Rainha dos Corações escrita por Angie


Capítulo 79
Amor Materno | Ophelia e Elisabeth


Notas iniciais do capítulo

Hoje é quinta, hoje é dia de RDC!
Depois de ANOS (literalmente), pela primeira vez, consegui postar um capítulo apenas uma semana depois de ter postado o anterior. Acho que fazia tempo que eu não me sentia tão bem assim com minha escrita. No domingo, tive um surto de criatividade maravilhoso que me fez escrever toda a segunda parte dessa capítulo praticamente em uma sentada. Foi muito gostoso, e espero de coração que vocês sintam pelo menos um pouquinho do que senti escrevendo esse capítulo ENORME.
Essa semana, com o início das minhas férias, além dos meus outros 47847 projetos, comecei a reler A Seleção (na verdade, agora já estou em A Elite). Está sendo uma experiência no mínimo interessante. Vejo que, aos treze anos, usei MUITAS coisas da história original nessa fanfic. Depois de um tempo, acabei me distanciando um pouco. Mas definitivamente consigo ver as influências nos capítulos originais.
AVISOS:
1. Temos um novo vídeo no canal do YouTube (que ressuscitei nessa quarentena). Segue o link: https://www.youtube.com/watch?v=knL6at9MWW0&t=2s
2. Atualizei o capítulo 8 da fanfic (que antes se chamava "Da Cabeça aos Pés"). Dêem uma olhada lá e me digam o que acharam. Ainda pretendo fazer algumas melhorias a outros capítulos também.
3. Por conta de um aviso da Lady Ravena, acabei atualizando o capítulo de um ano da fanfic (35) também. Não foi muita coisa, foi mais mesmo pra ele não ficar muito curto.


Espero de coração que vocês estejam bem e que gostem dessa capítulo (que tem Elisabeth, meu xuxuzinho, e Ophelia, que estava sumida há uns 10 capítulos).
xoxo ♥ ACE



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Ophelia foi filha por apenas 16 anos antes de se tornar mãe. Quando descobrira que estava grávida de Esmeralda, pensara que sua vida havia acabado. Ela era só uma criança. Como poderia cuidar do bebê que crescia em seu ventre? ela se questionava todos os dias. Por sorte, contara com a ajuda de Alicia e Isabella, que a apoiaram com uma compaixão incomum para os membros de  classes mais altas. Por volta do terceiro mês, se mudara  para o Reino Ibérico, seu país de origem, para ser ajudante da mais nova vice-embaixatriz dinamarquesa em Madri. Depois de seis meses na capital ibérica, sua filha nasceu, forte e saudável. No primeiro momento que segurou a pequena menina em seus braços, Ophelia se apaixonou. Um amor que ela nunca pensara sentir por alguém. Em seu curto tempo de maternidade, despertara uma mulher forte que vivera escondida dentro dela por 16 anos. Descobrira que, enquanto estivesse com Esmie, tudo ficaria bem. E agora a saudade daquela linda garotinha apertava, sugando toda a alegria que tinha dentro de si. Não conseguiria ficar mais um minuto longe de sua amada filha.

Logo que a Família Real anunciara que se mudaria para Skagen e que dispensaria parte de seus funcionários, Ophelia partira para sua cidade natal, nos subúrbios de Bilbau. Doía ficar longe de Saphira — da qual cuidara por tantos anos — porém, sabia que ficar na Dinamarca apenas agravaria sua tristeza por estar afastada da filha. Naquele momento, precisava estar com sua família, por mais que isso significasse deixar para trás toda a vida que construíra sozinha no país escandinavo. Ainda mais depois da carta que Alexander a enviara, dizendo que não era certo continuar com seu relacionamento, ela precisava de um tempo para si. Todas suas esperanças de criar uma família para Esmeralda desapareceram. Ela deveria se preparar para uma nova fase de sua vida. Uma que, infelizmente, não envolvia o pai de sua filha.

Passara, então, quase três meses no País Basco na casa da mãe, trabalhando dia e noite como garçonete em um pequeno bar. Era uma rotina exaustiva, mas ela sabia que tudo aquilo valeria a pena em um futuro próximo. Em pouco tempo, juntara dinheiro suficiente para buscar sua filha na França. Por mais que sua própria mãe insistira que ela ficasse em Bilbau por mais algumas semanas, esperando o pior do inverno passar, Lia fora firme. Não poderia esperar mais nenhum minuto. Precisava enfrentar seu destino. Precisava estar com Esmeralda. 

