Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 14
Fuga




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—Estávamos seguindo a estrada na intenção de te achar, Campbell. Foi quando ouvimos gritos e sibilos de geckos, não imaginamos que fosse você, mas fomos verificar, poderia ser algum civil. Teve sorte. –O soldado negro disse. –Me chamo Smith.

—Sorte? –Cuspi um pouco de sangue que escorreu da minha têmpora para a boca. –Eu não diria isso.

—Estes são Wright –um soldado bem sujo, não usava capacete, deixando sua careca lustrosa bem livre para respirar –e Rutherford. –Parecia novato, igualmente sujo e visivelmente cansado, não parecia saber segurar uma arma direito. –Não acha que esse corte está sangrando bastante?

Silêncio.

—Enfim, precisa vir conosco.

—Por quê? –Tudo ao meu redor girava, o sangue continuava escorrendo quente pela minha face, conseguia até sentir seu gosto metálico quando ele encontrava minha boca, mas estava muito tensa para dar alguma importância. –Não parece ser bom.

—Acho bom você se sentar, Rutherford irá lhe fazer um curativo enquanto explicamos. –Disse Wright.

O novato então pegou um pedaço de pano e o molhou com álcool, senti novamente aquela queimação típica quando ele começou a limpar o corte. De perto, pude reparar em algumas de suas feições, como os olhos castanho-claros e uma pequena cicatriz na porção final da sobrancelha, seus cabelos eram negros e oleosos, e cheirava a suor.

—Acharam algo na sua tenda. Sabia sobre a política anti-drogas do major? –Wright disse, limpando sua testa, a careca brilhava com a luz da lua. Meu silêncio disse mais do que precisava ter dito. –Certo. Precisamos que você vá assinar seu documento de expulsão. La no forte.

Agora o soldado Rutherford preparava a agulha para a sutura, quando ela furou minha carne senti um arrepio e dei uma pequena fisgada pra trás com a cabeça, mas não iria reclamar, aqueles soldados me viam como uma mulher indefesa e isso me incomodava mais do qualquer outra coisa. Se tivessem me alcançado antes das drogas, eles veriam a verdade. Se há algo que odeio é que pensem que sou como essas vadias prostitutas da strip que só sabem rebolar e não têm capacidade de empunhar uma arma sequer, não sou frágil, não sou fraca. Segurei a expressão de indiferença conforme ele costurava minha pele.

—De qualquer modo, não precisamos de alguém que não consegue dar conta de meros geckos. Até mesmo os caipiras de Goodsprings conseguem se sair melhor. De fato, aqui não é lugar para mulherzinha... –O careca zombou.

Continuei congelada, prestando atenção mais na agulha e na linha percorrendo os furos da minha carne, conseguia sentir minhas arteríolas pulsando no local do corte. O que ele queria que eu fizesse naquela situação? Ouvisse e ficasse quieta? Minha cabeça começou a doer, provavelmente sono. Precisava de um lugar para dormir, e também precisava ganhar tempo para decidir o que fazer, no momento não tenho ideia se deveria voltar ao forte, talvez eu fugisse, mas precisava de um plano.

Quando o soldado terminou de suturar meu corte, decidimos seguir mais a frente, onde poderíamos dormir nas ruinas de um posto de combustível, cada um armou seu colchão após verificar se o estabelecimento era mesmo seguro. Sem muitos problemas, algumas baratas gigantes, e só. Posicionei meu colchonete embaixo da janela, a lua brilhava impiedosa, iluminando a imensidão de areia e mato seco, algumas caravanas bem escoltadas passaram pelo posto, o que estariam carregando? Algo valioso, imagino, mas não era da minha conta. Estava preocupada com o que aconteceria caso eu chegasse no forte, o que diria para todas as mulheres abusadas por aquele filho da puta? O soldado careca começou sua guarda, que seria revezada ao longo da noite. Peguei no sono depois que a lua se abaixou meio céu.

Acordo com alguém me chacoalhando, agarrei meu punhal que estava na coxa, mas era apenas Rutherford, ele fez um sinal de silêncio com a boca, e pediu com gestos para que eu o acompanhasse para fora do posto, após alguns poucos segundos tentando raciocinar o que estava acontecendo, resolvi segui-lo. Ele queria uma rapidinha? Ao sair e se certificar de que ninguém acordou, ele começou a falar baixo:

—Você não vai querer voltar para o forte, escute o que estou te falando.

—Me dê motivos para isso.

—O major... Ele sabe o que você pretendia fazer, alguém o contou, o pacote de drogas... Foi tudo armação! Eu não tenho como provar, mas preciso que acredite em mim, sou apenas um médico, não quero essa vida de soldado... O que eu tenho a lhe dizer antes que percebam nossa saída, é que... –Ele estava nervoso, desconfiado, alerta e ao mesmo tempo com medo. –Eu sei que você é muito forte, e queria lhe propor que fugisse comigo, para longe dos limites da NCR, e depois podemos nos separar. –Rutherford parou por alguns segundos para olhar pros lados, respirou fundo e olhou nos meus olhos. –Eu preciso de proteção, e eu posso te curar quando precisar.

