Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 21
Esperança ou maldição?




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Acordei enjoada no meio da noite, Trinity dormia tranquila do meu lado, um dos seus seios estavam descobertos, e ao vê-la, lembranças de horas atrás vieram em minha cabeça. Sorri, sem acreditar, aquela noite foi no mínimo interessante. Naquele momento, eu ouvia apenas as tochas lá de fora crepitarem e os insetos da noite cantando, estava meio frio, e então eu a cobri direito com a manta. Levantei-me para vestir a roupa e isso acordou Max que dormia no chão aos pés da cama, ele sibilou olhando para mim e então eu a acariciei na cabeça. Deixei aquela mulher dormindo e fui para minha tenda, minha cabeça doía um pouco, maldita pílula.

De manhã, acordei cedo para dar comida a minha nova companheira, como sempre fazia, e depois fui para o laboratório de drogas, lá, encontrei Jack, ele era o responsável por toda a produção, ele conhecia as formulas mágicas e comandava todo o resto do pessoal. Não quero ser levada a mal, mas não sei o que estou fazendo na maior parte do tempo, eu apenas empacoto a felicidade de alguns na maioria das vezes e quando não havia mais ninguém para fazer por mim, eu misturava coisas que não conhecia dentro de uma panela no fogo, e era isso. Talvez aquele não seja o trabalho ideal para mim, mas era seguro o bastante. Minha barriga começou a doer novamente, e eu achei estranho pois eu não deveria mais sentir isso.

—Primrose? –Jack chamou minha atenção quando percebeu que eu estava distraída com algo. –Algum problema?

—Não, está tudo bem.

Após mais algum tempo fingindo estar tudo bem, eu finalmente sabia que não: descia de minhas pernas um filete de sangue. E tudo ficou claro para mim. Fui ver Rutherford o mais rápido que consegui.

Ao chegar na tenda onde ele atendia os khans, ele trocava curativos de um deles, quando me viu, pediu para esperar um momento, e eu esperei, impaciente. Quando ele terminou, perguntou o que houve e eu disse a ele o que vinha sentindo. Ele pediu para que eu deitasse na cama improvisada e abriu minhas pernas gentilmente, ele colocou o dedo lá, e então sua expressão mudou para séria.

—O que é? –Eu perguntei, já sabendo.

—Eu fiquei pensando mesmo se isso poderia acontecer. Você está com alguns sintomas de que o corpo não está aguentando a gravidez.

—Um aborto?

—Quero que vá para casa e fique deitada, não faça esforço de maneira alguma, ou pode perder o bebê.

—Como isso foi possível? –Eu disse.

—O que? Bem, eu não consigo te dizer se foi por mim, ou pelo que aconteceu na vault 3, mas... Aconteceu. Rose, se você não quiser ter o bebê, a escolha será só sua. Eu posso te ajudar, independente da escolha. –Ele colocou a mão sobre a minha.

—Você disse que pode ter sido por causa de algum fiend? Motor Runner? James?

—Pode. Mas também...

—Preciso pensar.

Rutherford me deu alguns remédios e me mandou para minha tenda, era hora de comer para a maioria das pessoas, e por isso encontrei varias no caminho, algumas conversaram comigo, mas eu não conseguia focar direito no que elas falavam. Minha cabeça rodava, mais por confusão após a noticia do que um sintoma físico de verdade. Eu precisava ver Trinity. Talvez por destino, ou apenas uma coincidência filha da puta, eu a encontrei comendo numa das mesas, eu peguei uma tigela para mim e Max, com carne de bighorner assada, um punhado de milho cozido e um tipo de farinha estranha que eles comiam por ali, e me sentei ao lado dela, eu precisava de uma opinião.

—Oi, minha linda. –Ela disse, sorrindo. O sol ardia no céu e quando encontrava com sua pele bronzeada e junto com o suor fazia-a brilhar num tom dourado,

Eu estranhei com suas palavras, mas resolvi deixar pra lá. Coloquei a tigela do meu night stalker no chão e ela começou a comer desesperadamente, ao que parece, filhotes são assim.

—Preciso lhe contar uma coisa. Eu estou grávida.

Sua boca abriu um pouco, meio chocada.

—E não é só isso...

—É do Dylan? –Ela me interrompeu.

—Eu não sei.

—Como assim não sabe? Eu achei que... –Max rosnou, e ela voltou a comer seus grãos. –Quer saber, eu não achei nada. Continue. –Não sabia se aquilo era um bom sinal, mas prossegui.

—Sabe, você precisa conhecer um pouco sobre a minha história antes dos khans, sobre... Miss Trash. Apareça na minha tenda antes de dormir, eu vou lhe contar.

