O Pássaro do Gelo escrita por MaNa


Capítulo 6
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

A internet não colaborou, mas ele está ai! Boa leitura.



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Capítulo 5

No dia seguinte, Camila e Safira voltaram à escola com a redação feita e a discussão das Damas na cabeça. Elas queriam saber o resto da história o mais rápido possível e o dia tinha horas demais.

Safira trazia também outro sentimento além da empolgação: revolta. Não poderia acompanhar o desenrolar da trama como Camila faria, pois a mãe da amiga só continuava sua narrativa à noite, quando ela já não poderia estar junto.

— Camila, você tem de convencê-la a escrever. Estou falando sério.

— Não dá! Você sabe que ela desistiu da carreira de escritora há muito tempo.

— Também sei que pessoas mudam de opinião quando outras pessoas as ajudam a entender que estão erradas!

— Ah, tenta convencer minha mãe de qualquer coisa.

— Você podia ao menos tentar... —  Safira a encarou decepcionada, seguindo logo em seguida para a sala porque a professora já estava no recinto e prestes a iniciar as aulas.

Naquela noite, Camila esperou sua mãe chegar do trabalho, jantou, contou do seu dia extremamente normal e, no momento em que foram deitar para seguirem com mais um capítulo, a menina pediu:

— Mãe, por que a senhora não escreve essa história?

A mais velha a olhou surpresa.

— Porque eu não escrevo, Camila. Apenas artigos para o trabalho, você sabe.

— Mas a história é boa. Sério. Você deveria escrever...

— Foi a sua avó quem me contou, Camila. E eu tenho quase certeza de que tudo de fato ocorreu, ela sempre jurou que foi num esquecido pela humanidade.

Camila revirou os olhos.

— Mãe, pode ser que a vovó tenha lhe contado uma lenda... Vovó detestava contar histórias. Eu tenho certeza de que boa parte do que a senhora me conta sai da sua cabeça.

— E de mitos que pesquiso durante o dia quando não estou trabalhando. Camila, não vou escrever. Ponto. Aceite.

— Mas seria perfeito! Pensa, eu poderia inventar o título, poderia divulgar para minhas amigas, na escola! —  A menina começou a se empolgar — Safira adorou o que a senhora contou e...

— Camila, chega. Se insistir nisso juro que paro agora. Você sabe, eu não quero mais escrever histórias. Elas estão mortas para mim.

— Mãe...

— Chega, já disse! Quer escutar o resto ou não?

A menina calou-se e fitou os lençóis frustrada. Sabia que não adiantaria insistir.

— Vamos, anime-se, vou contar mais uma parte hoje.

— Está bem.

(...)

Mayta cresceu cercada por olhos desconfiados. Ninguém a queria por perto, na verdade procuravam sempre estar o mais distante possível. Certa noite flagrou seus pais cochichando na cozinha sobre como teriam de ficar vigiando-a, pois, naquele mesmo dia, a menina estivera brincando em baixo de uma árvore, cantando uma música que aprendera com a anciã na Vila (a única moradora, tirando seus pais e seu primo Vougan, que parecia gostar dela) uma melodia linda, mas tão linda, que fizera todos os pássaros próximos pousarem e ficarem escutando silenciosos. Ela tinha cinco anos, mas jamais esquecera o olhar de sua mãe aquela noite. Um olhar preocupado.

— Esse dom não aparece há anos... encantar animais, Marlon!

— Eu sei, eu sei. Mas tenha paciência...

— Ela já é tão diferente, as crianças não brincam com nossa menina. Elas a repelem como se tivesse uma doença contagiosa, e eu tenho certeza de que isso é influência dos pais! Eu já os vi orientarem os pequenos a ficarem longe. Mayta é tão sozinha... O que podemos fazer?

Marlon apenas abraçou a mulher.

De fato, Mayta não tinha muitos amigos. Na verdade, quase nenhum. Apenas Vougan: o querido e insuportável Vougan!

— Então, Pássaro do Gelo, o que faremos hoje? —  O garoto a olhou de forma sapeca. Estavam ambos com seus dez anos de idade e o menino continuava a ser o melhor e o pior amigo de Mayta. Só tinha ele, afinal...

