Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 20
Trinity




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Duas semanas se passaram desde que fui aceita entre os khans, minha aparência estava melhor. A dor dentro de mim, a emocional, ficou, mas a física logo se foi e aos poucos consegui voltar a fazer atividade como todos os outros. Aqui na Wasteland, os dias são cruéis, mas eles continuam a passar, quer você queira ou não, a única coisa que podemos fazer é seguir em frente e rezar para que o tempo cure suas feridas. Apesar disso, conheci bastante gente nas primeiras semanas em Red Rock Canyon, e elas me ajudaram bastante. Os khans são interessantes, diferente da NCR, aqui as mulheres têm status como um homem, lutam igualmente como e com homens, curiosidade interessante que ajudou a me adaptar melhor.

Após ter tirado toda a sujeira do meu corpo e lavado o resquício do meu machucado com agua e sabão de banha, eu me vesti, me sentindo mais fresca. Sai em busca da fogueira onde eu sempre me reunia com algumas pessoas àquela hora, a lua cheia já estava no céu, e as tochas já ardiam em fogo para iluminar e espantar as criaturas da noite para longe de Red Rock. Rutherford estava sentado em frente à tenda de Trinity, bebendo e conversando com algumas pessoas que lhe perguntavam sobre como era sua vault, incrivelmente as pessoas ainda tinham curiosidade sobre isso, quando percebeu minha presença, convidou-me para juntar-se a eles, e assim eu me sentei também. Trinity me deu um copo com aquela bebida, que era meio amarga mas estranhamente interessante.

—Conte-nos de onde você veio, Primrose. –Um homem com falhas no cabelo castanho e barba mal feita disse, ele se chamava Elder.

—Elder, não acho que... –Trinity começou a dizer, mas eu a interrompi.

—Eu fazia parte dos fiends, o resto já sabem, viciados, violentos, sujos, enfim, nenhuma novidade. –Eu ri, meio nervosa e me esquivando do assunto.

Eles comentaram que o contrabando de drogas para os fiends era pesado, e sempre rendia muito lucro a eles. O resto da conversa foi leve, eles riam bastante, apesar de terem passado por dificuldades um tempo atrás, envolvendo muitas pessoas e facções da qual eu não tenho muito conhecimento sobre o que de fato ocorreu, talvez não tenham sido claros o suficiente, evitando o assunto assim como eu com meu passado. Só sabia que os khans já haviam sido maiores, e perderam muitas pessoas em sua história recente. Eles falam de massacres algumas vezes, por isso achei melhor não perguntar por enquanto.

Quando já era tarde, as pessoas começaram a ir embora gradativamente, e eu senti que aquela também era minha hora. Levantei-me e me despedi de todos num único aceno, as poucas pessoas restantes responderam, e eu saí. Trinity falou alguma coisa para Rutherford, mas não fiquei a tempo de ouvir o que era.

—Primrose? –Um negro alto e bonito me chamou quando eu passava em frente à sua barraca, que ficava no caminho para a minha. Então lembrei quem era ele: era o mesmo homem que se sentava ao lado de Papa. –Vejo que está se recuperando bem desde que chegou.

Ele vestia uma roupa diferente, com o símbolo da Legião, então percebi porque da hostilidade com a NCR, mas se aliar a esses idiotas de Caesar? Patético. Eu o encarei, esperando por algum sinal do que ele queria falando comigo.

—Você é bem bonita, sabia? Tem um belo corpo, apesar dessas cicatrizes. –Ele tocou na minha barriga, na marca de onde eu levara o tiro antes de ser Rose Campbell, começou a descer a mão devagar, e eu a tirei de lá com um tapa.

—É só isso?

—Sim, só, por enquanto.

Segui meu caminho sem olhar para trás, com raiva após ter ouvido aquilo. Ao andar um pouco, ouvi passos rápidos atrás de mim, e eu me virei, achando ser Karl, mas para minha surpresa era a loira de olhos verdes que hipnotizavam.

