O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 1
Prólogo: O Chamado




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Emma ouviu o tilintar das espadas e lâminas e as ordens sendo gritadas bem antes de chegar aos altos portões de mármore que cercavam a propriedade. O som da luta lhe causou arrepios e os pelos em seus braços machucados se eriçaram. Estava frio, e uma nuvem de vapor escapava por seus lábios enquanto ela arrastava seus pés pela estrada, ofegante, tentando chegar à casa. Apesar da dor terrível, foi ela que impulsionou Emma a correr mais rápido.

Quando ela alcançou a batalha, ela freou em frente ao portão, que se encontrava escancarado. Tudo ali era a definição perfeita do caos. A ala norte da mansão estava em chamas e Templários e Assassinos lutavam sangrentamente no jardim da frente que uma vez fora bonito; corpos flutuavam na fonte em frente à casa que parecia ter se tornado uma piscina mórbida de sangue. Emma conseguia ouvir os cavalos relinchando desesperadamente em algum lugar nos fundos da casa.

Uma explosão repentina de adrenalina ajudou Emma a correr pelo jardim em direção à porta da frente, desviando-se dos cadáveres e ajudando quem podia quando podia. Era difícil enxergar por entre tanta morte e ódio; os recrutas lutavam contra os invasores templários no jardim, e Emma viu um, dois, três, vários serem mortos bem diante dos seus olhos.

Emma tentou proteger seus irmãos e irmãs, lutando e cortando gargantas daqueles que invadiram seu lar, enfiando suas lâminas em corações sem misericórdia. Além da dor física, a culpa pesava em seu coração como toneladas de chumbo. Ela conseguia sentir sua garganta se apertando... A fumaça invadindo seus pulmões, as folhas do jardim manchadas de vermelho, os gritos...


Inglaterra, 1780

— Emma – Uma voz suave chamou, puxando Emma de seu pesadelo. – Acorde.

Emma obedeceu, abrindo os olhos e encarando o rosto sardento de Kara Clintwood, uma das Assassinas que morava na Casa Grande e uma das maiores amigas que ela possuía. Era três anos mais velha que Emma e seus encantadores olhos verdes estavam pouco visíveis na luz fraca atrás do capuz branco, mas eles eram bondosos. Ninguém se deixava enganar por eles ou por seu belo rosto fino; Kara era mortal como uma tigresa silenciosa prestes a atacar sua presa.

Emma olhou em volta, deixando seus olhos se ajustarem à luz avermelhada que refletia das paredes da sala de meditação. Ela estava sentada em uma das almofadas na roda, e o incenso que queimava no centro da sala já estava no fim, mas ainda podia-se sentir o delicioso perfume que flutuava sobre ambas. Kara estava abaixada aos pés de Emma, esperando-a voltar de seu pequeno transe.

— Me perdoe – Emma se levantou devagar, e Kara fez o mesmo. – Vim meditar, e acredito que peguei no sono.

Kara sorriu solidariamente , colocando a mão no ombro de Emma.

Eu deveria me desculpar – murmurou ela. – Mas é por um bom motivo que interrompo sua paz.

Paz. Era uma palavra extremamente forte, e machucava os ouvidos de Emma; havia tempos que ela esquecera seu significado. Mas ela não deixava mostrar a batalha que lutava contra si mesma por dentro. Ela suspirou suavemente e pegou sua capa branca, prendendo-a ao resto de sua vestimenta azul petróleo. Apertou mais o corpete de couro marrom na cintura e, dessa vez, respirou profundamente.

— Não há necessidade – Emma prendeu seu cinto contendo a bainha e sua espada em volta da cintura fina. – Que bom motivo seria esse?

— Eu sei que não deveria – Kara abaixou a cabeça um pouco, mas Emma conseguia ver que ela não estava completamente arrependida do que ela estava prestes a compartilhar. – Mas um mensageiro trouxe uma carta para seu pai esta manhã e eu ouvi a conversa entre ambos.

