O Enigma do Semideus escrita por Lyli


Capítulo 3
Capítulo Dois - Ao Resgate


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Antes que os primeiros raios da manhã ousassem aparecer, o Parque de Michigan já era habitado. Uma resmungona garota andava de um lado para o outro de braços cruzados, reclamando do frio da noite. Perto dela, sentado em uma pedra, um rapaz se apertava num casaco preto.

– Já disse que te empresto meu casaco, se quiser. – Andrew tentou.

– Não preciso do seu cavalheirismo idiota, esquisitão! – Callie estava sempre mal humorada, o que fazia Andrew rir. Por algum motivo, não queria deixar a companhia da jovem que conheceu naquele mesmo dia. – Preciso que aqueles babacas cheguem logo!

– E se ninguém chegar? – Ela parou de andar e encarou o menino gótico. – Talvez nós dois sejamos os únicos loucos.

– Nós cinco. – Joe apareceu, sorrindo de lado. Afastou algumas plantas e deu caminho para que Julian e Lillie chegassem ao ponto de encontro. Julian vestia seu melhor casaco de lã e um cachecol fashion, enquanto Lillie estava vestida para a ocasião: blusa do acampamento Meio-Sangue, short jeans e uma mochila cheia de mantimentos como biscoito, água e suco. – Somos cinco doidos agora.

– Ora essa, os covardões decidiram vir. – Callie disparou, olhando pra Julian e Lillie.

– Eu os convenci. – Joe levantou a mão, brincalhão. – Até que sou bom de lábia.

– Se essa baboseira toda for verdade mesmo, já sabemos quem é seu pai. – Todos acabaram rindo involuntariamente da piada de Andrew.

– Vocês estão acreditando mesmo nisso, gente? – Julian deixou escapar, inseguro. – Parece muito ilusório pra mim.

– Pra mim também, mas depois do vimos essa tarde... – Joe ponderou. – Não sei no que acreditar. Mas foi o que eu disse mais cedo, não é como se eu tivesse algo a perder... E vocês? – Dirigiu a pergunta a todos, que abaixaram a cabeça e negaram furtivamente. – Então vamos cair dentro! Se for tudo verdade mesmo, no final das contas a gente ainda resolve nossos probleminhas familiares!

Riram entusiasmadamente – até demais para as quatro da manhã – da piada de Joe. Era bem verdade que todos ainda desconfiavam até mesmo do que tinham visto naquele mesmo dia, mas também era verdade que as questões fraternais problemáticas eram algo que todos os presentes tinham em comum.

– Vem cá, e aquele girafão? – Callie perguntou.

– Acho que o nome dele é Henry. – Joe argumentou. – Bem, ele disse que não vinha, não deve vir mesmo.

– Ele não me pareceu ter... a mesma vida que nós. – Lillie se manifestou, indicando que provavelmente a vida de Henry não fora marcada pelos mesmos problemas familiares que os outros.

– Penso o mesmo. – Julian disse, com desdém. – Se ele tem uma caminha quentinha pra deitar, deixe-o dormir. – Cruzou os braços, contrariado com a própria vida. – Não temos o direito de julgar aquele que tem algo a perder.

– Obrigado. – A voz de Henry entrou no local antes que todos pudessem enxergar seu corpo saindo do véu da noite. – Tenho mesmo muito a perder, mas mesmo assim to aqui. O que isso diz de mim? – Risadas tímidas se fizeram ouvir. – Decidi vir ver qual é. Isso não significa que vou com vocês pra qualquer lugar procurar alguém pra desvendar qualquer coisa. Só to curioso.

O silêncio da concordância envolveu o grupo por um momento, até que Callie começou a olhar pra cima. Questionada por Andrew, ela respondeu.

– Estou procurando aquela chatinha que convocou a gente. Será que ela amarelou?

Todos de repente passaram a olhar pro alto das árvores esperando sua aproximação. Todos exceto Henry. Ele apenas observou o pessoal, com as mãos nos bolsos tentando aplacar o frio.

– Não vai procurar também? – Lillie perguntou.

– Acho que vocês estão um pouco equivocados. – Todos continuaram olhando pro alto, procurando Pam e ignorando a fala de Henry. – Se ela já apareceu pelo alto hoje, duvido que o faça de novo.

