Rainha dos Corações escrita por Angie


Capítulo 63
Ventos Franceses | Serena


Notas iniciais do capítulo

Oioi, gente! Hoje é quinta, hoje é dia de RDC.
Passei o carnaval na praia (não na minha praia de sempre, então tinha internet), então aproveitei a brisa marítima que sempre me traz inspiração. Mas, antes que eu comece a tagarelar sobre o capítulo e tudo mais, preciso dar uns avisos (nada sério, mas não posso esquecer):
1- (esse aí já estou adiando por mais de um mês) A nossa saudita Alba mudou de nome de Alba Karma de Allain para " Alba Dahba de Ameena" por questões de adequação da cultura (querida Ally, criadora dela, quem pediu e eu aceitei kiki)
2- Tem matéria nova (ou não tão nova) no blog: http://rdccasareal.wixsite.com/fanfiction/single-post/2017/02/02/A-Princesa-do-Norte-e-o-Pr%C3%ADncipe-dos-Mares
3- Tem vídeo novo no canal: https://www.youtube.com/watch?v=DvkIgPAMiuI&t=2s
Era isso!
Ah, e sobre o capítulo... SOCORRO, EU VOU MORRER, PORQUE, OLHA, TÁ UM TIRO ATRÁS DE OUTRO DE TANTA REVELAÇÃO. Não posso falar mais porque não quero dar spoiler. Leiam aí e digam o que acharam depois.
Espero do fundo do meu coração que vocês gostem (porque se não gostarem será o fim de minha carreira como ficwriter, joguei quase todas as minhas cartas aqui).
Até as notas finais!
xoxo ♥ ACE



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O carro preto estacionou em uma das pequenas ruas da cidade de Saint-Émilion.  Depois de horas de viagem — e mais anos de mistérios —, finalmente Serena pôde descobrir como era aquela tão falada casa que agora estava em sua frente. Em sua imaginação juvenil, ela seria colorida e grandiosa, como uma heroína de revolução merecia. O local, porém, não era nada assim. A construção era modesta e idêntica às outras da cidade, com tons sem graça de marrom, como se fossem feitos de terra. As janelas simples de madeira eram poucas, todas cobertas por finas cortinas. Em volta, por mais que estivessem escondidos, existiam guardas, talvez o único vestígio do luxo com o qual a dona da propriedade vivera boa parte de sua vida. A rua estava vazia, nenhuma vida sequer passava por ela, fazendo com que, ao sair do carro, a Duquesa ficasse totalmente sozinha.

Suas botas simples tocaram a calçada e seu sobretudo preto balançou com o vento. Os olhos de um tom de azul belo profundo observavam tudo a sua volta, enquanto os cabelos negros emolduravam seu rosto com uma expressão misteriosa. Por mais que sempre passasse uma impressão de força e grandeza, existiam momentos — como aquele — em que ela temia. Por muitos anos, escrevera para a mulher que estava prestes a encontrar, revelando segredos e informações infinitas, mas nunca tivera a oportunidade de viajar até ali. Sempre preferira manter a relação assim, discreta e sem encontros, principalmente a fim de não ser descoberta pela sua rígida família nortista. Mas aqueles eram tempos sombrios que mereciam mais do que algumas palavras escritas para serem de fato resolvidos.

Um dos guardas, o qual apareceu magicamente ao lado da garota, abriu a porta depois de alguns minutos, depois de analisar de forma breve a garota, porém sem falar com a mesma.  Ela então, respirou fundo e entrou, tentando repassar tudo o que Aline lhe dissera antes da viagem. A casa, decorada com móveis simples de madeira e iluminada apenas pela luz da lareira não aparentava ter a pompa para uma conversa como a que logo ocorreria. Era como se a Duquesa estivesse entrando na moradia de um simples plebeu, que vivia ali com sua família comum. A qualquer momento, ela pensava que poderia ouvir gritos e risadas de crianças, que estariam prontas para comer o que a mãe preparava na confortável cozinha mais à esquerda. Alguns anos antes, toda essa cena poderia acontecer naquele local, mas infelizmente a realidade daquele momento não permitia uma felicidade dessas.