Emma não conseguiu segurar o pequeno sorriso que se formou em seus lábios, e se virou, olhando-se no reflexo da janela que revelava o jardim. Ela se perguntou quando se acostumaria com os grandes olhos caramelo tristes que a encaravam de volta. Ela tinha apenas 25 anos e havia adquirido a expressão cansada de uma mulher bem mais velha.

— E então, o que descobriu? – Emma juntou as mechas marrons de seu cabelo e o prendeu em uma longa trança. – Qual a história desta vez?

— É o Conselho – Kara suspirou. – Seu pai foi chamado a Londres.

Os dedos rápidos de Emma pararam no meio da trança e ela encarou Kara através do vidro. Então, ela suspirou, terminou a trança e se virou para a amiga. Emma ficou intrigada pela notícia, mas manteve a calma.

— Londres – Emma repetiu, incrédula. – Ele nunca vai a Londres.

— Talvez seja algo importante... Por que não tenta falar com ele?

Aquela era uma ideia terrível mas, apesar do silêncio que se seguiu, a mente de Kara e Emma estavam em sincronia, pensando nas mesmas coisas. A carta que o pai recebera poderia conter informações que eram do interesse de Emma. Ela não tinha o direito de saber o que era, mas era teimosa demais para se convencer daquele fato, então agradeceu Kara e saiu da sala, subindo as escadas até os aposentos do pai que se encontravam no final do corredor do segundo andar.

Emma bateu os nós dos dedos no batente de madeira para anunciar a si mesma, tomando cuidado para não fazer barulho excessivo, pois a porta já estava aberta. Seu pai estava de costas para ela, curvado sobre a mesa, aparentando ler algo e suspirando constantemente.

— Meu pai – Emma chamou, notando que sua batida não resultara. – Com licença.

Ele se virou e a encarou com os olhos azuis tempestuosos, e pareceu não vê-la ali. Ahberon Pierce usava seus trajes verde-escuros de sempre, e apenas a encarou, deixando a mente vagar onde quer que estivesse. Ele parecia perturbado por algo, e apenas alguns segundos depois sacudiu a cabeça e assumiu a expressão severa de sempre, com as sobrancelhas franzidas e o maxilar contraído.

— O que é, Emma?

— Perdoe minha intromissão, mas chegou aos meus ouvidos que o senhor está partindo para Londres.

— Não é da sua conta.

Emma sabia que para tirar o pai da segurança da Casa Grande e leva-lo para Londres, o assunto tinha de ser extremamente importante, e na lista dele de motivos de urgência, o número um era sobre o paradeiro do Diamante de Kalista; um assunto que era do interesse imediato de Emma, e no qual ela demandaria ser envolvida.

— Eu sei, e peço desculpas. Eu apenas gostaria de saber se posso ajudar.

Ahberon olhou bem no fundo dos olhos de sua filha, e ela tinha certeza de que ele sabia de seu desejo por perdão e pela reparação de seus erros de quase três anos atrás. Por um segundo, Emma pensou ter visto algum tipo de condescendência atravessar aqueles olhos que escondiam tanto, mas era difícil acreditar. Depois de todo o desgosto que ela trouxera ao pai, ela não esperava ou merecia ser tratada de forma condescendente.

— Eu sei que cometi erros – Emma manteve os olhos firmes. – E se as noticias que recebeu forem sobre o Diamante, pai, eu lhe peço, deixe-me carregar esse fardo e recuperá-lo.

Ahberon estava com as mãos para trás, observando-a com cautela. Ela não soube ler o que estava no rosto do pai, então esperou por alguma reação; aquela era sem dúvidas a conversa mais longa que ela tivera com ele em muito tempo.

— Você está certa – Ele ergueu as sobrancelhas e deu a volta na mesa, mexendo aleatoriamente nos papéis. – Recebemos informações valiosas sobre o paradeiro do Diamante e seus ladrões.

Aquela simples resposta deu a Emma uma esperança sem igual; a luz do fim do túnel que ela estivera esperando desde o ataque, e ela sentiu seu coração acelerando, e ela se aproximou da mesa rapidamente, cruzando a sala em passos largos.