— Já disse para não me chamar assim. —  A garota resmungou e os olhos vermelhos do pequeno queimaram. Estavam caminhando pela Vila, observando tudo ao seu redor: as flores que tinham acabado de desabrochar, algumas crianças brincando de pega-pega e adultos de olho nas crianças.

A maior parte dos pássaros saíra para caçar e coletar alimentos, viviam do que a natureza dava de forma espontânea. Os que ficaram estavam em sua forma humana numa pequena clareira próxima, ensinando aos garotos e garotas mais velhos como lutar.

Lanças e punhais eram os principais instrumentos de guerra. Flechas não eram permitidas (tinham repulsa, pois era uma arma muito usada para caçar a sua espécie quando estavam transformados em pássaros) e nenhuma espada. Por alguma razão cultural, cuja origem fora esquecida, as fênix odiavam esse tipo de lâmina.

Quando os jovens não estavam manejando armas ficavam em uma casa grande, montada em uma árvore relativamente alta, aprendendo a controlar os poderes. Os mais novos recebiam tanto aulas de voo quanto teóricas sobre a história e cultura do seu povo. Também tinham lições de filosofia e matemática. Talvez herança de seus antepassados.

As crianças mais novas apenas brincavam, em sua maioria a pé já que ainda não sabiam ou estavam em processo para aprender a voar. Aquele ritual repetia-se uma vez ao dia. Quando as aulas acabavam, todos voltavam a seus afazeres normais. Homens e mulheres dividiam os deveres pessoais (tarefas domesticas) e, quando chegava ao fim da tarde, o grupo que saiu para caçar retornava e a comida era repartida entre as famílias da Vila.

Naquela tarde, o primo havia fugido da aula de filosofia para conversar com Mayta. A menina não ia à escola. As fênix recusavam-se a dar aulas a ela e, durante o curto período em que permitiram a presença da pequena, essa foi destratada pelas outras crianças. Excluída.

Alana então procurou Aryana, a anciã da Vila, e ela concordou em ser a professora particular de Mayta. Só não daria instruções de luta a menina. Todos temiam que a garota fizesse algum mal caso aprendesse a se defender.

O que não sabiam era que Vougan ensinava tudo que aprendia em segredo para a prima.

— Não sei porque não gosta do apelido que lhe dei. Eu já disse, eu a vi congelar aquela árvore quando estava com raiva. Eu vi!

— E daí? Todos sabiam que eu faria isso algum dia...

— Pois é, Pássaro do Gelo, você foi muito legal não congelando aquele menino chato. Eu mesmo quase tentei esganá-lo quando ele falou aquelas coisas de você. Muito legal mesmo ter descontado na árvore e não no idiota.

— Pare de me chamar assim! Fênix são pássaros de fogo, não do gelo, e eu sou uma fênix. — A menina baixou os olhos verdes azulados. Tentava esconder o ressentimento que tinha. Odiava ser daquele jeito. Queria ser ruiva, queimar as coisas quando tinha raiva, ter olhos vermelhos incríveis como os de sua mãe... não ter aquele cabelo preto. Não se transformar em um pássaro negro.

— E, no entanto, você congela as coisas e prefere a noite ao dia, a lua ao sol e é pálida. Nenhum traço moreno, nem sequer bronzeia...

— Está tentando me humilhar Vougan?

—  E é linda. A segunda fênix mais bonita que já vi.

— Segunda?

O garoto pareceu envergonhar-se. Baixou o rosto deixando a franja escura cair em seus olhos. Era um menino magrelo, com olhos vermelhos vivos e o sorriso mais branco da vila. Bonito e desengonçado, naquele momento parecia bastante constrangido.

— Não enche, Pássaro do Gelo.

A menina sorriu.

— Quem é a garota...?

— Não é da sua conta.

O sorriso de Mayta sumiu aos poucos.

— Entendo porque não quer me contar. Você não pode ficar com outra menina que não Elvira.

O garoto deu uma risada sarcástica.

— Só porque devo casar com ela, não quer dizer que não posso achar outras meninas bonitas.