—Primrose, incomoda se eu a acompanhar até a sua tenda? –Ela disse, me alcançando e logo em seguida me acompanhando enquanto eu andava.

—Não...

—Você pretende já ir se deitar? Eu gostaria de... Conversar um pouco. –Ela disse quando paramos em frente à minha tenda.

—Tudo bem por mim. Entre.

Ela foi primeiro, acendi a pequena fogueira que havia ali dentro e coloquei alguns pedaços de carne assada no prato de Max que estava no chão. Aquele povo era diferente, dentro das tendas de todos, não havia muita coisa, apenas uma cama para se deitar e um espaço com galhos secos para iluminação, o que de fato não parecia tão ruim, eles não guardavam muitas coisas, o pouco que tinham carregavam consigo, então coisas muito supérfluas não faziam muito sentido naquela tribo.

Trinity sentou na minha cama de pernas cruzadas, Max subiu também e se aninhou em cima delas, eu a imitei, ela tinha a voz suave, conversamos por alguns minutos coisas superficiais, e eu não entendia o porquê dela estar querendo conversar aquilo justo naquela hora.

—Você não teve nenhum companheiro durante sua vida? –Ela perguntou, em meio a tantos assuntos bobos.

—Tive alguns.

—Já sentiu como se amasse alguém muito, e que precisasse ficar perto dela?

—Você está falando de Rutherford? –Perguntei, aquilo fazia sentido. Ela não o via ha muito tempo, e desde que chegamos, os dois ficavam bastante tempo juntos.

—Talvez eu esteja.

—Bom, então talvez você devesse perguntar a ele se ele sente isso por ti também. Eu não sou muito boa com conselhos desse tipo.

Ela deu uma leve franzida de testa, meio sem saber o que falar, mordeu seu lábio inferior e então me olhou, me fazendo mergulhar naquela imensidão.

—Não é isso... Eu me refiro a você. –Finalmente sorriu, zombando.

—Rutherford é apenas um amigo, e creio que o que ele sente por mim seja algo do tipo também. Não acho que alguém fosse se interessar por uma pessoa como eu, e ele também não é o tipo de pessoa que eu sonharia ter ao meu lado nesse sentido...

—Não houve mais ninguém...?

—Houve um cara. Nunca soube se ele foi o pai do meu filho, mas... Digamos que vivemos algo intenso.

—Um filho sem paternidade? –Ela se assustou. –Uau! Você era terrível.

—Eu fui violentada por muitos caras naquela época.

Silêncio. Max se remexeu no colo de Trinity.

—Me desculpe... –Ela disse, abaixando a cabeça. –Você não é como eu. Não sei o que estava pensando. Eu acho melhor eu ir. –Levantou-se e saiu pela fenda da tenda.

Merda. Eu e minha boca idiota. Apaguei a pequena fogueira, ainda pensando no que acabara de acontecer, deitei-me na cama abraçada a Max, e peguei no sono depois de algum tempo.

Naquela noite, sonhei com James.

O sol começava a nascer quando eu me levantei, coçando o que restara da minha ferida no ombro, agora mais pequena e com casquinhas que me divertiam quando pensava em arrancá-las. Por algum motivo, sentir dor, mesmo que pequena, se tornara uma rotina para mim.

Me vesti e fui para onde os animais estavam, a fim de alimentar Max. Eu não sabia se dar aquilo o fazia bem, mas de qualquer forma, ele já não tomava tanto leite, mesmo que todas as manhãs nosso pequeno ritual se repetia: Victor tirava leite dos bighorners e eu o dava ao meu night stalker.

—Onde você achou essa criatura? –Ele disse, enquanto ela bebia aquele liquido branco.

—Aqui perto. Sua mãe me atacou, e tivemos que mata-la.

—Bom, pelo menos ela está crescendo bem, veja só!