— Pai, me deixe ir nessa missão – Ela colocou as mãos sobre a mesa enquanto Ahberon ainda estava entretido em seus papéis. – É a minha oportunidade de recuperar o Diamante.

— Essa missão requer habilidade e cautela – Ele ergueu os olhos dos papéis e encarou a filha, e ela viu que ele estava começando a perder a paciência com ela, o que não era bom. – E acima de tudo, tem de ser feita em segredo. Se os Templários descobrirem que estamos agindo, vão desaparecer outra vez e talvez não ouçamos notícias nunca mais.

— Pai, eu...

— Basta, Emma – Ele ergueu a mão, indicando que ela deveria ficar em silêncio. – Não tenha tantas esperanças. De qualquer forma, não cabe a mim decidir quem irá recuperar a joia. Cabe ao Conselho.

— Eu consigo, pai – Ela sussurrou, quase em imploração. – Deixe-me ir com você a Londres e me apresentar ao conselho como voluntária.

A sala ficou em silêncio; só podia-se ouvir o vento contra as folhas das árvores e o relinchar dos cavalos nos estábulos. O coração de Emma estava batendo tão rápido que ela ficou com medo de que seu pai pudesse ouvir. Ahberon estava em silencio absoluto, apenas olhando a filha; estava claro que ele não esperava ouvir aquele pedido. Provavelmente não esperava que Emma tivesse a ousadia de pedir algo de tamanha importância depois do que acontecera, mas lá estava ela, falando em alto e bom som que ela desejava ir na missão para recuperar o Diamante de Kalista.

— Muito bem – Ele finalmente disse, fitando a mesa. – Se você deseja envergonhar a si mesma diante do Conselho dos Assassinos, eu não vou impedi-la. Talvez isso ponha algum juízo na sua cabeça.

Um sorriso tremulou nos lábios de Emma e ela sentiu suas mãos ficarem geladas de animação, mas se conteve, e apenas fechou a mão em punho e a colocou sobre o peito, curvando-se.

— Obrigada, meu pai.

Ahberon resmungou algumas palavras que Emma não compreendeu e sacudiu a mão, gesticulando para que Emma se retirasse. Enquanto ela se virava e seguia até a porta, seu pai finalizou a conversa:

— Partimos logo cedo. Não ouse se atrasar.

 

É claro que Emma foi a primeira a levantar-se.

De qualquer forma, ela não havia dormido mais do que quatro, talvez cinco horas; não conseguira acalmar os pensamentos por tempo o suficiente para garantir uma boa noite de sono devido às expectativas para o dia que começaria em alguns minutos. Além disso, desde o ataque ela tinha pesadelos, e acordava no meio da noite, os gritos ainda ecoando em seu cérebro, com sua adaga – que mantinha embaixo do travesseiro – em mãos.

O sol não havia nascido e o ar ainda estava gelado quando Emma desceu as escadas da mansão e seguiu caminho até os estábulos. Ela era a única ali a não ser pelas sentinelas que vigiavam os muros cercando a casa. Um ou dois lançaram olhares curiosos a Emma, mas ela os ignorou e parou em frente à baia onde seu corcel negro mastigava seu monte de capim.

— Bom dia, Prince – O animal colocou a cabeça enorme para fora de seu refúgio para cheirar a mão de Emma atrás de alguma comida. Era negro como a noite acima dela e sua crina caía ao lado do pescoço como uma cortina de cetim. – Não trouxe maçãs para você hoje, sinto muito.

Prince fungou, como se a perdoasse por aquele crime.

Enquanto Emma acariciava pacientemente o corcel, ela viu o telhado da baia começar a se iluminar com uma luz alaranjada, assim como as copas das árvores ali ao fundo. As sombras da casa se extinguiam, e tudo começava a ganhar cores novamente. Ela se virou para apreciar o sol nascendo no horizonte montanhoso. Seu cabelo tomou um tom avermelhado e ela cobriu os olhos. Ouviu alguns rouxinóis cantando não muito longe dali, aproveitando o calor acolhedor após uma noite fria. Iria ser um belo dia.