– Certo. – O rapaz quase deu um pulo para trás quando ouviu a voz de Pam ecoar ao seu lado. Seu susto foi seguido pelo susto de todos, que soltaram exclamações de surpresa seguidas pela risada dela. – O fator surpresa é essencial em uma batalha.

– Tá, mas isso aqui não é uma batalha. – Andrew riu, brincando com ela.

– Ainda. – A resposta da garota séria deixou todos um tanto inseguros. – Sabia que todos viriam. Isso me deixa muito satisfeita e curiosa. Como fizeram? – Cruzou os braços andando até o meio do grupo e lhes disparou um sorriso abelhudo que os desafiou a falar. Joe foi o primeiro.

– Pra mim foi bem fácil. Moro num daqueles lares adotivos em que os pais recebem grana pra ficar com a gente, sabe? – Pam assentiu. O rapaz continuou falando, fingindo desinteresse na própria história de vida. – Lá a gente sai a hora que quiser e volta quando bem entender. Eles não ligam muito pra mim.

Pam assentiu, virando agora a cabeça para Julian que abraçava Lillie. Foi a vez do jovem responder.

– Moramos na Santa Casa de Michigan. Na verdade é como um albergue, então só temos moradia pra dormir, dividindo camas com três ou quatro crianças às vezes. – Ele dizia com a cabeça erguida, querendo mostrar que não tinha vergonha da sua vida. – Eles não se importam se você volta ou não.

– E essas roupas aí? – Callie questionou, indelicada. – E todas essas coisas da menininha?

– Isso eu posso responder. – Joe se meteu. – Fui buscá-los na Santa Casa essa noite e os ajudei, arrombando a cozinha. Pegamos tudo que tinha na geladeira.

– E todas as nossas roupas vêm de doações. – Julian respondeu a Callie. – Mas isso não significa que eu não possa estar na moda. Até os pobres têm bom senso.

Pam riu amistosamente enquanto Callie revirava seus olhos. Voltou seu olhar a ela e foi a vez da garota chata responder. Ela endireitou as costas e tomou uma postura imponente.

– Eu moro num reformatório. – Disse, sem vergonha alguma. – Na verdade é uma casa de correção para jovens infratores, mas ninguém lá está se corrigindo. – Deu de ombros. Pam parecia especialmente interessada na história de Callie. – Fugimos o tempo todo e voltamos sem ninguém perceber. É assim que vou aos eventos de PJ e foi assim que cheguei aqui.

Deu de ombros novamente, lançando um olhar desafiador a Pam, que pareceu acordar de um transe. Logo depois de Callie, foi a vez de Andrew se manifestar.

– Bom, eu moro de favor no porão de uma loja. – Ele falou, tímido. – Acho que todos conhecem, é a Alley Rock de Michigan, aquela lojinha no centro onde vendem tudo de bandas de rock e etc. Pago minha moradia e alimentação com trabalho e às vezes consigo umas coisinhas a mais. – Disse, se referindo a seu piercing e roupas. – Como os donos não são meus pais, posso sair a hora que eu quiser.

O olhar de Pam finalmente caiu sobre Henry, que já se sentia culpado. Ele notou que era o único do grupo que não vivia uma situação péssima de vida e família e sentiu pena deles. Respirou fundo e falou, com medo até mesmo de ser repreendido.

– Eu moro com meus pais. – Viu as testas de todos se franzirem na sua direção. Alguns pareciam revoltados, na verdade. – Pais adotivos. Me pegaram no orfanato municipal quando eu tinha cinco anos. – Ele abaixou a cabeça ao notar que os corações de todos os presentes se apertavam ao saber que ele tinha pais. – Eles confiam em mim, então disse que ia dormir cedo e eles acreditaram. Foi só descer pela janela do meu quarto na hora certa.

Meio sem jeito, Pam tomou as rédeas da situação e apresentou sua história de vida ao grupo.

– Minha vida é como a de vocês, ou pelo menos a maioria de vocês. – Falou, deixando Henry ainda mais sem graça. – Também não tenho uma família e nem ninguém que ligue pra mim. Moro no orfanato municipal desde os três ou quatro anos de idade. – Recebeu um olhar amistoso de Henry, que se sentia mal por ter sido adotado e ela não. – Agora que fiz dezoito, me botaram pra fora.

