Solemnia Verba escrita por Blitzkrieg


Capítulo 30
Capítulo 29: Um Demônio Entre As Chamas.


Notas iniciais do capítulo

Um imperador estava perdido em reflexões enquanto aguardava o pior, refletia sobre sua própria postura perante tudo que acontecia. Até mesmo sua função naquele lugar entrava em questionamento. Enquanto isto, bem ao longe uma luta se iniciava. Margery enfrentava um adversário poderoso e tudo indicava que dessa vez suas chamas deveriam queimar mais vívidas e fortes se quisesse fazer a diferença naquela guerra.



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Tudo estava calmo até demais, pelo menos naquele lugar. Seria desastroso se os inimigos ultrapassassem as defesas da fortaleza e adentrassem. Aquela imensa fortaleza se assemelhava mais a algum tipo de castelo feudal, pois por dentro de seus muros uma comunidade vivia ali. Devas tinham tomado a escolha de viver segundo os moldes do feudalismo. Haviam abandonado o estilo de vida das cidades do século XIX de Londres e de outros lugares do mundo para servirem a princesa Hecate. Essa situação não era tão incomum, Yami refletiu um pouco sobre o que permitia os devas de se adequarem a estilos de vida tão diferentes e tão facilmente. A resposta talvez se encontrava na expectativa de vida que era tão alta comparada aos humanos. Ter 20 décadas de existência seria o equivalente a ter 20 anos em idade mortal. O Shoal particularmente não gostava do termo “mortal” para se referir aos humanos, pois de imortais os devas não possuíam nada, pelo menos a grande maioria. Portanto, não seria sensato chama-los dessa forma. Yami conhecia devas que utilizavam termos pejorativos para se referir aqueles que não possuíam o toque de um aliquid, e era apenas isso, apenas isso que diferenciavam humanos de devatãs.

Ajeitando suas roupas negras com detalhes dourados ele ultrapassou o imenso portão que agora se abria para lhe permitir passagem. Apesar de não enxerga-lo, podia senti-lo. Também pôde sentir duas presenças familiares, uma de cada lado do portão e logo tratou de cumprimentar os soldados que cumpriam suas missões com certo tipo de honra.

– Bom dia, imperador Yami – responderam quase em uníssono os dois soldados.

Imperador...Para Yami aquelas palavras ainda lhe soavam estranhas. Poderia chamar aquilo de seu império? A princesa havia lhe dado a confiança de cuidar das questões burocráticas pertinentes a um diplomata. Deveria ser grato pela posição que ocupava. O Shoal ainda se recordava de quando teve que tratar pessoalmente da negociação de transferência de cargo de Waldrich Leviathan que era comandante de um dos esquadrões de Poseidon em Atlântida, para se tornar o major do exército de Hecate Chronus. Se recordava muito bem da hostilidade do atual rei de Atlântida, Azura Poseidon I, em negociar a transferência. Naquele momento, o irmão de Waldrich já era considerado um criminoso e o Shoal não teve muitas dificuldades em efetuar a negociação quando decidiu se prender a tal detalhe. Azura, como todos sabiam, era um rei orgulhoso e citar tal detalhe pareceu feri-lo como se alguém houvesse lhe atravessado uma espada. Yami sabia muito bem que não devia se prender muito aquilo, pois no momento que o rei era orgulhoso, bastava o comprimento de um fio de cabelo para se tornar também extremamente perigoso. Aquele sim era um rei que deveria ser temido. Conseguia ser mais intimidante que até mesmo o próprio Charles Chronus. E agora como iria se explicar com um dos reis mais poderosos e influentes que se tinha notícia? Se Waldrich estava morto, deveria dar satisfação ao rei. Isso não seria nada bom.

Foi perdido em pensamentos que o imperador prosseguiu pelas ruas empoeiradas daquele curioso império, até ser interrompido por um garoto sujo que puxou seu colete.

– Oh! – Exclamou uma mulher próxima, trajando roupas simples de camponesa. – Deixe o imperador em paz, Lewis. Venha! – continuou, puxando o braço do garoto que se desprendeu com vigor e agarrou uma das pernas do Shoal. – Ora, mas o que é isso? Venha cá! – A senhora que parecia ser a mãe, estava começando a se enfurecer.

– Não se preocupe. – respondeu Yami, retirando os braços da criança gentilmente envolta de sua perna e logo em seguida inclinou-se com a face voltada para o rosto infantil.

