The Seventh Zone escrita por Isa Chaan


Capítulo 18
Flecha - Parte 1.


Notas iniciais do capítulo

Helloooo sweet readers!! o
Como estão? Ficaram com saudades da história? Espero que sim C:
Antes de tacarem pedras, levem em consideração: eu demorei menos que antes hehe Estou progredindo, não? ;D
Era para eu ter postado semana passada, mas resolvi fazer algumas alterações e ainda tinha que passar pela revisão da minha querida Beta-Reader, então não rolou, maaaaas
Como recompensa pela enorme espera, estou trazendo aqui para vocês um capítulo duplo! ♥
O que é isso? Vou explicar:
Ao terminar o capítulo, eu percebi que acabei excedendo um pouquinho os limites normais, então ele ficou com digamos umas 8.764 palavras... (É, eu sei quase 9.000 palavras nem é muita coisa pra um capítulo pf ) Então resolvi dividir o capítulo em duas partes, ainda assim, fazendo parte de um mesmo capítulo, o 17. Então vos trago, hoje, um capítulo e amanhã no mesmo horário desta postagem, o segundo! O que acham? ;D
Se gostarem da ideia, estou pensando em fazer alguma maratona de capítulos no futuro, tipo escrever 4 (quem sabe até mais) capítulos de uma vez e ir postando diariamente, que tal?

E uma coisa, a narrativa da Lucy continuará em primeira pessoa conforme avisei no capítulo anterior, mas as demais zonas, que são na 3ª pessoa continuarão no pretérito, okay? Um dos motivos de ter demorado tanto, também foi esse, eu tinha escrito tudo na primeira pessoa e achei que não ficou muito bom, então resolvi mudar tudo -.-

Os comentários! Juro que ainda vou terminar de respondê-los kkk

Enfim, espero que gostem, escrevi com muito carinho :3
Ah, e não pulem a outra Zona, hein? Sei que vocês gostam da Sétima, mas as outras serão essenciais para os acontecimentos da Sétima, até para saberem mais sobre o nosso querido Dragneel, legal? :)
Como de costume, coloquei músicas durante o capítulo. Lembrem-se de colocar em Loop ;D
Nos vemos lá embaixo!
Boa leitura!



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Seventh Zone

(Sétima Zona)

Atualmente – Oitavo dia – Madrugada.

Música 1.

— Preciso de flechas. – comento, de repente, quebrando a muralha silenciosa que se erguia entre nós.

Infelizmente, tudo o que consigo com a precária iniciativa de uma conversa é um olhar de soslaio e um longo suspiro do rosado.

— É sério. – empertigo-me, tentando não demonstrar o desconforto. – Acabou o estoque.

Seus passos continuam firmes e alguns metros a frente, apesar dos ferimentos, ainda sangrentos e sobressalentes ao redor do corpo, deixarem-no um pouco mais lento do que de costume. Algo estranhamente inesperado dada a sua incrível habilidade de regeneração.

Minutos desanimadores transcorrem sem que Dragneel dê a palavra, e me sinto tentada a esbofetar-lhe a cara e obrigá-lo a falar alguma coisa. Qualquer coisa. Algo que amenizasse o ruído dos meus pensamentos descontrolados e cortantes. Algo que agarrasse a sanidade dentro de mim por mais alguns poucos segundos. Algo que rompesse a completa inexistência do som a minha volta, tão alta e dolorosa quanto o repercutir do atrito férrico de trens balançando sobre os trilhos. Um silêncio capaz de ensurdecer tanto quanto o mais alto estrondo.

— Há muitas árvores e pedras na floresta para isso.

Sinto-me prender a respiração com a surpresa de ouvir o timbre rouco de sua voz depois de quase uma eternidade, mas logo me recomponho expirando as palavras presas na garganta.

— Como se eu soubesse fabricar flechas…

Ele ergue a sobrancelha por sobre o ombro, em deboche. Embora seus olhos não apresentem o mesmo sentimento zombador.

— Uma militar que não sabe fabricar flechas?

Sinto uma pequena fagulha de irritação. É incomum eu me enraivecer por tão pouco, ainda mais já conhecendo a natureza provocativa de Dragneel. No entanto, por algum motivo, seja pelas frustrantes descobertas, pela adrenalina ainda correndo nas veias após a luta, pelo sentimento incômodo que se instalara entre nós, minhas palavras saem como uma chuva de navalhas.