—Tentador... Você está me dizendo para irmos embora, agora? –Eu disse, com um sorrisinho malicioso no rosto, mas ele pareceu não perceber.

—Sim, se você não for, eu vou sozinho.

O sol estava para nascer quando alcançamos Novac, era uma cidade engraçada com aquele dinossauro verde pós-apocalíptico. Rutherford alugou um quarto com as poucas tampinhas que restaram, ele estava quieto e distante depois do confronto que tivemos. Pegamos nossa chave com uma mulher de nariz de abutre, chamada Jeannie May Crawford. As paredes descascavam, haviam teias de aranha em muitos lugares, o carpete era manchado de uma forma que não podia-se saber qual era sua cor original, havia um radiozinho velho, mas que funcionava, uma poltrona rasgada e uma cama suja com pulgas provavelmente, mas o quarto estava bom, quer dizer, já tive muitas coisas piores do que isso e nenhuma melhor.

Joguei minha mochila pesada no chão do apartamento e sentei na cama.

—Você não tinha escolha, tá legal? É assim aqui fora. Acostume-se.

—Eu sei que você não entende o que eu tô passando. Eu nunca matei ninguém. –Ele suspirou, jogando sua mochila ao lado da minha e sentando ao meu lado, passou sua mão suja pelo rosto, como se estivesse digerindo.

—Você acabou de entrar para a NCR e já quis fugir? Em que mundo você viveu esse tempo todo?

—Com certeza não no mesmo que o seu. Eu vim de uma vault. Quando procurei pela NCR, eu tinha uma causa, eu pensava que eles lutavam para proteger quem morava lá fora, eu queria salvar as vidas de quem nos salva, entende? Mas quanto mais eu ficava ali, mais eu via que eles não se importavam com ninguém. Eles se importam com a barragem, com o poder... e só. Nunca vi ninguém poupando tiros, as palavras também são poderosas, mas nenhum soldado liga.

—Você é um diplomata? Interessante. Vai aprender muito aqui fora. Agora durma e esqueça. Eu vou fazer o reconhecimento da cidade.

Levantei-me da cama e saí. Do andar de cima do motel, pude ver o sol começando a raiar no horizonte e alguém saindo de dentro do grande dinossauro, era um homem loiro e castigado por uma espécie de amargura, ele vestia um boné da NCR, será que ele ainda teria contato com o pessoal? Como eu ainda vestia o uniforme de soldado, poderia conseguir algumas informações úteis.

Desci as escadas e fui em direção ao homem carrancudo, bati continência para ele, que pareceu gostar.

—Soldado Weber. –Era mais seguro mentir. –E o senhor?

—Boone. –Disse, e continuou andando, sem me dar muita atenção, entrou em um dos apartamentos, imagino que deve morar ali. Talvez consiga numa próxima vez.

Serpenteei pelas poucas casas que tinham na cidade, mexi em algumas caixas de correio ao ver que não havia ninguém na rua olhando. Acontece que depois de pagar pelo quarto de motel, eu e Rutherford estávamos sem muitas tampinhas, eu tinha um pouco de dinheiro da NCR, mas ele não tinha quase nada. Após sentar numa calçada esburacada e deixar as primeiras luzes de sol esquentarem minha pele o suficiente para tirar o casaco, cheguei à conclusão de que deveria me tornar um tipo de mercenária. A promessa que fiz não saia de minha cabeça, mas o que eu poderia fazer? O mundo era complicado.

Meu corpo doía, não tinha dormido direito há um bom tempo, e as batalhas que travei, apesar de bem sucedidas, elas tinham seu preço. Quando percebi, já era tarde demais, estava revivendo o confronto que tivemos com Smith e Wright. "Quando saímos do posto de gasolina, em algum momento eles sentiram nossa falta, e nos seguiram por duas horas, até que perceberam nosso real objetivo. Olhei para trás e eram como nossas sombras, foi o tempo de me jogar no chão junto com Rutherford para que eles atacassem, então tudo aconteceu muito rápido, rolei para o lado, e cravei minha faca no joelho do careca, cortar seus ligamentos e tendões foi uma sensação maravilhosa. Um tiro acerta a coxa do médico, fazendo-o cair e gritar, eu disparo na direção de Smith e dou um tiro a queima roupa em sua barriga, espalhando sangue para todos os lados. Ele grita e tenta segurar suas vísceras, caindo no chão, meu parceiro então se arrasta até ele, tentando salvar aquela pobre alma, enquanto tenho que finalizar Wright cortando sua garganta.

—Por que fez isso? Você não precisava! –Rutherford gritou. Estava falando comigo?

—E você por acaso pensou que poderíamos ter sentado e conversado até que eles deixassem que fugíssemos? Claro! Me pareceu uma boa ideia!"

—NCR? O que faz aqui, filha? –Aquela voz me tirou do devaneio como se tivesse me dado uma facada. Era um ranger afro-americano com bigode. Droga!

—Estou com meu parceiro, nós estamos indo para o acampamento McCarran. Me chamo... Lysa Weber.

—Pode me chamar de Andy. Seja bem vinda a Novac, Lysa. –Pode apostar que sim.


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