Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 19
Os Grandes Khans




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Andamos o resto da noite, eu segurava Max no meu colo para que ele não se perdesse de nós durante o caminho. Quando o céu começou a clarear nós avistamos a entrada para Red Rock Canyon, aquele monte de rochas gigantes tinha um pouco de beleza, mesmo que tudo ao seu redor estivesse seco e morrendo aos poucos. Meu filhote de night stalker reclamou de fome, eu também gostaria de comer agora, pequeno.

Adentramos com facilidade no território dos Khans, eu agradeci por eles serem povos mais abertos a comerciantes e afins, não via a hora de provar seus chems, pensar nisso me fazia tremer, mas primeiro, deveria ser aceita como uma deles, e algo me dizia que não seria fácil. As pessoas começavam a sair de suas barracas e a se envolverem com atividades do seu dia a dia, pareciam olhar para nós com curiosidade, mas eu não sentia medo. Parei para apreciar a vista de dentro daquele aglomerado de pedras vermelhas contrastando com os primeiros raios de sol, era lindo. Finalmente alguém veio até nós: era uma mulher muito bonita, de pele morena e cabelos pretos.

—O que fazem aqui? –Ela disse, olhando o animal no meu colo, meio confusa.

—Procuro por Trinity Mace. Me chamo Dylan.

—Por aqui. –Chamou com a mão e logo se virou para trás, caminhando em direção de uma das tendas. A mulher pediu para que esperássemos para fora, demorou alguns segundos e saiu acompanhada de outra mulher bronzeada pelo sol de cabelos loiros que deveria ser Trinity.

—Dylan! –Ela sorriu quando nos viu. Deu um abraço nele e um aperto de mão para mim. –O que faz aqui?

Ele pareceu não saber como falar, nem por onde começar, eu olhei para ele, esperando que dissesse algo.

—Precisamos de um lugar para ficar. –Finalmente disse.

O que pareceu um longo silêncio só teve fim quando Max sibilou, como se estivesse com fome.

—Vou ver o que posso fazer. –Ela cruzou os braços. –Venha comigo.

Ela fez menção de entrar na cabana, mas quando eu os segui, ela me impediu, dizendo para mim que era apenas Rutherford. Eu lhe dei um sorrisinho já sabendo do que se tratava, mas não fiquei brava, afinal, ele era um cagão, medroso e mimado, não era alguém que merecesse ser disputado por duas pessoas. Foda-se, eu vou ir procurar comida para meu pequeno enquanto eles se resolvem e matam a saudade.

Depois que entraram eu não esperei muito tempo lá fora, logo saí para explorar o lugar. Eles viviam em tendas, tinham algumas plantações meio secas, porém ingeríveis e também alguns bighorners. Cheguei mais perto onde havia um homem cuidando deles, e pareceu se assustar quando me viu, talvez por causa da criaturinha que eu segurava, os animais também ficaram inquietos. Após um longo diálogo e também de ter visto meu seio esquerdo, ele aceitou tirar um pouco de leite de um daqueles animais para Max matar a fome, até passou a mão em sua cabeça de serpente, recebendo lambidas em seus dedos.

Depois de comer, deixei que meu coyote-serpente ficasse no chão, e incrivelmente ele me seguia sem precisar de muitos esforços. Eu espero mesmo que você sobreviva, me desculpe por matar sua mãe, eu disse baixinho. Rutherford e Trinity apareceram logo em seguida perguntando por onde andei, e fomos para a tenda de um tal de Papa Khan.

A sala onde ele estava possuía uma pintura de um grande símbolo dos khans na parede e uma grande mesa, onde mais homens se sentavam, esse tal de Papa Khan estava no meio deles, era gordo e forte, tinha uma barba escura e vestia um capacete com chifres, ele olhou para meu bicho um pouco intrigado quando entramos. Trinity se dirigiu com respeito e explicou a eles nossa situação.

—De onde vocês vieram? Por que este lugar? –O líder perguntou, olhando-nos profundamente, tornando impossível de saber o que estava pensando.

—Eles... –T. Mace começou a dizer, mas foi interrompida com um sonoro “Perguntei a eles”.

—Eu vim de uma vault, Primrose é... Era uma fiend.