— Bem, não. Não trabalho em campo. Sou estrategista de guerra. Não costumo, sabe, me atirar em lutas suicidas e me envolver com encrenqueiros.

Ele para abruptamente. Poços sombrios surgem abaixo de seus olhos quando ele pende a cabeça para me encarar.

— Ninguém mandou você sair do círculo. – estreita os olhos. Um leve ofegar torna-se presente em sua voz. – Pelo contrário.

Sou tomada por uma fúria desconhecida que explode de minhas estranhas, impulsionada pela revoada de emoções rodopiantes e desenfreadas. Só então percebo o quão oprimida e ávida ela estava por se libertar.

— Aah! – exclamo debilmente. – Então eu deveria ter ficado sentada assistindo sua retaliação, aguardando pacientemente para ser a próxima vítima? – fuzilo-o com olhos e o ar reverbera com a potência da minha indignação. – Porque era isto que aconteceria se eu não interferisse! De nada, Dragneel!

As palavras saíram tão rápidas que percebo tardiamente a verdadeira gravidade delas.

O sangue sobe-lhe o pescoço rapidamente, tão rubro quanto sua raiva, enquanto meu corpo agora estremece diante das orbes ônix chamejantes e furiosas, tentando, inutilmente, manter a compostura. Meus pés traidores vacilam dois passos para trás.

— Quem propôs o acordo, Heartfilia? – diz, baixo e afiado.

O silêncio da rua flutua a seu favor, como se concordasse. Esfregando a verdade na minha cara.

Cerro os punhos, tentando amenizar a tremedeira que me domina. Um misto de pânico e ódio. Ódio de Dragneel. Ódio de mim mesma.

Nunca deveria ter feito o acordo. Nunca deveria ter escutado a albina. Tudo o que acontecia era pura consequência dos meus atos impensados, insensatos. Fui levada pelo fervor das emoções, pela cega vingança e agora colho os frutos desta maldição. Já sinto as lágrimas se acumulando em meus cílios, embaçando minha vista. Quero gritar comigo mesma por ser tão fraca. Por ser tão estúpida a ponto de me envolver com o Conselho. Por não ter fugido quando tive a chance.

— Quem escolheu se envolver com encrenqueiros? – ele continua, os cantos da boca repuxados em desgosto. Sua intensidade me penetra, me esmaga. – Você foi a única que ditou seu próprio destino.

— Assim como eu escolhi que meus amigos ardessem em chamas? Nas suas chamas? – vocifero amargamente, já não tomando cuidado com a discrição.

Penso que vai se abeirar. Intimidar-me com sua proximidade como sempre, mas não o faz. Não entendo o porquê. O suor lhe derrete o rosto. Talvez seja suas chamas queimando por baixo da pele. Os cabelos róseos despontam para cima do rosto numa brisa repentina. Não enxergo mais sua expressão, apenas a dura linha da boca e a mandíbula tensionada.

Sem mais nem menos, ele revira as costas e os ombros levemente arqueados, e se afasta a passos mecânicos. Expiro atordoada, ainda que em alívio, não compreendendo. Dragneel vem agindo estranhamente e creio que isto não se deve ao calor da discussão, pois caso fosse, ele já teria me jogado ao chão e ameaçado me cortar a língua há muito tempo.

Meu coração batendo dolorosamente, não tem tempo de se recuperar, quando ouço o rosado guinchar metros a frente, espremendo os dedos sobre a tora de madeira do poste de luz. Paraliso diante da visão de vê-lo recostar a testa na superfície fria, as mechas rosadas e o nariz pingando suor; e seus joelhos perderem a estabilidade, indo de encontro ao chão. Tento falar, mas meu fôlego mal chega às cordas vocais. Percebo seus músculos tremerem, incessantes e seu arquejo ecoar pelas vielas de Kondor. As feridas não se curam e adquirem aos poucos uma coloração arroxeada, enquanto o sangue escorre quase negro sob a pouca iluminação da madrugada empapando as roupas puídas e se amontoando sobre o sangue já seco.

