The Seventh Zone escrita por Isa Chaan


Capítulo 19
Flecha - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Heeeey!
Como prometido, a segunda parte do capítulo!
Não irei me estender agora, já que tudo já fora avisado nas notas anteriores, então, espero que gostem e boa leitura ;D



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Ouviu quando botas de couro amassaram a grama sob a sola e estralaram pinhas atrás dela. Caída no chão, segurava a perna onde havia sido atingida pelo agente.

— O que uma dama fazes, a essa hora, numa floresta cheia de bichos e insetos em vez de dormires segura sob seu belo dossel?

Quanta nobreza irônica em suas palavras! A azulada sorriu, resolvendo participar da burlesca encenação e ganhar tempo.

— Um ótimo passeio, meu bom senhor! Mas tu estragaste a caminhada ferindo-me a perna!

— Oh, perdoe a minha falta de modos, jovem donzela… – a voz era carregada de escárnio. – Agora levante-te para que eu possa finalmente contemplar teu rosto encantador…

E colocá-lo atrás das grades. — completou a garota silenciosamente.

Revelar o rosto seria tolice, os cabelos azuis-celeste são raros e bem característicos dos Lockser, desta forma, já denunciavam quase por completo sua identidade.

— Envergonho-me de minha aparência, bom senhor! Quem sabe outro dia!

O comandante riu. Uma risada desgostosa e forçada que arrepiou os braços da azulada. Não era preciso vê-lo diretamente para deduzir a postura que agora portava: braços cruzados e pés separados – um verdadeiro ditador.

— Levante-se.

Curto e grosso. Parece que cansou da brincadeira, pensara Juvia.

Ela obedeceu, levantando-se lentamente – sempre de costas ao seu bom senhor – e sentiu o ardor do machucado repuxar ao equilibrar o peso sobre a panturrilha.

— Vire-se.

A jovem não conteve o sorriso de desprezo. Nada amargava mais sua boca do que aquele sotaque autoritário. Se não fosse pelo seu amado Gray-sama ou pelo seu nobre pai, certamente acharia todos os homens deste mundo ridiculamente deselegantes. Quem se atreveria a falar daquela maneira com Juvia? A quadragésima detentora das águas?

— Quanta deselegância de tua parte. Já disse que envergonho-me de minha aparência. – respondeu, melodiosa.

Ele cuspiu rispidamente na grama.

—Poupe-me! Você está diante de um oficial do Conselho, o comandante Doranbolt Greyar da terceira facção. Sugiro que faça o que ordeno, se não quiser se machucar.

Ela revirou os olhos, incrédula, bem a tempo de ver logo acima, na casca grossa do pinheiro, uma coruja-boreal de olhos sonolentos encará-la com a cabeça para fora da toca. As grandes orbes amarelas observando-os com pouco interesse. Juvia se perguntou se a ave estava tão aborrecida com a presunção daquele homem quanto ela.

— Tu acordaste a pobre coruja com teu espetáculo.

— Chega de brincadeiras! – exclamou, sua paciência esgotada.

Ele foi se aproximando a passos brutos, invadindo os poucos metros que os separavam. Ergueu a mão para tocá-la, mas no momento em que agarraria seu ombro, o corpo da azulada se desfez em água. Gotas espirraram ao atingir o chão, molhando-o inteiramente.

— O quê …? – fitou a poça que se formara no solo. – Uma Locks- – não teve tempo de concluir quando sentiu uma forte pancada nas costas.

Soltou um xingamento antes de virar para trás, furioso, e se deparar com o corpo da garota materializado. Os braços eram como rios, puramente líquidos, e finalmente ela revelava-lhe o rosto lustroso de queixo empinado e olhos perigosamente vazios como os de uma sereia.

— Juvia Lockser. – sorriu o comandante, vitorioso. – Claro, quem mais poderia ter tal temperamento?

