O Pássaro do Gelo escrita por MaNa


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Oioi, pois é, esse capítulo ficou muito extenso? Por favor me informem. Em todo caso, está aí!
Apreciem a leitura!



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Capítulo 2

Camila estava ansiosa para que a noite chegasse. Foram poucos os autores  que  conseguiram prender a atenção da garota até a última linha, na realidade, ela só conseguia lembrar de três. Não era o caso das histórias de sua mãe, essas sempre a fazia perder o fôlego. Quando era pequena, costumava escutar as narrativas com bastante frequência. Agora, já crescida, não tinha mais essa sorte e boa parte da culpa era dela mesma.

A mãe sempre a tratava como se ainda tivesse 10 anos de idade. Essa talvez fosse a principal causa de seu afastamento. Precisava de espaço, de tempo também. Entretanto, na noite passada, fora impossível para Camila não pedir uma história. Sentia saudades daquela intimidade entre as duas. Quem sabe não seria a hora perfeita para restabelecerem o vínculo?

Secretamente, tinha consciência de que a mais velha desejou ser escritora quando jovem. Pedir histórias era o mesmo de tentar influenciá-la a voltar a escrever.

Camila estava escutando música com seus fones de ouvido, tendo a certeza de que não incomodava os outros passageiros do ônibus, odiava quando escutavam música alta sem ter a menor consideração pelas várias pessoas que utilizavam o veículo.

Sentou na última fileira, e enquanto voltava da escola, seus pensamentos vagavam em direção à narrativa da noite anterior. Mais cedo tinha pesquisado um pouco sobre a fênix e descobriu que o mito citado por sua mãe já existia desde os povos egípcios. A ave, na época era denominada de Bennu e associada ao culto do deus sol Rá.

Antes da pesquisa, o único contato que teve com a lenda foi nos livros de Harry Potter, depois disso nunca demonstrou interesse em saber qualquer coisa sobre o pássaro. Agora, contudo, sua mente dedicava-se a descobrir mais detalhes sobre a mística criatura.

Durante o resto do dia fez seus deveres e afazeres diversos, olhando impacientemente o relógio. Por fim, sentou-se ao computador para ver o que mais poderia ler sobre a fênix antes da continuação da história. Inicialmente, passou por vários links que nada tinham a ver com o mito, somente marcas de roupa ou lojas que adotaram o mesmo nome. Até que encontrou o que procurava.

“Fênix são pássaros que possuem a cor do fogo, uma mistura de vermelho com dourado. Muito conhecida como parte da mitologia Grega, o mito da fênix vem desde o Egito antigo onde contavam que o pássaro mágico, ao morrer, era devorado pelas chamas e de suas cinzas nasceria uma nova fênix que recolheria as cinzas da fênix falecida e as levaria ao altar do deus solar.

O pássaro recebeu diversas roupagens ao longo da história por diversos povos e gerações. Alguns dizem que os tons das penas variavam entre roxo, azul, branco, vermelho e dourado, como foi o caso dos chineses, e vermelho, dourado, com matrizes roxas para os gregos e egípcios. Um animal grande, maior que uma águia, a ave era vista como um símbolo para a imortalidade, quando estava perto de morrer formava um ninho onde mais tarde poria fogo em si mesma e das cinzas renasceria. Em outras versões, apenas pegava fogo e ressurgia das cinzas.

Sempre associada ao sol, ao dia, ela representa o ciclo da vida seu nascimento, sua morte e, por fim, a vida eterna. Seu canto mágico encantava a todas as criaturas e quando a ave estava perto de falecer a música transforma-se em um lamento. Os outros animais podem ser muito influenciados pela melodia ao ponto de morrerem também. Alguns dizem que só pode existir uma ave por vez...”

— Camila?

— Oi mãe.

— Já são 22h.

—  E...?

— E que você tem escola.

—Amanhã — completou Camila.  — Sei disso. Não acha que já estou bem grandinha para ter o direito de escolher a hora que vou dormir?

— Então demonstre essa maturidade e durma!

Camila bufou.

— E a história, mãe?

— Que história?

— A que você começou ontem.

— Ah, essa história. Bem... Vá se arrumar para dormir que eu lhe conto alguma coisa sobre isso.

— Chantagista.

— O que foi que disse? — perguntou a mãe antes de sair do quarto.

— Nada!

— Hum...

Após Camila preparar-se para dormir, Suzana voltou ao aposento e enfim mãe e filha deitaram na cama da mais nova. Logo, apenas uma voz podia ser ouvida no recinto, a mesma voz doce da noite anterior, continuando a história de onde havia parado, como se nunca tivesse existido uma interrupção.

(...)

Quando ela nasceu, naquele dia anormalmente frio, seus pais tiveram uma surpresa. A criança não era normal. Alana acabara de parir, estava deitada na cama e, embora seu corpo inteiro se afirmasse exausto, ela precisava ver o bebê.

(...)

— Mãe, as fênix não deveriam nascer em ovos? São pássaros, não é?

