Shiver escrita por Aurora


Capítulo 8
Shades of Blue


Notas iniciais do capítulo

Quero começar agradecendo as novas leitoras, P C Winchester, Dawn e Alice Bird, sejam bem vindas! Boa leitura!



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Estava abaixada em arbustos verde-acinzentados, apenas aguardando. Velava um grupo pequeno de cervos, com um grande alce de galhadas grandes.

Os animais pastavam calmamente, e do outro lado da clareira, Miku podia ver Luka. A irmã era menor e mais esgueira, mas não tão rápida.

Seu lobo estava agitado, conseguia sentir. Era a mesma sensação de segurar um cachorro enorme por correntes fracas. Não o seguraria por muito mais tempo, e talvez fosse melhor soltar as correntes por escolha própria do que deixá-la escorrer por entre seus dedos.

Teve cuidado ao se aproximar um pouco mais pela diagonal, tendo cuidado onde pisava. Desviava de galhos e folhas mortas, mantendo a cabeça abaixada e sentidos tão ligados quanto poderiam.

Não devia estar a vinte metros de distância, quando acabou esbarrando em uma raiz volumosa, fazendo o barulho ecoar. Os cervos e o alce mal olharam, suas pernas franzinas começaram a correr e a corrente se soltou. O impulso foi forte demais para conseguir conter seu lobo.

Viu que Luka começou a correr também, e que dificilmente quem estava no comando era ela. Luka foi atrás de dois cervos, e Miku sentiu que seu corpo ia atrás do alce.

Saltou sobre o arbusto, atravessando a clareira e perseguindo o alce com tudo o que tinha para oferecer. Viu que a experiência que seu lobo tinha nas caçadas era grande, e que talvez não fizesse mal deixá-lo no controle nessas situações em particular.

O alce era veloz, mas Miku era mais. Saltava sobre raízes, arbustos e protuberâncias terrosas, enquanto o alce só desviava de tudo. Se aproximava cada vez mais, e quando estavam a talvez três metros de distância, seu corpo galgou na direção da presa, e seus dentes foram precisamente ao seu pescoço.

Ambos caíram no chão, os maxilares poderosos do lobo presos ao pescoço do alce, que estava imóvel, mas não morto.

Quando pararam de derrapar na terra, Miku sentiu que estava com o controle de seu corpo novamente. Não soltou o pescoço do alce por alguns instantes, apenas apertando mais a mordida e sentindo o gosto de sangue empestear sua boca. Sentiu alguns ossos pequenos se rompendo e o animal guinchou entre seus dentes, soltando a última respiração.

Sua boca se abriu devagar, como se para ter certeza de que o animal estava verdadeiramente morto. Viu a dimensão do que havia acabado de caçar, e mesmo que faminta, não sabia por onde começar, ou como começar.

Depois de alguns minutos tentando desvendar como comer, devorou o enorme animal, sujando seus pelos alvos e mistos com um vermelho amarronzado e cheiro de carniça forte.

Foi uma experiência aterrorizante, a qual ela teria que se acostumar.

Chegou em casa com a barriga cheia demais até para andar. Aprendeu da pior maneira que o certo seria deixar o corpo lupino digerir o alimento, e só voltar à forma humana quando tivesse acabado.

Ficou deitada em sua cama por horas a fio, se perguntando se toda aquela sensação incômoda um dia passaria.

Leu livros e assistiu a seus filmes anosos, e finalmente o desconforto acabou. E então, se sentiu viva, alimentada, e com doses inacabáveis de energia para gastar.

Saiu de sua cama, seguida por uma longa e agradável espreguiçada. Abriu a janela e viu o sol de quatro da tarde dentre nuvens chuvosas. Talvez uma caminhada fosse uma boa ideia, antes da chuva.

Vestiu moletons e prendeu os cabelos, indo para fora de casa fazer seus alongamentos. O ar frio a motivava a fazer exercícios que mantivesse o sangue correndo quente. Começou a correr pela calçada, calmamente enquanto observava a rua.

Deu várias voltas em várias áreas da cidade que nem sequer conhecia, incluindo os arredores arbóreos. A noite já tinha caído quando ela decidiu que já havia se exercitado o bastante, mesmo que seu corpo sentisse apenas que ela tinha dado poucos passos.

No caminho calmo para casa, ela decidiu parar em uma loja de conveniência para comprar uma garrafa de água.

Passou pela porta, e um sininho tocou. Não esperava muito de uma simples loja de posto de gasolina, apenas algumas prateleiras com lanches industrializados e molhos para qualquer tipo de coisa. Recuado, ao fundo da loja, um homem novo foleava uma revista sem muita atenção. Levantou seus olhos para ela, e Miku estremeceu. Seu lobo agitou-se dentro de si, e ela entendeu o que aquilo queria dizer. Ele era um lobisomem também. E não parecia muito contente.

Ela o ignorou e foi até um dos quatro refrigeradores da loja. Apanhou uma única garrafa de água e pagou no caixa. Antes de deixar a loja, deu uma última olhada no sujeito, que ainda a encarava de forma superior e não parecendo ter muitas boas intenções em mente.

A noite pareceu algo mais assustador do lado de fora. Andou em passos apressados, principalmente quando percebeu que, antes de virar a esquina, o homem também saiu da loja e começou a ir à mesma direção que a dela.

