Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 23
O segredo de Karl




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Eu estava deitada na cama, nua, limpa e preparada. Conseguia ouvir alguns soldados passando do outro lado da parede, conversando.

Olhava ansiosa para a maçaneta da porta fazia cinco minutos, quando ela finalmente girou e se abriu devagar. E lá estava Karl, bonito e arrumado como sempre, mas havia algo de errado em como ele andava, em como ele respirava. Eu não o irei julgar, apesar de não simpatizar com suas atitudes, estamos todos tentando sobreviver, afinal. Para não enlouquecer nesse mundo desolado, seco e difícil, as pessoas precisam se agarrar a algo, como as drogas –no meu caso–, vícios ou fetiches estranhos. Quando eu passei a pensar tanto nas pessoas antes de mata-las? Ele sorriu para mim, enquanto atravessava melodicamente o cômodo, passando pela banheira com água suja e sentando-se ao meu lado na cama.

—Sabia que não iria me decepcionar. –Ele disse, passando a mão em minha coxa, seu rosto brilhava, ele parecia ter pressa.

Eu havia prometido para mim mesma que nunca mais faria nada contra minha vontade, nunca mais deixaria que essas coisas acontecessem novamente, tudo aquilo embrulhava meu estômago e me deixava enojada, e então quando ele me tocou lá embaixo, toda a culpa de mata-lo sumiu de meus ombros, transformando-se em ódio, se eu não o parasse, ele continuaria, se não fosse comigo, seria com outra mulher. Então Karl parou tudo o que estava fazendo, levantou-se de cima de mim e abriu uma gaveta do criado mudo ao meu lado da cama, de lá ele tirou um objeto muito comprido feito de um material maleável, mas firme, parecia de antes da Grande Guerra.

—Você vai me foder com isso. –Ele disse.

Olhei fundo em seus olhos, e quando entendi o que ele estava pedindo, soltei uma imensa gargalhada. Impossível! Então é esse o tipo de pessoa que eu temia?

—Hahahaha! Patético! –Eu caçoei.

—Como ousa? Você é minha escrava, não pode falar assim comigo! –Ele me dá um tapa no rosto, mas não doeu, pois eu ainda ria. –Chega! Vou explodir sua cabeça, igual com as outras vadias!

Então ele tenta levar a mão ao bolso, em busca provavelmente do detonador da minha coleira, eu pulo em cima dele antes que pudesse fazer algo, rapidamente rasguei sua garganta com a faca que Bill Feio havia me dado, fazendo-o engasgar-se em seu próprio sangue. Mesmo assim, Karl era forte, e num momento de fúria misturada com desespero, ele me joga contra a parede, fazendo-me bater a cabeça e cair, minha visão escurece, mas ainda consigo ver seu sangue por todo lugar, inclusive entre minhas pernas, merda! Esse sangue era meu ou dele? Não tive tempo de pensar, pois ele sacou uma pistola de sua cintura e tentou mirar em mim, mas suas condições o impediram de acertar, mesmo estando tão perto. Quando consigo me restabelecer, encontro ele caído no chão, agonizando sem sangue, peguei a arma. Ufa! Sem mais tentativas de tiros, idiota.

Uma vez James disse que quem morre por sangramento sente sede quando está agonizando. Seria verdade?

—Tá com sede, filho da puta? Quer que sua escrava busque uma água pra você? Você parece meio... Seco. –Ele estende a mão para mim, encarando-me no fundo dos olhos, dentro deles havia raiva, medo e vergonha. E assim sua vida se esvaiu, como um vaso rachado que perdeu todo o líquido que carregava, num engasgo molhado e quente.

Minha barriga doía muito depois do tombo, e agora eu pude ter certeza que o sangue era meu. Eu estava tendo um aborto. Mas calma, eu não vou perder a calma. Tudo bem, eu não precisava dessa criança, nunca precisei. O único problema era em quanto tempo alguém apareceria ali. Eu estava totalmente sem condições de continuar com o plano de escapar. Ótimo, se me encontrassem ali, seria o fim, e porra, aquele desgraçado do Bill Feio havia me dado a faca dele, o trunfo dele. Engatinhei, e a única coisa que explica minha força foi minha vontade de viver, girei a chave na porta, trancando-a, e sentei novamente ao lado da cama, isso iria me dar mais tempo. Agora sim começo a ficar nervosa, havia bastante sangue e dor, e eu, meio deitada, meio sentada, suando pra caralho e incapaz de me mover.

Então, começo a ouvir passos confusos e ordens, uma estranha movimentação do lado de fora, “fudeu” pensei logo, mas não tinha muito o que fazer, bateram na porta bem forte, e chamaram por Karl, eu fiquei em silêncio, peguei a faquinha e a segurei forte, preparada e mirando para a porta caso a arrombassem. Mas isso não aconteceu, o soldado do lado de fora decidiu que outra coisa era importante, e desistiu de abrir a porta. Tudo foi ficando quieto, assustadoramente quieto. Mas eu estava sozinha e ainda trancada ali dentro. O tempo passa, e eu me remexo de dor algumas vezes, gemendo o mais baixo que podia. Ouço novamente passos em direção à porta, tentaram a abrir com batidas fortes, sem sucesso, então uma bala atravessa a madeira e se aloja na parede do quarto, sem fazer qualquer barulho, matando quem quer que estivesse querendo abri-la. O que estava acontecendo lá fora, afinal? Ouço vários passos perto de onde estava.

