Rainha dos Corações escrita por Angie


Capítulo 62
Conversas Verdadeiras | Marzia e Laryssa


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!!! Hoje é quinta, hoje é dia de RDC!!!! Mais uma semana cumprindo o que disse. Quem está orgulhos@ de mim levanta a mão o o o o
Nossa, não acredito que estou conseguindo fazer isso. É muito amor por essa fanfic ♥ ♥ ♥ Agora estou tão animada que fico pensando na história quando to fazendo qualquer coisa. Por exemplo: fui pra casa dos meus avós e eles estavam olhando Reign, logo, olhei um pouco também. Voltando pra casa, tive de continuar acompanhando, sabem por quê? (Entre outros motivos, só não pelo fato de ser uma ficção histórica, porque nesse quesito é bem ruim) Porque a Rainha Catherine me lembra muito a Juliane! Nossa, ver aquela mulher me dá umas ideias muito boas, complementando ainda mais o final que tenho planejado pra RDC! Aiai, tenho que parar pra não contar spoiler!
Bom, vamos ao capítulo que é o primeiro de uma série de capítulos MUITO importantes pra história (e que me fazem ficar muito nervosa de tão importantes)
Espero que vocês gostem!
xoxo ♥ ACE



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Aquela era umas das manhãs mais tranquilas que Marzia já tivera no Palácio desde que chegara. Em todos os outros dias, ela tinha de comparecer a eventos logo depois de acordar, tendo de se vestir tão rápido que nem suas três criadas conseguiam acompanhar. Mas agora ela tinha o privilégio de poder sentir os raios de sol matinais tocando o seu rosto com leveza e fazendo com que seus olhos castanhos escuros se tornassem da cor do mel. Tinha o prazer de poder acordar naturalmente, sem a ajuda de despertadores, de escolher com calmas as roupas que usaria.  Era como se ela estivesse no auge de suas férias.

O único compromisso que ela teria naquele dia era se encontrar com sua equipe para começar o planejamento do discurso sobre a Guerra um pouco antes do almoço. O que não era problema — ou esforço — algum, já que os quartos de todas as meninas eram no mesmo corredor. E o de Mabelle, a anfitriã do dia, era não mais do que o vizinho de frente do de Marzia. Tudo que ela precisava fazer era colocar o primeiro vestido que visse, pegasse os materias para escrever as falas e saísse pela porta. Nem dez passos separavam as duas garotas.

— Bom, chamei vocês aqui porque acredito que devemos começar isso logo — disse Mabelle, assim que as duas outras meninas entraram em seus aposentos, guiando-as até um canto com uma pequena mesa, idêntico ao que existia no quarto de Marzia. — Poderemos ter os próximos, hm, 14 dias de folga se estivermos prontas.

— Ótima iniciativa, Belle. Eu já tinha pensando nisso, até fiz alguma anotações sobre  o assunto — afirmou a outra morena, sorrindo. — Não sei se já contei, mas sou filósofa, e também conheço vários citações de outros filósofos sobre a guerra, isso pode ajudar.

Ela, então, abriu um pequeno caderno repleto de colagens de diversos pensadores ou paisagens naturais da Dinamarca, tocando com muito cuidado cada página. Ela foi direto para a parte sobre a guerra, observando atentamente a maneira como suas mãos um dia desenharam aquelas tão belas palavras. A morena ao seu lado estava bastante animada com aquilo, lendo cada frase com muita atenção, mas a ruiva que sentava mais afastada e que nem sequer se pronunciara, parecia aerea. Seus olhos rodavam pela sala, parecendo mais preocupados com seus problemas internos, com seus devaneios, do que com o que acontecia a seu redor.

— E você, Laryssa? — questionou a anfitriã, percebendo o estado da companheira.

Ela, então, acordou de seu transe, balançando a cabeça de leve e finalmente encarando as outras meninas.

— Eu... — ela tentou formular uma frase, mas depois desistiu, encolhendo os ombros. — Desculpem-me, eu não pensei em nada. Minha cabeça está tão cheia de outras coisas que nem consigo pensar sobre isso.