Aos oito anos o menino descobriu que não fora criado para ser irmão de Elvira e sim para desposá-la. Almira contara ao pequeno que o casamento entre seus dois filhos já estava determinado. Não possuíam parentesco de sangue e uma união entre os dois manteria a linhagem da família real pura. Elvira poderia ser adotada, mas seus filhos teriam o sangue da realeza por causa de Vougan.

— Você quer casar com ela Vougan? — Os olhos verdes fitavam os vermelhos do garoto de forma curiosa.

— Não quero ser forçado a isso, — respondeu cabisbaixo —  sinto falta de casa.

O menino tivera que mudar-se há dois anos para a casa da tia Alana, onde moraria longe da irmã e assim não criaria vínculos fraternais com a mesma. Almira e Breno decidiram isso com bastante dor no coração, porém precisavam criar a menina para ser rainha. Além do mais, poderiam ver Vougan sempre que quisessem.

Ele e a prima já eram amigos desde pequenininho quando Vougan fora o único a se oferecer para brincar com a garota. Mesmo Almira não gostando muito desse contato do filho com Mayta, permitiu a amizade por Alana. Agora os dois eram melhores amigos.

— Ei, anime-se! Vem, vamos conversar sobre um assunt... —  A menina sem querer esbarrou em outra e ambas caíram de bunda no chão. Quando abriu os olhos percebeu que estava encrencada.

— Mas o que...? — Elvira olhou para a prima com certo rancor. — Ah, tinha de ser você.

— Desculpa Elvira, foi sem querer...

— Chega de desculpas. Olhe o que fez! — Apontou para o cotovelo — Ralei meu braço por sua culpa, aberração de cabelos de carvão!

— Não fale assim com ela, Elvira!

— Cale a boca, Vougan! Não quero brigar com você. E o que está fazendo aqui fora? Deveria estar em aula, não?

— Faço a mesma pergunta!

— Saí porque mamãe mandou me chamar. E você ainda não me respondeu.

— Não é da sua conta. —  Ele a olhou com raiva.

— Deixe-o em paz Elvira! — Mayta se levantou furiosa.

— Ah, vai bancar a valente agora, praga? Pois é isso que você é, sabia? Uma praga. Uma maldição!

Nesse momento um grupo de meninos e meninas apareceu (provavelmente fugidos da aula) e ficaram parados. Inicialmente apenas assistiam à confusão, porém, não demorou muito até resolveram agir. Chegaram por trás de Mayta e a empurraram gritando viciosamente a mesma palavra, "praga". 

Estavam, provavelmente, tentando ganhar pontos com a futura rainha. As pessoas tendiam a bajular Elvira ou evitá-la. No primeiro caso porque assumiria o trono, no segundo por terem medo.

Vougan mandava os meninos pararem, mas eles não escutavam e começaram a chutar Mayta que tentava desesperadamente não chorar.

Contudo, se tentavam agradar a Elvira, tiveram uma pequena surpresa.

— Parem, parem agora mesmo! —  A futura rainha ordenou e todos estancaram no mesmo segundo. — Quem vocês pensam que são? Nunca mais encostem em um fio de cabelo da minha prima ou juro que eu mesma vou espancar um por um! — Respirou fundo —  Seus imbecis, saiam da minha frente.

O grupo se dispersou constrangido. Além de realeza, Elvira era de longe a melhor guerreira em treinamento, ninguém queria confusão com ela. O único que se arriscava, e ganhava, às vezes era Vougan.

O menino ajudou a prima a se levantar e ambos fitaram, espantados, a garota dos longos cabelos vermelhos, pele dourada e pequenas sardas espalhadas nas maçãs do rosto e nos ombros, que nesse momento destacavam o  sorrisinho esnobe, com uma pequena falha entre os dois dentes da frente. Elvira apenas deu as costas aos dois e saiu andando com o nariz empinado.

— Espere! —  Mayta a chamou.

A futura Rainha estancou e encarou a prima.

— Por que me ajudou? Você sempre me odiou...

—Sem ilusões, Mayta. Não espere amizade de minha parte, aberraçãozinha! Ainda a odeio. —  Cruzou os braços, em uma posição de desconforto. — Mas, sabe como é. Família vem primeiro. —  Deu de ombros, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, e seguiu seu caminho sem falar mais nada.  


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam?



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