E seu destino e seu amor pela filha a levaram a estar ali, em um país desconhecido num dia cinza de Janeiro.

Assim que saiu do trem, uma brisa forte e gélida a atravessou, fazendo seu corpo inteiro estremecer. Apesar de estar trajando um grande casaco marrom que batia em suas panturrilhas e calças de lã grossa, o frio  parecia cortar sua pele e envolver todos os seus músculos de forma desagradável. Ao seu redor, outras pessoas tentavam a todo custo se proteger do frio, escondendo-se em enormes sobre-tudos que Lia sabia que jamais seria capaz de comprar. Andando em volta da pequena estação de Saint-Émilion, antiga como a cidade que a abrigava, desejou que pudesse estar visitando o local em outras circunstâncias. Por mais que tivesse crescido praticamente na fronteira do Reino Ibérico com a França, nunca estivera naquele local, que deveria ser tão belo durante o verão. Caminhar pelas ruas da cidadela seria muito mais agradável no calor.

Como gastara praticamente todo o dinheiro que recebera com as passagens que a levariam do País Basco até Nouvelle-Aquitaine, Ophelia não poderia pagar por um táxi ou qualquer outro meio de locomoção até seu destino final. Por sorte, uma banca perto da estação estava oferecendo mapas gratuitos da cidade. Segurando seu a grande folha de papel fino, com os dedos dormentes de frio, ela logo localizou o endereço que buscava. 3, Rue des Girondins. Notou, então, que seu caminho não seria longo tampouco fácil, considerando a neve que cobria as ruas do local. Mas ela precisava se esforçar mais um pouco, enfrentando o frio congelante, para encontrar sua filha.

Após longos minutos de caminhada, que mais pareceram uma eternidade, Ophelia finalmente estava em frente à tão misteriosa casa. Alicia nunca falara muito sobre o local em suas cartas semanais. Sempre dizia que ela e Esmeralda estavam bem, que seu quarto era confortável e que a criança estava feliz ali. Para a surpresa de Lia, era uma construção simples e antiga, com poucos luxos, pelo menos no lado de fora. A única característica que a diferenciava das outras casas da rua era sua grande porta vermelha, que se erguia, imponente, sobre a neve, intimidando qualquer um que por ali passasse. Talvez fosse, afinal, uma estratégia de defesa.

Respirando fundo, a jovem ibérica bateu à majestosa porta. Alguns segundos depois, uma garota de belos olhos azuis e longos cabelos negros apareceu a sua frente. Lia lembrava-se de tê-a visto de relance em Amalienborg durante as comemorações do aniversário de Henrik, quando muitos nobres se hospedaram na residência real. Não conseguia, porém, lembrar seu nome e, muito menos, de sua origem. As duas se encararam, confusas, por alguns segundos. Lia não sabia o que dizer, não sabia sequer se a estrangeira falava dinamarquês. Deveria tentar dizer que estava procurando por Alicia? Ou deveria esperar até que esta aparecesse? Por sorte, instantes depois, uma  mulher de cabelos um tanto grisalhos apareceu.

— Comment puis-je vous aider?* — Ela tinha uma voz simpática, apesar de Ophelia não entender o que ela estava dizendo.

— Alicia. — Foi a única coisa que Ophelia conseguiu dizer, esperando que fosse compreendida pelas outras duas.

Lia ouviu passos apressados vindos de dentro da casa. Em poucos segundos, Alicia apareceu, ofegante. Trajava um avental de cozinha verde todo sujo de farinha, o que Ophelia achou um tanto cômico, já que a amiga, tão aristocrata, jamais se arriscara na cozinha no tempo que estiveram juntas em Madri. Mas a situação não a permitiu rir. A jovem vice-embaixatriz olhava para a ibérica em choque. Seus belos olhos verdes estavam arregalados. Sua boca abriu e fechou várias vezes, sem saber o que dizer.

— Wer ist das?*² — Outra voz surgiu de dentro da casa e tirando a atenção da dinamarquesa.