Todos os olhos se arregalaram pra ela.

– E onde você tá morando? – Lillie perguntou, já com pena.

– Algumas noites em albergues, outras na Santa Casa. Já passei mais de uma noite na rua. – A garota disse, dando de ombros como se a situação não fosse importante. – Tenho esperança de dormir numa casa oferecida por meu pai, quando for o momento certo.

Todos lhe sorriram. Também sentiam a mesma coisa, pois no fundo, mesmo com toda a raiva e a frustração que os tomava, sentiam sim uma vontade imensa de encontrar seus pais. Até mesmo Henry, que sempre teve uma boa vida no lar adotivo, queria poder olhar nos olhos de seu gerador ou geradora e lhe perguntar porque foi abandonado.

– Agora que já nos conhecemos. – disse Pam, driblando os sentimentos ruins que as lembranças de sua vida traziam. – Vamos ao trabalho? Estamos aqui pra resgatar alguém e não pra ficar de papo furado.

– Ok, mas primeiro me explique como você pensa que pode fazer isso. – Andrew a interrompeu. – Quer que a gente ache o tio Rick, mas ninguém sabe onde ele está.

– Primeiro por partes. – Observou seu relógio de pulso com a pulseira de imitação de couro totalmente surrada. – Sei que alguns aqui terão problemas se não aparecerem onde devem estar mais tarde e vocês sabem que nossa busca vai demorar muito mais que uma manhã. Então pedi por ajuda. – Virou o rosto para leste e observou os primeiros raios de sol da manhã ousando aparecer. – Por sorte, nosso amigo não hesitou em nos ajudar. – Todos viraram o rosto pra onde Pam olhava, mas ninguém a entendeu. Apenas depois de alguns segundos, Lillie deu dois passos à frente e abriu um enorme sorriso observando também o leste com enorme atenção. – Se eu fosse vocês, fecharia meus olhos agora. – Ela disse, descansando as pálpebras. – O sol está vindo.

Henry parou ao seu lado, ainda com as mãos nos bolsos e os olhos abertos. Cutucou Pam com o cotovelo e ela se obrigou a abrir os olhos e olhá-lo.

– Acho que a gente já é bem grandinho pra saber que não devemos olhar direto pro sol.

– Você não entendeu? Achei que era o mais esperto de nós. – Ela lhe sorriu e depois voltou a fechar os olhos. – O sol está vindo.

De repente, a claridade que cortava o horizonte se expandiu de maneira inacreditável. Parecia que alguém abria a fenda de luz com as duas mãos e a escancarava sobre a terra. Logo que os raios começaram a ficar mais intensos, os jovens deram passos para trás e protegeram seus rostos com as mãos. Não entendiam o que estava acontecendo, aquilo era sol demais para antes das cinco da manhã. Era sol demais para a face da terra. Sentiram a claridade se aproximando e quando notaram que era possível que queimassem suas vistas caso não seguissem a orientação de Pam, fecharam os olhos. Em suas peles, podiam sentir a luz se aproximando e trazendo calor à noite fria. Era como se estivessem na frente de uma enorme fogueira e as labaredas ansiassem por tocá-los. Sentiam medo de serem queimados da mesma maneira que sentiram mais cedo, com o grande arbusto flamejante. Mas dessa vez algo foi diferente e o calor da luz que os envolveu não pareceu querer devorá-los, mas confortá-los. A luz confortável aumentou mais e mais e pareceu que ia invadir a linha fechada de seus olhos quando de repente ela parou. E no momento em que tudo ficou escuro novamente ao redor do grupo, ouviram o ronco potente de um motor que poderia acordar toda a vizinhança. Todos estranharam, menos Pam. Ela abriu os olhos com um sorriso de quem encontrava um velho amigo e deu um passo à frente. Quando o resto do grupo abriu seus olhos, tomaram um susto.