Marzia pensou sobre todas as vezes que a Selecionada ruiva tivera de se retirar porque passava mal. Mesmo durante a festa de Henrik, ela não jantara com o resto das pessoas. A filósofa sempre ficava curiosa, mas não tinha intimidade o suficiente para perguntar o que ela tinha. Talvez fosse uma doença grave, sobre a qual ela não poderia falar, porque logo seria eliminada da competição. O que restava mesmo era a curiosidade ao olhar para a menina. E, Marzia pôde perceber, Mabelle também fazia isso.

— Você quer nos contar o que está acontecendo? — perguntou a garota, colocando suas mãos em cima das da ruiva. — Não quero soar intrometida nem nada, mas todas nós percebemos o quanto você passa mal desde que chegamos aqui no Palácio. Não sei das outras, mas eu me preocupo com você.

— Todas nós nos preocupamos, acho — concordou a outra. — As situações vividas nesse lugar nos juntaram de certa maneira.

— Eu agradeço a preocupação de vocês, mas não posso contar. É algo que poderia me tirar da competição, ou pior, fazer com que a Dinamarca toda me odeie — ela parecia estar transtornada, tentando esconder a face assustada por trás de seus longos cabelos. — Vocês não acham melhor continuarmos com o planejamento do discurso? Eu posso ser eliminada a qualquer momento, ou até pedir para me retirar como Maeli, mas não quero que vocês tenham esse destino, vocês merecem estar aqui…

— Bom, acho que não tem sentido nenhum fazermos nossa tarefa se você tem tanta convicção que irá embora — Belle falou com um pequeno sorriso encorajador. —Primeiro temos de convencer você, qualquer que seja seu problema, a ficar. Não é mesmo, Marzia?

— Com certeza — a companheira respondeu, posicionando uma de suas mãos nas costas da ruiva. —De que adianta fazermos um ótimo trabalho se uma de nós sairá perdendo?

Laryssa se encolheu, fechando os olhos ao tentar se esconder de tudo e de todos. Seus músculos todos ficaram tensos e a respiração, pesada. Provavelmente o fato que a fizera ficar assim era muito sério. Algo que a fazia se desesperar, chorar e até perder todo o controle sobre seu corpo. Marzia sabia que sua colega estava traumatizada, que sua cabeça estava confusa e, principalmente, que ela não sabia se poderia confiar nas duas garotas ao seu lado. E elas, com certeza, não deveriam estar pressionando-a daquela maneira.

— Olha, nós não queremos forçar você a nada. Se você quiser ir, tudo bem — a Selecionada disse enquanto Mabelle a fuzilava com o olhar. — Mas saiba que estamos aqui para o que você precisar. Já passou aquela época de rivalidade da competição, não é mesmo? Não há motivos para não confiar em nós.

— Obrigada pelo apoio — a de cabelos cor de fogo disse, tentando finalmente olhar para as outras. — Obrigada mesmo…

Um silêncio constrangedor tomou conta do cômodo. Nem Marzia nem Mabelle tinham coragem de dizer algo a mais. Teriam de esperar até que Laryssa se sentisse pronta — ou não — para compartilhar seus segredos. Seus olhos, fixos em um dos móveis do quarto, brilhavam com a luz da manhã, mas não tinham nenhuma felicidade ou expressão. Sua boca rosada e perfeita tinha os cantos virados para baixo e estavam fechados como se estivessem costurados. Alguns minutos depois, porém, eles se abriram, com toda a coragem que alguém numa situação daquelas poderia ter.

— Eu tive uma experiência muito traumática aproximadamente três meses atrás. Passei esse tempo todo antes de vir para cá em terapia, tentando superar o ocorrido — ela respirou fundo, tentando não perder o controle.  — Pensei que minha vida poderia recomeçar aqui no Palácio, mas, quando cheguei aqui, percebi que isso não será possível. Não tenho condições psicológicas para carregar o fardo de ser uma futura Rainha.