A dona da propriedade estava sentada em uma das poltronas na pequena sala de estar, enrolada em várias mantas coloridas, a fim de se proteger do gelado vento que entrava pelas janelas naquela tarde do final de setembro, e bebericando uma xícara de chá. Seus cabelos, que eram lembrados por Serena por serem longos e de uma cor dourada fascinante, estavam presos em um coque e já apresentavam alguns fios cinza que representavam a maldade do tempo. Seus olhos estavam fixos nas chamas vindas da lareira, como se pudesse ver neles algum tipo de futuro — coisa que a jovem siberiana, quando ainda muito novo, realmente achava que ela fosse capaz de fazer. Com receio de acabar com o momento de tanta paz, a garota apenas se aproximou calmamente, tirando seu sobretudo aos poucos sem falar nada.

Quando ela por fim se sentou no banco livre ao lado da mais velha, a mesma sorriu. Por mais que suas feições estivessem mudadas pela idade, a curva com uma alegria tão sincera quanto a de uma criança não mudara, permanecia a mesma desde que as duas se conheceram tantos anos antes — quando a menina tinha seus 11 ou 12 anos. E aquilo trazia um sentimento que ela não fora capaz de sentir durante toda a viagem da Dinamarca até a França: conforto. Era como se ela voltasse a ser a garotinha indefesa que não se conformara com o novo relacionamento do pai e que achara paz nos braços de uma francesa praticamente desconhecida.

— Serena, minha querida — a mulher falou em francês, largando sua xícara na mesa de canto e colocando as mãos nas da visitante. — Como você cresceu… Tornou-se tão bela. Um dos meus maiores orgulhos, um dos melhores presentes que o grandioso Deus me deu.

A Duquesa não respondeu, apenas encarou a mentora. Ela, apesar de ter uma inteligência notável e de ser uma líder nata, sempre deixava, mesmo que de forma rápida, que suas emoções tomassem conta. Não era segredo para nenhuma das nobres envolvidas em todo aquele esquema que a lendária Anastásia Kratochvil — que agora preferia utilizar um sobrenome mais francês, Proulx — não via suas garotinhas apenas como instrumentos para o fim de conflitos, mas como filhas, talvez até mais amadas que sua preciosa Kornelia. Por suas cartas, sempre deixava isso claro, principalmente quando passava parágrafos e mais parágrafos frisando o quanto a segurança delas era mais importante que qualquer descoberta. Mas, ao notar o olhar preocupado dela naquele momento, Serena soube que nem todos os seus desejos e preces poderiam protegê-las totalmente na Guerra.

— É um prazer rever a senhora depois de tanto tempo, Staska — admitiu a siberiana, mordendo seu lábio inferior. — Acredito, entretanto, que não possamos perder tempo colocando a conversa sobre os… Quase dez anos que a senhora perdeu de minha vida. O sucesso de todo o seu esforço de praticamente duas décadas depende das informações trocadas entre nós nesses poucos dias que permanecerei aqui.

— É claro… Mas você passou tantos dias viajando… Foram quantas cidades mesmo? Cinco? — ela esperou que a menina balançasse a cabeça afirmativamente. — Você precisa descansar primeiro. Já arrumei um dos quartos para você. Alicia insistiu que eu preparasse o último do corredor, pois ele tem mais espaço para acomodar a criança que virá com ela. Mas o local em que você irá ficar

— Ela trará Esmeralda mesmo? — questionou a jovem, passando as mãos belos cabelos negros soltos. — Pensei que ela seria deixada no Reino Ibérico mesmo…

— Eu e Ali discutimos e decidimos que aqui seria mais seguro, visto que não estamos em nenhuma capital, nenhum dos pontos de interesse dos exércitos germânicos. Ambas terão um tratamento melhor aqui do que na corte — explicou a outra, levantando-se e revelando o vestido branco simples que antes se escondia nos cobertores. — Mas esse não é o momento para falarmos sobre isso. Venha, vou levá-la até o seu quarto.