Ela elevou os braços, crispando os dedos como garras, e a umidade no ar começou a se condensar sobre sua cabeça, transformando-se em uma grande esfera d´água flutuante a seu comando. Apesar disto, o agente não adquiriu quaisquer rugas de preocupação, pelo contrário, parecia até se divertir com a ameaça.

— Ah, querida Juvia… Sabe que é inútil, não sabe? – balançou a cabeça como que decepcionado, mostrando-lhe os desenhos rúnicos que entrecruzavam todo o seu antebraço por baixo da manga – o Selo.

O olhar opaco e selvagem de Juvia não demonstrou nenhuma emoção. Bem como eram os de suas ancestrais aquáticas. Impassíveis por fora, vorazes por dentro.

— Veremos.

Enquanto balançava as mãos no ar, moldando sua magia, teve um relance dos pingentes no pulso. Eles brilharam duas vezes: “Estou perto” era a mensagem. Um sorriso suave preencheu seus lábios rosados. Não importava o quanto ele trancasse os próprios sentimentos, ele nunca abandonaria Juvia à própria sorte, pois protegia os amigos como se fossem sua vida. Mesmo a missão em que estavam encarregados era a prova viva de que faria de tudo para salvar o amigo Natsu do destino que lhe aguardava. Era esse sentimento nobre que a azulada mais admirava em seu amado. Ela retornou o olhar para o homem desprezível a sua frente. Tão diferente de Gray, pensara.

— Você é um homem jovem e bonito, comandante Doranbolt… – disse, sincera. – Pena não poder o dizer mesmo de seu caráter.

A postura do homem se enrijeceu, surpreso. Finalmente as rugas começaram a formar alguma expressão negativa em seu rosto, antes tão presunçoso. Cerrando os punhos, falou em tom baixo e repreensivo:

— Você não tem o direito de julgar meu caráter. Não sabe nada sobre mim.

— Fazer parte do Conselho já diz muito sobre você.

A esfera d'água agora girava furiosa em torno de seu centro, transformando-se em um grande redemoinho dentro da floresta.

— Não, não diz. – as palavras saíram firmes e duras. O tinido da espada sendo retirada da bainha se fez presente.

Ela notou que o deixara zangado. Talvez tivesse alfinetado uma ferida ainda não cicatrizada. De qualquer forma, em sua opinião, era melhor do que o semblante convencido de pouco tempo atrás.

O redemoinho agitava o ar, formando ventos que pareciam brigar com os pinheiros numa discussão fervorosa. A coruja observadora já voltara, assustada, para dentro de sua toca. Mas Doranbolt não parecia abalado e encarava seriamente a usuária d'água, que lhe retribuía o olhar na mesma intensidade.

— Onde ela está? Diga de uma vez! – sibilou, venenoso.

Ela ergueu o queixo, sem entender.

— Onde está quem?

O comandante riu novamente, sarcástico.

— Tentando me enganar? Melhor acabar com o teatrinho, querida Juvia. Eu sei que você a ajudou a fugir! E diga… Desde quando vem aprendendo a usar arma impulsora¹?

Ela estreitou os olhos, sem dizer nada. Não sabia do que se tratava, mas sabia que momentos como aquele era melhor ficar calada, sem negar ou concordar sobre os fatos expostos, deixando a cargo do inimigo interpretar o silêncio como lhe conviesse. O silêncio não lhe delatava, mas também não confirmava o seu envolvimento. Isso bastava para Juvia. Era uma proteção a ela e ao verdadeiro envolvido, fosse quem quer ele fosse.

Sua resposta foi agir. Não poderia atacá-lo diretamente devido ao Selo, mas poderia impossibilitá-lo de lutar. Trouxe mais dois redemoinhos à tona e os três cercaram o comandante, rodopiando em seu entorno numa velocidade assombrosa. Doranbolt poderia cancelar a magia com apenas um toque, mas os redemoinhos formavam ventos furiosos que o desnorteavam, precisando se agarrar a um pinheiro para não ser arrebatado pelos ares.