Seu cérebro automaticamente começou a calcular rotas de fuga se ele tivesse intenções ruins, enquanto seu lobo começava a querer tomar posse do corpo. Não era uma situação muito boa.

O homem estava chegando perto, quando saídos de um bar, outros dois se manifestaram. Seu lobo estremeceu e seu corpo estremeceu junto. Mais lobisomens. Perguntava-se de onde todos eles haviam saído.

Um beco estreito erguia-se na sua lateral, e foi o melhor que conseguiu planejar. Ainda não corria, mas ambos o cérebro e instinto a aconselhavam a. Desviava de latas de lixo e saltava sobre poças, enquanto ouvia os homens atrás dela conversando murmúrios e se aproximando cada vez mais.

Saiu do beco e quando viu que os olhos dos homens não mais a alcançavam, começou a correr. Saltou por entre degraus de casas e desviou de postes e hidrantes. Mas ela sabia, mesmo na velocidade que ela corria, eles a alcançariam, e um dilema mental provavelmente a impediria de uma proteção adequada.

Olhou para trás por um instante para ver se eles estavam em seu encalço e quando se voltou para frente, uma figura extremamente próxima fez com que suas pernas parassem de correr e ela ficasse imóvel.

Kaito a olhava com dúvida. Estava segurando um copo da Starbucks, tirando algo do bolso da jaqueta. Suas sobrancelhas estavam franzidas, e ele estava tão parado quanto ela.

– O que está fazendo? – ele se manifestou, quando percebeu que a expressão assustada dela agora tomava um aspecto mais relaxado e aliviado.

Miku estava ofegante. Não pela corrida, mas pelo medo. Pela primeira vez, havia se sentido realmente ameaçada, e sabia que não conseguiria se defender.

Ela não precisou responder. Saindo da mesma viela que ela, os três homens caminharam calmamente, mas pararam quando avistaram que ela não estava sozinha. Pareciam discutir entre si o que fariam a seguir.

Kaito estreitou os olhos e tirou do bolso chaves de um veículo. Miku só havia percebido agora, mas ele estava parado em frente a uma moto preta, estacionada no meio-fio. Ele montou nela calmamente, ligando a ignição e olhando para a mulher na sua frente como se esperasse algo.

– Está esperando que eles venham nos cumprimentar? Suba. – ele entregou a ela um capacete de moto, e Miku não precisou pensar duas vezes antes de aceitar e subir na moto.

Não era como se Kaito fosse esperar para ela se sentir confortável sobre o veículo para começar a correr. O impulso foi tão grande que ela se agarrou ao corpo dele num ato instintivo cego, banhada por muita vergonha logo em seguida.

Não precisava vê-lo para saber que ele estava adorando fazê-la passar por essa situação.

O vento zumbia alto em seus ouvidos na medida em que a moto cortava o ar, e ela se perguntava mentalmente para onde Kaito estava a levando.

Depois de não muitos minutos em uma corrida sem demais participantes, a moto foi desacelerando até parar na frente de uma loja.

– McDonald’s? – ela franziu as sobrancelhas, devolvendo o capacete. Kaito desligou a moto a assentiu.

– É o último lugar em que procurarão por nós. – não a esperou para passar pela porta da franquia de lanches. Miku o seguiu, entrando na lanchonete.

Sentaram-se ao fundo. Uma criança estava fazendo aniversário e várias outras crianças gritavam e corriam, brincando. Ninguém ouviria a conversa dos dois naquele barulho.

– Quem eram aqueles caras? – ela perguntou, fingindo analisar o cardápio curto de uma única página.

– Lembra quando acordou e dissemos que você havia se metido numa briga com o alfa de Atlanta? – ele mal parecia querer disfarçar a conversa com algum paliativo.

Ela assentiu, também largando seu paliativo de lado.

– Sim, vocês disseram que o nosso alfa havia ido se acertar com o outro.

– Foi um acordo muito meia-boca, mas dificilmente o alfa de lá irá vir aqui para comprar uma briga com você. Mas isso não significa que os outros lobos também farão isso. Aqueles homens não são da nossa alcateia. E se a pegarem sozinha, não gosto nem de imaginar o que eles farão.

Miku sentiu um arrepio gelado banhá-la, e sua expressão murchar.

– Como vou para casa, então?

– Eles não a emboscarão em casa. É baixo demais para qualquer lobo fazer isso. Mas deve ter cuidado quando estiver sozinha nas ruas, principalmente à noite. Nem sempre vou estar lá para afastar a escória.

Mesmo que não gostasse de admitir a ideia até mesmo para si, Miku começava a confiar em Kaito. Continuaria sorrateira em relação a ele, mas se ele não a desapontasse, não teriam problemas. Não muitos, pelo menos.

– Obrigada. Não há muito que eu possa dizer para agradecer, mas você possivelmente salvou minha vida lá. Fico te devendo essa.

– Estaríamos quites se você fosse uma boa garota e me comprasse um Big Mc. Salvar princesinhas sempre deixa os heróis com fome. – o olhar dele mostrava a brincadeira, e ela riu. Sim, eles poderiam se dar bem, no final das contas. Mas ainda faltava muito para o “final das contas”.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Vejo vocês em breve, espero!