Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 22
Cativos da Legião




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Ainda estava escuro quando acordei, minha cabeça doía e eu não sabia quanto tempo havia se passado. Havia soldados da legião por todos os lados, alguns comiam, outros conversavam ou andavam. Me mexi devagar para não fazer barulho e percebi que além das correntes que amarravam meus membros, havia um tipo de coleira metálica em meu pescoço. Eu já havia ouvido histórias assim, mas nunca imaginei que passaria por isso também. Estava dentro de uma espécie de jaula, junto com mais pessoas de diferentes idades, seis para ser exata, algumas dormindo como eu, outras já acordadas e em estado de choque. Fora da jaula, podia ver barracas improvisadas e um corpo apodrecendo pouco mais ao longe, parecia que teve sua cabeça explodida, e então entendi sobre porque das coleiras.

Será que já haviam dado falta de mim em Red Rock? Onde eu estava? Estariam procurando por mim em algum lugar? Sentei-me no chão, tentando pensar em algo.

—Há quanto tempo estou aqui? –Perguntei para uma mulher que passava chorando ao meu lado, ela olhou para mim com o rosto vermelho e inchado, voltando a chorar. –Beleza.

—Essa aí não vai falar nada. –Um homem de bigode e costeletas escuras cuspiu no chão. –Sete horas. Pode me chamar de Bill Feio. –Ele também possuía uma verruga cabeluda na maçã do rosto, quando sorriu seus dentes amarelados e quebrados apareceram.

—Primrose. –Eu o cumprimentei com um aceno de cabeça discreto.

—Você é bonita, Prim. Sabe o que fazem com as bonitas aqui? –Ele procurou algo nos bolsos, sem sucesso. –Merda, me esqueci que o cigarro acabou. Eu gostei de você, parece experiente. Que tal uma aliança até que consigamos escapar?

—Parece bom. De onde veio?

—Nasci nessa secura. E você?

—Eu era uma fiend.

Ele sorriu, parecendo achar interessante minha resposta.

—Vamos evitar trocar muitas palavras, eles não podem perceber, senão nos trocarão de lugar, ou coisa pior. –Bill Feio disse, afastando-se.

Quando ele saiu de minha vista, pude focar em outras coisas, como procurar pelo maldito Karl. Após algum tempo observando o acampamento improvisado, consegui acha-lo no momento em que saia de uma das barracas, agachei para pegar uma pedra que estava perto de mim e arremessei em sua direção, não consegui o acertar, mas foi o suficiente para chamar sua atenção.

Ele veio andando até mim, sorrindo como se houvesse ganhado na loteria, havia alguma coisa estranha nele, no jeito que andava.

—Vejo que acordou.

—Por quê? –Eu franzi a testa.

—Desde que entrou pela porta daquele velho gordo eu soube que precisava ter você. Esperei ansioso pelo dia que abaixaria sua guarda. Pode ficar agradecida, você chamou a atenção de alguém muito importante. –Ele sorriu, mostrando seus dentes brancos e brilhantes.

—O que fez com Max?

—Seu night stalker? –Ele riu, mas notei que havia ficado meio desconfortável. –Temos um plano para ele também.

Cuspi em seu rosto. Minha saliva percorreu sua maçã do rosto, passando por cima de sua boca e queixo, por fim, pingou na gola de sua roupa romana idiota. Ele sorriu, tentando disfarçar seu nojo e raiva.

—Vai se arrepender de ter feito isso. –E saiu andando de volta para seu covil.

Naquela noite, eu sabia que precisava sair dali. O tempo passou rápido e em poucas horas o numero de soldados acordados diminuiu. Haviam três guardas fazendo a ronda da madrugada, mas dentro daquela jaula, vestindo uma coleira explosiva e sem nenhuma arma, eu não conseguiria fazer nada. Bill Feio dormia encolhido no chão de areia poeirenta, as vezes sentia um calafrio quando ventos suaves e gelados corriam entre as barracas. Minha barriga roncou de fome, e uma leve dor começou a aparecer no meu ventre. É, eu estava sem os remédios que Rutherford me dera, e eu já sabia o que iria acontecer.