—Nós fazemos bastante negócios com os fiends... –Ele coçou sua vasta barba. Após uma longa conversa onde a NCR não fora estranhamente citada nenhuma vez, ele finalmente nos deu permissão de ficar entre eles, mas com uma condição: passar no ritual de iniciação, que consistia basicamente numa luta. –Vocês irão lutar entre si, o vencedor ficará conosco, o perdedor ganhará um funeral. Agora.

Eu olhei para Rutherford, ele não olhou de volta e pude ver uma gota de suor escorrendo de seu rosto. Era óbvio quem tinha mais habilidade para uma luta, mas eu estava machucada por dentro e por fora e portanto, mais fraca. Isso me deixava curiosa para saber qual seria o resultado. Todos saímos da tenda e seguimos para uma pequena arena de areia poeirenta, deram-nos facas cegas porém pontudas o suficiente para matar. Eu me posicionei, segurando minha arma branca com o braço direito. Merda, o desgraçado do James feriu justo o braço que eu usava mais, joguei praga nele com meu pensamento secretamente. O médico estava nervoso, suando e provavelmente tremendo, segurava sua faca leve demais. Quando a permissão para a luta começar foi dada, nós nos encaramos por um longo momento.

Não é como se eu gostasse dele ou algo do tipo, nós transamos, mas e daí? Apesar dele ter sido covarde com os fiends, ele ainda havia me resgatado e tratado de meus ferimentos quando precisei, então por esse motivo talvez eu ainda vacilasse em mata-lo. Ele começou com os primeiros movimentos, vindo em minha direção, eu desviei e o acertei um soco esquerdo no estômago, fazendo-o perder o fôlego, mas se recuperou rapidamente e com a faca tentou acertar meu coração. Merda, o que eu estava esperando? Ele não sabe lutar, mas sabe onde deve acertar para ser bem sucedido. Ele chuta minha perna, passando-me uma rasteira e fazendo-me cair no chão, nesse momento meu ventre doeu como nunca, me deixando meio desnorteada, sendo o suficiente para ele me chutar na barriga, eu rolo alguns metros adiante tentando me afastar dele, cuspindo sangue, consigo me levantar cambaleante, limpo o suor que brotava de meu rosto, nós nos encaramos por algum momento. Chega de brincar. Então eu corro em sua direção, ele tenta me atacar com a faca sem sucesso pois desviei a tempo, derrubando-o no chão e o imobilizando com um dos meus joelhos em suas costas, coloquei a faca em sua nuca bem apertada.

“Mate-o! Mate-o!” as pessoas que assistiam gritavam, Trinity olhava, de certa forma impressionada, Papa Khan sorria e Rutherford me olhava por cima dos ombros, com os olhos arregalados. Mas eu não poderia mata-lo. Eu joguei sua faca para longe da arena e o soltei, me levantando. Os outros khans começaram a gritar palavrões, meio insatisfeitos.

—Viemos juntos. Não vou matar meu companheiro. –Eu disse, olhando para o líder daquela tribo. Ele sorriu.

 

Naquela tarde, algumas pessoas vieram conversar comigo pelo meu sucesso na batalha e seu desfecho inusitado para eles, eu não havia visto Dylan desde o conflito, começava a pensar que fim ele havia tido. Sentada no chão de terra vermelha em frente a minha mais nova barraca, eu mastigava um pedaço de carne de bighorner, ofereci alguns pedaços a Max e ele parecia ter gostado, após terminar minha refeição, lambeu meus dedos que ainda haviam gordura, em busca de mais, e eu o agradei na cabeça, sorrindo enquanto o via abanando aquela cauda de serpente e fazendo barulho com seu chocalho sem querer. Estava bem quente em Red Rock, e eu agradeci pelo meu colete estar aberto o suficiente para uma ventilação mais eficiente. Gostei das roupas que eles usavam aqui.

—Primrose? –Uma voz familiar chamou minha atenção, e eu olhei para cima. Era Trinity.

—Essa mesma.

—Bela batalha hoje. Não esperava por isso.

—O que quer dizer? –Eu espremi os olhos para olhá-la melhor por causa do sol.

