desdenharia da dor de seus familiares, ou até que tentaria matá-la novamente. Por mais que quisesse genuinamente ouvir seu lado da história, se preparara para o pior e nunca poderia prever a fragilidade em que a prima se encontrava. Sem saber como reagir diante daquela reação tão inesperada, então, a filha de Werner apenas esperou a outra garota se acalmar, respeitando seus sentimentos. 

— Acho que seus pais nunca vão conseguir me perdoar, e eu nunca serei capaz de pedir seu perdão. Eu compactuei com as maldades de meu pai. Eu servi como espiã para ele. Eu… — Ela respirou fundo antes de continuar, tentando segurar as lágrimas. —  Matei Isabella. Eu queria matar você. Nossa, como queria. Por meses, usei todos os recursos que tinha para descobrir quem era Eris. Eu sabia que você estava ali. Quando descobri, fiquei aliviada. Finalmente poderia matá-la. Poderia tirá-la de meu caminho. Aquela bomba foi ativada com uma raiva que não consigo explicar. Uma raiva que me corroía por dentro e que agora parece não fazer sentido algum. Minha ganância infantil e ingênua me levou à ruína.

A filha de Luther riu, irônica. 

— Olhe como estou agora. — Ela apontou para si mesma, suspirando. — Isolada em um quarto escuro. Sem títulos. Sem trono. Sem família. Uma criminosa. 

— Eu não posso negar, você é uma criminosa — Layla afirmou, cautelosa, temendo a reação da prima. — Matou uma pessoa e deixou outra gravemente ferida, além de destruir propriedade pública. É um fato. Você deve conhecer as leis Germânicas e internacionais muito melhor que eu, então provavelmente já sabe qual será seu destino nos próximos meses. Nada que você faça agora, nada que você me diga pode salvá-la da corte. Ou da condenação.

— Eu tive meses de isolamento para pensar sobre isso. Eu sei o que irá acontecer e não irei me opor ou tentar dizer que sou inocente. Eu queria matar e matei. Por mais que eu me arrependa, nunca poderei voltar atrás. Eu fiz escolhas terríveis. Perdi minha juventude por conta de um desejo cego pelo poder. — Ela olhava fixamente para Layla, ainda com lágrimas nos olhos. — Do fundo de meu coração, eu queria que tudo tivesse sido diferente. Que eu pudesse ser como Elisabeth, que tivesse visto sua bondade por trás de todo o ciúme que sentia dela. Que eu pudesse ter impedido as maldades de meu pai ao invés de compactuar com elas. Que eu merecesse o perdão. O seu. O de sua, nossa, família. O de Deus. 

Assim que terminou sua fala, para a surpresa de Layla, Helga se levantou. Em seguida, a ruiva se ajoelhou em frente à prima, fechando os olhos como se rezasse. A morena, então, acompanhou a prima, ficando de olhos fechados. Buscou no fundo de seu coração forças para perdoar Helga. Apesar de tudo, Layla conseguia perceber a humanidade em suas palavras. Conseguia ver a garota de apenas 17 anos que se arrependia profundamente de seus erros. Conseguia sentir toda sua tristeza e toda sua dor por ter feito o que fez.  Por mais que visse tudo aquilo e que seu coração gritasse por clemência, porém, não conseguia perdoar a prima. Por sua família. Por Isabella. Por toda a Germânia.

— Eu não a perdoarei agora. Não sei se é possível perdoar. E também penso que não preciso falar mais nada, já que sei que você entende muito bem a gravidade do que fez. Mas eu quero que você saiba que, acima de tudo, você é um ser humano suscetível a erros. — Ela olhou no fundo dos olhos da ruiva. — Por mais que nós nunca possamos perdoá-la, espero que um dia você possa perdoar a si mesma.

Layla saiu do quarto, deixando Helga novamente sozinha com seus próprios pensamentos. Seria assim por um longo tempo. Mas, apesar da raiva que sentia, a Princesa Germânica desejava que sua prima pudesse viver o resto de seus dias em paz, convivendo com a culpa e, eventualmente, deixando-a para trás na medida do possível. Algumas feridas jamais poderiam ser curadas, mas esperava que Helga pudesse conviver com essa com o mínimo de dor possível.


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Notas finais do capítulo

O perdão nesse capítulo foi tratado de diferentes formas. Primeiro, Layla se perdoa por não ter crescido como Eris. Depois, Layla não perdoa Wanessa/Helga, mas sugere que a prima, eventualmente, perdoe a si mesma. Para ser sincera, minha ideia inicial era fazer com que Layla perdoasse Helga, que considerasse que ela era apenas uma jovem ingênua. Mas enquanto escrevia não fez sentido, pelo menos não nesse momento. Eu imagino que, no futuro, a ferida se tornará suportável e Helga voltará à vida normal. Acredito que a família de Isabella nunca irá perdoá-la, mas, talvez, Freya, Werner e Layla possam fazê-lo eventualmente.
Só o tempo dirá.

Ah, e sobre a primeira parte: algumas informações já tinham sido apresentadas em um spin off que eu comecei a escrever lá em 2017, mas que acabei excluindo (não conseguia nem escrever a fic principal, imaginem um spin off!!). Em um capítulo, eu contei toda a história de amor de Werner e Freya, uma doçura. Eles são uns fofos.
Se quiserem, depois que terminar RDC, posso restaurar o spin off. Era um amorzinho haha



Espero que tenham gostado e que estejam bem!
Aguentem firme que isso tudo vai passar!

Até o próximo (que pode demorar algumas semanas, já que estou fazendo um curso no qual quero me focar - mas não se preocupem, não vou sumir por meses!!!)!

xoxo ♥ ACE

PS: Helga presa em um quarto por meses sou eu nessa quarentena. Como minha amiga disse, "odiando o governo e ficando isolada". Helga vai ficar bastante tempo presa, mas espero que nós possamos sair dessa logo (e com segurança).



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