Na manhã seguinte, acordei quando o sol começou a iluminar a Wasteland em tons pastéis, ali o nascer do sol era muito bonito, se comparado às pessoas que o assistiam todos os dias. Eu me preocupava cada vez mais com Max, se eles a haviam pêgo, ela não teria chance nenhuma. Quase que instantaneamente ao pensar isso, Karl apareceu com um embrulho junto à grade, e me chamou para mais perto. Quando me aproximei, notei que além de estar com uma coloração diferente, ele transpirava bastante, mas ainda assim mantinha a postura, ele deu o embrulho em minhas mãos.

—Acho bom ser boazinha de agora em diante. –Ele disse.

Eu abri o pacote, curiosa, e ao ver o que era, tomei um susto: dentro, havia um pequeno chocalho de night stalker. Comecei a chorar, e ele mostrou seu sorriso impecável.

—Por quê? –Eu disse, entre lágrimas.

Mas ele apenas voltou andando de onde viera, e quando conseguiu uma boa distancia, disse:

—Ele ainda está vivo. Mas só se você nos obedecer direitinho de agora em diante.

Continuei chorando até que ele desaparecesse de vista, e quando o fez, Bill Feio apareceu, perguntando o que ele havia feito. Eu o mostrei o chocalho, e ele não entendeu, finalmente, pude parar de chorar.

—Eu tenho um filhote de night stalker comigo. Na verdade, tinha, ela desapareceu na noite que me trouxeram para cá. Karl disse que é dela. –Bill Feio me olhava sem saber como reagir, se ficava surpreso ou triste. –Mas... Esse chocalho... Não é da Max. –Eu sorri. –Ele está tentando me enganar, esse chocalho tem mais gomos, ele pensa que é macho, e eu vou jogar o seu joguinho sujo. –Limpei minhas lágrimas, feliz pelo papel que eu estava conseguindo encenar. –Ela conseguiu escapar, de alguma maneira.

À tarde, minha barriga roncava de fome, fazendo-a doer mais do que antes. O sol estava castigante, e não havia uma sombra sequer onde estávamos, afinal, quem se importa com escravos, não é mesmo? Minha boca seca implorava por um pingo de água. Aquela mulher ainda chorava, porém ficar sem beber líquido por quase um dia inteiro fez suas lágrimas secarem rápido, sobrando apenas o barulho irritante de soluços. Eu olhei feio para ela, como se esperasse que por algum milagre ela se calasse, aquilo estava me irritando. Bill Feio, que estava mascando um capim do outro lado da cela, ao perceber que eu o observava, fez um aceno com a cabeça.

Minha barriga começou a doer novamente, e eu me peguei rezando para que minha intuição estivesse errada.

Aquela maldita mulher ainda choramingava sentada em posição fetal, sua voz fina e irritante não saia de minha cabeça há muito tempo pro meu gosto. “Por que não cala a porra da boca ô sua puta maldita?” Eu disse, chegando perto o suficiente para parecer no mínimo séria. Ela me olhou, assustada e calada, por algum momento eu pensei que ela tivesse entendido minha ameaça, mas voltou a chorar, e ainda pior do que antes. Então nesse momento eu perdi minha calma e a chutei na costela, ela ficou estatelada no chão, com seus olhos azuis arregalados, seu nariz inchado, com a boca entreaberta e com as mãos abraçando seu torso, que por sinal doía bastante, sem fôlego. “Não queria um motivo pra chorar?”, cuspi no chão. Nenhum soldado fez nada, como esperado, os outros que estavam no cativeiro ficaram quietos, me olhando com espanto. Bill Feio ria com o canto da boca, teria ele gostado? Será que ele me entendia? Tentei dispersar o ocorrido andando para uma extremidade da cela, sentei no chão. Quando percebi, ele estava à minha frente.