—Rose?

—Trinity?! –Eu grito ao ouvir a voz que me chamava.

—Rose tá tudo bem? Arromba essa merda. –Ela disse, e então a porta se abre ao levar um chute forte.

Lá estava ela e Rutherford, que correram em minha direção, assustados.

—Meu Deus! Você não tá bem! –Ela exclamou visivelmente nervosa, me abraçado e olhando ao redor da barraca, espantada. –O que aconteceu aqui? –Perguntou, me cobrindo com um manto.

—Precisamos fugir agora antes que nos vejam. –Eu disse, apressando-os.

—Calma, ninguém nos verá aqui. Estão quase todos mortos. –Rutherford disse.

—O que? Como? –Eu estava nervosa e ao mesmo tempo confusa, a dor fazia com que isso fosse demais para mim naquele momento.

—Tá, obviamente temos coisa mais importante para resolver do que ficar jogando papo fora, o que aconteceu...? –Dylan começou a dizer, mas parou por medo da minha reação.

—Um aborto, Rutherford. –Eu disse.

Ele logo entendeu, e começou a fazer o que nasceu para fazer: salvar as pessoas, aliviar o sofrimento. Ele era uma boa pessoa, fazia sempre o que podia, e naquele momento eu me arrependi de todas as coisas ruins que pensei sobre ele, ele estava lá, com Trinity, e estava me salvando. Eu ainda não sabia o que havia acontecido, mas eles conseguiram. Posteriormente, outros Khans apareceram, muitos eram amigos da minha namorada, e me levaram para a enfermaria improvisada que já havia no acampamento. Lá já havia mais dois soldados com os mesmos sintomas de Karl, porém mais avançados, e comecei a pensar em Max.

Já estava escuro, em uma das barracas eles acharam as chaves que prendiam as coleiras nos pescoços dos cativos, e assim conseguiram libertá-los, a mulher que não parava de chorar finalmente calou a boca. Decidimos por fim terminar de passar a noite no acampamento, depois que o tomamos por completo, e também pela minha condição, que não conseguiria andar muito naquele momento.

Também foram interrogados dois soldados da legião com vida, depois de incríveis duas horas de tortura, um deles contou sobre Max. De madrugada, alguns soldados da legião, acompanhados por Karl, invadiram minha tenda, mas não contavam que, apesar de Max ser tão nova, pudesse atacar humanos, alguns levaram mordidas e ela acabou escapando, levaram-me, e não viram mais nenhum night stalker depois disso, houve o do guizo que Karl me dera, mas já estava morto quando o acharam. Havia uma chance de encontra-la, então! E eu iria fazer isso assim que voltasse para Red Rock.

Estava tarde, os cativos já haviam partido, e eu queria muito finalmente dormir um pouco mais tranquila, as dores haviam cessado com os remédios que Rutherford me dera, e eu já me sentia melhor. Eu estava perdida em pensamentos quando percebo que havia uma sombra parada em frente à barraca da enfermaria, ficou lá por um momento, esperando, talvez pensando, finalmente, a pessoa entrou, era Bill Feio.

—Se eu soubesse que você tava gravida eu não teria posto tanta responsabilidade em seus ombros. –Ele disse, soou meio grosseiro no inicio, mas eu sabia o que ele queria dizer. Bill era como eu, tínhamos dificuldade em nos expressar, mas aquilo era um pedido de desculpas.

—Tudo bem. Eu pude me defender dele assim. Com certeza não teria conseguido libertar vocês, mas você me deu uma chance de... De não ser tratada como um lixo.

Um longo silêncio se seguiu, ele coçou seu bigode marrom mal feito e pigarreou, engolindo novamente.

—Sabe... Eu meio que não tenho para onde ir. –Disse, olhando para o chão.

—Venha conosco. Podemos... tentar conversar com Papa Khan.

—Você é uma Khan agora? –Ele pareceu surpreso. –Bem... Não era muito o que eu imaginava... Eu pensei que você era solta na vida.

—Eu nunca pedi que fosse assim, eu só... Deixei que acontecesse. Mas é bom. –Eu sorri. –Conheci uma pessoa importante para mim.

—A loira com pele de sol. –Ele sorriu. –As duas têm bom gosto. Bom, obrigado Prim, agora posso ser livre. Quem sabe um dia nos encontremos novamente. Espero que não como cativos desses merdas, não... –Ele riu. –Se cuida. –Com um aceno meio sem jeito, meio seco, assim como ele, se despediu, saindo da tenda.

—Obrigada. Bill Feio. –Eu disse, mais para mim do que para ele.


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