Hesito antes de diminuir a distância entre nós. Uma parte de mim me culpa por ser tão altruísta. Uma parte que deseja vê-lo sofrer. A mesma parte que tentou sufocar-lhe a garganta enquanto dormia, aquela que se corrói pelos amigos mortos. Outra, tem vergonha da primeira, tem medo do que ela pode me tornar e do que os outros possam pensar. Já a última parte, eu ainda não compreendo, mas ela está agonizada com a cena, suplicante para que eu faça alguma coisa.

Agacho-me ao seu lado, e toco-lhe as costas da mão na testa só para um calafrio perpassar meus nervos do braço à coluna. Sua pele soa frio. Perdera muito sangue.

— Por que não curam? – sussurro num fio de voz, como se uma nota de tom mais alta em minha voz pudesse estilhaçá-lo.

Ele respira languidamente algumas vezes antes de responder no mesmo tom. Seus olhos fechados, o semblante contorcido em dor.

— Ferimentos de outros Governantes… são difíceis… de curar.

Passo os olhos pelos cortes profundos, procurando por alguma singularidade. Mas são feridas comuns, e não seriam tão graves se coagulassem.

— Não entendo. – murmuro.

Ele não responde e não insisto para que o faça. Apenas realizo o primeiro pensamento que me vem à cabeça. Estancar o ferimento. Fazer um torniquete no braço.

A falta de faixas de tecido não ajuda, mas me viro com que tenho. Por sorte, as poças recentes da chuva entre as pedras estão limpas e cheias. Lavo o seu braço apressadamente com as mãos ágeis, ignorando os resmungos e gemidos de um rosado à beira da inconsciência. Quando termino, meus olhos se deparam com um potencial torniquete.

— Dê-me o cachecol. – estendo a mão.

— Nem… pensar. – ele me encara feio, segurando firmemente o tecido sob as mãos e impedindo as minhas de agarrá-lo.

Retribuo o olhar na mesma medida, e antes mesmo que ele possa soletrar um 'não', ameaço:

— Se você morrer, eu vou dar para os cachorros morderem.

Dragneel deve ter visto em meu olhar que eu não brincava, pois bufou e me entregou o pano branco de escamas costuradas que usava com tanto zelo.

Foi até que fácil arrancar um pedaço de madeira da tora – já danificada pelo rosado – para o torniquete. E não demorou muito para o tecido encharcar-se de escarlate depois de torcê-lo e apertá-lo firmemente contra a carne do braço. O cachecol provavelmente nunca voltaria à cor original, e a expressão do rosado pareceu se entristecer várias vezes em consciência disto. Deveria ser uma lembrança realmente importante, e a pontada de culpa veio pequena nas profundezas da mente.

Não percebo que estou encarando Dragneel até ele voltar os olhos escuros para os meus. Isto me pega de surpresa e leva apenas alguns segundos até eu abaixar as pálpebras e concentrar-me em meu trabalho, entretanto, foi o suficiente para enxergar dentro daqueles ônix misteriosos uma tristeza nostálgica arrebatadora, uma humanidade perdida há muito.

Materializo uma faca de cume afiado da minha bolsa mágica e rasgo pedaços de nossas roupas para servir de estancamento. Enrolo as faixas nos ferimentos mais sérios depois de limpados, seguindo desde o antebraço, passando pelo peitoral até o abdômen. Sinto sua atenção acompanhar cada movimento meu, trazendo-me um enorme desconforto. Já fizera isto várias vezes em homens feridos pela guerra, mas sua grande maioria eram amigos ou colegas conhecidos e eu não era a única no meu trabalho. Agora, trabalhar com um olhar inquisidor a cada toque pressionando as feridas, uma aura de desconfiança crescente somada a nossa relação conturbada de inimigos obrigados a conviver, não colabora e só me deixa mais nervosa e ruborizada de vergonha – o que, por sua vez, me deixa ainda mais irritada.

— Quanto tempo até coagular? – pergunto, tentando afugentar a sensação desagradável que comprime meu peito, sem nunca tirar os olhos de meus dedos enlambuzados de sangue.

Ele dá de ombros.

— Algumas horas. – o sussurro sai fraco e rouco.

Suspiro, sentando-me sobre as pernas.

— “Algumas horas” é muito tempo.

