Shiver escrita por Aurora


Capítulo 7
Kept in Cages


Notas iniciais do capítulo

Obrigada aos comentários dos capítulos anteriores, fiquei muito feliz! Boa leitura!



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Um rosnado furioso saído de seu estômago a acordou e Miku gemeu. Nunca havia sentido tanta fome antes. Sentia como se tivesse ficado quatro dias sem nem ver comida, e o corpo desesperado a empurrou para fora da cama. Viu que o relógio em seu celular marcava seis horas e alguma coisa, e ela desceu as escadas com cuidado para não fazer nenhum barulho desnecessário.

Abriu a geladeira e pegou um grande pedaço de mortadela. Sua vontade era comer aquele pernil inteiro, mas não faria isso. Sabia que era exagero.

Cortou um pedaço médio e o engoliu quase sem nem o mastigar. Praticamente não sentiu o gosto, mas não havia sido suficiente. Cortou outro, um pouco maior dessa vez. Teve dificuldade para enfiar tudo na boca de uma vez, mas a fome falava mais alto. Ainda parecia que não havia comido nada. Nesse processo, todo o pernil havia desaparecido.

Ainda sentia a fome a açoitando, e ela gemeu outra vez. Não sabia o que estava acontecendo e estava um pouco assustada.

Dessa vez, suas mãos alcançaram o armário superior da pia, agarrando três latas Campbell’s de sopa de feijão enlatada. Nunca havia gostado muito do gosto, mas agora era a fome que a comandava. Ligou o fogo do fogão e despejou o conteúdo das três latas combinadas sobre uma panela, cozinhando o alimento nada apetitoso.

Quando sentiu que estava pronto, jogou todo em um prato. Quase transbordou, mas ela não ligou. Devorou tudo em pouco mais de quatro minutos, sem mal esperar esfriar.

Enquanto sua boca ardia, seu estômago protestava. Ainda estava faminta, e sem justificativa alguma.

Estava pronta para revirar aquela cozinha inteira atrás de algo que a alimentasse quando Luka passou pela porta, com seus pijamas e cabelos desgrenhados.

– Que bagunça! – ela pareceu surpresa, parando na porta e vendo as latas abertas sobre a pia, louça suja e restos de mortadela na mesa.

– Luka, eu vou morrer de fome! – Miku berrou, deitando a cabeça sobre a mesa. Um som bizarro saiu de seu corpo que até mesmo Luka conseguiu ouvir. Ela riu, se recostando no portal da cozinha.

– Ah, sim. A fome chegou. Venha, vamos dar um jeito nisso.

Pouco menos de uma hora depois, o jeep de Gakupo buzinou à porta da casa, e as irmãs saíram.

– Pra onde estão me levando? – Miku protestou, enquanto afundava no banco de couro na traseira, apertando o corpo, tentando acalmar seu estômago furioso.

– Para a mesma cabana onde acordou, lembra? – Gakupo a olhou pelo retrovisor, sorrindo. – Essa fome que você sente é algo perfeitamente normal, que acontece em intervalos de tempo muito precisos. Seu corpo agora é morada de algo forte e poderoso, e essa força e poder tem que vir de algum lugar. Se seu lobo dependesse de todas as comidas humanas que usamos, não conseguiria correr nem duzentos metros.

– E isso quer dizer que...? – ela olhou pela janela, observando quando o jeep entrou numa estrada dentro da reserva, vendo apenas árvores então.

– Que devemos fazer do mesmo jeito que os lobos fazem. – Luka respondeu, também olhando por sua janela.

– Ow, ow, ow! Espera aí! Quer dizer que eu vou ter que caçar como algum tipo de besta?

Gakupo riu do comentário, entrando com o carro em um caminho bem mais estreito.

– Basicamente. Mas é mais difícil. Somos grandes demais para compartilhar comida uns com os outros. Um alce inteiro é o suficiente pra matar a fome por mais um intervalo de sete a quatorze dias. – ele respondeu, quando começavam a poder ver a cabana ao longe.

– Vou caçar sozinha então?

– Irei com você. São caçadas em duplas e, por sorte, caímos no mesmo período de caça. – Luka respondeu, quando o jeep parou na frente da cabana e os três desceram.

Entraram no pequeno chalé, e Kiyoteru conversava com um homem. Devia ter seus trinta anos, parecendo saudável, experiente e acima de tudo, titular.

O corpo de Miku estremeceu ao olhar pra ele, e assim como Gakupo e Luka, baixou os olhos ao passar por ele.

