Shiver escrita por Aurora
Notas iniciais do capítulo
Boa leitura!
O cheiro forte de amaciante e perfume exagerado impregnava cada canto da loja, quase a deixando sem ar.
Sua mãe, do outro lado, rodopiava dentro de um vestido branco e pomposo, que não era exatamente adequado.
– O que acha? – ela perguntou, falando diretamente para Miku. Luka estava ao lado da mãe, fingindo estar gostando das vestes escolhidas.
– Acho que está ostensivo demais para alguém que vai se casar de novo na sua idade.
A mulher emburrou-se imediatamente, fazendo um bico grande e vetando-se ao espelho, como se no fundo concordasse, mas estivesse envergonhada demais para admitir.
– Miku! – Luka repreendeu. Cruzou os braços e encarou a irmã, como se esperasse desculpas.
– O que?! Ela sabe disso, não é nenhuma criança para ficar brincando de vestido de conto-de-fadas!
Luka bufou, voltando-se para a mãe como em busca de consolá-la.
Miku não estava com paciência alguma para aquilo. Havia finalmente achado um pequeno “estúdio-apartamento” no centro e ainda precisava encaixotar tudo para ir embora.
Levantou-se do banco em que sentava e foi para fora da loja. O clima frio era tortuoso, mas aquilo não a incomodava de verdade.
Puxou o celular para fora do bolso e mandou a mesma mensagem para quatro pessoas.
“Será que seria pedir muito uma mãozinha na mudança hoje?”
☸
Desceu os degraus da varanda carregando uma caixa média que servia de suporte para uma caixa pequena. Colocava algumas caixas em seu carro e outras no jeep de Gakupo, enquanto todos a ajudavam.
Não passava de duas da tarde quando Len levou para fora a última caixa da mudança. Alguns raios frágeis de sol escapavam dentre nuvens, como que um consolo.
– Muito obrigada mesmo, pessoal! – ela esfregou as mãos uma na outra, tentando aquecê-las. – Não fazem ideia do quanto me ajudaram hoje.
– Não há de quê – Rin respondeu, se mostrando inofensivamente superior como sempre. – porque não arrumamos tudo agora e fazemos um jantar para comemorar? Sabe? Freedom, girl¹!
– Não vejo porque não! – ela sorriu, afinal, era o mínimo que podia fazer para agradecer. – Rin e Len, vocês me ajudam a arrumar o apartamento enquanto eu cozinho. Quando estiver tudo pronto, o resto do pessoal vem e fazemos um reggae genuinamente americano, que tal?
Não houve objeções. Rin, Len e Miku seguiram para o estúdio no centro, enquanto cada qual foi para sua casa.
Quando chegaram, até que não se depararam com uma cena tão feia. O apartamento era adorável. Um típico estúdio americano, com as paredes de tijolos vermelhos, colunas e poucas divisões de cômodos.
O casal ariano ficou encarregado em desempacotar as coisas enquanto Miku mostrava suas grandes capacidades culinárias com apenas um balcão vazio, uma geladeira com poucos ingredientes e um fogão.
Seis da tarde, com o trabalho terminado, Rin e Len se retiraram para voltarem mais tarde, e Miku foi se arrumar.
Tomou uma ducha apressada, pondo-se a escolher uma roupa a sua disposição. Um vestido vermelho e justo foi sua ida, junto com saltos negros e arrumados. Fez a mesma maquiagem de sempre, borrifando perfume nos pulsos e atrás das orelhas.
Teve a impressão de ter ouvido seu celular vibrar sobre a recém-montada cômoda, se dirigindo até lá. O tomou em mãos, mas não antes de olhar pela janela. Viu na rua um homem e uma mulher tragando cigarros. Seria uma cena comum em qualquer cidade, se eles não estivessem parecendo obcecados até demais a respeito de seu apartamento.
Deixar o pensamento de lado pareceu a melhor escolha no momento, e ela voltou-se para o celular novamente.