Poucos minutos depois, a casa começou a ganhar vida. Emma pôde ouvir as panelas sendo remexidas na cozinha, gavetas sendo abertas no segundo andar e passos nas escadas. Os recrutas abriam as janelas de seus aposentos, deixando a luz do sol entrar.

Seu pai não tardou a levantar. Em alguns minutos, ele estava no pátio dos estábulos, e encontrou Emma sentada no muro, observando o sol que acabara de subir. Ela mantinha os olhos fechados, sentindo a brisa bater em seu rosto. A luz do sol tocava suas pálpebras, mas não machucava seus olhos. Era até mesmo uma boa sensação.

Emma apenas ouviu o pai a chamar na segunda vez.

— Emma.

Ela abriu os olhos e virou-se. Ahberon apenas fez um gesto de cabeça, indicando que ela deveria se juntar a ele, então, ela se virou e pulou do muro, caindo em pé três metros abaixo, sem vacilar. Selaram os cavalos em alguns minutos, e partiram para a estrada.

 

A viagem até Londres foi silenciosa, mas os cavalos galopavam a toda velocidade. Emma sabia que o pai estava tão ansioso quanto ela para saber das notícias que o Conselho deveria dividir com eles. Além de tudo, o Diamante era uma joia de família, que os ancestrais de Emma receberam o dever de proteger. Pouco ela sabia sobre ele; era um Pedaço do Éden, a fonte de poder da Maça de Adam e entre outras coisas. Era perigoso, e sua família protegeu-o por séculos. Até agora.

Quando chegaram a Londres, o sol já estava a pino. Entraram na cidade a cavalo e Emma seguiu o pai por um caminho menos lotado, mas a cidade era movimentada; era difícil ficar fora da atenção das pessoas, e os Assassinos atraíam olhares curiosos. E, infelizmente, sempre havia a chance de alguém os estar seguindo até o quartel-general secreto dos Assassinos em Londres.

Emma já havia estado naquela cidade incontáveis vezes, mas o cheiro de esgoto e de madeira mofada sempre a incomodava, principalmente quando passavam pelas periferias da cidade. O quartel-general era bem escondido, e apenas Assassinos conseguiam entrar, usando suas lâminas-escondidas. Para quem andava na rua, o símbolo da Ordem, esculpido em uma porta simples de madeira, passava despercebido. Não surpreendia; era uma porta ordinariamente comum. A presença dos assassinos em Londres não era de grande magnitude, sendo uma cidade em sua maioria Templária, e a Ordem havia aprendido há alguns anos a não chamar a atenção inimiga com grandes castelos e construções. Traziam nada a não ser problemas. Mas assim que aquela porta comum era aberta, revelava-se a grandeza daquele esconderijo.

Quando finalmente chegaram, Emma e o pai apearam dos cavalos e os deixaram amarrados em um poste do lado de fora, sob os cuidados de um jovem cujo dever era justamente tomar conta dos animais que ali chegavam. Emma esperou pacientemente enquanto Ahberon olhava para os lados, certificando-se de que era seguro prosseguir, e encaixava sua lâmina oculta no buraco ao lado da porta, girando-a, e ativando o mecanismo que destrancaria a porta.

Com um baque surdo, a tranca abriu e Ahberon entrou, Emma logo atrás dele. A porta fechou-se, trancando a si mesma novamente. Ela seguiu o pai, colocando seus olhos naquele templo maravilhoso, escondido no subsolo sujo de Londres.