Marzia desconfiou que ela estava omitindo algo, percebendo o jeito pausado que falava e a forma cuidadosa com a qual escolhia cada palavra, mas resolveu não comentar.

— Mas você se saiu muito bem até agora. Sua entrevista, por exemplo, foi encantadora, e o próprio Príncipe impediu que você fosse eliminada —  Mabelle afirmou, afagando os dedos da outra menina. — Isso deve significar algo, não deve?

De fato, o Príncipe tinha uma afeição especial por aquela Selecionada, mesmo que em gestos sutis. Marzia lembrou-se do abraço que os dois compartilharam, da preocupação dele nas vezes em que ela passava mal e também da forma como ele a olhara quando seu nome foi chamado entre as eliminadas da prova anterior. Nenhuma outra garota recebia tanta atenção assim. Todas eram tratadas como meras hóspedes, não pretendentes ou futuras Princesas, naquele Palácio. Mas Laryssa não. Com certeza, esse era um dos motivos de seu desespero. Ela não queria decepcionar Alexander, desejava ser para ele uma noiva perfeita. Isso não deixava a dúvida que ela também sentia algo por ele. E Marzia não deixaria que um amor em formação como aquele fosse terminado de forma tão drástica.

— Falando no nosso querido provável futuro marido, tive uma ideia. Ele pareceu bastante compreensivo sobre sua situação, com todo o mal estar que você tinha e tal. Nunca o vi demonstrando muitos sentimentos, mas sei que ele se importa muito conosco — ela disse, tentando ao máximo colocar toda a sua empolgação na voz para inspirar a concorrente. —Talvez se você fosse conversar sobre o assunto, ele pudesse lhe ajudar de alguma maneira. Não sei se isso daria certo, mas é uma ideia…

— Ou ele pode eliminá-la assim que ela revelar, por ser, tecnicamente, inapta… — acrescentou Mabelle, baixo, mas mesmo assim sendo ouvida pelas outras.

— Isso é coisa da Rainha, e Alexander parece muito mais doce que a mãe. Vi-o esses dias com a irmã mais nova, que também não é a Princesa perfeita por conta de sua doença. Ele provavelmente vai tomar alguma providência — continuou, sorrindo e tentando ignorar o comentário da colega, que obviamente não o fizera por mal. — Além do mais, ficar aqui é muito melhor para você do que voltar para sua cidade natal.

Laryssa pensou um pouco, desvinculando suas mãos das da outra Selecionada para massagear um pouco sua nuca. Ela se esforçava para diminuir a tensão de seus músculos, a fim de conseguir tomar uma decisão racional. Tarefa que — levando em conta o estado de espírito dela —, Marzia sabia que não era fácil.

— Você está certa. Vou precisar de muita coragem, mas vou tentar — ela disse depois de um tempo, finalmente sorrindo, não de forma verdadeira, como era possível perceber, mas pelo menos toda a seriedade contida em seu corpo partira.

— Que bom! Se você precisar de qualquer coisa, é só me chamar, sempre estarei aqui, certo? — Mabelle disse, abraçando-a, feliz por arrancar um sorriso dela. —Agora sim podemos continuar nosso trabalho.

As três Selecionadas começaram novamente com o processo de criar seu tão importante discurso sobre a Guerra. Frases dos mais renomados pensadores e pensamentos delas próprias foram usados, o que tomou muito tempo da manhã. Apesar de estar tentando se concentrar na tarefa, Marzia não conseguia parar de  observar expressão de Laryssa. Ela tinha escondido algo, uma parte importante de sua história traumática. E talvez nem falasse a verdade sobre conversar com o Príncipe. Provavelmente, com todos os seus problemas, ela não estava mais se importando para a Seleção, apenas para como sairia dali com dignidade. Por mais que quisesse descobrir tudo, a filósofa sabia que aquilo não era da conta dela e que ela deveria deixar que a concorrente resolvesse seus conflitos internos sem a intervenção de outrem.  Ela, então, apenas continuou trabalhando, pois ainda se importava com seu lugar na competição e não poderia deixar, de nenhuma maneira, que fosse eliminada pela fraqueza das outras.