***

Era a terceira vez que a bela jovem arrumava sua mecha escura, que insistia em cair sobre seu rosto, interrompendo sua ávida leitura. Os tons alaranjados do pôr do sol já entravam de forma suave pela janela, anunciando que em breve o jantar seria anunciado, fazendo que o estômago faminto e cansado da garota roncasse ao pedir por comida. Aquele havia sido um dia cansativo, com tarefas que ela jamais imaginara fazer — como varrer a casa e lavar a louça. Suas pernas latejavam por conta do cansaço, quase não conseguindo manter seu corpo em pé. Tudo que ela conseguia fazer era sentar e se envolver pela empolgante trama da obra em suas mãos, ao mesmo tempo entretendo e relaxando sua mente.

Todavia quis o destino que Serena não chegasse ao final de sua leitura. No meio de um diálogo decisivo entre a protagonista e os chefes de estado que a recrutavam para uma missão de espionagem quase impossível, um som ecoou pelo rincão. A garota demorou algum tempo para perceber que se tratava da campainha, tocada por uma impaciente mão que a apertava diversas vezes. Olhando para o lado — e estranhando a situação, já que imaginava que os guardas deixavam os convidados entrarem uma vez que os reconhecidos —, percebeu que estava sozinha no recinto, indo, então, até a porta.

Ao mover o grande pedaço de madeira rústica, a Duquesa se deparou com uma figura totalmente desconhecida para ela. Seu enorme casaco de pele preenchia quase toda a batente, escondendo o corpo pequeno e magro. Óculos redondos escondiam seus olhos e metade de suas bochechas, tornando difícil qualquer identificação. Os cabelos avermelhados — que provavelmente não eram naturais —, que caiam até seus ombros, balançavam com o vento tão típico do outono. Serena passou algum tempo apenas encarando-a, sem reação alguma. Seria ela alguma habitante local? Ou alguém que queria invadir a casa? Poderia também ser uma das aliadas ocultas? Ou a porta havia sido aberta por engano?

— Ah, Serena, você deveria ter esperado por mim para receber nossa convidada! — exclamou Anastásia, surgindo de dentro da casa vestindo um avental de cozinha e carregando um de seus panos bordados. — Mas, bem, que bom que você já a conheceu. Agora entrem, está frio aí fora.

Ainda atônita, a garota mais nova apenas seguiu as outras, sentando-se automaticamente na mesma poltrona em que se encontrava antes. A desconhecida ocupou a namoradeira, espalhando seu grande casaco — que certamente fora feito com a pele de um animal inteiro — no lado que não estava utilizando. A anfitriã deixara as duas sozinhas mais uma vez, indo buscar na cozinha o chá da tarde que serviria para a recém-chegada. Assim, Serena pôde analisá-la, como sempre, de forma crítica por mais alguns instantes. Ao tirar os óculos, ela revelou um belo par de olhos verdes que se pareciam com as esmeraldas das joias da Rainha que eram os mais expressivos que a garota já havia visto em toda a sua curta vida. Por mais que o tempo já a tivesse maltratado, não se podia negar que ela era uma mulher bela. Todas as suas feições pareciam se encaixar em uma harmonia incrível. Mas o mais incrível era que ela conseguira, de uma forma estranha, conquistar a simpatia da Duquesa sem uma sequer palavra. De alguma forma, ela sentia que aquela emblemática figura era importante.

