Crônicas de São Paulo escrita por Pepper


Capítulo 1
Da Paulista para a Penha. Part 1




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Meu pai ia me levar de carro para o colégio, mas passamos do colégio. Ele continuou dando voltas e voltas pela Paulista, pelas minhas contas, á passamos pela minha casa umas quatro vezes.

– Pai, o que deu em você? - Pergunto do banco do carona.

– Nada, por que? - Ele está nervoso e desconfortável, algo aconteceu.

– Pai, não enrola, tenho 16 anos, não sou criança. - Digo conversando com Jane por mensagem.

– Eu sei disso e... - Ele olha pro meu celular como uma ameaça. - Me dê isso.

– Paiê! Eu estava falando com a Jane! - protesto.

– Não está mais. - Diz ele jogando meu celular no banco de trás. - Agora me escuta Karina. Eu estou com alguns problemas no trabalho, vamos ficar sem dinheiro, e até eu resolver tudo, você vai ter que morar com a sua mãe.

– O QUÊ? - Grito. Ele entra na garagem do nosso prédio. Finge que não me ouviu e anda até o elevador. - Pai! Você não pode dizer que vou morar com uma pobretona e sair andando! Não vou morar com ela!

– Ela não é pobretona, ela é sua mãe! Respeito com ela e com seu irmão.

– Ótimo, dois pobres, facilita muito. Pai, e a escola? E meus amigos, e a piscina? E o wi-fi? Pai, é a minha vida de que estamos falando!

– Meu Deus Karina! - Grita ele no elevador. - Para com esse drama! Você nao vai morrer não! Vai passar algumas semanas com sua mãe e irmão. Ponto! Você não vai perder amigos e nem nada, se quiser ir pra escola, vá de metro, sua mãe ensina. - Ele abre a porta do elevador e entra em casa, me deixando sozinha. Corro atrás dele pedindo explicação, ele finge não me ouvir e vai até a cozinha. Quando ele se cansa e grita mandando me calar.

– Entenda, é só por algum tempo! Você vai hoje. Vai perder o dia de aula arrumando suas malas e vai passar algumas semanas com sua mãe. Com sua família. Vai ser bom pra você.

– Bom pra mim? - Retruco. - Bom pra mim é nadar na nossa piscina, é assistir tevê no meu quarto e sair quando eu quiser com os meus amigos! Não vou me misturar com ZL's.

– Você os chamou de quê? - Perguntou bravo, vindo em minha direção, eu recuei.

– Zl's, é como chamam o povo da Zona Leste.

– Não acredito. Como criei uma filha assim? Sua mãe tinha razão, você é mimada demais. Vá pro seu quarto agora, quando eu voltar do trabalho, eu te levo pra sua mãe.

– Mas pai...

– JÁ! - Ele gritou e eu fui para meu quarto, morrendo de raiva.

Como ele pode fazer isso comigo? Criar uma filha com 300 m² e uma piscina por 16 anos e de repente jogá-la numa favela? Minha mãe sempre foi orgulhosa demais para aceitar o dinheiro do meu pai, então ele foi morar com ela na Penha por alguns anos, quando me teve e viu meu irmão mais velho trabalhando para ajudá-la com as contas que tinha para pagar, decidiu que não queria essa infância pra mim, insistiu em fazê-la morar com ele, mas ela não quis, ele pediu para deixá-lo pagar as contas, ela não quis, então ele fez a coisa mais sábia, se separou dela e me levou para ser bem criada num berço de ouro. Meu irmão idiota não quis deixar a Mãe sozinha para ter uma vida melhor, e hoje faz uns "Bicos" enquanto não trabalha no supermercado de lá. Minha mãe vem pra cá com meu irmão de vez em quando, ela não se queixa da vida de pobre nem deseja poder morar numa casa como a nossa, por orgulho, mas eu sei que quer. Quis pegar meu celular mas esqueci que ele ficou no carro do meu pai, agora eu teria de pegar o meu velho, o Iphone4 que era dele, ele me deu para emergências, falar com Jane era uma emergência.

"Meu Deus amiga! Ele não pode fazer isso com você!"

– Eu sei! E nem falou o motivo! Acho que é porque deu algum problema no trabalho e disse que quando resolver isso eu volto.

"Seu pai ficou sem dinheiro?"

– Não sei, ele deve ter perdido um pouco só de dinheiro, não deve ser nada demais.

"Ah tá, sei. Ah, nossa, amiga, tocou o sinal, vou ter que subir pra aula!"