—Está machucada, parece fraca, no entanto venceu um homem muito maior que você, facilmente eu diria. Pensei que ele havia mudado, que estava a protegendo de algo, mas parece que me enganei.

—Ele é bom no que faz. Mas batalhas não são seu forte. O que aconteceu com ele, afinal?

—Conversou bastante com Papa Khan. Precisamos de alguém com conhecimentos médicos, de qualquer jeito.

—Ele conseguiu ficar, então? –Eu me levantei interessada com o rumo que a conversa estava tomando, e ela concordou. –Interessante.

—Sabe... –Trinity parecia hesitar por um momento. –O Dylan me disse que vocês estavam fugindo da NCR, e eu fiquei me perguntando o que aconteceu com vocês, esses seus roxos e machucados no rosto, pelo corpo todo... Foram eles?

—Não. –Eu cruzei os braços numa forma de defesa.

—Entendo... –Ela pareceu ficar sem jeito com minha resposta curta. –Não diga a ninguém que você os serviu por um tempo, tudo bem? As pessoas aqui têm um certo... Receio com os soldados.

—Foram os fiends. –Eu finalmente disse, após ponderar melhor sobre. –Não quero falar sobre isso.

Ela respeitou minha decisão, e o assunto mudou para meu novo amigo night stalker, e pareceu gostar bastante dele. Sua pele meio bronzeada reluzia com o suor que brotava de seu corpo magro, os cabelos esvoaçavam quando uma brisa batia e seus olhos verdes hipnotizavam quando eu olhava-os demais, essa mulher tinha algo que me chamava a atenção, talvez fosse seu sotaque, sua voz grave e melódica, ou o jeito que ela andava, eu não sei.

—Bom, quase me esqueci porque estou aqui. –Ela disse, endireitando sua postura. –Papa quer falar com você também. Ele te espera em sua sala.

Trinity me acompanhou até a porta da única casa verdadeira em Red Rock Canyon, antes de entrar respirei fundo, sem saber direito o que escutaria, Max estava ao meu lado esperando por uma decisão, então entrei, lá os mesmos homens estavam sentados nos mesmos lugares, me aproximei o suficiente da mesa e os cumprimentei com um tímido aceno de cabeça, se eu quisesse mesmo ficar lá, deveria dançar a dança deles, principalmente de “Papa”.

—Regis, Karl, o que acharam dela? –Ele finalmente disse aos outros, após olhar para mim durante alguns segundos.

—Parece que levou uma surra e tanto há algum tempo. –O homem caucasiano à sua direita disse. –Mas se saiu bem.

O outro homem, um negro muito bonito, ficou quieto, apenas sorrindo com o canto da boca, me avaliando, e isso me deixou incomodada.

Aquela sala parecia estar ficando apertada e abafada àquela hora.

—Sabe, essa luta tinha um propósito, e eu quero explicar-lhe o que era. –O líder dos khans coçou a barba. –Mais importante que avaliar sua habilidade de luta, eu avaliava ali sua moral. Como você disse, vocês vieram juntos, e eu gostaria de ver se ambos poderiam quebrar a confiança um do outro para chegar a seu objetivo pessoal. Se você o matasse, ou se ele a matasse, ambos acabariam na mesma vala. Mas você fez o que eu esperava, manteve-se fiel ao seu companheiro. –Ele sorriu para mim, e completou: –Aqui somos uma família, precisamos confiar uns nos outros.

—Primrose, aceitamos sua presença aqui conosco. -Regis falou.

—E Rutherford? –Eu finalmente perguntei, contente por mim, mas curiosa por ele.

—Conversamos com ele. Vai treinar e melhorar suas habilidades, seu conhecimento médico nos será útil. Você e sua criatura podem ir descansar agora.

Saí da casa aliviada. Agora tudo seria diferente, eu podia quase apostar isso.

A tarde começava a se transformar em noite, o sol já havia se escondido atrás das grandes rochas, o céu estava tingido de azul escuro, roxo e rosa, eu respirei o ar, agora mais fresco, a primeira estrela já brilhava. Max sibilou, agora eu só queria uma coisa: um banho para limpar minhas feridas e a terra vermelha que grudara na minha pele.


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