Ophelia não conseguiu prestar atenção na dona da voz. Rapidamente, seus olhos se dirigiram para a criança que estava em seus braços.  Seus cabelos escuros estavam um tanto mais compridos do que quando a vira pela última vez. Os olhos azuis escuros brilhavam com a luz fraca que entrava pela porta da casa. Diferente de quando morava no Palácio, agora ela vestia roupas claras e limpas. No momento, usava um moletom de lã cor de creme e calças bordô. Lia tinha certeza que Alicia estava se divertindo ao decidir as roupas da criança todos os dias. Tinha absoluta certeza de que ela fora comprar um guarda-roupa completo no momento em que chegou em Saint-Émilion. Ophelia nunca escolheria peças tão finas e caras para uma criança de quase três anos. Sabia que, segundos depois, estariam sujas de canetinha. Com certeza, depois daria uma bronca na amiga por mimar tanto a afilhada. Agora, porém, só se importava em ter a menininha mais linda do mundo de volta em seus braços. 

A jovem ibérica, então, se aproximou da filha. Talvez por reflexo, talvez porque realmente reconheceu a mãe, a menininha estendeu os braços e se inclinou para frente. Ophelia abraçou a criança com muito amor, tentando conter as lágrimas que se formavam em seus olhos. Ela ouviu, de plano de fundo, Alicia falar algo para as outras três moradoras da casa, mas não se deu o trabalho de tentar entender — ou de se importar com — o que elas diziam. Esmeralda estava ali, em seus braços, de onde nunca deveria ter sido tirada. Nada poderia estragar aquele momento.

— Senti tanto a sua falta — falou a mãe em um suspiro, beijando o rostinho da filha. 

A criança ria. Sua risada era suave e inocente, e seu sorriso, doce. Ophelia daria tudo para vê-la assim o tempo todo. Para poder fazê-la feliz e dar-lhe a vida que ela merecia. Passou sua mão livre nos cabelos finos da menina, novamente aproximando seu rosto do dela. A pequena cheirava a rosas, provavelmente mais um presente de Alicia. Era um cheiro agradável. E Ophelia queria poder ficar assim perto para sempre para sentir-lo.

— Venha, vamos conversar um pouco na sala de estar — disse Alicia, tirando Lia de seu mundinho particular. — Pode entrar.

Receosa, ela entrou na casa. O interior era tão simples quanto o exterior. Não tinha nada do luxo comum nas residências reais. Do lado esquerdo da porta, uma porta aberta levava até o que ela pensava ser a cozinha. Já no outro lado, se integrando ao pequeno hall de entrada, estava a sala de estar, que consistia em apenas alguns sofás e poltronas, com uma grande lareira ao fundo. O cômodo era decorado com cores quentes, o que, aliado ao fogo da lareira, fazia-o ter um ar aconchegante. Era, sem dúvidas, um lar, por mais que a família que vivesse nele fosse nada convencional. 

— Fiquem à vontade. Nós vamos preparar um chá para vocês — a mulher mais velha falou, em dinamarquês, para a surpresa de Lia, colocando as mãos nas costas da garota mais nova e a dirigindo até a cozinha, enquanto a de cabelos negros subia as escadas. 

Ophelia pôde ouvir as duas conversando na cozinha em uma língua que não entendia. A voz fina da mais nova parecia intrigada. Pelo tom,  concluía que ela fazia muitas perguntas à mais velha, que respondia com muita calma. Enquanto isso, a jovem ibérica sentou-se no sofá, ainda segurando Esmeralda com força, como se alguém fosse roubá-la a qualquer momento. Alicia, por sua vez, tirou seu avental com cuidado e sentou-se em uma das poltronas, ali se enrolando em uma manta colorida. As duas encararam a lareira em silêncio.

— Você sabe que tem que voltar à Dinamarca eventualmente, não sabe? — Alicia finalmente se pronunciou, virando-se para a amiga. — A Família Real voltou para Copenhague há um mês. 

— Não é a hora, não ainda. Alexander me mandou uma carta antes de ir para Skagen. Não acho que ele está pronto para me ver novamente. Ele precisa de mais tempo para se recuperar da morte de Bella — a outra respondeu, ajeitando Esmeralda, já um tanto impaciente, em seu colo. — E tenho certeza que em breve ele estará se preparando para o casamento. Ele não precisa de mim lá.

— Claro que precisa, Lia! — a dinamarquesa exclamou e, percebendo que falara um tanto alto demais, continuou em um tom menos dramático. — Alexander a ama, apesar de todas as bobagens que ele deve ter escrito nessa carta. Pode ser que ele esteja iniciando uma nova vida com outra mulher, mas o que vocês tiveram não pode ser simplesmente apagado. Ainda mais com Esmeralda.