— Andou aprendendo com Wendy! Muito esperta! – o homem gritava para vencer o barulho caótico da ventania – Saiba que se não a devolver agora mesmo, terá sérios problemas, srta Lockser!

Bingo! – exclamou a azulada, mentalmente.

Estavam atrás da pequena sacerdotisa.

— Com que provas? – gritou de volta, sorrindo.

Não haviam provas de que ela estivesse com Wendy.

— Inocente serei até que se prove o contrário.

— Você não me deixa escolha…

Um estalo e os redemoinhos deixaram de existir.

A azulada piscou algumas vezes diante da incredulidade de ver sua magia ser tão facilmente desfeita e antes que pudesse investir outra vez, uma força inexplicável e invisível suprimiu seu poder mágico, aprisionando-o como um pássaro selvagem sendo engaiolado. Atordoada, tentando recuperar o poder que lhe escapava das mãos, ela assistiu o agente sorrir triunfante logo a frente.

Ele havia fincado a espada no solo e assim recuperado o equilíbrio. A mão estava suspensa onde segundos atrás a água girava revoltosa. O Selo em seu antebraço brilhava uma luz azul enigmática.

— Uma vez que eu toque sobre a magia de um usuário, não apenas cancelarei a magia conjurada como também selarei temporariamente seu poder. – desenganchando a espada, o agente rodopiou-a habilmente entre os dedos, ao mesmo tempo que se aproximava da azulada a passos demorados, provocando a garota. – E isto pode doer um pouco.

Abraçando a si mesma, caiu de joelhos sobre as pinhas. Seu corpo suava e tremia, enquanto sentia algo a sufocar por dentro. Encarou ferozmente o homem que se aproximava. Ele fazia com que cada partícula mágica de seu corpo fosse selada. A magia de um mago equivalia a sua vida, era o preço cobrado para deter de seus privilégios. Agora, borrões pretos começavam a invadir a visão de Juvia. Sua cabeça latejava e ela sabia que estava à beira da inconsciência.

— O que pretende fazer com ela? – perguntou Juvia entre os arquejos, a voz carregada de desprezo.

Com pesar, percebeu que voltara a situação inicial: debruçada sobre o chão, aos pés do inimigo. Ele se agachou em frente à azulada, nunca despregando seu olhar examinador do dela.

— Assuntos confidenciais.

O brilho do Selo refletia nos olhos de Doranbolt, deixando-os ainda mais azuis e provocando a luminescência sinistra de um olhar tão artificial e calculista quanto o de um robô. Juvia sentiu pela primeira vez desde que adentrara à Sexta Zona aquilo que se podia chamar de medo. Nem mesmo Gray possuía tal olhar, por mais controlado que fosse.

— Diga-me onde ela está.

Ela não o respondeu, fosse pela persistência ou fosse pelo medo que acelerava cada vez mais seu coração. Não importava, aquilo fora afronta suficiente para ele espalmar a mão sobre a cabeça de Juvia.

Foi neste exato momento que os pulmões da garota travaram. O contato direto com as runas antimágicas era excruciante e ela já não podia mais respirar.

A agonia que lhe apoderou era a única energia que ainda a mantinha acordada, debatendo o corpo, cravando as unhas no antebraço do agente e tentando desesperadamente afastá-lo de si. O instinto da sobrevivência. Mas era inútil, seus músculos já estavam fracos sem a oxigenação das células, e mesmo que estivessem em sua potência máxima, jamais venceriam o porte vigoroso de um comandante do Conselho, treinado exclusivamente para embate físico. Sem sua magia, era impossível lutar.

Desistindo de seus esforços, prestes a se afundar no breu da inconsciência, bastou uma flecha certeira para uma reviravolta vir à tona.