Não havia nada de novo, mas logo uma ideia surgiu em sua mente.
Antes que pudesse decidir entre executá-la ou não, seus dedos já trabalhavam sobre a tela. Sem perceber o que fazia, a mensagem já havia sido enviada.
“Você vai vir hoje, não é? Espero que já esteja tudo bem com o que aconteceu na floresta semana passada.
Xoxo²
Miku.”
O som de mensagem enviada fez que ela percebesse o que havia acontecido. Havia acabado de mandar uma mensagem extra sugestiva para Kaito, e a queda da ficha foi equivalente a um tapa no rosto.
Ótimo! Agora ele vai achar que eu sou uma vadia desgarrada e insensível! Perfeito!
A aparência de uma nova mensagem em sua tela fez que todos os pensamentos se esvaíssem e um frio vazio preenchesse seu peito com ânsia.
“Espero que sim. Evito pensar no que aconteceu, e espero poder ir. Quero vê-la. Estava linda hoje mais cedo.
Xoxo
Kaito.”
Seu coração quase saiu pela boca ao ler a mensagem. Não se lembrava a última vez que alguém havia a feito sentir algo do tipo, e tudo que conseguiu fazer foi jogar o celular na cama e respirar fundo.
Seria uma longa noite, afinal.
☸
O relógio vintage que decorava sua cozinha marcava dez e quinze. Gakupo e Luka eram os únicos que haviam chegado, conversando descontraidamente enquanto Miku ajustava alguma música agradável em seu estéreo.
O som saía com suavidade quando a campainha tocou. Ela se apressou em abrir a porta, se deparando com as “almas gêmeas”.
Uma pontada de decepção a atingiu, mas ela não deixou isso se mostrar.
– Entrem, por favor! – ela abriu espaço para que eles passassem.
– Que cheiro delicioso! – Len elogiou, não disfarçando ao respirar fundo o aroma da casa.
– Espero que gostem de ravióli, porque é a única coisa que cozinho bem!
Eles se sentaram no sofá quando Miku foi checar na cozinha para ver se Gakupo e Luka conseguiam fazer tudo. Gakupo abria uma garrafa de champanhe enquanto Luka procurava por taças dentro das caixas.
Miku avançou na direção da irmã, já sabendo onde cada coisa estava.
– Desculpe – ela sorriu, tirando seis taças de uma caixa pequena – não tive tempo de desempacotar tudo ainda.
– Não se preocupe. Você arrumou tudo muito bem para quem teve só uma tarde, além de que o ravióli parece maravilhoso. – Luka sorriu, levando as taças para que Gakupo as enchesse.
A campainha tocou novamente e Miku pediu a licença do casal para atender a porta.
Ao abri-la, encontrou Kaito parecendo apressado e um tanto molhado.
– O que aconteceu?! – sua expressão desmoronou-se ao vê-lo. O puxou para dentro, fechando a porta logo atrás.
– Espero que goste de Romanée. – ele sorriu, entregando a ela a garrafa de vinho que carregava. Ela a tomou e colocou sobre a mesa de jantar mas ainda aguardando uma resposta. – Acho que não percebeu a chuva lá fora.
– Você deve estar congelando – ela não pediu permissão para arrancar o blazer molhado de Kaito. – vou colocar na secadora. Em vinte minutos deve estar novo em folha.
Ele sorriu, avançando gentilmente para dar um beijo corrido em sua testa.
– Você é um anjo.
O rubor em todo seu rosto pareceu não querer ser contido de maneira alguma. Ela avançou rapidamente para a lavanderia bagunçada de sua casa, fechando a porta logo atrás. Colocou cuidadosamente o blazer dentro da secadora, escorando-se na parede logo em seguida.
Um sorriso pimpolho surgiu em seus lábios e ela piscou.
A noite é uma criança. Vamos ver o que ela trouxe.
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Vocabulário: ¹Freedom, girl - Libertade, garota
²Xoxo - gíria americana equivalente a "beijos e abraços"