O Pássaro do Gelo escrita por MaNa


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem!



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Capítulo 4

— Vamos dormir.

— Não! — As duas garotas pediram.

— Mas, meninas...

— Só mais um pouco, mãe!

— É tia. Por favor...

A mulher suspirou, cedendo.

— Está bem, está bem. Nunca vi duas garotas da idade de vocês agindo como meninas de oito anos! – Sorriu — Mas posso contar só mais um pouquinho.

(...)

Almira seguiu voando ao lado de seu marido até a maior árvore da Vila. Lá, nos galhos mais altos e fortes, fôra construído o grande salão.

O espaço, maior do que a maioria das casas, era de apenas um cômodo, composto por uma grande mesa retangular e cadeiras de madeira acolchoadas. A maior se encontrava na cabeceira, com detalhes em dourado e vermelho, e era destinada a rainha.

Ela adentrou no recinto com um certo receio, sentimento que só aumentou ao perceber todos os assentos preenchidos.

As vinte mulheres fitavam Almira com um misto de respeito e decepção. Todas levantaram de seus lugares acenando com as cabeças de forma cordial. A mulher apertou a mão de Breno procurando um consolo, forças talvez. Logo em seguida, no entanto, a largou e foi em direção ao trono. O consorte pôs-se ao seu lado, em pé, mantendo-se como um apoio, uma fortaleza ao lado de sua rainha.

— É verdade o que ouvimos?

— A fênix negra nasceu? — Duas começaram a falar. Eram senhoras com os cabelos ainda levemente avermelhados e pareciam extremamente assustadas.

— Sim, ela nasceu. Já era previsto em profecia, e sabíamos disso  — respondeu Almira. — Apesar de eu ter esperado que não ocorresse durante o meu governo.

— Sim, mas aconteceu. E o que devemos esperar, Senhora? — A mais nova das Damas levantou-se. Realmente era muito nova para estar ali. Seus cabelos de um ruivo pálido, com uma mecha dourada, conferiam a ela uma aura mística e seu rosto trazia marcas de envelhecimento precoce. Talvez tivesse assumido responsabilidades demais para uma fênix tão jovem.

Almira sentia que poderia ser amiga dela, quem sabe esta não entendia o seu próprio peso?

— Nada. Só devemos observar. A pequena é filha da princesa Alana, ela criará a menina e a educará. Não seremos ameaçados por essa criança.

— Como pode dizer isso? É um risco! — Uma das Damas bradou.

— Deveríamos eliminá-la.

— Ela é um perigo.

— Não precisamos passar por isso!

— Não queremos essa criança!

De repente todas as vozes se elevaram, começando a discutir qual fim a menina deveria ter. Almira escutava a todas com um olhar impassível. Mesmo possuindo também as dúvidas expostas ali e sentindo-se confusa, sabia que não deveria demonstrar. Seu semblante forte e a falta de palavras saídas de sua boca acabaram por calar a multidão.

— Não tem nada a dizer, senhora? — Perguntou a Dama à sua direita. Era uma mulher impertinente, por volta dos cem anos de idade, com olhos vermelhos que ardiam como brasa.

— Eu já disse o que será feito: nada! — Respondeu calmamente.

— Mas... Minha rainha... — outra Dama começou, porém foi interrompida antes mesmo de completar o pensamento.

— Eis a minha ordem: essa bebê é filha da princesa, nenhum fio de cabelo dela poderá sofrer qualquer dano pelas nossas mãos. Vocês perderam a viagem, caras amigas, pois nada será feito.

— Ah, e suponho que pretenda deixar a pequena fênix negra ser nossa rainha também? Que eu saiba ela está na linha de sucessão. Você vai deixar essa aberração da natureza, nascida de uma praga, descendente ilegítima da bruxa do gelo, aquela que levou à morte milhares de nós, assumir o trono? Por ser filha de uma princesa? Por ser parte de sua família? Por você não poder gerar uma outra bebê? - A Dama mais temida entre todas levantou-se de uma só vez, gritando com raiva.

Almira respirou fundo. A última sentença a atingira em cheio, porém não podia demonstrar, não daria a chance para que encontrassem qualquer dúvida em seus atos e usassem isso contra ela.

— Claro que não, Chad. Eu... — Mas a mais velha das Damas, sem nenhum fio ruivo sequer em seus cabelos brancos trançados e com a pele mais enrugada do que seria possível descrever, levantou-se de seu lugar interrompendo a resposta de Almira, fitando a rainha com os olhos vermelhos cheios de desconfiança.

—  Eu, Chad, Dama da maior Vila do norte, há séculos venho assistindo à nossa história. Houve um tempo “Senhora”, — sorriu com os dentes amarelados, uma expressão desdenhosa – em que éramos reverenciadas. Ah, eu me lembro! Os egípcios nos amavam, os gregos idolatravam! Éramos respeitadas pelos humanos, éramos quase deusas! Seres místicos, seres poderosos. E agora, o que somos? Nos escondemos. Aquelas criaturas inferiores nos forçaram a esconder-nos e aquela mulher, com seus dons esquisitos, nos condenou! Ainda assim pretende deixar a criança viva?