A haste de gelo perpassou o braço de Doranbolt, fazendo-o bradar de dor e largar Juvia de súbito. Tão logo tocou-lhe a pele, o gelo se desfez, revelando a madeira e a pedra lascada da ponta. O gelo era mágico, desta forma, servira apenas como marca do atirador, que ambos Juvia e Doranbolt conheciam muito bem. Eles se voltaram para a direção em que a flecha fora lançada e encontraram um conhecido rapaz de cabelos negros apoiado num dos galhos mais baixos do pinheiro. Ele apontava uma nova flecha para o agente e agora, apenas o arco era moldado em gelo. Juvia sentiu o alívio e a alegria lhe tomar por inteira.

— E aí, dude²? – sorriu o rapaz, irônico.

— Gray. – disse, ríspido, pressionando com a mão a nova ferida. – Claro, onde está Juvia, está Gray e vice-versa.

Gray estreitou os olhos, esticando ainda mais a corda do arco.

— Juvia. – o rapaz se dirigiu a ela, jamais tirando os olhos de sobre o homem. A garota o observou, ofegante, enfim podendo respirar. – Corra para o lugar planejado.

Ela assentiu, lutando para se reerguer.

— E você – voltou ao agente. – Não se mexa ou atiro. E pode ter certeza que desta vez não será no braço.

Doranbolt não reagiu. Parado no lugar, encarava seriamente Gray. Ambos possuíam olhares frios e controlados, mas até mesmo as hematitas de Gray pareciam mais humanas perto do azul congelado das orbes do oficial do Conselho.

Assim que Juvia conseguira se levantar, cambaleou alguns passos até que os joelhos fraquejassem e ela desabasse novamente no chão. A influência do Selo ainda estava sobre ela, apesar de não ser tão forte quanto antes, suas pernas estavam fracas e a cabeça parecia girar.

— Não consigo, estou zonza! – exclamou, frustrada.

— Pare de selá-la.

Gray, enfim, começava a denotar alguma ansiedade na voz, fazendo o outro repuxar o canto direito da boca, divertindo-se. O ferimento no braço e a ameaça iminente da flecha não eram suficientes para fazê-lo arredar.

— Não. – respondeu, desafiador.

Sem esperar um segundo a mais, Gray atirou a flecha em sua direção. Ela cortou, decidida, a distância que os separava até seu alvo: o peito do oponente. No entanto, um movimento ágil por parte do comandante fez com que ela se chocasse com a lâmina da espada, e desviasse de sua rota, encontrando seu destino no solo em vez de na carne do inimigo. Felizmente, Gray previra tal movimento e revisara suas possibilidades muito antes destas virem a acontecer. Conforme o combinado, no instante em que Doranbolt manuseava a espada em defesa, uma outra flecha cruzara os ares do lado oposto.

E desta vez, atingira o alvo com sucesso. O comandante berrou e ao olhar para baixo, sem entender, viu a ponta de uma seta surgir de dentro de sua perna, enquanto o sangue encharcava a panturrilha e a flecha de Gray caía inofensiva aos seus pés.

Doranbolt olhou por sobre o ombro, a expressão retorcida de dor e ódio, buscando descobrir quem era o outro maldito atirador que se escondia atrás dos troncos. Ele não pôde enxergar a tempo de sua visão enegrecer e ele cair com um baque sobre solo, mas Juvia, sim. Antes de desmaiar devido as forças exauridas, ela vislumbrou uma figura baixinha sair por detrás das árvores com um sorriso radiante.

— Na mosca!

Ela possuía os raros cabelos azuis-celestes, assim como os dela.

 

Seventh Zone

(Sétima Zona)

Atualmente. – Oitavo dia. – 5 da manhã.

Som noturno.

 

Observo suas mãos esculpirem a haste com habilidade. Ele usa minha faca para afiar a ponta. Sua concentração na tarefa é quase palpável, desconectando-se de tudo a sua volta até que a seta ficasse perfeitamente lisa e afiada. Nunca o vira assim antes, sentado no chão de pernas cruzadas, costas curvadas para frente na direção da luz crepitante da fogueira para visualizar melhor e o olhar fixo e atento a algo tão simples como uma flecha.

