Rosa do Deserto escrita por Y Laetitya


Capítulo 11
Primm




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Ao finalmente a noite cair e todos se recolherem, fechei a porta do quarto e me certifiquei de que nenhuma tábua da casa rangia com passos, então, abri minha mochila e tirei algumas seringas usadas, dei uns petelecos na primeira para agitar o conteúdo de dentro e arregacei minha manga do braço esquerdo, amarrei um pano bem forte acima do cotovelo, a agulha penetrou em minha pele e eu injetei o líquido transparente na veia que furei. Minhas mãos pararam de tremer, não via nem três palmos à minha frente naquele escuro, mas podia ouvir um grilo incessante do lado de fora da minha janela, estava sentindo uma euforia enorme, as coisas começaram a ficar duplicadas e a piscarem com cores coloridas e berrantes, o prazer que aquela droga dava era semelhante a um sexo acompanhado de um monte de pisca-pisca. Não era o bastante para uma noite louca e divertida, mas eu não podia arriscar e fazer barulho justo naquela casa, eu teria que me contentar e esperar por uma oportunidade melhor.

Guardei as outras seringas um pouco atrapalhada com as luzes e as cores na vista, decepcionada comigo mesma por não usa-las todas de uma vez como eu faria antes de Rose. Não, antes de Rose, não; eu era Rose e tinha que me acostumar com aquilo.

Depois de muito tempo, quando o efeito acabou, finalmente fiquei mais tranquila –com uma vontade de injetar mais em mim mesma, porém, com a tranquilidade característica que todo aquele efeito louco poderia te trazer no finalzinho de tudo–, deitei na cama, começando a ficar irritada com o grilo que continuava a emitir um som idiota, rolei durante mais algumas horas até conseguir cair no sono, vencida pelo cansaço.

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Quando acordei já era hora do almoço, e senti o mesmo cheiro de ensopado, provavelmente, eram as sobras da noite passada, mas mesmo assim cheirava bem e meu estômago roncou ao inspirar o aroma pela segunda vez. Levantei-me e minha cabeça parecia que ia explodir, tudo girava de uma maneira atormentante, razão que me fez permanecer sentada na cama por quase meia hora, até que Marta bateu de leve na porta e a abriu o suficiente para apenas um pouco de luz entrar –e me cegar por causa das pupilas ainda dilatadas–.

–Ora, já está acordada! Não quero incomodar, mas o almoço já está pronto. –Disse.

–Já irei, podem ir se servindo, não esperem por mim.

Ela fechou a porta enquanto sorria, me deixando no escuro novamente. Bocejei e cocei a cabeça –é incrível o fato de, depois de tomar banhos regularmente, nossas cabeças se acostumam e coçam quando você a esquece de lavar como fazia no acampamento McCarran.

Levantei-me resmungando e me rastejei até a cozinha, pegando um prato fundo e enchendo daquela comida deliciosa, peguei uma colher e fui para a sala para ficar na companhia de Marta e do velho. Eles tinham bons papos e conversavam principalmente sobre as músicas que tocavam repetidamente em uma estação de rádio qualquer. Quando terminei, agradeci e finalmente disse que teria que partir rumo ao Acampamento Golf.

O sol estava escaldante como sempre e o uniforme da NCR só comprovava que o que parecia ruim podia piorar, tirei a jaqueta depois de pisar na estrada e a embolei dentro da mochila, limpei minha testa que já minava suor e continuei com a caminhada.

¨

Após uma longa caminhada e matanças de animais –ou insetos (?)– selvagens que tentavam me atacar durante o caminho, finalmente cheguei a uma cidade chamada Primm, parecia mais moderna que Goodsprings de longe, porém, igualmente abandonada para a natureza deteriorar o concreto dos prédios e o ferro da grande montanha-russa da cidade, que pareceu ter sido uma boa atração nos seus tempos de glória antes da Grande Guerra, e sem que percebesse, peguei-me imaginando novamente cidades luminosas e sonoras, com todo o glamour e pessoas charmosas, como costumava fazer quando ainda era uma fiend.

Parei para cumprimentar um soldado da NCR que estava de guarda na entrada da cidade, e ele me explicou que até pouco tempo, Primm era uma cidade em decadência cheia dos famosos Arruaceiros da Pólvora, que ocuparam principalmente o Bison Steve Hotel, o prefeito e sua esposa foram mortos por esses criminosos e o delegado sequestrado, todos os habitantes viviam escondidos no cassino de Primm, até que um misterioso mensageiro parou para ajuda-los com a maior pré-disposição e “educadamente” se desfez dos Arruaceiros, além de conseguir um novo xerife para a cidade. Curiosamente, um mensageiro passou por Goodsprings e ajudou toda aquela gente também, o que me fez concluir que eram a mesma pessoa, seja quem for, estava facilitando o trabalho de muita gente –inclusive o da NCR, acrescentou o soldado.

Estava morrendo de sede e precisava encontrar um lugar para descansar, logo me recomendaram o cassino Vikki & Vance, alegando que lá possuía o melhor ensopado de Rad-escorpião da região. Como não tinha nada a perder –a não ser algumas tampinhas– decidi entrar, quem sabe até eles não trocassem dinheiro da NCR por qualquer outra coisa que pudesse usar como troca sem que os comerciantes de caravanas não fizessem cara feia na hora do pagamento.

Assim que empurrei a porta do cassino, pude ver várias máquinas de jogos de azar –no qual eu preferia não arriscar a sorte–, um robô com sotaque e chapéu de cowboy chamado Primm Slim e um carro que mais parecia uma peneira bem no centro do salão. Um velho com uma velha ao lado caminharam em minha direção e me cumprimentaram com uma falsa felicidade no rosto, eles pareciam ser os donos daquele lugar e se chamavam Johnson e Ruby Nash.

Ruby me empurrou um ensopado de Rad-escorpião, um preço um pouco salgado a princípio, um pouco até eu provar aquela nojeira, que quando coloquei na boca quase cuspi tudo fora, aquilo era horrível, a boca formigava e Deus sabe lá o que tinha naquela tigela que me fora servida. O preço era mais que salgado, era venenoso se comparado ao gosto daquela porcaria. Para me aliviar, pedi qualquer bebida que eles tivessem, qualquer uma, desde que tirasse aquela sensação horrível da minha boca. Prometi a mim mesma que nunca mais comeria nada do tipo. E tudo o que aquela velha idiota fez foi rir, falando que era normal e que logo iria me acostumar se comesse mais. Duvido que ela se acostumaria com um pau bem grande no meio da bunda dela.

O entardecer havia chegado e com ele a minha necessidade de usar chems aumentava a cada minuto. Uma vez que o tal mensageiro “limpou” o hotel dos Arruaceiros, pude ficar por lá sem me preocupar em ser incomodada, podendo assim, deixar que pílulas e mais pílulas se derretessem em minha língua, e injetar líquidos de procedência duvidosa em minhas veias até me sentir cansada demais para preparar outra dose.


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