Após ter passado o resto do dia na cama sofrendo com o calor, ao anoitecer Rutherford apareceu em minha tenda para ver como eu estava. Conversamos um pouco sobre o treinamento de tiro que ele estava fazendo, pois Papa Khan queria que ele melhorasse se quisesse continuar aqui, eu ri um pouco, e me lembrei da revista de armas que eu havia pego durante nossa rápida visita no território dos Vipers. Eu certamente não iria a usar pois não sei ler, mas o médico sabe, então eu a entreguei para ele, que agradeceu bastante, dizendo que seria útil. Até que ele voltou a me fazer aquela pergunta que eu ficara pensando o dia todo em como responder: se eu ficaria ou não com o bebê. Ele me explicou que seria uma gestação de risco, complicada e dolorosa. Eu achava que talvez essa gravidez significasse algo, depois de um período tão longo sendo fraca demais ou infértil. Minha resposta foi positiva, eu iria levar ela até onde conseguisse. Ele me instruiu a não fazer esforços, me alimentar bem e tomar no horário certo os remédios que ele havia me dado. Ele se despediu, me desejando boa sorte.

E quando a lua brilhava alto no céu, eu escuto aquela voz familiar me chamando de fora da tenda.

—Pode entrar. –Eu disse, engolindo saliva. Max deu uma tentativa de latido quando Trinity entrou silenciosa, mas quando a reconheceu calou-se novamente.

—E então?

—Sente-se.

“Há alguns anos, havia uma jovem garota, Miss Trash, ela sonhava com seus pais, com cassinos, com letreiros em neon e pessoas rindo o tempo todo, vivendo um delírio passageiro toda vez que furava uma veia diferente, não a leve a mal, ninguém nunca a ajudou, apenas a ensinaram que aquele era o único jeito de se manter sã. Sã, não é engraçado? Bem, ela não gostava de onde vivia, mas aprendeu a ser seca como todos os fiends ao seu redor. Na verdade, ela sabia que seu azar era ter nascido uma mulher naquela sociedade, pois os abusos aconteciam, e ninguém nunca a protegeu. Ela percebeu então que devia se aliar a certas pessoas para que pudesse continuar com sua existência miserável. Há uma pessoa em especial que você deve conhecer: James.

James não tinha nada de especial em uma primeira impressão, mas ele conseguia negociar bem, ele planejava golpes que sempre funcionavam –para ele, e também gostava da Miss Trash, mesmo que de seu próprio jeito. Quando ela se atentou para essas coisas, sua vida começou a ser diferente: ela aprendeu a roubar, a enganar, a atirar e a matar. Mas os abusos, esses nunca pararam, era quando ela se deitava, quando se drogava, quando se feria e quando tinha fome. James nunca a protegeu dessas coisas, mas ela acreditava no contrário, pelo menos no começo. Ele a compreendia, ele a dava atenção.

E então, quando ela percebeu, ele a abusava também.

Ela engravidou, e apesar de tudo o que passaram aquele ano, de todas as drogas que sua mãe usou, o bebê nasceu saudável.

—Você não pode ter esse bebê! –Ele dizia, e por um momento, ela sabia que era verdade.

Tão jovem, quatorze anos. O que eles fariam com aquela criatura? E quando a criança nasceu, ruiva como a mãe, sem dar pistas de quem seria seu pai, James não deixou nem que Miss Trash a pegasse no colo, sentisse seu calor, seu cheiro, sem que ela pudesse ao menos analisar melhor suas feições, atirou em sua cabeça, estraçalhando-a em mil pedaços e silenciando-a para sempre.

E a mãe chorou por seu filho durante anos, sem poder ter feito nada. Houve mais sete ou oito abortos espontâneos, até que sua menstruação sessou, fazendo-a acreditar que nunca mais passaria por aquilo de novo. Talvez fosse algum problema com alimentação, saúde, nunca saberei. As coisas só mudaram quando Miss virou Rose, Primrose. Depois da NCR.

Há outra coisa que eu gostaria de contar, Trinity.

Depois que entrei para a NCR, assim como Rutherford, percebi certas coisas que pareciam erradas, e ao tentar consertá-las, eu me vi novamente tendo que abandonar o que conquistei, conheci Dylan e juntos fugimos. Eu tive uma noite com ele, mas nunca senti nada, ao atravessar New Vegas para chegar até aqui, encontrou com James, aquele cara com quem eu tive ‘algo’, ele me rendeu e levou-me para seu covil, junto com outros caras, me abusaram e espancaram durante uma longa semana, depois de tudo isso, descobri que estou gravida novamente e que posso perder o bebê a qualquer momento. Será que mereço tentar segurar essa criança?”.

Trinity ficou em silêncio, e me abraçou, forte, aconchegante, amorosa, um abraço que eu nunca sentira antes. E todo o peso das minhas costas pareceu sumir, como num passe de mágica.

Ela ficou até tarde na minha tenda, fazendo-me companhia, e com o barulho dos grilos lá fora, eu peguei no sono. Naquela noite, não houve sonhos terríveis, nem bons, apenas escuridão, como se eu descansasse depois de tanto tempo. Ter colocado aquilo tudo para fora havia me ajudado.

Acordei incomodada com algo, e senti falta de Max nos pés da cama, tudo estava silencioso, escuro, então de repente tive minha boca tampada, impossibilitada de gritar, tentei me desvencilhar da pessoa que havia se esgueirado na escuridão e me segurado tão forte que doía, mas não consegui. Naquele momento, pude ver quem era que estava tentando fazer algo contra mim: o homem negro que se sentava junto com Papa Khan, Karl, membro da Legião de Caesar. Só pode ser brincadeira. Senti uma picada na perna, e tudo ficou escuro novamente.


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