Fazia mais ou menos meia hora desde que paramos e montamos fogueira. Daquela distância as tochas da vila são apenas pequenos pontos de luz e as casas, montinhos negros aglomerados. Por hora, estamos seguros sob a guarda das árvores. Grandes e antigas, elas parecem experientes em receber os mais diversos visitantes a seus cuidados.

Alguns grilos ainda cantam sua melodia noturna e o crepitar do fogo aconchega meu corpo com seu calor e som. A calmaria traz paz mas também o cansaço físico, mental e emocional do dia – que devido a agitação até agora não o reparara antes – afundando-me em uma sonolência hipnótica. Faziam quase vinte e quatro horas que não dormia.

Meus olhos estão sonolentos, mas presto a atenção nas etapas do processo. Admiro-me com a precisão que suas mãos calejadas cortam a ponta da flecha para o nock³. Em seguida, ele aquece a madeira com seu poder, para secar a umidade. Explicara antes que isso deixava a haste mais reta. Por fim, ao terminar, coloca-a na grama, a minha frente.

— É bom que tenha aprendido, porque eu não vou fazer de novo. – diz, recostando na árvore. O ato o faz contorcer um pouco o rosto.

Ele também parece cansado com últimos acontecimentos, mas ao contrário de mim, está bem desperto. As feridas de seu corpo começaram a cicatrizar graças aos meus esforços.

Eu não o olho nos olhos. Encaro o graveto em minhas mãos sem realmente o ver. Perdida em meus devaneios, sei o que ele está pensando. As últimas horas também me assustam. Não sei o que se passa comigo. Mordo o lábio inferior para impedir que as lágrimas venham.

— Tá esperando o quê? Faça! – resmunga, impaciente.

Pego a faca, sem pestanejar, e começo a talhar a madeira. Uma lágrima escorrega e cai em minha mão, porém não paro o que estou fazendo. Eu sei que ele me observa, mas não ligo. Não me importo mais para o que ele pensa, ou em parecer forte. Já não consigo me reconhecer e isto me assusta. Paro somente para enxugar o rosto com as costas da mão e logo após, retomo a atividade.

Quero dizer alguma coisa, explicar o que acontecera antes, mas não encontro palavras ou explicações, nem eu mesma entendi. Jurava tê-lo matado, eu já tentara antes. A visão do corpo mórbido parecia incrivelmente real e ainda me causava calafrios e desespero. Por que alucinara aquilo? Eu realmente queria matá-lo?

— Não vai me mandar parar de chorar? – pergunto, de repente, com uma lástima de sorriso.

— E adiantaria? – cruza os braços se acomodando.

— Não. – rio, sem vontade.

Alguns segundos se passam até que ele volte a falar.

— Quer minha misericórdia?

Levanto o olhar até o seu, franzindo as sobrancelhas.

— Não.

— Meu perdão? – ele indaga, sério.

Engolindo em seco, repito num fio de voz.

— Não…

Sua expressão parece confusa e um pouco curiosa.

— Não entendo você. – assume.

— Nem eu. – confesso, sorrindo torto.

A conversa termina e eu volto a me concentrar na produção da flecha. É estranho ele estar tão calmo, mas não questiono. Talvez esteja esperando meu próximo golpe. Ou se perguntando o que esta maluca fará em seguida. Ao menos deve se sentir confortável com o fato de não sermos tão diferentes assim, afinal. A ideia quase me faz soluçar.

Tomo um susto quando sinto meu cabelo ser erguido. Arregalo os olhos com a aproximação de Dragneel, que eu sequer havia notado. Ele segura meu cabelo para longe da nuca. Tento me desvencilhar e empurrá-lo, mas ele me ignora, segurando meu pulso com força.

— Foi o que eu imaginei. Você foi picada.