— Esmeralda nasceu sem um pai. Ela pode continuar muito bem assim para o resto da vida — ela anunciou, firme. — Vou voltar para o Reino Ibérico com ela. 

— Ophelia, não diga isso. — Alicia respirou fundo antes de continuar, tentando controlar sua crescente irritação, que já ficava evidente em sua voz. — Você nunca deixou Alexander ser um pai. Ele nem sequer sabe da existência de Esmie. Tenho certeza que ele seria fantástico. Ainda mais depois do resultado da Seleção...

— Quer dizer que… Laryssa? — Ophelia não sabia o que dizer.

Mesmo sem uma resposta concreta da dinamarquesa, a outra garota soube que o que pensara era verdade. Laryssa seria a nova Princesa em alguns meses. Apesar de ter se afeiçoado à Selecionada, Ophelia não podia deixar de ficar um tanto chocada. Alexei Tivera mesmo a coragem de enfrentar sua mãe para ficar com a menina, mesmo ela estando grávida? Lia sabia que a criança era fruto de uma agressão e que, portanto, seu pai nunca seria incluído em sua vida. Isso queria dizer que o Príncipe criaria o filho de sua Escolhida, mesmo não sendo o pai biológico? Ela mal conseguia acreditar.

— Eu apoio suas decisões, sempre apoiei, desde o dia que você decidiu fugir para Madri comigo. — A dinamarquesa estendeu o braço, segurando a mão da amiga. — Vou lhe dar o suporte necessário se sua escolha for mesmo voltar para o Reino Ibérico agora. Mas pense. Pense no que Esmeralda estará perdendo.

— Eu não...

—  Nós já estávamos planejando uma viagem à Dinamarca de qualquer forma. Por mais que não aparente à primeira vista, Elisabeth ainda é uma menina. Precisa de uma família. E, bom, legalmente não podemos ser isso para ela aqui — Alicia anunciou, antes que a amiga pudesse terminar de falar. — Eu irei com ela assim que julgarmos seguro, o que será logo, visto que a situação está se estabilizando com rapidez. Se quiser, pode ir conosco.

Ophelia olhou para a filha, que agora brincava calmamente com os cabelos da mãe. Apesar de tudo, Alexei era seu pai, e Lia não tinha o direito de privá-la de conhecê-lo. Para ser sincera, ela sempre tivera medo de contar tudo para Alexander. Desde o início da relação dos dois, sabia que ela nunca seria mais do que uma amante, por mais que ainda fossem tão jovens. O Príncipe se casaria com uma importante princesa, que traria glórias e riquezas para a Dinamarca. A pobre criada ibérica nunca poderia ser a esposa do tão amado herdeiro. Dessa forma, quando descobriu sua gravidez, não hesitou em fugir de Copenhague. O pai da criança nunca poderia criá-la. A Rainha faria de tudo para afastar Ophelia de seu primogênito. Ela viveria para sempre em um inferno, sendo proibida de permanecer em Amalienborg ou até mesmo na Dinamarca. Esconder a filha de sua família paterna era, portanto, a melhor opção que tinha. 

Mas agora, sabendo que Alexander fora forte o suficiente para assumir um filho que não era seu, Ophelia começava a repensar suas escolhas. Seria melhor mesmo voltar para Copenhague e revelar tudo? Será que Alexei teria coragem de também assumir sua filha bastarda com uma mera criada?

— Se eu decidir ir, você terá de prometer que não contará nada a Alexander — solicitou a ibérica, fitando Alicia. —  Não até eu dizer que estou pronta. Eu contarei eventualmente. Mas não posso garantir que será logo.

—  No seu tempo —  ela respondeu com um sorriso satisfeito. Sabia que tinha conseguido convencer a amiga.

Ophelia sabia que seria difícil voltar para Copenhague. Mas era o certo a fazer. Era o que Esmeralda merecia.

