Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 12
Piedade




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Havia um tempo em que eu acreditava que o mundo não era tão cruel, que era possível, apesar da miséria, manter-se limpa e conseguir tampinhas de maneira mais honesta possível. Aos 12 anos, eu gostava de fazer tranças nos meus cabelos, eu gostava de flertar com os filhos de mercadores que passavam pelos arredores da strip e gostava mais ainda de arrombar fechaduras em busca de algo com valor para trocar por comida ou roupas novas. Eu queria um vestido vermelho, da cor de meus cabelos.

—Acho que é sonhar demais... –James disse. –Eu só quero sair daqui, não importa o que for preciso fazer, mas enquanto estiver no lixo, continuarei a feder. Um vestido não te tornará mais esperta ou corajosa, é só um pedaço de pano, –ele parece ter parado  para refletir, colocou a mão no meu ombro e sorriu. –Mas... se soubermos usá-lo direitinho, podemos conseguir outras coisas que nos tirarão daqui, deste sofrimento.

O que ele queria dizer com aquilo? Era bem simples. E não demorou muito para eu perceber e aceitar. Conseguimos juntos as tampinhas para comprar um vestido de primavera, não era vermelho, mas eu gostava mesmo assim, em troca, eu flertava com os mercadores de caravanas, num mundo pós guerra, miserável, violento e radioativo, pedofilia poderia ser errado, mas quem iria se meter numa briga dos outros? Era algo recorrente naquele lugar, onde quem não conseguia se cuidar de sí mesmo, era presa fácil para os fiends, soldados, mercadores e viajantes. E era um golpe fácil, eu seduzia, o James roubava.

Funcionou bem por uns meses, até que aquilo aconteceu.

 

...

Era mais ou menos meio dia, o sol brilhava forte e minha cabeça e costas doíam pra caralho, Primm estava deserta como sempre, saí do Bison Steve ainda coçando os olhos, foi uma noite boa, com todas aquelas drogas e alucinações pesadas que eu tanto fazia questão de ter. Então ouço alguém me chamar, era o velho Nash, ele me levou até uma loja com letreiros em neon, disse que era o Mojave Express, e então lembrei que já roubei algumas entregas dos mensageiros dessa corporação, lá ele me mostrou um amontoado de ferro, plástico, fios e sensores, era uma maquina estranha, perguntou se eu sabia mexer naquilo, fazer funcionar, ou então ele mandaria para o ferro velho, como eu saberia mexer naquilo? Aquele velho só podia estar drogado. Respondi que não sabia.

Antes de partir, comprei algumas bebidas no cassino e passei pelo acampamento improvisado da NCR para comer, aqueles soldados filhos de uma puta me tratavam como uma garotinha, e eu odeio quando isso acontece, afinal, eu sei me cuidar sozinha.

—Não passe por Nipton, foi destruída pela legião de Caesar, a não ser que você tiver um fetiche por crucificações... –Disse um dos soldados, cuspindo no chão.

—Haha, claro, você quer saber qual é meu fetiche? –Eu adorava agir como uma viúva negra de vez em quando. O soldado levantou a sobrancelha, intrigado e começando a ficar excitado também. –Talvez algum dia você descubra por sí mesmo.

Quando o sol apontava ser a segunda metade da tarde, eu peguei minha mochila e comecei a longa caminhada novamente. Durante alguns trechos das estradas areientas e secas, era possível ver alguns carros velhos e enferrujados, e tudo o que eu desejava era ter vivido sua época, mesmo que significasse morrer por causa de um ataque nuclear, limpei minha testa de suor, abaixei a minha boina mais um pouco afim de proteger minha pele, claro que aquilo não funcionava lá muita coisa, mas eu gostava de pensar que sim e dei um gole no Whisky que coloquei no meu cantil da NCR. Nipton fora mesmo atacada, não cheguei perto para checar, pois o pouco que fiquei como soldado foi o suficiente para saber sobre a fama que a Legião tinha, e sinceramente? Eu adoraria enfiar uma bala no cu desses desgraçados, mas estava sozinha, então contornei de forma que só fosse possível ver sua fumaça preta e amaldiçoada.