— Noto uma certa ironia para com a rainha, Dama Chad? — Breno falou pela primeira vez.

— Oh, não meu caro, a rainha tem o trono por direito de sangue. Nasceu para estar aí, não possuo poder para ironizá-la.

— Espero, pois da próxima vez que sentir a mínima hostilidade vindo de você para com a nossa soberana, terei de pô-la, Chad, para fora e providenciar para que seja destituída de seu título de Dama. — O homem completou, seu olhar estava sério e ao mesmo tempo ameaçador.

A velha sibilou. Seus olhos ferveram de ódio.

— Não ousaria. Sou a mais velha deste conselho!

— Tente me desafiar. Sabe que tenho autoridade para isso.

— Concordo com o senhor Breno! Chad, comporte-se, por favor, sua fênix velha... — Pediu uma outra senhora, aparentemente tão velha quanto Chad, porém com um olhar amável — eu também já era viva nos tempos que citou. Mas os tempos mudaram e eles não voltam. Esse é o problema de viver tanto! Escolhemos passar a maior parte da vida como pássaro e renascer sempre que morremos. Talvez, minha amiga, seja a nossa hora de dizer adeus a esse mundo. Viver várias vidas, sendo no fim a mesma, cansa. Estamos sempre no passado...

— Talvez, Marva, talvez. Mas esse não é o tema debatido. A criança...

— A criança vive Chad! A criança vive. — Almira elevou a voz.

— Por seu egoísmo, Senhora? Vai pôr em risco a vida de seu povo? E deixar que a menina chegue um dia ao trono? Você vai nos levar a ruína!

— Não fale assim com a rainha! — uma das Damas gritou.

— A rainha está defendendo uma praga! —  Outra revidou.

De repente um debate incontrolável começou: metade defendia a honra da soberana, e metade, a opinião de Chad. No fim, a maioria concordava com a Dama mais velha, até os que defendiam Almira só o faziam por respeito, não por pactuar com seus argumentos.

— Chega! — A ordem foi dita sem elevar a voz, em um tom impassível, porém extremamente audível. Todos no salão pararam. Os olhos dourados estavam irritados, os longos cabelos vermelhos assumiram um tom mais vivo como se uma áurea de fogo os envolvessem. — A menina nunca chegará ao trono. Eu adotei uma criança. Elvira, minha bebê, será sua futura rainha. A pequena Mayta, sim esse é o nome dela, jamais irá governar. Ela não é confiável.

— Mas isso não é contra as leis? As crenças, Senhora? — Outra dama, que estivera em silêncio toda sessão, manifestou-se.

— As leis não previram um ser como ela.

Um grande silêncio de aceitação foi gerado na sala. Almira continuou.

— Mas nada será feito contra a vida da menina. Foi a nossa intolerância que nos trouxe aqui. Não preciso contar novamente a lenda, todas nós já estamos cansadas de saber.

— Nossos ancestrais não estavam tão errados. A fênix negra nos amaldiçoou, e a praga dela está prestes a se completar graças a esse bebê. — bradou Chad, gerando murmurinhos de concordância da maior parte das Damas.

— Mas nós causamos a dor daquela mulher! — Breno gritou, já estava perdendo a paciência. As Damas calaram-se imediatamente.

— A lenda diz que teremos o que fizermos por merecer. Acham que matar a garota vai nos trazer boas coisas? — Almira inquiriu.

— Concordo com a rainha, — a mais nova das fênix voltou a falar — pecamos uma vez. Não podemos cometer o mesmo erro. Voto por mantermos a menina viva. Só o Sol sabe o que poderá cair sobre nós se a matarmos. — Fitou Almira atentamente. — Mas, Senhora, devo exigir em nome de minha Vila e de todas as que também concordarem nessa mesa, — olhou nos olhos de cada uma das vinte mulheres — que se em algum momento da vida essa menina mostrar-se uma ameaça, qualquer que seja, ela deverá ser executada imediatamente.

— Assim será feito, Arlete.

Aos poucos as outras mulheres pássaros concordaram. Temiam o pior.

— Muito bem, a reunião está encerrada. — Declarou Breno. As idosas transformaram-se em aves e se foram.

Antes, porém, Chad olhou nos olhos da rainha e disse-lhe com um respeito forçado — Espero que saiba o que está fazendo Senhora. Do contrário, será o nosso fim.

— Tenho certeza, Chad.

A Dama assentiu e se foi em direção ao norte. Almira ficou assistindo àquelas mulheres corajosas, muitas centenárias, voando para longe.

— Elas não aceitaram bem, minha querida Senhora. — Breno falou enquanto a abraçava por trás.

— Elas aceitaram por medo, meu amor. O mesmo medo que eu nutro.

— Mas não é o motivo de sua escolha por manter Mayta viva.

— Ela é família. A família vem primeiro, mesmo que não a aceitemos como família.

Breno não tinha nada a dizer quanto ao argumento da mulher, então apenas calou-se e admirou os primeiros raios de sol da manhã. Mais um dia.


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Notas finais do capítulo

E ai? O que acharam?
Bjs