Quase ninguém sabia, mas não era totalmente verdade que os consanguíneos de Yami eram cegos, na verdade eles enxergavam. Enxergavam os contornos de tudo aquilo que poderia projetar uma sombra, de uma maneira que mesmo através da faixa negra que recobria os olhos, o imperador podia enxergar a silhueta do que estava adiante. O olhar da criança permaneceu fixo e brilhante, fitando a faixa negra.

– Então, o que foi? Qual é o problema, garotinho? – indagou Yami, fazendo um cafuné nos cabelos lisos daquele pequeno ser.

– Ele não conversa, senhor. – explicou a mãe, tocando desajeitadamente o vestido, lembrando-se depois que o seu interlocutor não poderia enxerga-la.

– É muito novo para isso?

– Não, ele possui alguma deficiência que o impede de falar, só emite alguns sons as vezes, quando está nervoso.

– É uma pena. – respondeu o imperador, suspirando entristecido.

Se havia uma deficiência que poderia afetar profundamente o destino de um deva se o acometesse era a de ser incapaz de falar. O grande escrivão, considerado por muitos devas um deus, era o responsável por nomear a língua universal para os cantios e fragmentos essenciais dos recitos de solemnia verba. Não se conhecia a aparência desse deva único, ninguém nunca havia relatado um encontro com o mesmo, mas nas escrituras antigas, do tempo da prisão de Lótus, um período bastante curioso na história dos devatãs, havia citações desse deus que nomeava a língua mãe para as alterações das leis físicas do universo. Aqueles que não possuíam o dom da fala e possuíam a essência de um aliquid nunca poderia realizar uma solemnia verba, pois a mesma só poderia projetar seu poder no mundo por meio das palavras ditas na língua mãe. Sendo assim, o pequeno garoto que não falava estava fadado a permanecer nas categorias mais baixas de classificação hierárquica de poder, devido a incapacidade de recitar uma solemnia verba. Os cantios poderiam ser ditos na mente e ainda assim não perderiam efeito, mas a solemnia verba deveria ser pronunciada corretamente para que causasse interferência no mundo. Levando em consideração esse fato, uma das punições contra criminosos condenados pelos juízes da trindade reguladora, era de ter a língua arrancada acarretando que o deva que sofresse tal punição, jamais conseguiria evoluir suas habilidades e consequentemente o nome de sua família. Pobres daqueles que por ironia da natureza nasciam sem o dom de emitir as palavras solenes no mundo, como aquela criança.

– Qual o nome do aliquid dessa criança? – indagou Yami, realizando a pergunta característica entre os devas sobre qual descendência pertenciam.

– Caretta, senhor. Lewis é um careta sangue puro.

– A tartaruga marinha. – resmungou o imperador. – Vocês vieram de Atlântida.

– Sim, da região Norte. – completou a senhora.

“Que ironia.”

O Shoal começou a refletir sobre se o pai da criança poderia estar em uma das hordas que foram enviadas para combate. Esperou alguns instantes a mãe lhe fornecer tal informação, porém ela também permaneceu em silêncio, era evidente que ela também se segurava para não perguntar tal coisa com medo de ouvir alguma notícia ruim. O imperador tentou tranquiliza-la lhe explicando sobre a segurança da fortaleza, porém não deixou de descartar a hipótese de uma futura invasão ocorrer. Não seria bom alimentar tanto a esperança de vitória dos habitantes daquele lugar, pois era preciso que todos estivessem em estado de alerta na medida certa. Após se despedir do garoto e de sua mãe, Yami continuou a caminhar. Dessa vez, parecia que sua responsabilidade havia aumentado, por um momento desejou ter permanecido dentro do palácio.

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As chamas dançavam no ar queimando a grama esverdeada da campina. Vultos ligeiros trespassavam a fumaça que se formavam dissipando-a rapidamente. De repente, uma explosão aconteceu, um buraco foi formado no chão rachando o solo e soltando blocos de pedra no ar. Era preciso se desviar, deveria ter tempo para analisar os comportamentos do inimigo. O imenso punho se projetou subitamente, dessa vez tinha sido por pouco. Margery conseguiu se desviar do golpe habilmente dançando para o lado e desapareceu em um tornado de chamas.