Poucos minutos depois, Anastásia voltou ao ambiente, trazendo travessas e mais travessas de bolos e docinhos que ela mesma preparara. Os pequenos doces eram decorados de forma simples, porém encantadora, como se tivessem sido feitos em uma das melhores padarias — que eram muito comuns na Sibéria. Apesar de estar curiosa para saber o que trazia aquela misteriosa mulher a um canto tão remoto, Serena não pôde deixar de ficar tentada a devorar tudo que estava sobre a mesa sem ao menos ouvir o diálogo que logo se iniciaria. Tudo parecia tão delicioso, tão mais satisfatório do que ter de discutir assuntos desagradáveis. Mas ela, como a boa Duquesa e nobre que era, se conteve, ficando sentada em uma posição perfeita aguardando até que a anfitriã se pronunciasse.

— Trouxe esse pequeno lanche para tornar nossa conversa um pouco mais prazerosa, se é que isso é possível — disse Ana, se acomodando na poltrona ao lado da siberiana e logo depois olhando para a mesma. — Mas, enfim. Você deve estar se perguntando quem é nossa convidada surpresa. Essa é Úrsula Von Dumperg, uma velha amiga minha. Úrsula, essa é Serena, a Duquesa de Omsk.

As duas se olharam e trocaram sorrisos discretos.

— Conhecemo-nos em uma época muito difícil de minha vida, quando o golpe que tirou meu pai do poder acabara de acontecer e eu havia sido expulsa de casa e exilada para uma cidade próxima dessa para viver com meus parentes distantes. Eles, sabendo de toda a desgraça que eu causara para a família, nunca me trataram bem, nos dois que estava lá emagreci mais de 20 quilos, quase não tinha forças nem para ficar de pé. Tomando conhecimento de minha situação, o Rei Werner mandou alguns de seus homens para me resgatar e para me enviar a um de seus palácios — a mulher tcheca disse com um olhar distante, como se estivesse tentando se lembrar de todos os detalhes daqueles dias sombrios.  — Ele, como aparentemente não tinha nenhum motivo para me abrigar em território germânico, deu a desculpa que sua esposa, Freya, precisava de mais uma dama de companhia. E foi aí que Úrsula chegou a minha vida, me acolhendo como uma irmã e me ajudando a voltar a ter toda a vivacidade que eu tinha antes de tudo aquilo acontecer. Convivemos por vários anos e, bom, um dia o destino e seus planos maléficos quiseram nos separar. Mas isso é ela quem deve nos contar.

Enquanto falava, Anastácia olhou para a companheira de uma maneira nunca antes vista pela Duquesa siberiana. Parecia que a saudade, a gratidão e todos os sentimentos bons que uma pessoa poderia ter por alguém que fizera tanto para seu bem estar poderia ter. Por mais que aquela mulher amasse tanto suas meninas, a expressão que portava naquele momento nunca fora dirigida a elas, nem nos momentos de maior ternura — e provavelmente nem para a tão querida Elisabeth, pensou Serena. E aquele olhar tinha mais do que toda aquela afeição. Tinha uma camada de segredos que ninguém antes fora capaz de atravessar. Toda a história que fora contada naquele nunca fora citada em outras conversas. Tudo o que as garotas sabiam era que o pai, um General tcheco que governava seu país como um ditador, a deserdara após organizar um movimento que impunha novamente a república e que, desde então, ela residia na simples casa em Saint-Émilion. Nenhuma palavra a mais.

— Como assim você morou na Germânia? E no Palácio? — decidiu questionar a menina, tentando conter toda a indignação em sua voz. — Então você sabe tudo que ocorreu com Eris e não nos contou? Nosso trabalho é inútil?

— Acalme-se, Serena. Eu sei que você deve estar se sentindo traída por mim e eu entendo totalmente os motivos — ela respondeu com toda a calma. —Mas você também deve entender os meus motivos, pois tenho muitos. O primeiro deles é a proteção de vocês. Nunca revelei nada de meu passado para o seu bem, para que ninguém viesse atrás de vocês em busca de informações. O momento certo para que tudo isso viesse à tona um dia chegaria, porém eu não poderia ter pressa. E agora, com a Guerra ocorrendo, chegou a hora. Então, por favor, deixe que Úrsula fale.

