O Pássaro do Gelo escrita por MaNa


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/539097/chapter/2

Capítulo 1

— Hora de dormir, Camila.

— Não estou com sono.

— Mas amanhã você tem escola, vá dormir!

A menina fez uma careta. Era sempre assim: sua mãe mandava, ela tinha de obedecer. Meio chorosa, levantou-se do sofá pronta para tomar um banho e ir para a cama. Estava com dezesseis anos agora e já se sentia a própria adulta.

Dona Suzana observava, com um leve sorriso, a menina sair carrancuda da sala. Se Perguntava se na idade da filha havia tido o mesmo gênio forte. Após lavar os pratos e terminar de corrigir algumas provas dos alunos da faculdade onde lecionava, resolveu dar uma olhada na garota.

Não se surpreendeu nem um pouquinho ao constatar que ela estava acordada.

— Camila, não mandei ir dormir?

— Não consigo — resmungou. A menina olhava, desperta, para o teto. A mãe suspirou.

— Talvez se a senhora me contar uma história...

— Não acha que está grandinha para isso, Camila? Já pode ler seus livros sem mim.

— Mas eu não quero as histórias dos livros. Eu quero as suas. Como fazíamos antigamente...

Sua mãe costumava lhe contar histórias desde que Camila era pequenininha, histórias cuja veracidade a mais velha jurava de pés juntos ser completa. Não que Camila em algum momento tenha acreditado, mas, verdade ou não, o fato era que amava os contos da mãe.

Suzana pensou um pouco, mas logo sorriu e seus olhos se iluminaram. No fim, ela precisava admitir que sentia falta daqueles momentos com a filha, cada vez mais escassos à medida em que Camila crescia.

— Muito bem. Tem uma história... sua avó me contou e eu posso lhe contar — a menina sorriu. — Bem, ela é muito grande e talvez seja mais violenta do que as que eu costumava narrar. Mas talvez você já tenha idade para ouvir, já que seu pai a deixa ver aqueles filmes horríveis com sangue para todo lado.  Mandei ele parar e...

— Mãe, 16 anos. Não sou criança, todos os filmes que vejo são de acordo com a minha idade. Já pode começar a contar.- Sorriu incisivamente.

— Certo, mas hoje só vou contar uma parte, ok?

— Tá.

— E depois você dorme.

— Tudo bem.

— Me dê um espaço na cama, então.

As duas sentaram e a mãe começou a narrar. Seus olhos ficaram meio nublados, parecendo enxergar algo além das paredes do pequeno quarto.

(...)

Ela nasceu em um dia anormalmente frio, nas últimas 24h o vento parecia querer congelar até alma dos seres vivos. Sua mãe teve um parto difícil, contudo, dificuldade maior foi aceitar o que viria em seguida ao início da vida da pequena. Antes, porém, é preciso explicar o contexto.

Houve um tempo, hoje esquecido pela humanidade, em que criaturas mágicas vagavam pela Terra. Elas chegaram primeiro do que os seres humanos, foram as pioneiras, assistiram o nascimento do primeiro humano. Mas foram destruídas.

Aos poucos o homem aprendeu a consumir tudo em seu caminho e, entre tantas coisas, estavam essas criaturas. Algumas espécies foram extintas, outras buscaram refúgios em mundos diversos ainda desconhecidos, e algumas lutaram para estar na Terra, continuar em casa.

Entre elas, as mais resistentes eram as fênix. Ao contrário do que muitos contam, elas não foram apenas pássaros, eram meio humanas também. Homens e mulheres ruivos, com cabelos que mais pareciam labaredas, peles douradas, que no sol reluziam como o mais fino ouro. A espécie também tinha olhos de um tom vivo de vermelhos e possuíam a habilidade de se metamorfosear em pássaros belíssimos da cor do fogo, que renasciam das cinzas caso fossem mortos. Suas lágrimas curavam feridas e, se muito irritados, podiam queimar seus inimigos com um toque.