Paro de me debater, encarando-o enquanto assimilo a notícia. Ele finalmente me solta.

— Na nuca.

Num reflexo, tateio a pele por trás do cabelo. Sinto com a ponta dos dedos uma área salientada. Dragneel me fita impassível ao explicar.

— Chamam de Besouro Ilusionista. A picada dele é imperceptível nos primeiros dias. – ele se afasta retornando lentamente até o tronco, onde volta a se encostar. – Depois afeta principalmente o psicológico, deixando as emoções mais intensas, além de causar alucinações de alto grau.

Encolho os joelhos, escutando-o atentamente, meu cenho franzido diante da consternação. Tudo o que acontecera era por causa de um inseto? Minhas emoções fora de controle, a voz acusatória de minha mãe sempre presente? Um veneno que altera a sanidade e transforma os mais profundos pensamentos e as mais maldosas vontades no real era assustador. No entanto, uma onda de alívio me transpassou, ao perceber que as vozes eram mentira e a loucura não partira de mim.

— É isso que vinha te incomodando. – afirma, por fim.

Prendo o ar, surpresa, exalando-o momentos depois ao me dar conta de que o rosado compreendia o que se passava comigo melhor do que eu imaginava. Ele é tão observador ou eu que sou muito óbvia?

— Nunca ouvi falar desse besouro. – digo, descrente.

Ele fecha os olhos e uma risada forçada atravessa seus lábios.

— Alteração genética. Obra do Conselho, claro.

Pisco mecanicamente algumas vezes, incrédula.

— Como… – interrompo a frase, aturdida, antes de continuar. Ele se volta para mim. – Como sabe dessas coisas?

Dragneel sorri, divertindo-se com a minha expressão. Os caninos à mostra dão-lhe um aspecto selvagem, porém não mais tão medonhos quanto eram. Talvez eu esteja me familiarizando com sua aparência peculiar.

— Quem sabe? – dá de ombros. – Eu sou apenas um monstro que saiu de um vulcão, não?

Aperto as mãos por baixo dos joelhos, sua pergunta pinicara minha curiosidade. O que ele queria dizer com aquilo? Havia algo a mais por trás daquelas palavras? A flecha ficou esquecida em algum canto que não me atenho agora.

— É tudo o que sei. É o que diz a lenda do filho do Phoenix. – digo, relembrando de noites exatamente como estas. Quando o ancião de nossa vila subia no palanque em frente ao fogo, que queimava a madeira e lançava as chamas pelo frio céu noturno, e contava as mais diversas lendas a todos que se sentavam ao seu redor, interessados em ouvi-las. – O dragão que nasceu nas profundezas da terra e surgiu de um vulcão em plena atividade para sobrevoar pela primeira vez os nossos ares.

— É Igneel. – corrigiu, mal humorado.

— O quê?

— O nome deste dragão.

— Não é Phoenix?

— Não.

Devo ter feito um O perfeito com a boca ao descobrir tamanha calúnia. Como era possível o nome ter sido outro? O próprio vulcão fora nomeado em homenagem ao dragão, e consequentemente minha vila natal. Gerações inteiras cultuaram o poderoso dragão Phoenix para banharem-se com sua força e proteção contra os inimigos. Dizer algo assim é quase como um insulto.

— Está dizendo que toda nossa história foi a mais pura mentira? Toda nossa crença e cultura?! – exclamei, inconformada.

— Estou dizendo que o nome do dragão era Igneel, queira você ou não. – ele me olhou duro. – Não tenho ideia do que seu povo acredita ou deixa de acreditar. E também não me interessa. – acomodou-se com as mãos atrás da nuca, fechando os olhos.

Por algum motivo, sabia que ele não mentia. Algo em sua voz soara preciso, correto. No entanto, se realmente o nome do Dragão era falso, o que garantia a autenticidade do resto da lenda? Minhas crenças entraram em conflito. Será que tudo era falso? Por que seria falso? Tudo fora transcrito em documentos por quatrocentos anos, eu mesma tivera acesso a alguns deles. Ou seja, não poderia ter sido modificada como nas lendas orais.