Ouço o entreabrir de dentes e o exalar do ar numa deplorável tentativa de risada. Ergo os olhos para seu rosto pálido e exausto. Sua fisionomia é lamentável. Nem de longe o mesmo de dias atrás. Os caninos, antes tão agressivos e ameaçadores, agora não passam de presas de filhotes inofensivas. As orbes, por sua vez, voltaram a ser sua melhor arma, pungentes e desafiadoras, sem quaisquer resquícios daquele lampejo isolado que o anuviara minutos atrás.

— É preciso mais do que isso para me matar. Mais do que cortes… – pausou brevemente, antes de curvar os lábios em um sorriso recriminador – E mais do que mãos pequenas para me tirar a vida.

Congelo, em choque.

Ele não ergue um dedo contra mim, mas pareço sentir a pressão dos seus punhos em chamas sobre minhas costelas a ponto de esmagá-las. Suas palavras são espadas atravessando meu corpo. São mãos invisíveis que me sequestram o ar. Meu próprio veneno. Minha visão nubla com os pensamentos que se cruzam em montes emaranhados e engasgo nas primeiras sílabas que conseguem sair:

— Você sabia…

Ele sabia. Ele sabia. Ele sabia. ELE SABIA.

A frase reverbera e se repete como sirenes descontroladas, estraçalhando meus neurônios e qualquer perspectiva racional para me acalmar. Todo esse tempo ele sabia, sempre soube. Encaro meus dedos ensanguentados e sinto o horror acumular-se em meus poros. Foi real. É real. Tentava me enganar, convencer de que o fiz era mentira, que jamais aconteceu, apenas um sonho me pregando peças. Se eu fosse a única ciente, um segredo trancado e esquecido nos cantos mais longínquos e escabrosos da mente, poderia realmente acreditar nisto, no que minha alma queria crer. Tornar-se-ia verdade. E nada e nem ninguém poderia trazer aquele pesadelo à tona.

Mas Dragneel sabia. E isso foi ápice para toda a fachada que construí com tanto fervor se desmoronasse. Sua consciência era a prova de tudo.

De que eu tentei matá-lo.

De que eu tentei tirar uma vida.

De quem eu me tornei.

Assassina. Escuto minha mãe, a voz repleta de acusação.

Meu corpo chacoalha diante do líquido rubro, cobrindo-me as mãos como luvas escarlates, quentes. Sinto a sanidade se esvair aos poucos. Respiro fundo. Duas, três vezes. Levanto os olhos arregalados e assustados. E o vejo. Morto. As orbes negras saltadas e reviradas, os vasos sanguíneos dilatados. O rosto cinzento, mórbido. Os traços deformados e contraídos, vestígios de uma morte agonizante. As marcas arroxeadas no pescoço confirmam. Marcas de dedos. O grito entala na garganta. Minha face deve ser o reflexo do mais puro terror.

Não fui eu. Não fui eu.

Lavo as mãos freneticamente, mas não adianta, está impregnado em minha pele. Assim como o meu crime sigiloso. As lágrimas quentes encharcam minhas bochechas e denunciam minha culpa, enquanto sinto-me arrancar os cabelos na mais completa loucura. O silêncio me tortura. Não ouço nada. E mesmo assim, sinto a presença. Olhos julgadores me cercam por todos os lados.

Você o matou. Eles dizem.

O grito escapa, castigando meus pulmões, rasgando a goela. A compreensão invadindo-me, derramando-se sobre mim como chuva. Formando ondas vorazes, um dilúvio que preenche toda a minha alma de marés negras.

Eu o matei.

Roço as pontas dos dedos em sua face. Fria como gelo. A face de um cadáver. Meus soluços cansam o diafragma, ardem, mas não consigo parar. O que eu fiz? O que eu fiz, mãe?

— Acorde. Por favor, acorde… – balbucio entre os lábios trêmulos, sacudindo seu corpo na vã esperança de meu desejo. Sua cabeça pende para um lado, relando em meu antebraço. Não espero, mas sinto quando o golpe vem. Tão forte que meu coração não resiste e sangra, definhando.

Ponho-me em pé, as pernas mal aguentando meu próprio peso, bambas. Mesmo assim, corro. Chamando incansavelmente por ajuda. Implorando. Estão por toda a parte, mas não me socorrem. Só me observam ruir aos poucos, condenando meus atos como deuses do purgatório.

Eu não queria, não queria!

