Capítulo 19

Ele a chamou e Mayta sentiu como se a vida a invadisse novamente.

–Vougan?

Olhou para cima, porém apenas o escuro do poço a esperava.

–Sim, Pássaro do Gelo, estou aqui.

Ela não podia vê-lo, mas pôde jurar que o rapaz abrira um grande sorriso ao escutar sua voz.

–Mas o que está fazendo? Eu não posso receber visitas, como conseguiu passar pelos guardas ?

–Mayta eu sou um príncipe, mesmo não sendo a Rainha, meu título serve para algo... – A garota teve certeza que ele revirou os olhos- Olhe, não temos muito tempo. Há uma hora, enquanto eu entrava nessa maldita caverna, a reunião que definirá a sua vida começou. Do jeito que aquelas velhas são lerdas, tenho certeza que a discussão vai até mais tarde, antes da cerimônia de Elvira. Mesmo assim vim lhe dizer... Se você for condenada a morte, minha prima, eu vou tira-la daqui e vou leva-la até a fronteira.

–Fronteira? Os humanos?

–Sim, você terá de ser exilada. Mas antes isso do que a morte...

–Oh, Vougan.- Mayta não aguentava mais chorar.

–Coragem, Pássaro do Gelo. Nós dois sabemos que você é a única da nossa espécie que pode se misturar com eles.

–Vougan, você lembra das histórias? O que aconteceu com a última igual a mim... Quando ela entrou no mundo humano? Eles são podres!

Silêncio.

–Você acha que sou culpada? Que matei sua mãe?

–Não.

–Eu a matei. Você está errado. A matei no momento em que não impedi o garoto de gritar.

–Esse é outro que estamos atrás... Mas não consigo acha-lo. Assim como a tal velha.

Silêncio.

–Mayta, você errou. Um erro grave? Sim. Mas um erro sem maldade. Você queria ajudar alguém e essa mulher a enganou.

–Mesmo assim. Como você consegue acreditar em mim tão piamente, meu primo?

–Como posso não acreditar em uma das pessoas mais importantes da minha vida?

–Tantos pássaros morreram...- Suspirou.

–Não foi sua culpa.

–Sua mãe também achou isso.

Silêncio.

–O que quer dizer?

–Em seus últimos minutos ela me pediu para... Ah esqueça. É ridículo e eu não quero.

–O que, Mayta?

–Nada, esqueça. Estou divagando, essa caverna e esse poço estão me deixando maluca.

–Mayta me fale. - O tom era de comando. Mayta e Elvira sempre adoraram contrariar aquele tom, mesmo sabendo o quanto deixavam o rapaz irritado. Contudo, a garota estava tão cansada de tudo...

–Ela me disse para ser a Rainha.

Silêncio.

–Isso mataria Elvira.

–Eu sei. Não quero.

–Mas minha mãe estava certa. Você é a herdeira.

Silêncio.

–De qualquer forma, sinto que isso é completamente impossível no momento.

–Isso seria impossível em qualquer momento.

–Verdade. Elvira iria lhe matar.

–Ela já está em uma reunião tentando isso.

Os dois riram falsamente. O humor era macabro.

A garota pensou por alguns instantes. Estava com medo. No fundo sabia que o pedido era errado, egoísta, porém precisava fazê-lo. O desespero implorava.

–Vougan vem comigo?

– O quê?

– Se você me ajudar a fugir, e mesmo assim permanecer na Vila, vai ser punido.

–Nenhuma punição será grave. Sou o príncipe.

–Mesmo assim... Por favor, não me deixe sozinha!

–Mayta...

–Eu sei que seria mais difícil nos escondermos, mas eu não consigo fazer isso sozinha, Vougan! Eu estou sempre sozinha...- Ele ia protestar, porém ela se corrigiu rápido- Tirando por você e meus pais... Por favor, pelo sol ou a lua, o que preferir, não me deixa!

O rapaz engoliu em seco. Como a abandonaria? Quando a conhecera ainda pequenina, ao ir morar com os tios, e sentira a hostilidade de todos ao redor da menina, amou-a automaticamente. Aquela pequena garotinha de olhos diferentes dos seus, maravilhosa e delicada... Prometeu protegê-la. Cuidar dela. Jurou pelo sol que o faria sempre, a qualquer custo, ela precisava de alguém com quem pudesse contar. Ele seria esse alguém.

E agora? Agora teria de abandona-la. Quebrar um de seus maiores juramentos.

–Eu não posso, minha querida, eu não posso.

–Por quê?

–Eu preciso ficar com Elvira. Ela precisa de mim, sou o príncipe e futuro consorte. Não posso abandonar meu povo, principalmente agora que minha mãe se foi e meu pai, por mais que eu tenha procurado, simplesmente sumiu! Não posso deixa-la, Mayta. Isso a devastaria. Elvira é forte, mas não tanto quanto aparenta. Ela precisa de mim.

–Eu também preciso de você Vougan.

–Meu pequeno e quase frágil Pássaro do Gelo... – Queria abraça-la, mas as grades entre eles e o fundo do poço o impediam. - Você é muito mais forte do que pensa. Você é mais forte do que eu e Elvira juntos. Você se sairá bem sozinha.

Mayta chorou alto e Vougan baixou os olhos.

–Não posso deixar Elvira, Mayta. Não posso. Isso acabaria com ela.

A garota enxugou as lágrimas.

–Eu sei. Não deveria ter pedido. Ela o ama muito... Você a ama?

Silêncio.

Mayta já estava desistindo da resposta quando o escutou.

–Eu morreria por ela.- O rapaz sorriu- Eu passaria pelos piores tormentos do mundo por aquela mulher.

De repente a jovem foi invadida por uma dúvida. Sempre achara que o primo era apaixonado pela futura Rainha, mas orgulhoso demais para admitir. Porém... Ele nunca dizia. Ele nunca afirmava. Seria amor mesmo ou senso de dever?

–Vougan você a ama?

–Já respondi.

–Não com todas as letras.

–Essa pergunta é tão ridícula que não merece resposta.

– Você me ama?

– Claro. Muito. – Disse automaticamente.

–Por que para mim você afirma, mas quando é ela nunca o faz?

–Porque é diferente. O que sinto por você é diferente do que sinto por ela.

Silêncio.

–Preciso ir... Mas volto assim que sua sentença sair.

–Vougan espera!

O rapaz já estava se virando, mas estancou no lugar.

–O que foi?

–Se você não fosse o príncipe, se não tivesse a responsabilidade com o reino, se Elvira fosse apenas uma pessoa na Vila, mesmo sendo sua noiva, você viria comigo?

–O quê?

–Você a deixaria? Ou me deixaria? Você... - O rapaz tentou enxergar o chão, o olhar desesperado perdido no escuro. Desejando que a prima não terminasse aquela pergunta. - Viria comigo?

Silêncio

–Sim. – respirou derrotado- Eu iria com você.

Dito isso se transformou, voando para longe da caverna.

Camila ficou revoltada. Como assim? Ela shipava Vougan e Elvira! Não Mayta.

Fez uma careta e começou a ler o capítulo seguinte.