***

Elisabeth teve uma mãe por apenas seis anos antes de ficar órfã. Depois que ambos seus pais morreram em um curto intervalo de tempo, foi mandada às pressas para Viena, onde estaria sob os cuidados de Luther, seu tio-avô. Na época não sabia, mas suas tias haviam lutado por sua guarda legal, tentando a todo custo levá-la para suas casas na Dinamarca, no Império Soviético, na França ou na antiga Baviera. Em sua cabeça infantil, extremamente manipulada por Luther, porém, ela fora abandonada pela família mais próxima. Nas histórias que o tio lhe contava, nenhuma das cinco irmãs de sua mãe quisera acolhê-la em suas casas. Augusta não tinha recursos financeiros suficientes. Juliane estava muito ocupada sendo Rainha. Viktoria já tinha duas crianças pequenas, Felícia e Pierre, e não conseguiria cuidar de Lisa e Andreas. Sonja estava grávida. Hannah não tinha uma moradia fixa. Nenhuma delas, segundo o Rei germânico, tinha capacidade de cuidar dos filhos de Johanna. Assim, fora tirada de Elisabeth a oportunidade de crescer ao lado dos primos em um ambiente saudável, de viver cercada por sua família. E, o mais importante de tudo, de ter uma mãe novamente.

No Palácio Ivor I, viviam apenas Luther e sua única filha, Helga, um pouco mais de um ano mais velha que Elisabeth. Luther nunca se casara novamente após a morte de sua esposa, Morgana. Assim, as duas meninas e Andreas, irmão mais novo de Lisa, não tinham a presença de uma figura materna constante em suas vidas. Babás eram contratadas e demitidas quase que anualmente. As concubinas do tio — que, no início, Elisabeth pensara que eram apenas amigas do Rei — eram proibidas de ter qualquer contato com as crianças. Por outro lado, Luther era, com certeza, uma figura paterna, apesar de tudo que fizera. Estava sempre presente, preocupado com a educação da filha e dos sobrinhos e, por incrível que pareça, com seu bem-estar. Mas agora, após trair sua confiança, nem isso Elisabeth poderia se dar ao luxo de ter. Estava sozinha.

Por isso, ao ver o reencontro de Ophelia e Esmeralda, a jovem germânica ficara triste. Não gostava de admitir, mas sentia inveja da pequena menina. No tempo que ela passara com Esmie em Saint-Émilion, pensara que as duas eram iguais. Órfãs. Alicia nunca explicara o que acontecera com a mãe da garotinha. Elisabeth também nunca perguntara, apenas supora que ela estava ali pois não tinha mais ninguém. Quando Ophelia chegou à casa de Staska, porém, a jovem germânica viu que suas suposições estavam erradas. Esmeralda tinha uma mãe que a amava muito e que arriscara sua vida para tê-la de volta. Assim, ao olhar para as duas, adormecidas logo a seu lado no carro que as levava para Amalienborg, sentia saudades. Saudades de coisas que talvez nem lembrava. Saudades de uma mãe que a deixara sozinha no mundo em tão tenra idade.

— Você acha que ela vai querer ficar comigo? — sussurrou Lisa, virando sua cabeça para Alicia. — Que não vai me mandar de volta para Viena?

— Não seja boba, Elisabeth — respondeu a mais velha, segurando uma das mãos da amiga com carinho. — Pelo que sei, todas as suas tias dariam tudo para tê-la em suas casas.

— Isso há dez anos, quando mamãe morreu, quando elas ainda me conheciam. Agora faz anos que não as vejo, já que Luther quase não permitia que eu saísse de Viena — ela falou, tentando controlar o desespero. — Deus, eu nem falo dinamarquês! Isso foi uma péssima ideia, Alicia. Eu deveria ter ficado em Saint-Émilion com Staska. Ou ter ido viver na Baviera com tia Augusta.

— O melhor a se fazer era afastá-la da Germânia por um tempo. Você sabe, ainda existem muitos apoiadores de Luther lá, não seria seguro. Além disso, não teríamos permissão legal para ficar com você na França — a outra afirmou. — Eles vão amar ter você. E tenho certeza que você vai amar estar com eles. Saphira está uma gracinha, acho que você vai gostar de reencontrá-la depois de tantos anos.

— Na última vez que a vi, ela tinha um pouco menos de dois anos. — A germânica suspirou. — Luther me fez perder anos de memórias com minha família. 

— E agora você terá a chance de criar novas memórias com eles — afirmou a dinamarquesa, já com uma expressão mais séria. — Então deixe de ser paranóica. Vai dar tudo certo.