Alguém me agarra pelo braço. Dedos que apertam minha pele sem piedade. Estremeço, fechando os olhos e espero a minha punição merecida. Algo que me lave os pecados.

Você se ilude. Pecados não podem ser apagados. O fantasma de minha mãe sussurra ríspido ao pé do ouvido.

Meu corpo cede ao chão, finalmente.

Por todos os lados, as águas escuras se estendem. Não há nada. Apenas eu. Naufragando em meu próprio ser.

— O que há com você?!

O timbre sacode meus músculos e arrepia minha pele. Uma centelha se acende em meu interior, queimando, destemida, em meio as ondas negras turbulentas que tentam apagá-la. Ergo o meu olhar desolado, em busca desta pequena chama, viva e acolhedora, para me agarrar e contemplo seu brilho.

Passa a chover dentro de mim, outra vez, ou talvez sejam apenas minhas lágrimas que inundam o oceano negro, mas desta vez, são límpidas. Límpidas como as águas mansas de um riacho, revelando o mundo vasto e colorido sob ele. Jamais imaginei que um dia me sentiria de tal maneira, diante destes olhos vorazes, desta expressão irritada, e ainda assim o alívio me invade, a alegria me domina e um sorriso torto floresce em meus lábios molhados e salgados de lágrimas.

— Graças a Deus, Dragneel.

Seu aperto é quente contra meu braço.

Sixth Zone

(Sexta Zona)

Um dia atrás (Sétimo dia) – Arredores de Bellum.

Música 2.

As Terras Altas ou Terra dos Arcanjos. Era assim que era conhecido comumente os arredores de Bellum. Onde as árvores farfalhavam na sintonia de uma canção muito arcaica e as montanhas – as maiores já vistas por todo o continente – elevavam seus picos para muito além do toque das nuvens. E não se podia esquecer dos lagos imensos que se expandiam pelas cordilheiras, congelados como espelhos. Eles carregavam eternamente as imagens dos rostos dos que já passaram por ali, daqueles que cantaram suas diversas crenças e lendas.

As primeiras horas da manhã transcorreram preguiçosas, levantando aos poucos o Sol no horizonte. O raiar expandia-se implacável pela terra e pelo azul pálido do céu, projetando sombras tranquilas para os animais dorminhocos que ainda cochilavam em suas tocas. Ali o mundo parava como a tela de uma pintura viva, e até o ar parecia suspenso e dotado de uma magia misteriosa, que aguardava, escondida pela mata.

Apesar do espírito místico de Bellum, os dois seguiam por entre pinheiros e abetos volumosos, sem descanso, cercados pela vegetação de coníferas que se estendiam até onde era possível a vista alcançar. Folhas agulhas cobriam os viajantes em um longo manto verde-escuro, enquanto o solo gelado assemelhava-se mais a um tapete marrom e desnivelado de pinhas – nas quais, vez ou outra, caiam dos galhos sobre suas cabeças.

A garota brincava com a névoa que os circundava, espessa e fosca, embrenhando os dedos na umidade do sereno, sentindo o corpo renovar-se lentamente. Água. Já se passara muitas horas que sequer via um trecho distante de mar no horizonte e isto a exauria deveras.

A água era o que alimentava a magia dentro de si. Sem a magia, o corpo de um mago definha. Este era o preço a se pagar para ser um usuário, seja de qualquer domínio mágico. E como usuária d'água, seu contrato lhe permitia manipular tal elemento, ao mesmo tempo que lhe afirmava sua dependência para com este.

O garoto estava a frente, com as sobrancelhas grossas vincadas, procurando enxergar a trilha através do branco fosco que o envolvia afavelmente pelo caminho. As madeixas escuras umedecidas, assim como a pele brilhosa da nuca, eram rastros do esforço exercido na escalada pelos rochedos íngremes da região. Um sorriso sapeca escapara dos lábios da garota ao ver o rapaz abanando as mãos para afugentar a incômoda neblina.

— Juvia, dá para você parar de joga névoa na minha cara? – Gray virou-se com uma carranca que, jocosamente, arruinava os belos traços de seu rosto.