Tinha cabelos castanhos mistos com branco, olhos amendoados e era alto. Usava roupas cinza e tinha expressão severa. Segurava em mãos um papel amassado, e ele olhou para Miku quando ela passou por ele. Seus olhos se estreitaram e as sobrancelhas franziram-se. A boca tornou-se uma linha, e ele a encarou até que ela mudasse de cômodo.

– Quem era aquele? – ela ousou perguntar, quando foram para a parte de fora da cabana, aos fundos.

– O chamam de Big Al, ou só Al, se ele gostar de você. É o nosso alfa. – Gakupo explicou, dando de ombros. – Não é um cara ruim, mas demora um pouco pra ele se acostumar com os novatos.

– Quantas pessoas têm nessa alcateia?

– Não muitas, na verdade. Todas as cidades desde Jacksonville até Moultrie têm o mesmo alfa, o Al. Mas não ficam sempre no mesmo lugar. Há toda uma distribuição para que não cacemos nos mesmos lugares, para que a população de cervos e alces possa se regenerar saudavelmente. Nos vemos três vezes por ano, nas conferências. É algo bastante complexo, mas com o tempo você se acostuma. – explicou ele novamente, dando de ombros. – Podem se preparar pra caçada. Tenho algumas coisas para resolver com aqueles dois de qualquer jeito. Até logo.

Gakupo entrou de novo, deixando as irmãs sozinhas.

– Certo. – Luka falou, se alongando. – Pode começar a chamar seu lobo.

Miku teve certeza que fez uma cara de dúvida tremenda, pois Luka riu.

– Ah, sim. Você ainda não está acostumada. Vamos fazer o seguinte, – ela voltou a sua postura ereta, estralando os dedos – feche os olhos e se guie pela minha voz.

Ela obedeceu, fechando os olhos e aproveitando para respirar fundo.

– Certo. Quero que se imagine em algum lugar; qualquer um. Não se dê trabalho criando um cenário, não vai precisar dele. – mais uma vez, Miku obedeceu. Imaginou-se num campo simples sem nada demais. Assentiu para Luka continuar - Ótimo. Agora, imagine um grande muro com uma porta, te separando do que quer que esteja do outro lado. – ela o fez. Um grande muro de pedra se ergueu em sua mente, e uma porta de madeira o estampava no meio. Assentiu novamente. – Imagine seu lobo do outro lado. Sinta essa imagem com toda sua força, pois precisará disso. O puxe para dentro.

Fez como foi ordenado. Abriu a porta e o lobo que em um sonho estava do outro lado, em pé, olhando para ela calmamente. Ela tentou o chamar, mas ele não foi. Parecia tão real. Aquela consciência não era dela. Andou até lá e o puxou pelo os pelos, mas o animal não saiu do lugar.

– Está relutando, não está? – a voz de Luka entrou em sua mente, e ela concordou. – Normal. Não gostam de ser chamados, mas de aparecer nos momentos mais inconvenientes. Não desista. Faça o que puder, porque se não se esforçar, ele não vai vir.

Ela tentou o empurrar pelas costas, puxar pelas orelhas, até pisar em suas patas para ver se ele saía do lugar, mas nada. Não se movia. E então, teve uma ideia.

Com sua mente, alargou um pouco a passagem, para que o animal pudesse ver o que havia do outro lado. Sua mente fez projeções perfeitas de alces e cervos do outro lado, e aquilo chamou a atenção do lobo. Era tentador.

O animal não pensou. Passou pela porta direto, e nesse momento, seu corpo se contraiu num espasmo, fazendo-a ofegar.

Não aguentou e abriu os olhos. Estava vindo.

Sentiu seu corpo crescendo outra vez, e todo seu revestimento mudando, desde seus átomos até grandes partes de membros. As roupas se rasgaram com o crescimento repentino, e ela se abaixou quando havia acabado. Não havia sido tão doloroso quanto na primeira vez, mas isso não significava que era uma experiência agradável.

– Muito bom, muito bom! – Luka elogiou, sorrindo. Miku sentia, outra vez, o lobo tentando tomar o controle. Mas ela não permitiria. Não ainda. – Minha vez.

Luka se afastou, e sua transformação pareceu bem mais rápida e menos doída. Um animal bonito, mas decerto menor. Luka tinha pelos de um castanho misto com cinza, e seu interior era branco. Sua estatura era alguns centímetros menor que a de Miku, mas isso poderia ser algo bom.

Um olhar da irmã foi o suficiente para entender que a caçada havia começado oficialmente.


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Notas finais do capítulo

Então, gostaram? Tentei fazer o melhor que pude, mas ainda não sei se gostaram, então, por favor, não deixem de comentar, ajuda muito!