Elisabeth, porém, tinha outras aflições, que não deixavam seu jovem coração se tranquilizar e ficar feliz por, finalmente, poder estar com sua família. Olhando pela janela do carro, a menina via Copenhague passar, iluminada pelas luzes noturnas. Nunca estivera na capital dinamarquesa. Na verdade, em seus 16 anos de vida, apesar de ter parentes vivendo ali, nunca pisara na Dinamarca. Era tudo muito novo para ela, mas, mesmo assim, ao ver aqueles prédios, aquelas praças, Elisabeth se sentia culpada. Não sabia ao certo onde acontecera o atentado que acabara matando Isabella, mas apenas a ideia de que, em algum lugar daquela cidade, sua prima fora ferida fatalmente assombrava a jovem germânica. Ela se sentia culpada. Se tivesse se pronunciado mais cedo, se tivesse dedurado Helga, nada daquilo teria acontecido. Ela, entretanto, tivera medo. Ela queria ter certeza de que Eris fora identificada. Que tudo daria certo. E, em sua cautela, ela causara uma tragédia.

— Estamos quase chegando — anunciou Alicia depois de alguns minutos, acordando Ophelia. — Preparadas?

Era claro que Elisabeth não estava preparada. Estava nervosa, muito nervosa. Mas, mesmo assim, ao ver Amalienborg, respirou fundo e tentou controlar todos os pensamentos negativos que passavam por sua mente naquele momento. O carro estacionou nos fundos do grande Palácio, a fim de que não fosse detectado. Apesar de a Guarda Real ter sido avisada, Staska queria ter certeza que suas meninas estariam seguras longe dos olhos do grande público. Ao sair do carro, as pernas de Lisa tremiam. Parecia que seu corpo não queria que ela entrasse pela pequena porta, provavelmente dos criados, que dava acesso à Residência Real. Ela, porém, tomou o controle de suas emoções e de seus anseios.

Dentro do Palácio, tudo estava escuro e silencioso. As três jovens andaram em silêncio até uma grande, porém simples, cozinha. Ali, Alicia sussurrou algo em dinamarquês para Ophelia. Sem proferir nenhuma palavra as outras duas, prontamente, a criada seguiu seu caminho por um dos intermináveis corredores subterrâneos do Palácio, com uma Esmeralda ainda adormecida em uma mão e uma maleta na outra.  

— Nós vamos por aqui — a dinamarquesa avisou, apontando para uma pequena escada no canto direito da sala. — Tente fazer o mínimo de barulho possível.

As duas, então, subiram os estreitos degraus, que geralmente eram utilizados pelos serventes. Ao chegarem ao topo, se depararam com um grande corredor, repleto de pinturas antigas. O local era muito parecido com o Palácio de Ivor I, Elisabeth pensou, ainda mais sob a luz da lua. Infelizmente, para ela, aquela familiaridade não era positiva. O carpete vermelho a fazia lembrar da noite em que correra até o harém para chamar a favorita do tio, Azra bin Hassan, para iniciar o golpe. As pinturas a faziam lembrar dos inúmeros quadros de Luther pendurados nos corredores da Residência Real em Viena. Mas aquele lugar não era Viena. Copenhague seria seu recomeço.

— Alicia? — disse uma voz vinda do meio da escuridão, assustando as duas garotas. — Er det dig?*³

— Alexei! — exclamou a garota dinamarquesa, logo reconhecendo a voz e correndo em direção a ela. — Hvor godt det er at høre din stemme!*⁴

Os dois dinamarqueses se abraçaram, deixando Elisabeth completamente desconfortável. Não fazia ideia de como agir com o primo. A última vez que vira Alexander, na festa de Ano-Novo da bisavó, ele tinha apenas 13 anos. Ainda era um menino com um corpo magro e uma voz que mudava de tom constantemente, indicando que entrava na puberdade. Agora, ele era praticamente um homem, muito mais alto e musculoso. Se Alicia não tivesse acusado sua identidade, era muito provável que Lisa não o reconheceria. E ela também deveria ser praticamente uma desconhecida para ele.

Ao se afastar de Alexander, Alicia disse mais alguma coisa em dinamarquês, que parecia ser importante. A expressão do Príncipe mudou completamente. Naquele momento, Elisabeth desejou que tivesse tido a oportunidade de estudar mais línguas na infância, como muitos de seus primos fizeram. Luther, porém, insistira que a única língua que importava era o alemão e que nenhuma outra seria necessária para sua vida. Apesar de a menina ter logrado aprender o básico de neerlandês, húngaro e polonês, línguas sub-oficiais dos territórios da Germânia, nunca conseguira aprender línguas comumente ensinadas no resto da Europa, como o dinamarquês e o inglês.