— A Juvia não está fazendo nada não, Gray-sama. – tentou negar, ainda que inutilmente. Sua voz risonha contradizia as palavras proferidas, e ao perceber a descrença do moreno, continuou. – Desculpa… É que Gray-sama estava tão concentrado que nem ouviu Juvia falar, então…

A expressão do rapaz se amenizou, ao sentir-se ligeiramente culpado. Não era apenas ele quem sofria com os últimos acontecimentos. Juvia havia deixado seus deveres e sua segurança para trás só para ajudá-lo em tal enrascada. Ela não mereceria seu mau humor.

— Perdão… – massageou a têmpora esquerda com o polegar num suspiro. – Tudo isto está me deixando tenso.

— Vai ficar tudo bem. – disse, confiante, sorrindo com toda a sinceridade.

Gray exalou uma risada cansada. Não entendia como a garota sentia-se tão tranquila consigo mesma.

— Quem me dera ter tal otimismo.

A azulada acelerou o passo para caminhar ao seu lado, o orvalho congelado na grama pinicando em seus pés nus, enquanto segurava os sapatos camurça, um em cada mão.

— Não é otimismo. – balançou a cabeça, fazendo os cachos azuis esvoaçarem quase vivos com o ar úmido. – Juvia apenas tem fé.

— Fé? – suspendeu a sobrancelha, enquanto encarava o caminho adiante. – Gostaria de tê-la.

— Gray-sama não crê em Deus?

Os olhos de hematita adquiriram um aspecto sombrio. Ele não respondera de imediato e continuou caminhando até apanhar uma pinha dentre as inúmeras do chão. O olhar fixo recaído sobre ela enquanto a tateava firmemente entre os dedos. Como se esperasse alguma coisa, como se a pinha pudesse lhe desvendar a grande resposta para suas frustrações. Em vez disso, a pinha se envolveu em gelo.

Ele ergueu o olhar para frente, desistindo do que quer que buscasse. Por fim, impulsionou o braço para trás e a tacou para longe num súbito momento de raiva. O gelo logo se espatifou ao se encontrar com tronco largo de um pinheiro.

— Não.

Aquilo a impressionou mais do que gostaria de admitir. Não sabia ao certo se aquela palavra tão pequena soara como se carregasse maior significado do que semanticamente ela era capaz de conter. Ou se ainda, em seu completo oposto, soara tão vazia a ponto de revelar um coração completamente oco de dentro do rapaz.

Tocando os pingentes de gelo de sua preciosa pulseira, tentou se livrar da angústia que começara a aglomerar-lhe o peito. Ouvi-lo dizer tal coisa era doloroso demais. Ele parecia se distanciar do mundo como a imagem de um deus esculpido em mármore, impassível e inalcançável, e ela não sabia o que fazer para impedir tal afastamento.

— Engraçado dizer isto aqui. No berço das crenças de Ishgar.

Ele sentiu a quase imperceptível amargura das palavras dela, conhecia-a muito bem e não tardou para entender o motivo.

Juvia acreditava em seus deuses do fundo de seu coração. Mas o que ele poderia fazer? Como ainda poderia acreditar? Depois de tudo o que acontecera, depois do que aquele homem desgraçado fizera? Sua resposta, apesar de tudo, fora franca. E elas continuariam sendo assim, pelo bem dela e pelo seu próprio.

Mas não houve tempo para Gray responder. Um vislumbre branco e verde perpassou seus olhos. Ele reconhecera de imediato aquelas cores e seu corpo, instintivamente, atirou-se para trás do tronco mais próximo.

— Esconda-se. – não saiu mais que um sussurro, mas Juvia, assustada com o repentino movimento, não precisou ouvir para logo se por detrás do pinheiro ao lado.

Estreitando os olhos, as orbes escuras puseram-se rapidamente a procurar o manto familiar por entre a mata. Era apenas uma visão desprivilegiada de uma figura recortada pela folhagem à frente, mas foi o suficiente para identificar o brasão no peito. O crucifixo de pontas largas.

— Agentes do Conselho. – a voz silenciosa da garota refletira exatamente os pensamentos de Gray.

O que o Conselho Mágico fazia naquelas redondezas, perguntavam-se. Boa coisa não devia de ser, disso tinham certeza, principalmente Gray. Não fazia muitos anos que descobrira certas coisas que o deixaram completamente enojado, ou melhor, certas coisas que aconteciam dentro das paredes sufocantes e brutais de aço. As celas subterrâneas.