— Posso falar em dinamarquês? Sinto-me mais confortável. Vossa Alteza entende?— falou a mulher em um francês cheio de sotaque e, ao receber um aceno positivo de cabeça da Duquesa, olhou para a amiga. — Eu não tenho tanto assim para contar, querida Staska. Não sei o que posso revelar, na verdade. Quanto ela sabe sobre essa história?

— Como você pôde ver pela reação dela, pouco, muito pouco — ela explicou, séria. — Tudo que você disser será uma novidade.

— Então ela não sabe que…

— Não — ela respondeu rapidamente, antes que a outra pudesse continuar a frase. — E é melhor nem saber.

— O quê? — questionou a siberiana, arregalando os grandes olhos azuis.

— Nada, meu anjo — ela colocou a mão sobre a da menina e encarou Úrsula. — Nada que importe.

— A primeira coisa que você deve ter conhecimento é que eu sou filha de nobres germânicos. Cresci na corte, acompanhei o crescimento de todos os príncipes e princesas filhos de Ivor III e sempre fui muito amiga de Alice, a caçula, pois tinha quase a mesma idade que ela, talvez uns 6 anos a menos, o que nunca importou em nossas brincadeiras. Quando Werner, o mais velho, se casou com Freya, ele mesmo pediu para que eu fosse uma de suas damas de companhia — a visitante começou, passando as mãos pelo seu cabelo pintado, claramente tensa por estar finalmente revelando algo que por muito tempo fora segredo. — O trabalho era integral, por isso eu nunca me casei, nunca formei uma família. Não sofria com isso, porque sabia que era meu destino. Mas vi a jovem Princesa, e depois Rainha, sofrer e muito por não poder dar um herdeiro a seu povo. Foram anos de espera, anos de abortos espontâneos nos primeiros meses, até que o milagre aconteceu.

— Sim. Eris. Desta parte sabemos bem, muito bem — afirmou a mais nova não muito impressionada com a história da outra. —Freya já não era uma moça e tinha consciência que talvez nunca mais poderia engravidar e, por isso, Werner fez de tudo para assegurar o poder da pequena filha como futura governante.

— Esse é o conhecimento geral, está nos livros de história de toda e qualquer criança de dez anos ou menos nos vastos territórios germânicos. O que ocorreu dentro daquelas paredes, porém, nunca foi contado fora delas — Úrsula ergue as sobrancelhas, desafiando a garota. — Luther, que também já era um homem feito na época, virou um monstro quando a sobrinha nasceu e todas as leis sucessorias foram modificadas. Antes disso, sem a primogenitura absoluta, ele poderia facilmente ascender ao trono depois da morte do irmão. Mas esse não era seu único problema. Sua esposa, Morgana não conseguia gerar herdeiros saudáveis assim como a cunhada, apesar de ser bem mais jovem que o marido. Em seis anos de casamento, ainda com seus 24 anos de idade, ela já tivera quatro abortos e dois filhos, meninos, natimortos. Helga nasceu poucos meses antes de Eris, mas apesar de ser forte e de ter saúde impecável, era uma menina. E o Príncipe mais novo sabia que com ela, os nobres mais conservadores nunca o apoiariam. Não restava outra maneira…

— Espere! Então você sabia sobre o golpe? Como? Por que não contou à Rainha? — Serena, indignada, se controlou para não gritar. — Isso poderia ter salvado a vida dela!

A visitante olhou nervosa para a anfitriã. Nenhuma palavra foi trocada entre elas, mas, após alguns minutos em silêncio, um acordo parecia ter sido feito. E, então, a de cabelos pintados inspirou fundo mais uma vez e recomeçou a falar.