Estava anoitecendo quando alcancei uma espécie de canal, um monte rochoso de um lado, e outro monte rochoso do outro, de modo que fosse bem convencional que se utilizasse daquela estrada para passar... Bem convencional... Aquilo me lembrou dos meus dias na Strip, o modo que fazíamos emboscadas canalizando o fluxo de pessoas para uma rota específica. Fiquei alerta, me esgueirei para a minha direita, rente à vegetação seca e a uns veículos, por sorte, minha vista sempre foi boa, então esgueirar pelas minas não foi muito difícil, mas aquilo só me deu a certeza de que eu estava passando por um lugar onde emboscadas eram comuns. Ouço tiros. Droga, me viram!

Saquei a arma e comecei a procurar, com os olhos acostumados ao escuro, pelos atiradores, avisto dois, um deles tirando o pino de uma granada, e o outro com um rifle cheio de amarras para funcionar. Me jogo para trás de um carro, a granada passa pelo meu lado esquerdo, então eu tento correr para a direita o mais rápido que posso, mas a granada explode e sou jogada poucos metros longe, me levanto com o ouvido zumbindo muito alto, quase não conseguindo ouvir os tiros que estou disparando, acerto o do rifle na cabeça, fazendo-o cair numa explosão de cérebro e sangue, o companheiro dele se apavora e se prepara para lançar outra granada, quando acerto ele na barriga, fazendo-o cair, outros comparsas começam a aparecer, descendo dois de um dos montes e mais uma mulher do monte vizinho. Me acertam na perna, eu caio, atiro de novo na direção do que estava mais perto, acerto a arma dele, ele a joga no chão, sacando uma faca, assim, ganhei tempo para me levantar e esconder atrás de uma Kombi, de lá, consegui acertar a mulher no peito, mais tiros em minha direção, apunhalo no pescoço o primeiro homem que aparece, fazendo-o arregalar os olhos, como se não acreditasse no que havia acontecido, sim colega, você errou, e agora está morto. Havia sobrado apenas um, que se aproximava atirando quando eu me atrevia olhar. Foi então que avisto uma mina a 5 metros de mim, minas terrestres levam alguns milissegundos para explodir, quando excitadas. Pulei com as minhas ultimas forças em direção da mina, pegando-a e jogando-a em direção ao filho da puta. Ela explode perto dele, deixando-o aleijado da perna esquerda. Ele é jogado alguns metros para longe, perdendo sua arma ao cair, pede piedade.

—Piedade? Eu já não tenho isso há muito tempo, companheiro. Vocês tentaram me foder. –Falo, enquanto ele tenta se arrastar para pegar a arma. –Mas eu tenho uma má noticia para você. –Antes que isso aconteça, eu o tiro de seu sofrimento.

 

 

...

—Que menina linda você é, sabia? –Aquele velho asqueroso dizia, enquanto acariciava meu cabelo. –Cabelos vermelhos como sangue... Você já... Sangrou, querida? Oh, não tenha medo. Não estou aqui para te machucar. –Ele coloca as mãos nos meus ombros, aproximando-se mais. James estava pegando um saco de tampinhas. –Olhe para mim, criança... –Ele sorri. –Quer vir comigo? Eu tenho algo que você vai gostar, eu tenho vestidos, eu tenho comida, tenho água limpa, você quer? –James estava vasculhando outras coisas de valor no brahmin. –O que você está olhando..?

—Corre! –Eu gritei para James, e ele correu com o saco de tampinhas cheio nas mãos, eu também tentei correr, mas o comerciante de caravana agarrou meu braço.

—Onde pensa que vai, criança linda? Nem começamos a conversar direito... Não acha?


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Notas finais do capítulo

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