Antes não acreditaria se alguém o contasse. Até Natsu dá-lo a prova de que precisava para crer.

Tinha de descobrir o que planejavam agora. Não fosse pela justiça, fosse pelo amigo.

Ele rangeu os dentes, frustrado. A barreira natural das árvores propiciavam um ótimo esconderijo, no entanto chicoteavam o som para longe, percebeu.

— Não dá pra escutar daqui. Vamos nos aproximar, vou primeiro. – disse já dando um passo a frente.

— Juvia acha que talvez não seja uma boa ideia. – ela agarrou-lhe o sobretudo antes que o moreno pudesse se distanciar, segurando a pelugem lupina entre os dedos esguios. – O portal fica a apenas a um quilômetro a noroeste, podemos passar sem que nos vejam.

Voltando o rosto para a azulada, seu olhar determinado a fez abaixar os olhos e fitar a vestimenta invernal que ele usava. Esta que lhe moldava o corpo tão elegantemente como um rei, em que as cores escuras e desenhos intrincados contrastavam-se tão perfeitamente ao semblante pálido, quase etéreo, de seu amado, enquanto assimilavam-se aos cabelos e olhos negros, produzia-lhe uma beleza transcendental, muito longe para as mãos de Juvia alcançarem. Juvia pensou o quanto adorava e odiava que ele usasse tal sobretudo. Fazia-o parecer ainda mais maravilhoso e ao mesmo tempo relembrá-la da distância entre eles. Assim como quando adoramos algo que nunca poderemos ter, não importa o quanto se deseje.

Ela largou, finalmente, a pelugem acinzentada.

— Preciso. – foi tudo o que Gray dissera.

Ela entendeu e assentiu, ainda que um tanto apreensiva e preparou as mãos, atenta a qualquer ação indesejada de terceiros, montando guarda para protegê-lo.

— Você, no sinal. – apontou para o bracelete que adornava o pulso de Juvia.

Gray notara a algum tempo que ela ainda o usava e isto o deixava feliz, além do que, era útil para momentos como aquele.

— Certo. – disse simplesmente.

Antes que ele partisse, o belo sobretudo fora ao chão, circundando as botas negras – antes polidas, agora cheias de terra – e fazendo a garota erguer o cenho. Aquela mania novamente.

— O que foi? Deu calor.

— Certo. – ela repetiu, mas desta vez, sorrindo.

Sentindo-se melhor com a resposta da azulada, entrou em ação.

Ele deslizara para fora, furtivo como uma serpente, desviando habilidosamente das pinhas no solo. A magia congelante tremulava entre seus dedos, ansiosa para atacar no mínimo sinal. Progredia, em silêncio, ziguezagueando pelas árvores, e a cada passo, os murmúrios tornavam-se mais e mais distinguíveis, primeiro como palavras soltas, e logo depois, como algumas poucas frases. Aproximando-se devagar, perto o suficiente para ser considerado arriscado, – como se tal missão já não fosse por si só arriscada – agachou-se perto de uma moita e visualizou o agente. Não era possível ver o rosto, pois as costas estavam voltadas para Gray, mas ele receava conhecer aquele corte de cabelo. Talvez fosse só impressão. Quantos homens não poderiam ter aquele tipo de corte?

Engoliu em seco ao notar quão perigoso era seu atual posicionamento. O campo de visão das tropas que rodeavam seu comandante davam direto para ele. Dezenas de olhos que o flagrariam em um único descuido.

— Como se uma garotinha pudesse matar um oficial! E desde quando sacerdotisas, usuárias do ar, usariam arco e flecha? – reconhecia a voz do comandante. Então não era apenas impressão.

O agente era ninguém mais ninguém menos do que Doranbolt Gryder.

— Então… O senhor presume que alguém esteja a ajudando a fugir? – perguntou um de seus homens. – Talvez a mãe?

— Repito, Steve, acho que não me ouviu bem. Usuárias do ar usariam arco e flecha? – o comandante aproximou-se, sem um pingo de humor na voz.

— Não, senhor. – o homem se enrijeceu com a reprimenda.

—Ótimo.

Estavam perseguindo Wendy. Isto era mau, pensou. A pobre menina estaria à merce dos caprichos do Conselho em breve. Era inevitável, uma vez que o Conselho traça o seu alvo, nada o impede de apanhá-lo. Natsu viraria uma fera se descobrisse. Mais um motivo para o rosado torrar os traseiros daqueles desgraçados.