— Eu já não era uma garotinha na época, sabia que tinha de me proteger também, apesar de gostar muito de Freya. Por muitos anos, talvez desde minha adolescência, fiz coisas horríveis para isso. A corte é traiçoeira, maldosa. Manter sua vida nela custa caro. E o meu custo foi meu próprio corpo — ela contou com o olhar distante, como se em algum ponto daquela simples casa passasse um filme. — Por mais que eu fosse filha de um Conde importante, meu lugar não estava garantido como dama de companhia. Qualquer coisa que acontecesse e me tirasse dali poderia significar minha ruína, já que eu não era casada. Na época, rondava pelos corredores do palácio os rumores que Luther procurava por amantes, já que não encontrava nenhuma boa esposa.Minha mente ainda em formação não conseguiu pensar em nada além disso. Então lá fui eu, com o corpo magro e inocente, seduzir aquele homem tão maldoso e ouvir também todas as suas mágoas.

— Você fazia parte do harém? — a siberiana tentava absorver tudo que lhe era contado, ficando mais confusa a cada palavra. — Elisabeth sempre diz que é horrível. Ele ainda permitia a nudez nessa época?

— Serena! Seja mais discreta! — advertiu Anastácia com um semblante sombrio.

— Eu só quero saber todos os detalhes da história — ela respondeu, olhando firmemente para a tcheca. — Você também fazia isso? Garantiu o seu lugar na corte e todos os seus segredos em algumas noites de amor?

De uma hora para a outra, os olhos sempre tão serenos dela ficaram nervosos. A boca não mais tinha seu habitual sorriso, pois os dentes mordiam os lábios com força. Por mais que essas mudanças de expressão fossem mínimas, a Duquesa de Omsk as percebia. Por anos fora treinada para traduzir a linguagem corporal, para notar qualquer mudança de comportamento e dizer quando alguém estava mentindo ou escondendo algo. Ela nunca pensara, porém, que usaria isso com a pessoa que sempre a amparara.

— Então Kornelia… — ela começou.

— Quem? — perguntou Úrsula, confusa.

— Eu fugi de lá grávida, um pouco antes de o golpe ocorrer. Tinha medo do que Luther poderia fazer com a criança, nunca ouvira falar de uma amante que concebera um filho — Ana explicou, encolhendo os ombros. — Não sei se você lembra, Úrsula, mas achamos que todos aqueles enjoos e desmaios eram algum tipo de doença ou só o cansaço. Eu sempre soube que não eram, mas tinha medo de contar a alguém. Por isso fingi que minha família estava me chamando de volta para a República Tcheca. Ninguém suspeitou.

Serena pensou um pouco. Ela só vira Kornelia uma vez, quase dez anos antes, quando ela tinha aproximadamente seis anos e a mãe trabalhava como babá no casarão em Omsk. Naquela época, ela parecia uma criança tão doce, amorosa e tranquila. Sempre quando permitido, ela estava ajudando e levando sorrisos a todos os lugares. A Duquesa se lembrava de seus cabelos castanhos claros voando pelos jardins, de seus olhos verdes acinzentados brilhando de alegria. Como ela poderia ser filha de alguém tão horrível quanto Luther?

— Se eu soubesse, poderia ter lhe ajudado. Talvez toda a história seria diferente, poderíamos ter achado um lugar seguro para sua menina juntas depois do golpe — afirmou a visitante, cruzando as mãos em frente a seu corpo, pronta para contar mais. — Assim como eu fiz com a pequena Eris durante aquela terrível noite. Quando percebi os gritos e toda a confusão que os guardas particulares de Luther estavam causando, corri até o quarto da Princesa, que dormia profundamente. Por sorte, ela era uma criança calma e estava bastante acostumada comigo, então não chorou em nenhum momento. Ainda de camisola, percorri todo o Palácio pelas passagens secretas, conseguindo, assim, chegar ao lado de fora.

— Então Eris realmente viveu escondida sua vida toda? — questionou a siberiana. — Nossas investigações estavam corretas?