– Jane! Falta 10 minutos pra bater o sinal do final do intervalo. - Mas ela não escutou, desligou o telefone antes. - FALSA! - Grito e4 atiro o celular na cama. Dou outro grito e deito, olhando pro teto começo a chorar.

Será que todos são tão falsos assim? Mas será que eu não estaria exagerando? Vai que aconteceu alguma coisa e Jane desligou antes, ela é minha melhor amiga, não faria isso comigo. Comecei a arrumar minhas malas, peguei um pouco de tudo, vestidos, blusas, saias, shorts e calças, peguei alguns casaquinhos caso fizesse frio, alguns AllStars, sapatos de salto e sapatilhas, separei minha maquiagem em outra bolsa, arrumando tudo demorei umas duas horas. Depois me preocupei em comer uma salada bem temperada com filé de frango. Não sei se vou encontrar isso no lugar onde vou.

Fiquei assistindo Tevê e mexendo no facebook pelo tablet, vou levá-lo também, se por algum milagre tiver wi-fi lá. Fiquei pensando no que fazer lá, acho que levarei dinheiro para um táxi, caso eu queira sair para um shopping bom, tipo o Iguatemi. Não acredito ainda que meu próprio pai quer fazer isso comigo. Cre-do!

Ele chega por volta das 14:30 hr, ele não conversa nem nada, apenas pega minhas malas e pergunta se é só isso. Eu digo que levarei me tablet, mas ele o pega de mim.

– Você vai passar um tempo com a sua mãe, não com seus aparelhos eletrônicos.

– Mas pai, eu preciso de internet!

– Lá tem computador.

– Duvido.. - Resmungo, de cara feia, vou até o carro.

Fico apreciando a rica paisagem urbana, pensando quando a verei novamente, depois de algumas semanas, será uma eternidade.

– Não quero você de cara feia lá, se eu souber de alguma birra sua, vai ficar sem celular pro resto do ano. Entendido? - Resmungo um"hm-hum", quando me lembro que meu celular está lá em algum lugar.

O procuro no banco e não acho, vejo se está embaixo de minhas malas, mas não está, então eu o procuro no chão, e lá esta ele. Nenhuma mensagem de Jane desde que eu liguei para ela, isso me decepcionou, mas Jane é muito ocupada de sexta-feira, ela tem aula de piano e depois balé, então normalmente sairia comigo depois dessas aulas, e faríamos algumas compras por aí. Mas claro, agora ela não tem com quem sair, coitada, não vai fazer nada especial de sexta-feira depois do balé, espero que ela fique bem sem mim.

Acabo dormindo no carro, meu pai me chama, avisando que chegamos, eu saio do carro e ele pega minhas malas. Paro em frente à casa de minha mãe, e quero, sinceramente, vomitar. Tem uma garagem onde se encontra um carro marrom velho e remendado, uma moto amarela e outra vermelha, uma escada que leva para o primeiro andar da casa, que seria onde minha mãe mora, o andar de cima é de outra família. Respiro fundo e digo a mim mesma: "Você consegue Ka, vamos." e atravesso o portão e subo as escadas e meu pai vai atrás com as malas. Abro a porta que tem uma janela de vidro, não sei como se chama, e entro na cozinha. Sou atacada por uma fera marrom clara latindo para mim, pulando em mim, tinha duas vezes o tamanho de um cão Maltês.

– Aaaah, pai, tira isso de mim!!! Paaaai!!! - Chamo desesperada para tirar aquilo de mim. Cão sujo e peludo.

– Filha calma! É só um cachorro! - Diz uma voz feminina que logo reconheço. A voz de Maria Clara, minha mãe.

– Tira! Agora!

– Vem Batata, vai pra sala, vai. - Minha mãe bate palmas pro cão e ele corre pra sala.

Meu pai atrás de mim começa a rir, jogando minhas coisas no chão.

– Tudo bem Clara? - Ele vai abraçá-la e pergunta onde põe minhas coisas.

– No último quarto, depois do meu.

Ela vem e me abraça forte, um pouco forte demais.

– Mãe... Preciso... Ar...

– O que? Ah, desculpe. - Ela ri. - É que faz um tempo que não te vejo né? Você está linda.

– Me veria mais se morasse com a gente.- Falo séria.

A alegria de seus olhos somem, e sinto que não deveria ter dito isso. Mas já foi.

– Você sabe por que não fui, não adianta debatermos mais esse assunto. Vem, vou mostrar onde vai dormir.

– Esse Orgulho ainda te mata.- Resmungo e a sigo para meu novo quarto.


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