A fiel subordinada de Hiero ressurgiu mantendo uma distância segura de seu inimigo. Teve finalmente um tempo para analisar toda a situação e com isso percebeu que o general estava começando a se irritar. Dois passos foram dados para frente, em uma de suas mãos uma chama se projetou. O punho se fechou firmemente.

– Onde está Zero? – perguntou a Pyromorphisis, mantendo um semblante sério e concentrado em qualquer movimento do inimigo.

– Zero? – indagou o general, com um meio sorriso. – Ora, está morto. – continuou, endireitando seu corpo em uma posição de descanso.

– Isso não é verdade, ele não seria derrotado tão facilmente.

– Eu não sinto mais a presença daquele Leviathan. Só pode ter sido morto por Ayemon. – explicou o general, se perguntando mentalmente a razão de continuar a dialogar com seu alvo.

– E onde ele está? – perguntou a Pyromorphisis, erguendo o punho em chamas.

“Se eu responder a verdade ela tentará fugir para se encontrar com Ayemon. Com isso, acabarei desperdiçando minha energia perseguindo ela.”

– Me derrote e eu lhe direi onde ele está. – disse Gordon, emanando sua energia rubra que fez pressão no ar.

– Você me subestima, general. – disse Margery, com um sorriso sarcástico e um olhar penetrante. – Sei muito bem que esse Ayemon se encontra dentro da fortaleza. Por ser protegida por uma barreira é impossível sentir qualquer aliquid que venha de lá. Se ele estivesse morto você não teria dito apenas que ele assassinou Zero.

“Ela tem mais astúcia do que aparenta.”

– Tem razão. – admitiu o imenso guerreiro de cabelos longos e barba avermelhados. – Mas você esqueceu de um detalhe. Mesmo que você me ignore e procure a fortaleza, você não conseguirá acha-la. Portanto, precisa me derrotar para voltar ao seu mestre, não é mesmo?

– Fugir nunca foi uma opção. – explicou a Pyromorphisis, fechando os olhos por uns instantes. – Deixe-me lhe explicar uma coisa. – continuou, enquanto reabria os olhos. - A barreira daquela Chronus não impedirá o meu mestre de invadir o lugar. Em breve, a barreira será destruída e eu poderei sentir o poder daquele covarde para caçá-lo. Quem precisa derrotar alguém aqui é você que corre contra o tempo. Eu poderia ser bastante inconveniente e tentar acumular tempo até o mestre Hiero destruir o casulo onde todos os covardes estão enfurnados, mas... – explicou, enquanto abria o punho em chamas, fazendo o fogo se tornar mais intenso. – Eu sou bastante diferente desses ratos que se escondem de medo.

Gordon sorriu, sentindo uma animação que há muito tempo não lhe visitava. Aquela seria uma luta emocionante, podia sentir, por um momento sentiu-se feliz por escolher um adversário tão corajoso e ousado. Já estava passando da hora de matar aquela criminosa, antes que o respeito acabasse se tornando simpatia. Como não havia mais nenhum soldado por perto, não deveria se segurar, não precisava mais se preocupar com o estrago que poderia causar ao redor. Ele era um legítimo Daemon, um demônio e demônios não deveriam temer o fogo.

– Venha, garota. Vou lhe mostrar a razão de me chamarem de general.

– Grande coisa. – sorriu Margery. – Vamos lá. - A mão em chamas fez um movimento ligeiro, como se desse um tapa com as costas das mãos. O fogo se expandiu. – Ad Inferos.

O cantio foi dito em voz firme enquanto da mão foram disparadas rajadas flamejantes que se estenderam devido à alta velocidade. Os projéteis estavam prestes a colidir quando o general estendeu uma das mãos e negou o ataque, fazendo surgir uma barreira negra translúcida que desviou o primeiro toque das chamas. Gordon percebeu que não seria possível escapar das próximas ameaças com aquela tática, portanto, decidiu tentar algo diferente. Concentrando sua energia em seu punho direito, deu um soco poderoso no chão, erguendo uma enorme rocha a alguns metros de si. A palma foi aberta enquanto procurava tomar impulso para concluir o ataque.

– Viris Intrisicus. – disse, quase como um sussurro. - Efflari! – gritou e logo depois bateu a palma aberta contra a rocha.