***

Laryssa andava de um lado para o outro em seu luxuoso quarto no Palácio de Amalienborg. Do lado de fora, a lua e as estrelas brilhavam, quase que conseguindo sobrepor a fraca luz das lâmpadas do cômodo. Era uma noite tranquila, não se ouvia nenhuma voz ou coisa parecida dos quartos vizinhos, apenas a paz entrava pelas janelas com o vento. Os cabelos ruivos da menina pareciam mais vívidos enquanto balançavam em suas costas cobertas apenas por um fino vestido de cetim branco. Se sua expressão séria fosse desconsiderada, aquela cena poderia ser entendida apenas como um momento de tranquilidade noturna, mais um dos tantos daquelas duas semanas de folga das Selecionadas. Mas não era.

As sobrancelhas finas e vermelhas da jovem se franziam em preocupação. Seus grandes olhos azuis reluziam a insegurança. Em breve, receberia uma visita que poderia mudar todos os rumos da sua história. Não sabia se estava pronta para fazer aquilo, mas as conversas que tivera anteriormente a inspiraram. Saphira alguns dias antes com toda a sua esperança e a dando forças para aguentar tudo o que uma gravidez traria. Mabelle e Marzia algumas horas antes, sendo amigas sinceras como ela nunca pensaria ter na Seleção, a incentivando a revelar sua condição — mesmo sem saber a verdade sobre ela — de uma forma tão doce. Ela não sabia o que poderia acontecer nos minutos seguintes, mas pelo menos teria a certeza de que, se tudo desse errado, ela teria um ombro para chorar, um braço amigo que a apoiaria em todos os problemas posteriores.

— Você já está me dando muito trabalho, coisinha — ela passou a mão por sua barriga, que agora já tinha uma saliência notável, sentindo sob sua pele a presença da pequena criatura que ali se desenvolvia.

Ela pensou em todos os problemas que tivera até o momento e nos que provavelmente teria por conta daquela vida. Toda a crítica, toda a vergonha que sua família teria. Mas ela não via nenhuma outra solução para aquilo a não ser fazer o que estava prestes a fazer. É claro, já ouvira falar das técnicas de aborto, visto que vinha de uma família de médicos, mas simplesmente não conseguia pensar nesse destino para ela e seu filho ou filha. Mesmo sendo tão indesejada e gerada por um evento que aterrorizaria a menina pelo resto de sua vida, aquela criança já era profundamente amada. Lary sempre tivera o sonho de ser mãe, de construir uma família, mas não daquela maneira, não naquele momento — apenas alguns meses depois de completar seus 16 anos. Ela era muito jovem, mas seu coração era grande. Não poderia simplesmente tirar o bebê de si. Não poderia arrancar chance de algo tão inocente de ver o mundo. Eles — ela e o pequeno feto — estavam juntos em toda essa confusão. E era por isso que ela estava ali, esperando para ter a segunda conversa mais tensa de toda a sua vida.

Demoraram alguns minutos para que a porta fosse finalmente aberta, fazendo com que todo o corpo de Laryssa estremecesse com seu ranger. Uma de suas criadas, Olivia, que estava sentada em um outro canto do quarto apenas observando, levantou-se, indo rapidamente para a entrada. Antes de continuar, ela olhou para a ama, aguardando sua aprovação. A jovem Selecionada não conseguia confiar nas pessoas do Palácio — tirando Ophelia, Alicia e Isabella, que não a deram outra opção —, vivia escondendo o que tinha de tudo e de todos. Mas, em um dos seus momentos de desespero noturno, quando as lágrimas eram incontroláveis ao lembrar aquela cena horrível, ele não teve escolha. Oli fora mais compreensível do que ela esperava e era por isso que agora, ela esticava seus braços cobertos por uma manta roxa até a maçaneta, e a sua mão suavemente ajudava a mover a grande peça de madeira.

