O grande Salão do Palácio cheirava a peixe morto. Ou a ovo podre. Laryssa não sabia ao certo. A menina, parada em meio às outras 34 Selecionadas, tentava controlar a sensação ruim que sentia na boca do estômago. Tentando controlar a situação, que ela associava ao nervosismo e ao mau cheiro, Lary encarava o teto decorado com flores de ouro. Não que tivesse medo de médicos. Pelo contrário, crescera com muitos deles em sua volta — inclusive seu pai e sua tia Christine — e se sentia confortável naquele meio, até tendo planos de seguir com a carreira futuramente. Por algum motivo, porém, todo seu corpo parecia não cooperar. E aquele maldito cheiro...

 — Nunca pensei que teríamos que nos submeter a isso  — disse uma das Selecionadas cujos cabelos batiam nos ombros, e que Laryssa achava que tinha um nome começado com M.  — Não é como se eles já não tivessem nossa ficha completa. Acho que a Casa Real sabe mais sobre mim do que eu mesma.

 — É verdade — outra garota, de longos cabelos castanhos com pontas loiras, respondeu. — Quando a ficha chegou a minha casa, nem minha mãe soube responder a todas as perguntas.

Lary não conseguiu prestar atenção no que a outra menina respondeu. Sua cabeça doía. Seu estômago se revirava, como, na verdade, fizera muitas vezes nos últimos dias. Parecia que, a qualquer minuto, vomitaria a torta que a mãe fizera especialmente para ela. Não podia deixar-se cair no primeiro dia. Tinha que continuar na competição. Por sua família e por ela mesma, depois de tudo que vivera nos últimos meses. Precisaria ser forte e ignorar os sinais que seu corpo enviava. 

Focada em manter-se de pé, Laryssa nem notou que uma menina morena aparecera subitamente ao seu lado.  Seus olhos azuis encaravam a encaravam com curiosidade. 

— Chamo-me Ophelia, muito prazer. Por favor, vamos nos dirigir a uma das mesas para que eu possa revisar a sua ficha e fazer algumas perguntas. — Antes de se virar, dirigindo-se ao local onde a inspeção aconteceria, ela olhou para a Selecionada com preocupação, logo sussurrando. — Você está bem? Está pálida!

Lary olhou em volta e, ao perceber que todas as outras já estavam sentadas em seus respectivos postos de verificação, negou discretamente com a cabeça. O mal estar era apenas passageiro e, se ela fosse fraca assim, jamais conseguiria passar do primeiro dia na Seleção. Porém, Ophelia ainda a encarava, sem sair do lugar.

— Tem certeza? — ela perguntou, com compaixão.

— Estou bem, obrigada — afirmou a Selecionada, com um sorriso. — Não quero atrapalhar seu trabalho.

— Se não estiver bem, por favor, me fale — falou a outra, finalmente seguindo seu caminho até a pequena mesa mais ao fundo do Salão.

Depois das duas se acomodarem, a criada fez algumas perguntas à Selecionada, com uma voz suave que fazia a menina ruiva sentir-se um tanto sonolenta. A menina tentava se manter acordada, mesmo com a cabeça e o estômago gritando para que o corpo descansasse. Precisava se manter forte. Tentou, então, se concentrar na mesa de madeira escura, onde se encontravam suas inúmeras fichas de saúde. Lembrou-se de como ela e a tia ficaram horas juntas na cozinha da casa completando os intermináveis formulários exigidos pela Família Real. Focadas, as duas eram apenas interrompidas pelo pai da menina, que trazia alguns lanches, sempre radiante por ver a filha fora de seu quarto pela primeira vez em meses. Ao lembrar-se da família, Lary sorriu e ajeitou a postura. Estava ali por eles também.

Depois de intermináveis dez minutos, Ophelia levantou-se, fazendo com que Laryssa soltasse um suspiro aliviado. Finalmente aquilo acabara. Logo, a ruiva esperava, poderia voltar para seu quarto, tomar um longo banho e acalmar o corpo. Com certeza, ela afirmou para si mesma, se sentiria melhor depois de relaxar um pouco. 