— Sim. Com o dinheiro da venda do cordão de ouro típico dos Manteuffel dela e do meu, comprei passagens para o primeiro destino internacional da noite. Dinamarca — continuou ela. — Chegamos lá no dia seguinte, sem dinheiro algum e fomos acolhidas por uma igreja local. Durante todos os anos que vivi lá, abri mão do luxo que tinha na Germânia para garantir a segurança da Princesa para que, um dia, ela voltasse e tomasse seu lugar no Trono.

— Gostaria de estar fazendo mais afirmações do que perguntas nessa conversa, mas vocês duas não me deixam opções. As meninas e eu concordávamos que essa história era confusa, mas não tanto — Serena contraiu os lábios. — Como você ficou sabendo disso, Ana?

— Na mesma época que cuidei de Elisabeth, aproximadamente 9 anos depois do golpe — respondeu a outra, mas, percebendo que sua explicação não era suficiente para a jovem garota, prosseguiu. — Só depois desse tempo todo me senti pronta para voltar àquele local. Kornelia estava segura bem longe dali e eu estava disfarçada, Luther nunca me reconheceria. Algumas funcionárias da época do golpe ainda trabalhavam ali, inclusive uma babá de Eris. Você provavelmente não se lembra, mas ela estava acordada e vocês conversaram. Ela não soube me dizer para onde você levou a criança, mas sabia que tinha levado. Foi o suficiente para que eu descobrisse tudo mais tarde.

— Aquela mulher que Alicia foi visitar no interior da Dinamarca logo depois que as Selecionadas foram anunciadas…

— Lisa Foester — completou Úrsula — Sim. Era eu. Layla Sophie. O nome que eu sempre desejei dar a minha filha e, por tantos anos, ela realmente foi minha. Mas eu sabia que um dia alguém iria buscá-la, ainda mais com a ideia maluca de inscrevê-la na Seleção. Depois da visita daquela garota loira, comecei a me comunicar com Anastácia e, bom, aqui estou eu hoje.

A menina de cabelos negros ficou chocada. Todo aquele depoimento que acabara de ouvir — apesar de ter algumas partes inacreditáveis e que nunca poderiam ser supostas por nenhuma das espiãs — só provava que toda a investigação estava correta. Todas as tentativas que Aline fizera com as Selecionadas estavam corretas. Elas descobriram quem era a Princesa perdida, um mistério que rondara a Germânia por tanto tempo. E, por mais que a conversa que estava ocorrendo logo em sua frente fosse séria, ela não conseguia deixar de sorrir. Um sorriso de vitória, de orgulho e de objetivo cumprido.

— Agora sabemos que Eris era quem pensávamos. Vou mandar um recado hoje mesmo para Aline. Ela tem de ser rápida, pegar a menina antes que alguém outro o faça ou que a Família Real descubra — ela tentou soar racional, contendo toda e qualquer demonstração física de sua felicidade. —E sobre Helga?

— Nenhuma de nós duas lembra — Ana admitiu sem esconder a decepção por não ter conhecimento sobre uma parte tão importante de seu problema. — Eu a vi quando tinha 12 anos, o corpo não havia passado pela puberdade, ainda tinha a cara de criança. E Úrsula, bom, a conheceu quando era apenas um bebê.

— Mas se ela tem o mesmo gênio do pai e segue as ordens dele, teremos um problema, um problema bem grande — a visitante complementou, deixando até mesmo os docinhos tão deliciosos azedos por conta da tensão no ambiente.

E foi assim, naquela tarde ventosa em uma cidade aparentemente insignificante no sul da França, que os segredos mais profundos de um passado sombrio foram revelados e que, dessa forma, colocaram luz sobre os problemas do presente e do futuro.


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Notas finais do capítulo

SOCORRO, SOCORRO, SOCORRO
AGORA TÁ TUDO NA MESA.
TUDINHO MESMO
ERIS É LAYLA
MAS QUEM É HELGA?
DESCUBRAM NOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS!
(O próximo sai daqui duas semanas, no dia 16/03)
xoxo ♥ ACE



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