— Além de que se Grandeeney… – o comandante ergueu o queixo, agora passeando os olhos por todos os presentes. – …realmente soubesse, já ficaríamos sabendo do estardalhaço na sede principal.

Gray esfregou a mão em seu pulso esquerdo, o mesmo em que a garota utilizava o bracelete. Era o sinal para ela vir até ele. Os pingentes brilhavam ao seu chamado e a guiariam até seu feitor. Levantou-se para partir, – ainda com as costas abaixadas – já ouvira o suficiente para saber o desenrolar. Contaria para Juvia a mudança de planos.

— Dividam-se e continuem procurando! O cadáver ainda está fresco, não podem estar muito longe! Vamos, vamos! Encontrem Wendy Marvell! – bateu palmas apressando, impaciente.

Os oficiais iniciaram a busca, voltando-se para o norte, dezenas de pares de pés trotando floresta adentro.

Gray preparava-se para correr até o tronco mais próximo, agora que a ameaça dos oficiais de o flagrarem deixara de existir, quando ouve Doranbolt se avizinhar da posição em que estava, tendo assim que voltar com o pé atrás. Xingou o homem mentalmente. O uniforme de alta patente balançava muito próximo de si.

Esfregou novamente o pulso para três piscadas. Era o sinal de alerta e significava “ajuda”. Em seguida, trancou sua magia para que o agente não a sentisse e não mexeu um músculo até que ajuda chegasse. Se não fosse pelos protetores antimagia – os Selos – que os membros do Conselho carregavam, poderia cuidar, sem problemas, da situação. Pensou em atrasá-lo, levantando um muro de gelo, mas isso o delataria. Doranbolt conhecia a magia de criação de Gray. Cerrou os punhos, com raiva.

Felizmente, a ajuda não demorou a vir. Discreta como um animal sorrateiro, uma névoa fosca e úmida começou a se desprender do solo e a subir, submergindo a floresta em uma cortina vaporosa e versátil. Aquilo que antes o importunara, agora era sua melhor chance. Era o momento de agir.

Não hesitou e bateu em retirada. As pernas o levavam o mais rápido que fosse possível com sua visão prejudicada pela neblina, e por tal foi obrigado a diminuir várias vezes o ritmo para não trombar nas árvores. Chamou por Juvia, mas já era difícil enxergar o caminho, quanto mais encontrar alguém. Os pingentes a levariam até ele, tinha certeza, por hora precisava sair para o ar livre. Estava vulnerável com o campo de visão obstruído. Seria impossível lutar ali se alguém o interceptasse.

Os batimentos pulsavam em seus ouvidos com a ansiedade. A névoa ia aos poucos se dissipando mais adiante, no entanto, desacelerou abruptamente quando ouviu um grito feminino repercutir pelas camadas densas da floresta.

Sentiu seu interior congelar, apesar de poder controlar o gelo. Como se sua magia se voltasse contra si.

— Merda! – grunhiu.

Seus pés ainda em movimento derraparam quando dera meia volta, retornando neblina adentro. Branco, branco, branco. Era tudo o que via. Acertou o ombro direito no mínimo umas quatro vezes pelos troncos do caminho e tropeçou ao menos duas vezes em pinhas ou raízes. Precisava se acalmar, era impossível pensar desta maneira. Recostou em um pinheiro, tomando fôlego. Correr sem rumo era tolice, gritar seu nome era tolice. Pense, Gray.

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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam da primeira parte? Estão gostando de acompanhar Juvia e Gray? Vou dar o meu melhor para que shippem Gruvia nesta história tanto quanto shippam NaLu, eles ainda vão passar pelas mais diversas situações :D
Aah Fairy Tail está acabando... Vai ser tão estranho continuar a fic sem o mangá ;-; Escritoras sabem como o mangá acaba sendo combustível inspirador para escrever... Mas não se preocupem, vou continuar a escrever!
E o que vocês estão achando destes últimos capítulos de FT? Expectativas para a luta contra o Acnologia? Que não seja igual o 1 hit do Zeref, amém Ashaushuas
Enfim, até amanhã com a continuação do capítulo ;D



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