— Não, as fênix preferiam gestar as crianças em sua forma humana. Até poderiam colocar ovos se quisessem, mas existia essa preferência cultural: enquanto gravidas faziam o voto de não transformarem-se.

— Hum, mas vê: eu li que só poderia existir uma fênix por vez no mundo, uma nascida da outra, então como raios...?

Suzana suspirou.

— Sim, mas não é bem como a internet lhe contou. De fato, era de conhecimento comum entre os seres mágicos a lenda que contava sobre a existência de uma única fênix por vez, uma nascida das cinzas da outra, nunca existindo duas ao mesmo tempo. E o mito narra que com a primeira fênix fora assim. Porém, de alguma forma, ao longo dos séculos, novas fênix apareceram e evoluíram ao ponto de aprenderem a usar a forma humana. Fazendo isso limitaram também sua vida.

— Como assim? — Camila levantou as sobrancelhas, confusa. O ser não era imortal?

— Quando pássaro, a fênix poderia viver por quinhentos anos, entretanto como humana só tinha direito a cem. Além do mais, quando faleciam nessa forma, pegando fogo, assim como na versão animal, nada voltava das cinzas. Mas se morresse como fênix o mito comprovava-se e a criatura renascia para um novo ciclo. — Explicou Suzana, que parecia ter se empolgado com a explicação. — A eternidade é um fardo e quinhentos anos é muito tempo. Por mais que houvesse aqueles que aderiram a vida na forma de pássaro para viverem mais ou até renascerem, usufruindo da imortalidade, a maioria preferia ter um fim em sua forma humana.

— Entendo, bem acho que devíamos voltar a ...

— Além disso, o corpo humano também proporcionava outros prazeres e deleites pouco aproveitados na forma animal, sendo ele muitas vezes a face predileta do ser mágico. Porém, todos, sem exceção, oscilavam de forma. Nunca poderiam parar de transformar-se em aves, pois era de sua natureza, já a forma humana tornou-se uma parte mais que importante para as fênix: trouxe-lhes humanidade.

— Hum, entendi. — Camila cruzou os braços e arrebitou o nariz. —Prossiga a história, sim?

— Você que me interrompeu.

— Mas já está bom de explicação. Continue, por favor.

A mãe revirou os olhos e voltou ao ponto de início.

(...)

Fazia um século desde que a fênix negra, como ficou conhecida, morrera. Desde então a caça ao ser passou a ocorrer uma vez por ano.  E todas as vezes acontecia um massacre: fênix eram presas, levadas como escravas dos humanos em sua forma animal (forma que não conseguiam largar após serem capturadas). Os homens usavam suas lágrimas para curar feridas e doenças que existiam. Vários morriam nas lutas, tanto humanos quanto fênix. Muitos foram carbonizados...

Ultimamente, no entanto, viviam época de relativa calmaria. Como o tempo de vida na forma animal era grande, na realidade eterno, a necessidade por mais seres fora esquecida. Várias famílias tinham o seu pássaro mágico que passava de geração em geração. A caça, mesmo assim, ainda ocorria de vez em quando por puro esporte.

Naquela noite, entretanto, nada disso perturbava os aldeões, e sim a mais nova moradora da floresta. A bebê de Alana era a causa da grande inquietação.

O quarto estava cheio, várias pessoas olhavam aterrorizadas para a recém-nascida, a Vila inteira parecia ter se espremido dentro da cabana. Alana tinha a bebê nos braços e estava amedrontada. Sua filha era muito branca e seus cabelos, pequenos tufos da cor do ébano, nem um pouco ruivos como os da mãe.

— Esse bebê é a próxima fênix negra. A praga vai se cumprir! — Gritou, apavorada uma mulher velha, com seus 84 anos, mirrada, comumente conhecida na Vila como “a parteira”.

— Cale a boca, Nana!—  Marlon, o mais novo pai, olhava bestificado (e ao mesmo tempo preocupado) da filha para a parteira. Seus olhos vermelhos pousaram enfim nos vermelhos, relativamente dourados, da esposa, que refletiam a mesma preocupação.

— Me  chamaram? — Uma fênix enorme, extremamente bela, entrou voando na casa, suas penas eram muito vermelhas com detalhes em espirais dourados que pareciam pegar fogo. O pássaro transformou-se em mulher, e a Rainha caminhou no recinto.

Almira estava calma, sempre aparentava estar, o rosto forte trazia uma cicatriz adquirida durante uma batalha, que nada interferia em sua beleza imponente. Os longos cabelos cacheados vermelhos  estavam soltos, diferentemente dos de Alana, - que eram curtos na altura do ombro- contrastando com a pele levemente dourada.

Não usava roupa alguma, nenhuma fênix usa, não sentiam frio e tinham a crença de que roupas tiravam parte de sua liberdade. Os olhos da Rainha pareciam queimar.

— Almira, deixe-a viver. — Alana suplicou.

— Saiam todos.

Subitamente todas as pessoas presentes, antes paralisadas de medo, pareceram despertar. Transformaram-se em fênix e, uma a uma, saíram voando pela porta da cabana sem pestanejar ao ouvir a ordem da Rainha, exceto por Marlon que ficou ao lado da esposa.

