Crônicas de São Paulo escrita por Pepper


Capítulo 2
Da Paulista para a Penha. Part 2




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Vou dormir no mesmo quarto que meu irmão, é um quarto grande até, tem uma cama de casal e um colchão embaixo, uma tevê velha e um aparelho de DVD, e também um armário com uma porta torta. Minha vontade é de pegar o primeiro táxi para minha casa.

– E onde está o Caio? - Pergunto para minha mãe.

– Trabalhando, jájá ele volta.

– Ele trabalha? - Digo com ânsia da palavra, a sorte de ser rica, é que você não precisa trabalhar.

– Desde os 14 anos, para me ajudar a pagar as contas. No mundo real, você tem que trabalhar para conseguir dinheiro. - Ela disse e foi para a cozinha. Eu, com raiva, a segui. Chegando lá disse pra ela, irritada.

– Dá para parar de agir como se eu não vivesse no mundo real? Eu vivo no mundo real sim! A nossa diferença é que eu sou rica e você é pobre e vive nessa pobreza de casa.

De todas as reações possíveis que ela poderia ter, ela riu.

– Você não trabalha, você não lutou pra nada, você teve tudo que quis quando quis, que mundo é esse em que vive? Você pensa que vai viver pra sempre no dinheiro do papai?

– Claro que não! Depois eu arrumo um marido rico.

– A é? E o amor? E se você se apaixonar por alguém pobre?

– Me poupe! Não sou como o meu pai, tenho nojo de pobre.

Penso que agora peguei pesado com ela, disse o que não deveria ser dito.

– "Nojo"? - Ela ri, desconfortável e com lágrimas nos olhos. - De todos os sentimentos que queria que minha filha tivesse por mim, você sente nojo?

– Não se faça de vítima, você que não quis ser rica comigo e com o papai.

– Dinheiro não é tudo! Eu tenho meu orgulho! Minha dignidade! Meus princípios! - Ela grita chorando. - Você tem isso Karina? Claro que não tem, você se venderia fácil por um celular de última geração. Mas eu, Karina, eu trabalho desde os meus 12 anos para ajudar sua avó, para pagar a minha escola! E nunca me faltou comida, e nunca faltou comida nesta mesa, meus filhos são estudados, seu irmão quer ser médico! O que mais ia pedir? Além de uma filha humilde claro. Eu quero que você entenda, que dinheiro não é tudo no mundo, celularzinho com internet, é inútil, mas o amor, e o orgulho de ser quem você realmente é, não tem dinheiro que pague isso.

– Você é tão brega. Vou pro quarto, qualquer coisa, estou lá. - Digo e saio em direção àquele quarto pobre. Como ela pode ser tão cega? Sem dinheiro, ninguém é feliz, dinheiro compra tudo. Você paga uma boa viagem, você paga uma boa casa, uma boa escola, dinheiro é tudo!

– Deixou a mamãe magoada. - Comenta Caio entrando no quarto um tempo depois.

– Oi pra você também, Caio.

– Oi. - Cumprimenta-me sem ânimo. - Você deixou mamãe magoada.

– A culpa não é minha que vocês são pobres. - comento olhando pro teto.

– Você vê pobreza como um defeito, né?

– Talvez por que é um defeito? Ou vai me dizer que gosta do fato de ter de trabalhar todo dia e estudar?

– Na verdade, gosto. É bom, deixa você de mente aberta. Você aprende a ter responsabilidade, a lidar com os outros e a ser humilde. Você deveria trabalhar, burguesinha.

– Para de me chamar disso! - Jogo um travesseiro nele.

– Não! Agora vai se desculpar com a mãe, e saia da minha cama!

– Não e não. E eu vou dormir aqui nesta cama, você durma onde quiser.

– E eu quero dormir na minha cama. E vá agora se desculpar com a mãe! Sabe que eu poderia te fazer cócegas até você morrer.

– Tá bom! Eu vou, calma!

Sai do quarto e fui para a cozinha onde ela estava cozinhando.

– Desculpa... - Pedi.

– Ahn?

– Não vou repetir, você entendeu!

Ela saiu do fogão e veio me abraçar. Chorou um pouco, mas depois enxugou suas lágrimas, ainda não entendo o porquê de tanta emoção. Será que todo pobre era emotivo?

– Filha, desculpa também. Só pare com sua mania de grandeza, o caráter de alguém, não é sua conta bancária. Saiba que sou pobre, mas sou feliz.

– Sério? Assim? Sem salão de beleza? Sem Spa?

Ela ri.

– São coisas tolas que atrasam a vida, o importante é cada momento que se passa com quem ama.

– Fala tanto de amor, mas se separou de quem você mais amava, por orgulho. - Digo me sentando na mesa, ela se senta à minha frente.

– De novo essa história?

– Sim, esse orgulho vai te matar sabia? Volta pro papai e vão morar conosco.

– Não! Se ele me amava, porque não veio morar comigo? Sabendo que só assim eu ficaria do lado dele? Ele preferiu ser rico do que criar você e seu irmão, aqui, comigo. Eu avisei, que quem viveu e nasceu pobre, não se acostuma com a riqueza. Prefiro ter meu dinheiro suado e trabalhado, do que dinheiro que vem quando quer.

– Mas não é muito mais fácil?

– Às vezes, não é o mais fácil que nos faz feliz. Tudo que vem na bandeja é dispensável. Agora, o que você luta pra ter...

– Já entendi, não continua. - Falo a interrompendo.

Nisso se passou uma semana, e eu não fui para o colégio, visitei os shoppings pobres de lá, fui para lugares pobres, e morri de saudades de todos os meus amigos, da minha Av. Paulista linda, sentia saudades até daqueles caras que ficam te entregando cartão de loja e panfletos. Na Paulista tem de tudo, Skatistas gatos principalmente.

Um dia desses, fui com minha mãe para uma feira, era muito nojento lá, e muito cheio, parecia o caminho para o inferno. Quando saímos de lá agradeci mil vezes por isso. paramos numa estação de metro e comemos hot-dog. O.k., isso era gostoso. Então reparei numa coisa.

– Na Paulista não tem hot-dogs assim.

Minha mãe ri.

– Sério?

– É, bons assim, não.

Para chegar até a casa dela, tivemos que pegar metrô, e juro, nunca mais quero andar naquilo outra vez, gente suada, todos apertados, mau-educados, metrô é um nojo! E para piorar, tivemos que pegar um ônibus... Sorte que sou rica, e não tereide pegar muito ônibus por tanto tempo.

– Mãe. - A chamo, com medo.

– Que foi? - Ele me olha como se estivesse tudo bem. HÁ!

– Você não tem medo que ataquem fogo no ônibus com a gente dentro?

Ela começa a rir, como se eu acabasse de contar uma piada, mas não contei. Já vi na tevê vários casos de ônibus queimado aqui na Zona Leste.

– É verdade mãe! - Ela ainda ri. - Ain, como é ruim ser pobre.. - murmuro mais pra mim mesma, minha mãe ainda ria.


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