Em dado momento eles já tinham adivinhado quem deveria ser o visitante, mas foi completamente incrível ver a verdade. Ficaram felizes com o que estava acontecendo e até repetiram que não conseguiam acreditar naquilo, mesmo já acreditando. Observaram o carro na sua frente e tomaram um certo susto ao notarem que era bem diferente do que imaginavam.

– UAU! – Joe foi o primeiro a gritar e a se aproximar do carro sem cerimônia. A Ferrari vermelho-sangue reluzia em seus olhos e parecia pegar fogo, como se tivesse sido forjada agora a pouco por um ferreiro – Que carrão!

– Ele é mesmo incrível. – Só então o grupo notou a presença do homem encostado na porta da Ferrari. Ele parecia jovem, não mais que vinte anos, e tinha a pele bronzeada. Ele tinha barba e bigode ralos e bem aparados e vestia uma bermuda de marca e camisa preta com as mangas dobradas até os cotovelos. Na pele exposta de seus braços podia-se ver tatuagens. – E corre que é uma beleza. Faz o mundo inteiro em vinte e quatro horas.

Quando o rapaz piscou para o grupo foi que eles finalmente se tocaram. Sim, estavam diante do deus Apolo.

– É demais! Cara, que calotas são essas! – Joe parecia mais impressionado com o carro do que com a presença do deus na sua frente. – Onde você consegue isso?

– Com o ferreiro dos deuses. – Apolo se aproximou do jovem para observar seu rosto. Depois de encará-los nos olhos, deu uma risadinha debochada. – Mas acho difícil você conseguir algumas porque ele não vai muito com a cara do seu pai.

Joe riu timidamente, segurando em seu coração a vontade imensa de perguntar quem era seu progenitor. Mas segurou a pergunta, porque já tinha certeza quase absoluta de que conhecia a resposta.

O resto do grupo ainda observava boquiaberto. Esperavam que o carro fosse um Maserati Spyder conversível, mas a Ferrari era igualmente impressionante. E o mais impressionante ainda era o fato de como ela foi parar ali e quem a tinha levado. Encaravam Apolo com os olhos arregalados e ele parecia gostar de toda aquela atenção. Em seus âmagos, na verdade esperavam o momento em que o deus puxaria um bongo e começariam a cantar alguma poesia, como era de se esperar dos momentos de alívio cômico dos livros de Rick Riordan. Quebrando finalmente o gelo, Pam se aproximou de Apolo sem cerimônia.

– Faz tempo que não nos vemos, tio. – A intimidade entre Pam e Apolo pareceu absurda para muitos, que às vezes se esqueciam que estavam todos em uma grande família. – Como andam as coisas lá em cima?

– Um caos total. – Ele riu, falando descontraidamente com Pam. – Esse negócio de vocês crianças quererem desvendar o Enigma está deixando os deuses de cabeça quente. Inclusive seu pai. – Apontou um dedo pra ela, avisando. Pam abaixou a cabeça.

– Sabe como eu queria fazê-lo orgulhoso, tio. Mas do jeito dele não vai dar. – Levantou a cabeça novamente, decidida. – O mundo precisa saber do Enigma e eu preciso cuidar disso. Não me importo de nunca ser reclamada se for pra cumprir meu objetivo. – As bocas de alguns de seus colegas abriram-se ligeiramente, percebendo que Pam já sabia quem era seu pai, mas este estava decidido a não reclamá-la pela luta que ela decidira lutar. Curiosidade lhes consumia, mas ninguém teria coragem de perguntar quem era o pai de Pam. – Vou com isso até o fim.

Apolo revirou os olhos em deboche à atitude dela.

– Você herdou a cabeça dura dele. – Ambos riram. O deus se recostou no carro e cruzou os braços, falando mais alto agora. – O que precisam de mim? Quer que eu dê um jeito nessas estátuas? – Apontou para o grupo paralisado na sua presença. – Posso fazê-las mais bonitas.

Pam riu entusiasmadamente enquanto todos ficaram sem jeito. Apolo observou o grupo e pôde notar características de vários de seus colegas deuses nos adolescentes, mas não ousaria lhes contar quem eram seus pais. Eles teriam que descobrir sozinhos, isso se já não soubessem. Quando seus olhos castanho-escuros pararam sobre uma menininha negra de olhar simpático que sorria pra ele, sentiu uma sensação esquisita. Ignorou e desviou rapidamente o olhar, voltando a encarar a sobrinha.