— Você também, Marlon.

— Não.

— Irá contra o meu comando?

Marlon sentiu um frio na espinha.

— Somente dessa vez, Senhora. Sou o pai, não vou deixá-las  assim.

Almira o fitou por um instante e suspirou.

— Muito bem. Mas não pense que esquecerei dessa afronta, Marlon. Se um dia precisar, a usarei contra você. — O homem engoliu em seco, a Rainha costumava cumprir suas promessas. — Alana, entregue-me a criança.

— Deixe-a viver, Almira.

— Não.

— É um bebê!

— É a última tragédia prevista para nós em profecia. Entregue-me!

— Não precisa fazer isso. — Marlon protestou.

— Eu devo!

Ela avançou, porém, o pai da recém-nascida se colocou em seu caminho.

— Não posso deixar que faça isso majestade...

— Saia do meu caminho, Marlon, ou juro pelo sol que vai se arrepender... — Sibilou. Seu rosto por um instante perdeu a serenidade.

Mas o homem alto e forte não mexeu um centímetro sequer. Ele era o oposto de Alana, que parecia uma pequena fadinha: bem magra com o rosto afilado e delicado repleto de pequenas sardas, passava a impressão de ser muito frágil. No estado em que estava, de fato, fragilidade e cansaço poderiam ser seus nomes do meio.

Marlon por sua vez, sempre foi forte, um dos maiores guerreiros da aldeia, raspava os cabelos com frequência o que dava ao seu rosto um ar ainda mais ameaçador. Todos se surpreenderam quando os dois disseram que casariam, entretanto, com o tempo ficou óbvio o quanto aquele casal tinha sido feito para ficar junto.

— Ela é a sua sobrinha. Somos sua família! — Alana gritou.

Almira retrocedeu um passo e fitou a criança que dormia nos braços da irmã mais nova. Tão calma, como se a morte não estivesse em sua espreita naquele exato momento.

— Alana... — a Rainha suspirou — Você sabe que é meu dever para com o povo...

— E o seu dever para com sua irmã? Almira, ela é minha filha, sua sobrinha e...  sucessora.

— Está louca, Alana? Essa garota jamais poderá assumir o trono! Não vou deix...

— Você não tem filhas. Você só teve um garoto. A próxima mulher da família assume o trono, é a lei, e sei que você não pode mais ter filhos.

— Não importa! Mesmo que essa criança passe de hoje, jamais será nossa Rainha. Eu... pretendo criar uma menina. A mãe dela deu à luz há três dias, mas morreu no parto em sua forma humana. Fiquei com a bebê. Eu a criarei e ela será a Rainha.

— Não pode! Ela não terá o nosso sangue...

— O sentimento é o mesmo!

— Existem leis e minha bebê...

— Sua bebê vai morrer hoje, Alana.

— Não vai.  — Marlon declarou em um tom ameaçador.

— Não se meta, Marlon...

— Eu prefiro morrer a deixar que essa criança... — começou, mas foi interrompido por Alana.

— Parem! Almira, ela é minha filha, sua sobrinha, somos sua família. Lembra o que vovó dizia?

Almira travou. Fitou os olhos da irmã com seus próprios completamente dourados.

— Família vem primeiro. — Ambas disseram.

— O reino também, Alana. — Sussurrou a mais velha.

— Almira... a profecia não é clara:  “A fênix negra vai trazer aquilo que fizermos por merecer”. Erramos uma vez, foi esse erro que gerou essa praga, trouxe essas lutas horríveis. Foi a nossa intolerância, como quando caçoavam de seus olhos...

— Isso não tem nada a ver. -  Os olhos da Rainha eram raros entre as fênix que, em geral, apenas os possuíam na cor vermelha, de vez em quando com leves traços dourados, nunca como os de Almira. 

— E somos a sua família. Dê uma chance a pequena. Por favor, irmã... por mim... por nossa avó.

A Rainha pareceu se concentrar em algum lugar na janela que dava para o céu escuro. Alana nunca soube o que a irmã pensou naquela noite, mas ficou aliviada com sua resposta.

— Muito bem. Mas essa menina jamais será Rainha, não deixaria meu reino nas mãos de uma criatura descendente daquela que nos amaldiçoou. Crie ela, Alana. Porém se algum dia eu desconfiar que essa criança nos fará algum mal, mesmo que pequeno, a matarei, você sofrendo ou não.

A princesa respirou fundo.

— Obrigada irmã.

Marlon relaxou, e se pôs ao lado da esposa e da filha acariciando a cabecinha da pequena ao mesmo tempo em que sorria para a mulher.

— Qual nome dará a ela? — Perguntou Almira.

— O mesmo da mulher que tanto citamos essa noite. — Alana sorriu — Ela terá o nome da vovó. Ela se chamará Mayta.

 


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Notas finais do capítulo

E ai? O que acharam? Opiniões por favor. Estou me divertindo escrevendo isso! Tomara que se divirtam tanto quanto eu!
Bjs