Os instantes que sucederam essa ação pareceram infinitos para a jovem dinamarquesa. Todo o medo tomava conta de seu corpo. Não sabia mais se realmente queria fazer aquilo. Mas não havia mais volta. Alexander finalmente apareceu quando a servente sumiu por uma das passagens secretas, deixando os dois sozinhos no quarto.

 A expressão dele era como de a quem acabara de ser chamado para um simples encontro no quarto de uma Selecionada. Seus cabelos estavam arrumados como sempre e sua camisa azul pastel, engomada. Ele tinha suas mãos compridas nos bolsos, como que, no meio de toda aquela aura principal dele, existisse um fio de nervosismo por estar ali. Isso, entretanto, não o impediu de dar um sorriso fraco —mas sincero —para a criada, agradecendo a gentileza, e logo ir até onde Laryssa estava. A cada passo dele, ela se encolhia. Não sabia o que falar. Não sabia como começar aquela conversa. Não sabia no que aquele sorriso sereno que ele trazia se tornaria. À medida que a distância diminuía, aumentavam suas incertezas.

— Então... — o rapaz começou, quebrando o silêncio que se formara entre eles por alguns segundos. — Você me chamou aqui para conversar? Ou...?

— Sim — ela respondeu, balançando a cabeça para acordar do transe e apontando para a cadeira ao lado da mesa no canto do quarto. — Sente-se, Alteza.

Ele se acomodou de forma elegante, pronto para ter uma conversa suave com sua pretendente. Laryssa sentiu pena dele. Realmente gostaria de ter o chamado por um motivo bobo ou por apenas querer seduzi-lo. Queria ter assuntos comuns como suas companheiras. Não desejava estar naquela situação, mas infelizmente estava, e nada poderia ser feito. Ela teria de ser forte e cumprir a promessa que fizera a si mesma naquela manhã.

— Eu não sei como lhe contar isso — ela disse, de pé, dando um suspiro e fechando os olhos antes de continuar. — Já vou avisando que não é nada que o senhor possa imaginar, nem que eu gostaria de estar contando... Então, se não quiser ouvir, pode ir. Eu irei entender.

— Você pode me dizer qualquer coisa, não se preocupe — ele se inclinou um pouco para conseguir pegar as mãos da menina, envolvendo-as afetuosamente. — Como Príncipe Herdeiro, já tive de aguentar notícias e histórias horríveis, ainda mais nessa época de guerra.

Ela riu fraco, mas logo voltou à expressão séria. Agora ela teria de explicar tudo, jorrar todas aquelas informações de uma vez só nele. O que restava a ela era esperar que ele reagisse bem. Ela respirou fundo, pronta para começar sua história, mas então as lembranças voltaram a sua mente. 

 O rosto daquele homem, com seus grandes olhos castanhos a desejando seu corpo como nunca, estava novamente a sua frente. Suas mãos ásperas tocavam seus braços lisos com toda a vontade. Ela sabia que ele não estava em sua frente e que aquela cena ocorrera meses antes, mas isso não evitava os sentimentos. Era como se tudo estivesse ocorrendo novamente. Ele tirando sua pureza enquanto ela não sabia como reagir, apenas gritar sem ser ouvida. Como naquele dia, sua respiração ficou acelerada de pânico, seu coração batia descompassado e seus olhos se encheram de lágrimas. Alexander, diferente do vizinho, tentou se aproximar dela com cuidado, sem toda a brutalidade que fora utilizada quando ela fora violentada. Mas, mesmo assim, ela se encolheu, evitando qualquer tipo de toque. Ela abraçou seu próprio corpo ainda tão pequeno e há recém saído da infância, como se pudesse se proteger de todo o mal que, agora, vinha de dentro dela, não de um agente externo.

— Por favor, tente entender — ela implorou, e meio aos soluços e de olhos fechados, enquanto um choro agonizante deslizava por suas bochechas. — Eu não consigo explicar nesse momento... Não estou pronta...  Mas não quero fazer que sua visita seja em vão... Acontece que, quando falo isso, minhas palavras não se referem apenas a mim, há outro alguém que depende delas.