— Se você estiver mal, me procure. Procure a mim e a ninguém mais, entendeu? — disse Ophelia, com o rosto tenso. — Os quartos dos funcionários são no subsolo, você deve seguir a escada de serviço... Bom, suas criadas saberão onde eu moro.

Lary balançou a cabeça afirmativamente, não entendendo o porquê de a morena estar tão preocupada com ela. Pôde concluir que pelo menos alguém no Palácio gostara dela. Isso era bom, não era? Ter uma amiga naquele lugar seria definitivamente muito bom.

Ao olhar para o lado, a fim de checar se chamaram atenção, percebeu alguém as encarando. Outra Selecionada. Novamente, Laryssa não sabia como era chamada. Os grandes olhos azuis esverdeados pareciam prestes a penetrar a alma de alguém. Sendo muitos centímetros mais alta que Laryssa, parecia muito mais velha e imponente. Lary desejou, com toda sua alma, que a outra garota não tivesse ouvido nada.

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A ruiva de olhos azuis percebera que Wanessa a encarava. Ficara intrigada com a conversa que a outra menina estava tendo com sua inspetora, por mais que não conseguisse entender tudo que elas falavam. Apesar de sua fluência em dinamarquês, suas habilidades de leitura labial estavam um tanto enferrujadas. No tempo que observou as duas garotas, pôde apenas entender palavras soltas como “procure”, “ninguém” e “escada”, o que era inconclusivo. Mesmo assim, a menina continuava observando-as com curiosidade, tentando entender o porquê de tanta preocupação da morena.

— Muito bem, meninas — falou uma mulher um pouco velha, fazendo com que Wanessa redirecionasse sua atenção. — Vocês agora serão encaminhadas para seus respectivos quartos com suas criadas. Lá vestirão fardas militares e, em vinte minutos, nos encontraremos aqui neste Salão.

— Revelarei  que moças de nossa vasta equipe serão as criadas de vocês. Quando seu nome for chamado, deem um passo para frente — anunciou uma mulher um pouco mais nova, provavelmente a futura sucessora de chefia, que, apesar de tudo, tinha um sorriso no rosto. — Selecionada Maeli Diana Klimt com as serventes Filippa, Liva e Ida.

Uma garota de cabelos castanho-claros e pele levemente bronzeada deu um passo à frente. Sua postura era impecável, como se ela tivesse anos de prática com aulas de etiqueta. Seu sorriso, gracioso e sincero, a fazia parecer ainda mais aristocrática. Ao sair do Salão, Wanessa pôde perceber a suavidade de sua voz, que parecia uma melodia. Por incrível que parecesse, a Selecionada ruiva concluiu para si mesma, teria uma concorrente à altura na competição.

Wanessa não via a hora de seu nome ser chamado e de ela finalmente poder sair daquele local. Esperava que, ao chegar ao quarto, poderia aproveitar os luxos do Palácio por um tempo antes de ter de se juntar às outras Selecionadas novamente. Seu nome, porém, não colaborava com seus desejos. Como o seu nome começava com “W”, ela teve de ouvir dezenas de nomes antes do dela. Ela teve muito tempo para observar a beleza do Salão, com lindas cortinas azuis e janelas com vitrais. Por mais que fosse bonito, a menina pensou, era simples. Não tinha o luxo que seria esperado de um Palácio Real.

— Selecionada Wanessa Claire Schultz com as serventes Nancy, Rachel e Tyra — falou a anunciante.

Wanessa deu um passo à frente e levantou a cabeça, procurando com seus olhos azuis esverdeados as mulheres que tomariam conta dela durante sua estadia no Palácio de Amalienborg. Apenas alguns segundos depois, uma menina que não parecia ter mais de quinze anos e duas mulheres mais velhas apareceram em sua frente, sorrindo por educação. Wanessa também sorria, de forma um tanto forçado, feliz por elas poderem, finalmente, tirá-la dali.