– O que precisamos é bem simples. – Pam começou a explicar. – Vamos para a nossa busca hoje, mas alguns deles precisam ficar aqui porque têm compromissos e...

– Já entendi. – Ele disse, parando Pam com um movimento da mão. Abriu a porta de seu carro e mexeu no banco de trás, procurando algo. Retirou de lá uma pequena flauta doce e a tomou em punho.

Apolo levou a flauta à boca e no segundo seguinte uma inebriante melodia envolveu o grupo. A música fez com que todos se sentissem bem instantaneamente e eles se sentiram voando em cada nota majestosa que saía do instrumento. Pam já tinha sentido aquela sensação antes, mas era a primeira vez da maioria. Então, a música parou e Apolo voltou a guardar a flauta.

– É isso? – Callie resmungou, levantando uma sobrancelha. – Uma música não vai livrar ninguém de nada.

Voltando a cruzar seus braços e se encostar no carro, Apolo sorriu.

– Espere um segundinho e vai ver.

O grupo esperou e achavam que nada ia acontecer, até que aconteceu. A terra do chão na frente de cada um se moveu e começou a fazer montes, tirando mais e mais terra do subsolo. Logo cada jovem tinha um monte de terra do seu tamanho bem na sua frente. Alguns observavam seu monte com uma expressão de medo, outros o admiravam, mas a verdade é que todos se surpreenderam quando os montes começaram a se formular e modificar sozinhos, adquirindo formas. Formas exatamente iguais às que tinham na sua frente. As criaturas de terra ganharam a forma daquele que espelhavam e logo ganharam cores, mostrando que vestiam as mesmas roupas e tinham as mesmas marcas no corpo. Eram clones assustadoramente perfeitos.

– Sou... Sou eu. – Andrew soltou, boquiaberto. – Esses bonecos são pra nos substituir?

– Sim. Farão o que vocês têm que fazer enquanto estiverem em missão.

– Nós não precisamos. – Julian levantou a mão, se referindo a ele e Lillie. – Não temos moradia fixa, então não temos pra onde voltar. Ninguém sentirá nossa falta. – Apolo assentiu e os bonecos de terra de Julian e Lillie desabaram tornando-se terra que se fundia ao chão novamente.

– Alguém mais? – Todos fizeram que não com a cabeça, menos Pam, que era a única do momento que não tinha pra onde voltar. O seu boneco de terra se desfez também. – Agora, os que sobraram, façam o favor de soprar no rosto do seu boneco.

Mesmo estranhando a situação, Andrew, Callie, Joe e Henry sopraram na direção de seus bonecos de terra e deram um pulo de susto para trás quando estes abriram os olhos. Olhos e olhares idênticos aos originais.

– Obrigada, tio. – Pam agradeceu. – Não conseguiríamos sem você.

– Considere minha ajuda como um investimento. – Apolo respondeu. – Quando esta batalha estiver acabada e o Enigma finalmente for desvendado por todo o mundo, eu terei liberdade para acolher todos os meus. E serei eu quem lhe agradecerá.

Apolo piscou pra Pam e foi na direção da porta do motorista de seu carro, mas foi surpreendido por Callie gritando seu nome.

– Apolo! – Andou até Henry e parou ao lado do rapaz confuso. – Não vamos precisar desse boneco aqui. O mauricinho disse mais cedo que não vai com a gente pra lugar algum.

Todos os olhares se dirigiram a Henry, pois se lembravam de quando ele tinha dito que só estava lá por curiosidade. Inquieto com as mãos nos bolsos, ele tentava se desviar dos olhares.

– É hora de se decidir, rapaz. – Apolo lhe gritou. – Apenas te lembro que “os lugares mais sombrios do inferno...”

– “...estão reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral”. – Henry completou a frase de Apolo, que com certeza estava testando-o. – Li A Divina Comédia quando tinha doze anos. – Sorriu para a expressão nada surpresa de Apolo. Ele parecia saber de algo que Henry nem desconfiava. – E, não se preocupem, não estou neutro. Já escolhi um lado. – O grupo foi tomado de repente por ansiedade até que Henry voltou a falar. – Seria difícil não ir até o final dessa loucura com vocês depois do que vi hoje. Não que eu acredite em tudo isso, é só... Curiosidade.