Quando os humanos chegaram, ficaram encantados com as criaturas. Afinal, bastava aqueles pássaros chorarem que as chagas eram curadas. E, por isso, iniciaram uma caça ao ser mágico.

Os homens saiam aos bandos, e quando o ser tomava sua forma de animal era covardemente engaiolado pelos caçadores. As fêmeas costumavam ser os alvos prediletos dos caçadores por terem menos força física, principalmente na forma de mulher.

Mesmo assim a luta era ferrenha. As aves tornavam-se gente novamente, quebravam as gaiolas e queimavam seus carcereiros. Muitas morriam no processo. Quando estavam na forma de pássaro, se morressem, queimavam e ressurgiam das cinzas, porém o mesmo não acontecia caso fossem mortos em sua forma humana. Se morressem com o corpo de um homem, morreriam para sempre. Alguns preferiam esse destino a viver encarcerado.

Com toda essa perseguição, os seres míticos esconderam-se em uma floresta mágica, enfeitiçada pelo tempo, onde nenhum ser humano poderia entrar.

Anos depois uma fênix nasceu. Contudo, diferente das outras, esta tinha longos cabelos pretos, uma pele muito branca e olhos verdes azulados. Sua forma animal também diferenciava-se das demais: um pássaro preto, negro como a noite sem estrelas. Suas lágrimas não curavam mazelas físicas, curavam problemas, dores da mente e do espírito.

Sua espécie a repudiou. À medida que crescia era cada vez mais hostilizada, principalmente quando descobriram que, se ficasse irritada, seu toque podia congelar as coisas. Um dia, o povo resolveu expulsá-la.

— Ela é estranha.

— Não é uma de nós.

— Talvez venha a ser uma ameaça!

Foi, então, posta para fora da floresta a força. Durante três dias e três noites vagou sozinha, até os humanos a encontrarem.

Inicialmente não descobriram sua real natureza, acharam ser apenas outra humana com um ar estranhamente misterioso. Um casal a abrigou e por mais três dias e três noites ela ficou bem, sentiu-se acolhida. Foi então que, em uma noite de lua cheia, sua natureza exigiu que voasse.

Os seres dessa espécie precisavam, de vez em quando, transformar-se em pássaros para lembrar de quem eram na realidade. Em geral se transformavam de dia, pois sentiam essa necessidade mais viva durante o período diurno, amavam a luz do sol. Porém, até nisso a fênix negra era diferente: a lua a fascinava.

O casal assistiu a transformação, alertando a vila na mesma noite. Ela foi capturada, torturada, encarcerada. Os humanos queriam entender por que seus poderes eram diferentes das outras de sua espécie. Por fim o pássaro negro morreu. Se não dos experimentos e das torturas, de tristeza. Mas, antes de falecer, gritou aos céus uma praga:

“Uma vez por ano, uma vez apenas, aquele bosque será aberto para os humanos. E, se uma fênix for capturada em sua forma animal, nela terá que permanecer até ser livre novamente. Servindo e passando pelo que eu passei. Lamentando, mas sem ninguém para ouvir seu pesar. E um dia, outra como eu, nascerá. Ela vai trazer a ambas as raças aquilo que fizerem por merecer. ”

As palavras têm poder.

Dizem que a lua iluminou o bosque naquela noite, revelando-o para os humanos. Foi um massacre para ambos os lados. Vários homens, mulheres e crianças morreram das duas espécies. Humanos queimados. Fênix viravam cinzas e não ressurgiam.

A fênix negra morreu em sua forma humana, seu corpo congelou aos poucos e depois derreteu. Mas da água, nada voltou.

Cem anos depois, Mayta nasceu.

(...)

— Acho que amanhã eu conto um pouco mais.

— Como assim a senhora vai parar agora? Ah não...

— Camila, eu estou cansada — disse a mãe se levantando  — Vá dormir.

— Mas...

— D-o-r-m-i-r: Dormir.

A mais velha então apagou a luz e saiu do recinto deixando uma Camila bem irritada, porém sonolenta, perguntando-se qual seria a continuação da história contada para ela naquela noite.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então? O que acham?

Bjinhos