— Como assim? — questionou ele, novamente sentado, tentando entender, mas sem ter nenhuma reação ao estado tão vulnerável da menina. — Há alguém doente em sua família?

— Há uma criança dentro de mim, Alexander — ela disse com certa dor na voz e sem coragem de encará-lo para ver sua resposta física à revelação. — Uma vida, de forma inesperada, está se desenvolvendo em meu ventre.

Ela colocou as mãos na pequena saliência de sua barriga, afastando aquele pequeno feto de todas as lembranças que a assombravam. Ele não tinha culpa do passado da mãe e não poderia viver com toda a tristeza que a rondava. E também não merecia a ira do rapaz que estava bem em sua frente. Ele era apenas uma criatura inocente que nem sequer tinha a capacidade de se defender. Tudo poderia acontecer com Laryssa — humilhação, vergonha ou isolamento —, mas ela tinha certeza de que faria tudo para que sua criança não sentisse nada disso.

— Há algum tempo, fui cruelmente violentada por um homem, que se aproveitou de toda a minha inocência. Esse único ato foi suficiente para que um filho fosse formado — ela tentou explicar o mais rápido possível a fim de que a imagem do agressor não mais voltasse a sua mente. — Creio que eu não precise dar mais detalhes para que o senhor entenda...

— Como você entrou na competição sabendo de tudo isso? — questionou ele com uma indignação na voz que ela pensou que nunca ouviria vindo de alguém tão sereno. — Não suspeitaram nada no exame de saúde?

Ela fez que não com a cabeça e deu um longo suspiro. Com certeza, ele não aceitaria a condição dela e a mandaria para bem longe de uma forma horrível. Todo o arrependimento por ter visto como única opção contar tudo para ele subia por sua garganta, quase a impedindo de continuar. Mas, então, ela retomou a coragem novamente. Agora que começara, teria de terminar.

— Eu não sabia de nada na época em que me inscrevi. Passei quase dois meses em meu quarto, sendo visitada por um psiquiatra e tomando remédios. Meu pai e minha madrinha, como médicos, tomaram cuidado, é claro, e me deram toda a medicação para prevenir isso tudo, mas, como dizem, esses métodos nem sempre são eficazes — ela respondeu, lembrando-se de todo o apoio que a família a dera durante aquele período conturbado e o quanto eles, principalmente a mãe, queriam que ela conseguisse voltar a ser a garota alegre e encantadora de antes.  — Descobri apenas quando cheguei ao Palácio. Foi Ophelia quem me examinou no primeiro dia e, bom... Ajudou-me a desvendar tudo.

Quando o nome da babá de Saphira foi citado, o Príncipe se retraiu. Ele curvou, mesmo que de forma quase imperceptível, a coluna para frente, desfazendo toda a postura de indignação dos segundos anteriores. Laryssa tinha quase a certeza de que algo ocorrera —ou ainda ocorria — entre os dois.  Com toda a preocupação da criada com a Selecionada com a existência da pequena Esmeralda, era impossível não desconfiar de algo. Mas, bem, isso não era da conta dela.

— Ophelia... Alguém mais sabe disso? — perguntou ele.

— Isabella e Alicia. Elas pareciam ter um tipo de acordo e, inclusive, me ofereceram um emprego no Reino Ibérico — ela respondeu rapidamente, sem nem pensar nas consequências. — Eu posso pedir para ser eliminada ou qualquer coisa do tipo e ir para lá. Mas pensei que seria melhor que você soubesse meus motivos, como sabia os de Maeli.

Ele ficou em silêncio, apenas refletindo sobre as informações. Lary ficou ainda mais tensa. Ela não poderia prever qual seria a próxima reação. Mas era compreensível, já que ele acabara de descobrir que a própria irmã e a melhor amiga tinham acobertado algo que o deixava — pelo menos aparentemente — muito irritado.