Pam sorriu, encantada com a decisão do rapaz.

– Pois então, lhes desejo boa sorte. – Entrou parcialmente no carro, mas depois voltou a sair. – Pam. – Chamou a sobrinha com um tom mais sério dessa vez. – Faça isso por mim, ok? Encontre-o. Conto muito com você pra isso.

Ela sorriu com pena para o apelo carinhoso de Apolo que ninguém além dela entendeu e assentiu. Quando Apolo deu partida, todos se viraram escondendo o rosto e fechando bem os olhos. A saída do carro-sol foi bem mais rápida do que a chegada e logo o grupo estava escondido no breu novamente. Ficaram um tempo em silêncio pensando em todas as loucuras que tinham acabado de acontecer. Sem necessidade de comando, os bonecos de terra de Apolo saíram marchando pra fora do Parque de Michigan, e ninguém precisou perguntar pra onde iam para saber que cada um foi na direção certa que tinha que ir.

Pam respirou fundo e retomou sua postura de liderança.

– Agora que isso não é mais um problema, falemos sobre nossa missão. – Puxou uma bolsa que trazia consigo. Parecia pesada, mas ela não reclamava do peso. Tirou de dentro dela o livro Percy Jackson e o Ladrão de Raios. Era uma versão econômica com capa simples e as letras bem miudinhas. Puxou também uma lanterna para consultar seu livro. – Acho que já falei que há pedacinhos do Enigma em cada livro, mas de maneira indecifrável, certo? Só conseguiremos desvendar tudo quando tivermos todos os livros em mãos e pra isso precisamos de Rick. Cada livro nos ajudará a chegar perto dele.

– Mas como? – Henry se meteu. – Há algum tipo de pista?

– Há centenas delas em todos os livros, basta prestar atenção. – Apontou logo na primeira página do exemplar, mas se ateve por um momento quando percebeu que tinha uma ideia melhor. Fechou o livro. – Se eu começasse a explicar tudo aqui, demoraríamos semanas pra dar o primeiro passo. Nem todo mundo tem a sua inteligência. – Se dirigiu a Henry e fez com que os outros torcessem os lábios. – Tenho um amigo que estuda os livros dia e noite, ele nos dará uma versão resumida.

– Então vamos logo até ele! – Callie gritou.

– Não é tão simples. – Pam falou. – Ele não está entre nós.

Andrew se meteu.

– Você quer dizer que ele...

– Exatamente. – A garota interrompeu. – Ele está no Mundo Inferior.

Silêncio tomou conta do grupo. Se já nos livros, aquele lugar era bastante assustador, mal podiam se imaginar entrando lá de verdade. Se a realidade era diferente do que estava escrito e tudo parecia ainda mais amedrontador, tinham pavor de sequer imaginar como seria entrar no território de Hades.

– Temos que ir pra lá, então. – Andrew disse, parece até um pouco ansioso. – Entraremos como Percy fez no primeiro livro. Vamos a Valencia Boulevard e entramos nos Estúdios de Gravação M.A.C., damos uma gorjeta ao Caronte e pronto.

– Não é assim tão simples. – Pam disse, quase rindo da certeza de Andrew. – A verdadeira maneira de se entrar lá não está nem nos livros e nem nas lendas mitológicas. – Todos franziram suas testas. – Pensem bem, os deuses não iriam querer que os humanos soubessem todos seus segredos, então desde o início dos tempos as lendas estão erradas. Não há gorjeta ao Caronte, não há barca, não há estúdios M.A.C.

– Então como diabos vamos encontrar essa porcaria?

Pam se pegou olhando para o nada depois da pergunta mal educada de Callie. Ela se lembrou da última vez em que trocou uma mensagem de íris com seu amigo no Mundo Inferior. Ele lhe contou que você primeiro precisa se encontrar para então encontrar a entrada do Mundo Inferior ou do Monte Olimpo. O lugar onde você precisa ir representa um lugar que já existe dentro de você.