O imenso bloco se dirigiu velozmente em direção a deva que ainda disparava fogo com seu cantio. As colisões não desmancharam a rocha que simplesmente repelia as chamas violentamente para longe, desfazendo as formas alongadas que tomavam após percorrerem seu caminho. A outra mão de Margery que se encontrava desocupada, começou a realizar movimentos bruscos e irregulares. Assim que a rocha estava prestes a atingir a deva do fogo, um turbilhão de chamas impediu que a colisão ocorresse. O ataque do general foi totalmente envolto pelo fogo, que soergueu no ar o bloco que havia se desprendido do solo. Uma das mãos da Pyromorphisis fez alguns movimentos rápidos e as chamas que dançavam logo a sua frente se materializaram em turbilhões que dispararam para perseguir seu alvo.

– Entendo. Ela manipula as chamas e as transforma como bem entender. – resmungou o Daemon, enquanto assistia o ataque se dirigindo até ele. - São seis extensões em chamas que estão tentando me acertar. – contou o general, enquanto direcionava um olhar sério ao que estava por vir.

Gordon aguardou alguns instantes, assim que estava próximo de ser atingido, abriu bem sua boca e aspirou com toda a força. As chamas se condensaram entrando por meio de sua garganta e todas foram engolidas. Podia sentir o aliquid distinto dentro de si, pulsante e quente. Logo tratou de expelir aquela energia, apenas havia decidido não guardá-la, pois deveria esconder qualquer informação útil que ajudasse o oponente a elaborar algum tipo de estratégia. Um sorriso se estendeu na face do general e Margery pôde perceber o perigo que estava correndo, aquele foi um sinal que despertou o instinto de sobrevivência imediatamente. Os pulmões se encheram de ar e a boca do Daemon se abriu, emitindo uma rajada de energia que se dirigiu velozmente em direção ao alvo que permanecia imóvel e concentrado.

A projeção de energia rubra estava a caminho, Margery se encontrava com o olhar fixo ao que estava por vir. Não tinha muito tempo para pensar, era preciso agir rápido, naquele momento a deva do fogo começava a se perguntar como escaparia daquela ameaça. Foi enquanto a impaciência começava a aflorar que a Pyromorphisis começou a expandir seu poder ao máximo.

Animus Necandi! – gritou, expandindo uma áurea rubra e intensa. – Ignis carcerem.

O ataque do general chegou ao alvo, porém antes que o atingisse, Margery se desintegrou em um turbilhão de chamas. Gordon não se deixou abater, assistiu silenciosamente sua emissão de energia se desfazer no infinito, para ele era mais do que óbvio que sua oponente iria desviar facilmente de um ataque pouco simulado. Por alguns instantes se perguntou por qual razão ainda se continha e continuava a realizar ataques tão simples. Era preciso matar aquela criminosa, deveria assassiná-la pelo bem de todos que se encontravam na fortaleza. Seu semblante começou a se alterar, uma raiva de si mesmo começava a brotar, algo que poderia se transformar em fúria. Como ele poderia ainda se chamar de general tomando uma postura tão inferior perante o inimigo? Não era ilógico que Locus havia conseguido a promoção, ele tinha obtido sucesso na missão que lhe foi concedida. O Daemon deu um passo à frente enquanto emanava sua energia ao máximo, porém cessou seus movimentos quando notou uma variação sinistra de energia ao redor.

Labaredas tocaram o solo composto de gramíneas e em uma rápida expansão as chamas tomaram a forma de um enorme anel que circundou o general. O fogo atingiu vários metros de altura e logo não se podia avistar mais nada de fora daquela projeção incomum.

– Realmente se trata de uma prisão de chamas. Eu deveria ter tomado precauções, essa mulher não está para brincadeiras e eu nem mesmo sequer presto atenção nas palavras emitidas por ela. – Disse o general, deslizando seus dedos por suas têmporas até chegar aos olhos após inclinar o rosto um pouco para baixo. – Isso tudo é muito estressante. – Sussurrou para si mesmo.

Solemnia verba...

As palavras ecoaram nos ouvidos e fez o Daemon estremecer por dentro da armadura. Os olhos se abriram e se arregalaram.

“Ela definitivamente não está para brincadeiras...”


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Notas finais do capítulo

Mil perdões pela demora, quem acompanha a fic ainda deve ter percebido que os capítulos diminuíram de tamanho. (além da demora em postar que se tornou colossal rsrs) Houve essa mudança devido a uma crítica que recebi, portanto tentarei manter os capítulos nesse padrão daqui para frente. Muito obrigado por continuar acompanhando.



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