— Olha, eu sei que você deve estar em choque. Suas Selecionadas tinham de ser meninas honradas, puras. E eu me desculpo por não ser assim, por mais que quisesse. Mas essa criança é... — ela suspirou e fechou os olhos, tentando afastar de sua mente as lembranças. — Filha de um criminoso, de um sujeito sem coração. Todas as noites eu sonho com o que ele fez comigo. Por isso não posso voltar a Odense, não me sinto segura lá. Quero que meu filho ou filha tenha uma vida tranquila, boa, sem esse pai que pode fazer tão mal a ela. Também não posso deixar que minha família se envergonhe por minha causa. Minha única opção é deixar o país, fugir, fazer com que todos pensem que eu estou melhor em território estrangeiro. Então eu peço, que, por favor, me ajude. É minha única chance de sair disso sem me machucar ou machucar outro alguém.

O silêncio tomou conta do recinto mais uma vez, fazendo com que os músculos de Laryssa se contraíssem. Ele provavelmente não aceitaria a proposta e contaria tudo para seus pais. Ela sairia daquele local da maneira mais humilhante possível, como uma traidora da sociedade. Não seria mais aceita pela família ou por nenhuma outra pessoa, não poderia nem arranjar um emprego para sustentar sua criança. Mas, mesmo assim, ela passou a mão por sua barriga e sussurrou que tudo ficaria bem. E como ela queria acreditar nisso.

— Não. Não posso fazer isso— ela ficou nervosa tensa e olha para o chão, quase chorando com as palavras dele. — Seu lugar não é nas terras ibéricas, é aqui, na Dinamarca. Eu nunca deixaria nada acontecer a você. Eu sei que não tenho poder nenhum, apenas um título que me faz parecer poderoso, não posso garantir que minha mãe não irá surtar quando ficar sabendo, vai querer a ver longe daqui ou qualquer coisa do tipo. Mas posso dizer que eu vou protegê-la. Você e sua criança estão seguras aqui. 

O rapaz, então, se levantou também, ficando de frente para a garota. Com lágrimas nos olhos, ela não conseguiu conter a emoção e envolveu os ombros dele em um abraço. Ele retribuiu o gesto, colocando suas mãos nas costas dela de maneira carinhosa. Depois de algum tempo, ela afastou um pouco a cabeça, ficando cara a cara com ele e, dessa forma, podendo observar todas as suas feições de uma forma ainda não conhecida. Ele também a encarou, e eles ficaram assim por algum tempo. Laryssa tinha sensações estranhas ao ficar assim com um garoto. Mas não ruins como aquelas que seu vizinho a fizera sentir meses antes. Eram boas, como se seu corpo inteiro reagisse à proximidade, como se quisesse ou até devesse estar ali. Então, em um impulso, ela colou os lábios dos dois, começando um beijo suave, com uma ternura inexplicável. Assim, pela primeira vez desde o trauma, ela se sentia plena.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Mabelle e Marzia apoiando a Laryssa? E temos um novo ship na área?
Só para deixar bem claro, eu sou a favor da legalização do aborto ( no caso de estupro, como Laryssa, já é permitido), pois penso que isso evitaria a morte de muitas mulheres, já que tornaria o procedimento mais seguro por não ser clandestino. Eu, particularmente, não teria coragem de abortar, mas isso é decisão de cada uma, dependo de muitos fatores da vida. Como Laryssa é toda maternal e ama crianças, pensei que ela também não conseguiria abortar seu filho ou filha. Só para vocês não pensarem que, por meio da narrativa, eu esteja tentando dizer o que é certo e errado, pois não tenho direito de definir isso. Estou apenas colocando a interpretação da personagem em relação ao assunto. Essa é uma questão muito delicada, na verdade, todo o caso da Lary é. Às vezes tenho até medo de escrever sobre isso, medo de não ser entendida da maneira que quero. Mas, bom, estou tentando e espero que tod@s consigam fazer suas reflexões da forma que acharem corretos.
Provavelmente serei cortada se escrever mais, então vou parar por aqui. Nos falamos no próximo capítulo, que sai dia 02/03 e nos comentários!
Até lá!
xoxo ♥ ACE



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