– Já sei! – Ela se virou para o grupo, sorrindo esperançosa. – Bom... Acho que sei! – Recolheu seu livro e o colocou novamente dentro da bolsa. – Precisamos chegar ao Mundo Inferior dentro de nós antes de chegar ao local físico. – Viu todos fazerem caras de desentendimento, até mesmo Henry. – Prestem atenção, lá é como... É como se fosse o “inferno”, é assim que imaginamos, não é? – O grupo assentiu. – Então, a entrada do Mundo Inferior é num local que nós consideramos o nosso inferno pessoal! – Disse, quase gritando de entusiasmo. Logo, seus ombros se abaixaram e o sorriso se desfez. – Mas somos muitos diferentes e cada um viveu um tipo de vida. Nosso inferno pode ser o lar adotivo, a rua, o orfanato...

– Olha, Pam. – Joe colocou uma mão em seu ombro. – Não sei se posso dizer por todos, mas tenho quase certeza de que meu inferno sempre foi e sempre será a escola.

Joe fez o grupo rir e concordar por um momento. Assim como os personagens dos livros, nossos semideuses da vida real também tinham lá seus problemas escolares. Até mesmo Henry, que não tinha dificuldades acadêmicas, mas sempre teve problemas de bullying por ser um típico nerd.

– Deixem pra lá, é bobagem. – Uma Pam desanimada admitiu. – Vou consultar mais o livro e, se eu não descobrir nada, tentarei contatar meu amigo.

Quando Pam abriu a bolsa pra tirar o livro de novo, Henry pareceu ter um estalo. Foi como se a resposta estivesse lá o tempo inteiro. Num segundo, milhões de informações invadiram sua mente e ele percebeu que sabia exatamente como entrar no Mundo Inferior. Puxou Pam pelo braço, impedindo a garota de abrir seu livro novamente.

– Acho que já sei exatamente onde é a entrada. E você não está tão errada assim. – Lhe sorriu. – Há uma escola perto daqui, onde eu estudo. O Colégio Rav Good Hellinway. – Pam permaneceu em silêncio esperando a explicação. – Você não entendeu? – Disse, com um sorriso entusiasmado no rosto. Encarou seus outros colegas, que também pareciam perdidos. – O nome da escola é Rav Good Hellinway. Já experimentou dizer isso bem rápido?

Pam se pegou sussurrando o nome da escola com rapidez e arregalou os olhos quando notou a coincidência dos fonemas. Mas o resto do grupo ainda estava no escuro.

– Caramba, você é mesmo incrível. – Ela disse para o rapaz, admirada.

– Vão ficar de flerte ou alguém vai explicar o que está acontecendo? – Callie interrompeu, já nervosa. Num girar de olhos, Henry se virou para o grupo para mastigar a nova descoberta.

– O nome da escola é Rav Good Hellinway. Se falarmos rápido, parece que estamos dizendo “have a good hell-in way”. – Sorriu como um vitorioso ao notar os olhares de compreensão. – “Tenha um bom caminho inferno adentro”.

Antes que qualquer um ali pudesse lhe parabenizar mais uma vez pela descoberta, todos se assustaram. E não demorou para que o susto se tornasse admiração. Henry não sabia porque todos o observavam com os olhos arregalados e até uma certa pontada de inveja em seus semblantes.

Só quando Pam parou na sua frente e ele viu uma luz estranha reluzir no seu rosto foi que percebeu. E ele mesmo teve medo de olhar.

– Isso é... Maravilhoso. – Pam deixou escapar, entre sussurros maravilhados. – Eu nunca tinha visto pessoalmente. – Notou os olhos da garota se encherem d’água, mas logo ela desviou o olhar. – Parabéns, Henry. Você merece.

Só então ele tomou coragem e olhou o que tanto espantava a todos. Depois de respirar fundo, deixou que seu olhar tomasse a direção acima de sua cabeça e visse o símbolo que girava sobre seus cabelos. Uma cabeça de coruja com duas asas atrás cintilando em um tom perolado incrível pairava sobre ele. Sabia o que o símbolo e o lugar onde ele tinha aparecido significava.

Atena, sua mãe, tinha acabado de reclamá-lo como filho.


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Notas finais do capítulo

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