A menos que tenham sido escritas erradas desde o princípio.

Seres humanos só contam mentiras para um propósito. Crenças tão tradicionais como os contos do Phoenix serem transcritas erroneamente de forma intencional só podia significar uma coisa.

Manipulação.

Uma luz ilumina meus pensamentos. A ideia me causa calafrios, mas é necessário descobrir sua veracidade. E não há ninguém melhor para me oferecer tal resposta do que o próprio filho do dragão de fogo. E eu preciso conseguir tirá-la de sua boca.

Arrasto-me até Dragneel – mantendo sempre uma pequena distância segura. Ele parece escutar meus movimentos, entretanto, não desaprova. Continua com suas pálpebras bem fechadas, como se não percebesse minha presença ou não se importasse.

 

— Diga… – falo baixo – Já ouviu a lenda deste dragão?

Ele assente minimamente.

— E a sua lenda?

Analiso sua fisionomia, buscando captar qualquer sinal de desconforto. O rosado, no entanto, responde, sem transtornos:

— Sim.

— E… – inconscientemente, chego mais perto – são verdadeiras?

Ele leva um tempo maior para responder, quase imperceptível, mas está ali. Ele percebeu que estou o estudando.

— Não.

Busco as palavras certas para o que vem depois, mas a ansiedade em meu peito só aumenta. Minha tese está se concretizando a cada resposta. Inspiro longamente, sugando o ar úmido. Ele abre os olhos diretamente para mim, grandes e analíticos.

— E isso teria alguma coisa a ver com o Conselho?

Ele se cala. As orbes escuras estão surpresas e seu corpo não está mais tão tranquilo. Ainda assim, continuo, as palavras simplesmente deslizando para fora.

— Alguma coisa a ver com o fato de você saber tanto sobre eles? Talvez… – pauso, verificando a minha linha de raciocínio. Assustava o fato de fazer total sentido. – alguma coisa a ver com do porque deles estarem atrás de você?

Ele mira a árvore a frente, sem realmente vê-la, perdido em pensamentos. Ouço-o suspirar profundamente e voltar a me encarar. Seu olhar sério vai de um olho para outro meu. Então um sorriso de canto se alarga em seu rosto. Não espero uma reação como esta, mas ela expressa algo como um ligeiro entusiasmo.

— Você é esperta.

Engulo em seco.

— O Conselho alterou nossos documentos… – empalideço, finalmente verbalizando minha tese.

— Só os seus documentos? Ele altera tudo o que lhe convém, e aí, tudo se transforma na mais pura e absoluta verdade. – enfatiza, irado – E ninguém ousa questionar, sabe por quê?

Balanço a cabeça, ainda de olhos arregalados, digerindo as informações. Ele se abeira de mim, mas estou muito perplexa para reagir.

— Porque ninguém quer ir parar nas celas subterrâneas. – ele cochicha no meu ouvido. Um calafrio arrepia minha espinha, seja pela menção às celas ou a respiração de sua voz enigmática em minha nuca. – Assim como eu fui.

 

 

¹Arco e flecha.

²Dude significa cara, irmão, mano, é uma gíria da língua inglesa.

³Nock: encaixe para a flecha no arco.

 


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram do capítulo por inteiro (a 1ª e a 2ª parte)? Se caso escrever capítulos muito longos como desta vez, farei o mesmo esquema de separá-lo em partes postados separadamente, mas que compõe o mesmo capítulo, no caso, o 17.
Digam-me se estou curtindo, é muito importante para o desenvolvimento e para trazer capítulos cada vez melhores para vocês ;D
E por agora é isso, queridos leitores. Como estou de férias, é provável que eu poste mais rapidamente. Quem sabe ainda esse mês?
Beijinhos ;*



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