—Calor, hem? –Disse, mostrando seus dentes podres.

Eu não respondi, apenas dei de ombros. Quando uma leve brisa bateu em meu rosto, pude sentir um cheiro forte de suor que brotava de Bill.

—Escute, eu tenho um plano. Estou aqui há um tempo, consegui perceber como as coisas funcionam, ninguém quer um velho feio e acabado, entende? Mas foi conveniente que eles me tornassem um cativo, talvez esperam que minha cabeça exploda, ou que eu morra de sede. Enfim, não vim falar de mim. Hoje a noite vão vir aqui te buscar, eles fazem isso com as bonitas, vão te levar para uma casa, mais arrumada que essas barracas fedidas. Deixar-te-ão sozinha lá dentro, então o show é por sua parte, você pode ir e fazer o que eles mandaram, ou pode transformar a situação a seu favor.

—O que quer dizer com isso?

—Você terá a chance de escapar, se fizer tudo certo. Por isso é bom pensar em algo. As meninas que vi entrando lá dentro antes de você nunca voltaram vivas, não sei o que acontece lá. –Ele disse, tirando da bota uma pequena faca. –Quando conseguir fugir, não esqueça de mim. –E entregou-a para mim.

Esperei por mais algumas horas, e quando o sol começou a se pôr, um soldado da Legião encostou na grade e começou a caçoar de nós. Quando ele se sentiu satisfeito, chamou-me para mais perto, mas eu o ignorei. “Querem conversar com você, carequinha” Ele disse, e finalmente teve minha atenção. Aproximei-me e ele abriu a porta para que eu saísse, eu olhei de relance para Bill Feio, e ele acenou levemente com a cabeça, pude ler em sua boca “Boa sorte”. –Não tente nada burro, bonita, senão sua cabeça irá explodir que nem aquele ali – o soldado disse, e apontou para o corpo inchado do homem sem cabeça que estava perto da jaula, instantaneamente, como se tivesse percebido novamente a existência daquele cadáver, seu cheiro fétido veio até meu nariz, fazendo-o arder.

Nós caminhamos até uma barraca, mais bem trabalhada do que as demais, ele abriu a porta com um leve empurrão, lá dentro estava escuro, fresco e com cheiro de ervas. Adentramos aquele casebre, havia uma cama grande, e ao seu lado, uma banheira de madeira cheia de água e sabão, também percebi uma porta, onde deveria ser o sanitário.

—Tome um banho, ele não gosta das sujas. Faça direitinho, pois essa será sua sorte. Tem meia hora para se limpar, quando essa porta se abrir, quero você deitada nua na cama, o resto já sabe. –Ele disse, enquanto tirava as correntes que me amarravam, deixando somente a coleira explosiva.

—O que? –Mas o soldado não esperou, apenas fechou a porta atrás de mim, me deixando só.

Eu posso ser muitas coisas nessa vida: puta, drogada, agora sapatão, mas não sou idiota. Estava tudo muito quieto, conseguia ouvir alguém passando para acender as tochas que ficavam do lado de fora da construção. Começo a ficar nervosa, com meu coração batendo forte, parei o que estava fazendo e respirei fundo, olhei para o lado e vi o reflexo do meu rosto num pequeno espelho de mão que estava em cima de uma pequena mesa, cheio de sardas, sujo, com pequenas cicatrizes que eu conhecia muito bem, eu tinha olheiras fundas e minha boca estava seca e rachada, pensa garota! Então uma ideia apareceu como um tiro de pistola em minha mente, e parecia ser boa na teoria. Olhei em meus próprios olhos castanho escuros, e eles refletiam uma escuridão enigmática. Agora sim poderia tomar banho, para me preparar para o que vinha em seguida.


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