—Ela? –Eu perguntei, meio chocada.

—Você anda com ele por aí e não sabia?

Como eu iria saber uma coisas dessas, idiota?

Após minha pequena garota terminar de tomar todo seu café da manhã, eu me despedi de Victor e fui até o laboratório onde os khans fabricavam sua preciosa fonte de renda: as drogas. É estranho, mas depois de tanto tempo sem química pelos fatos que ocorreram, eu finalmente conseguia lidar um pouco melhor com minha abstinência. As mãos ainda suavam, minhas pernas ainda tremiam, minha boca ainda salivava, mas aprendi a ter mais controle e minha atividade diária era ajudar na purificação daquelas substâncias. Era um trabalho calmo, e as vezes podíamos ficar com as sobras, como nesse dia.

Quando o sol começara a se por entre aquele monte rochoso, tingindo-o de vermelho vivo, meu turno havia terminado, e assim peguei as tão esperadas sobras. Sentia que devia compartilhar com alguém, e, tendo passado o dia todo pensando no que ocorrera na noite passada com Trinity, sabia quem convidar para isso. No caminho para minha tenda, acabei cruzando com ela, que voltava de uma expedição. Trinity Mace entregava as drogas aos povoados vizinhos todos os dias, voltando ao anoitecer.

—Estava te procurando. –Eu disse, me aproximando dela. –Eu pensei sobre ontem. Posso acompanha-la até sua tenda? –Ela concordou, sorrindo.

Quando entramos, ela acendeu sua fogueira e se sentou na beirada da cama, eu me sentei perto dela, sem saber por onde começar. Max deitou-se nos meus pés.

—Desculpa por ontem. Sabe, talvez eu tenha crescido de um jeito diferente, eu não sei me expressar direito, nem consigo deixar que as pessoas se aproximem de mim. Durante muito tempo da minha vida me envolvi com pessoas erradas, as vezes por minha vontade, as vezes contra ela, e as vezes ainda por necessidade. Eu entendi o que você queria dizer para mim, no final. –Eu fiz uma pausa. –Eu nunca... Pensei em me envolver com uma mulher.

—Tudo bem, eu já imaginava isso. –Ela sorriu com ternura.

—Não, espera, eu não terminei. –Eu peguei sua mão. –Você provoca algo diferente em mim. –Seus olhos agora expressavam desejo. –Eu não sei direito o que é, mas eu acho que... –Ela colocou a mão em minha boca, fazendo-me calar a boca sutilmente.

E tudo ficou calmo. A fogueira crepitava, algumas cinzas incandescentes subiam com a pequena fumaça em direção ao teto da tenda, por suas frestas pude ver o céu rosa e roxo novamente, lá fora deve estar muito lindo, pensei. Max suspirou profundamente enquanto tirava sua soneca ao pé da cama, eu peguei uma das pílulas que tinha e coloquei na língua. Trinity chegou mais perto e eu coloquei uma na sua boca também, ela acariciou minhas maçãs do rosto, sua mão desceu suave pelo meu pescoço e passou pelo meu ombro em processo de cicatrização suavemente, “Você é linda” ela disse, chegou mais e mais perto, eu deitei na cama, ela veio por cima de mim e nossas bocas se encontraram, tinha o sabor amargo da droga que ela engolira, mas eu não ligava.

Então ela tocou em minhas pernas, apertando-as de uma maneira que, como um gatilho, algumas lembranças vieram-me à mente, cenas de Motor Runner. Eu a empurrei, fazendo-a cair da cama.

—O que houve? –Ela disse, se levantando preocupada.

—Eu... –Tentei dizer, ainda procurando ar. –O jeito que... Você...

—Eu fiz alguma coisa errada? Que você não gostou?

—Me desculpa. Vamos... Vamos apenas tentar de novo, que tal?

—Gostei da ideia. –Ela disse, me beijando.


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