— É muito bom revê-la, prima. — Alexei virou-se para a menina, ainda com uma expressão muito séria, falando em alemão, para a alegria de Lisa. — Alicia, vil du tage hende til min mor?*⁵

Alicia apenas assentiu com a cabeça. O Príncipe dinamarquês, então, guiou as duas meninas pelos corredores do Palácio. Após poucos minutos de caminhada, os três estavam em um corredor que, diferente do que estavam antes, era decorado por inúmeros quadros de Copenhague, organizados de forma quase artística. Mesmo não podendo vê-los nitidamente por ser noite, Elisabeth ficou encantada com a beleza da cidade. O sentimento de culpa pela morte de Isabella, porém, não a deixava apreciar aquelas belas pinturas como deveria. Em algum daqueles lugares, Helga soltara uma bomba que matara sua prima materna. Pensar sobre aquilo fazia todos os pelos do corpo da jovem germânica se arrepiarem. 

Com cuidado, Alexander girou a maçaneta da última porta do corredor, revelando  um belo e organizado escritório. Mais ao fundo do recinto estava Juliane, debruçada sobre alguns papéis. Ela usava uma roupa simples de seda, e seus cabelos estavam presos em um coque alto. Em princípio, Elisabeth se perguntou o porquê de sua tia ainda estar trabalhando, dada a hora. Deveriam ser por volta de dez da noite. A jovem germânica, porém, lembrou do que seu tio-avô dissera sobre a Rainha dinamarquesa: ela sempre está ocupada com alguma coisa, não terá tempo de dar atenção a você. A lembrança das palavras de Luther a fez estremecer. Seria mesmo verdade? Será que agora, passados dez anos da morte de Johanna, ela teria tempo de cuidar da sobrinha, mesmo depois do que ela fizera, indiretamente, a Isabella?

— Mor, du har en besøgende *⁶  — anunciou Alexander, dando um passo à esquerda para revelar a presença da prima, que se encontrava logo atrás dele.

— Elisabeth? — Juliane levantou-se, indo em direção à menina. — O que você está fazendo aqui? Como você saiu de Viena depois do que aconteceu com seu tio?

 A garota ficou em silêncio. Não sabia o que responder. Não conseguia responder. Se dissesse algo, iria se entregar. Iria ter de dizer que a morte de Bella fora sua culpa. Naquele momento, parecia que todas as palavras haviam sumido de sua mente. E, antes que pudesse relembrar seu vasto vocabulário na língua alemã — graças à grande biblioteca do Palácio Ivor I — uma lágrima escorreu por suas bochechas. Sem que percebesse, seu rosto já estava molhado, e sua face, vermelha.

— Não chore — pediu a Rainha, chegando mais perto da sobrinha e colocando as mãos em seu rosto. — Está tudo bem.

— É tudo culpa minha, tia. A presença de Helga na Seleção. A morte de Isabella. A deposição de Luther. — Ela soluçava. — Eu destruí sua família. Por Deus, eu fiz vocês perderem Isabella. Nunca vou conseguir me perdoar por isso…

— Alicia, Alexander, undskyld os et øjeblik.*⁷ — Sem hesitação, os dois dinamarqueses saíram da sala, deixando tia e sobrinha a sós. — Venha, sente-se aqui. 

A mais nova se sentou em um pequeno sofá ao canto da sala com Juliane logo a seu lado. Respirando fundo, a garota conseguiu se acalmar. E, aos poucos, os soluços diminuíram. Ela, porém, ainda não conseguia encarar a tia nos olhos. Por mais que, meses antes, tivesse contado brevemente o que acontecera pelo telefone, estar frente a frente com ela fazia tudo parecer pior. Ainda mais porque, se aquela ligação tivesse acontecidos algumas semanas antes, tudo seria diferente.

— Pronto, agora pode falar — disse a Rainha, limpando as lágrimas do rosto da menina. — Com calma, não precisa ter pressa.

Então Elisabeth contou tudo. Falou sobre Staska. Sobre as espiãs. Sobre o plano de derrubar Luther. Sobre a suspeita de Eris estar na Seleção. Coisa que jamais contara a ninguém e que, na verdade, jurava manter em segredo. Surpreendentemente, a tia não a interrompeu em nenhum momento, deixando-a contar sua história da maneira que achava melhor.

— Você apenas queria salvar seu país, minha querida. E ao mesmo tempo proteger a si mesma e a Andreas — Juliane concluiu, com calma, quando a sobrinha terminou de falar. — Eu entendo tudo que você fez e nunca poderei culpá-la pela morte de Isabella. Isso foi culpa única e exclusivamente de Helga e Luther. Você estava fazendo o bem.

— Mas eu poderia ter feito o bem antes. Eu sempre soube que Helga era Wanessa, mas temi revelar para as outras meninas — a menina afirmou, se concentrando para não voltar a chorar. — Agora magoei vocês. E, ao ser parte do plano para depor Luther, magoei-o também. Estou sozinha novamente, assim como estive quando mamãe morreu.

— Você nunca estará sozinha, Elisabeth. Quando Johanna faleceu, todas nós queríamos tê-la conosco. E agora que você está livre das garras de Luther, continuamos a querendo. — A Rainha puxou Lisa para mais perto, fazendo com que a mais nova apoiasse a cabeça em seu ombro. — Quando éramos meninas, prometemos umas às outras que olharíamos pelos nossos sobrinhos, caso algo acontecesse. Na época, achei que era bobagem, afinal, estava indo me casar com o Rei da Dinamarca, nada poderia me abalar.

Elisabeth riu de leve.

— Mas quando vi você, aquela menininha linda de olhos azuis brilhantes, ficar órfã, entendi — a mais velha continuou, passando os dedos suavemente pelo braço de Lisa. — Infelizmente, Luther, sendo muito mais poderoso que todas nós, fez com que a promessa fosse quebrada. Mas agora vamos ter a chance de fazer sua mãe sorrir lá do céu.

A jovem germânica se aconchegou mais nos braços da tia, fechando os olhos. A Rainha, então, pousou sua cabeça sobre a da sobrinha e colocou os braços a seu redor. Por incrível que pareça, Elisabeth conseguiu sentir mais um par de mãos pousados em seus ombros. Um calor percorreu o corpo da menina, como se algo a mais a envolvesse. Suavemente, ela conseguiu sentir o cheiro da lareira de sua casa em Erbach an der Donau e ouvir a risada de seus pais. Apesar de não ter uma mãe biológica presente fisicamente, ela não estava sozinha. Jamais estaria.

 

 

 

 

[Traduções]

* Como eu poderia ajudá-la? (Francês)

*² Quem é essa? (Alemão)

*³ É você? (Dinamarquês)

*⁴ Como é bom ouvir sua voz!  (Dinamarquês)

*⁵ Alicia, você quer levá-la até minha mãe?  (Dinamarquês)

*⁶ Mãe, você tem uma visita.  (Dinamarquês)

*⁷ Alicia, Alexander, nos deem licença por um minuto.  (Dinamarquês)


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Muito fofo, não?
Tenho que admitir que esse capítulo não estava no planejamento da fanfic até 2 meses atrás. Não sei se vocês sabem, mas tenho um planejamento certinho pra reta final da fanfic desde 2017 e venho seguindo ele à risca (com algumas modificações w adaptações). Mas, quando estava refletindo sobre o desenvolvimento da fanfic, percebi que tinha deixado alguns personagens importantes de lado e que, sem um capítulo extra, o final da fic não seria muito completo. Assim, criei esse capítulo. Sinceramente, não me arrependo. Amei escrever.


Bom, no mais, estou programando editar mais alguns capítulos antigos essa semana. Por enquanto, tenho planos de reescrever o Prólogo (sim!!) e o capítulo 4 (que acho que está bem confuso, por ter três narradoras). Mantenho vocês atualizados.

Os próximos capítulos prometem muitas emoções, então aguardem.

Até a próxima,
xoxo ♥ ACE

PS: Eu amo muito a Elisabeth. Ela apareceu em pouquíssimos capítulos, mas eu acho que ela é minha personagem favorita. Sério. Poderia escrever uma fic inteirinha só dela. Tenho muitos planos pra ela, inclusive. Espero conseguir pelo menos citar alguns desses planos nessa fanfic. Um ícone.
PS2: Eu realmente não deveria estar planejando spin offs que sei que não terei tempo para escrever, mas... Não consigo hahaha Tenho vontade de desenvolver a história de literalmente TODOS os personagens dessa fic. Quem sabe faço algumas short fics. Ai queria muito.
PS3: Eu não deveria estar cansada desses personagens depois de tanto tempo escrevendo sobre eles? hahahahah



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