As paredes eram de mármore branco polido, decoradas por bandeiras vermelhas e douradas, bordadas com a Insígnia dos Assassinos, cercadas por florais. O salão principal tinha a forma de uma grande cruz e era bem frio ali. Emma e o pai desceram as escadas que se originavam à porta e faziam parte do corredor principal, largo, bem iluminado e com o piso coberto por um carpete bege escuro. O corredor terminava no centro da cruz, um enorme salão oval, onde um imenso candelabro prateado projetava luz nos outros três corredores, a norte, a leste e oeste. Vasos de cerâmica clara e algumas mesas decoravam os cantos, e quadros de antigos mestres Assassinos estavam pendurados pelo salão. Alguns incensos queimavam em lugares estratégicos, e seu perfume psicodélico flutuava pelo ar. Vários assassinos e recrutas se encontravam ali, movimentando-se, conversando, carregando livros e armas, mas de qualquer forma, o salão era silencioso a não ser pelos passos dos indivíduos que ali se encontravam. À esquerda, seguia um corredor um pouco mais estreito que o principal, seguindo-o, encontrava-se a enorme biblioteca do quartel-general, onde os recrutas iam em busca de conhecimento. À direita, o outro corredor guiava à arena de treinamento e ao arsenal. Emma podia ouvir o tinir das lâminas bem baixo ecoando pelo corredor. Havia mais no quarto, ia descobrindo-se novos compartimentos conforme se andava por ali, e havia lugares que Emma não conhecia. O lugar era enorme.

Mas era o que se encontrava à frente, duas enormes portas de carvalho envernizado, com a mesma insígnia esculpida, o motivo pelo qual Ahberon e Emma estavam ali. Atrás daquelas portas encontrava-se um outro salão, onde o Conselho dos Assassinos se reunia para discutir os assuntos tratando a Ordem. E era ali que seria decidido se Emma teria ou não outra chance.

— Eu vou entrar – Ahberon disse, olhando para Emma. – Espere aqui até ser chamada.

— Sim, pai – Emma colocou as mãos para trás e viu o pai entrar na sala, e sumir atrás das portas.

E esperou.

Emma esperou em frente às portas por alguns minutos, mas cada segundo pareceu durar horas. Algumas pessoas que passavam por ela olhavam, curiosos, e provavelmente se perguntavam por que ela estaria parada ali, como uma estátua em um museu. A única coisa que fez Emma se mexer foi a dona da voz que a chamou:

— Emma.

Ela se virou para a fonte de tal voz, reconhecendo-a imediatamente.

— Mestre Lucius – Um sorriso abriu-se nos lábios de Emma, e ela andou até ele.

Lucius Querrin era um homem de cabelos e barbas cinza, de sessenta anos, e durante boa parte destes tempo, ele cuidou de Emma. Diferente de outros Assassinos, ele não era frio; era um homem bondoso e desde que ela era uma menina tola, ele a ensinou sobre a Ordem e... sobre tudo. Ahberon sempre fora muito distante, e Mestre Lucius fez o que ele nunca se importara muito em fazer; cria-la. Ele também fazia parte do conselho, e logo seria chamado. Estava vestindo suas típicas vestes verde musgo surradas, com o capuz abaixado, e olhou para Emma também com um sorriso no rosto.

Emma não resistiu, e abraçou-o com carinho.

— Criança, o que você e seu pai estão fazendo aqui? – Perguntou Lucius, pousando a mão no ombro de Emma.

— Meu pai recebeu noticias sobre o Diamante – Ela olhou para o piso. – E eu vim me apresentar para o Conselho. Quero recuperá-lo.

Lucius ergueu as sobrancelhas e suspirou, colocando as mãos na cintura.

— É uma missão arriscada, Emma – disse ele, com sinceridade. – Deus sabe o que pode acontecer.

— Eu não tenho medo – Emma olhou de volta para ele. – Não posso me dar ao luxo. Foi culpa minha, é meu dever.

Lucius sorriu tristemente, solidário.

— Eu sei que você é capaz – disse. – Vou falar de você na reunião, mas não prometo nada.

— Sim, senhor.

Nesse momento, as portas se abriram atrás deles e Ahberon colocou a cabeça para fora.

— Aí está você, Lucius – disse. – Estava me perguntando onde você estaria.

— Estou bem aqui – Lucius tirou sua mão do ombro de Emma e andou até Ahberon. – Podemos começar.

Emma voltou ao seu estado petrificado em frente às portas do salão. Os olhares dos outros que passavam haviam cessado; deviam apenas ter desistido de questionar o porquê de ela estar ali, e começaram a agir como se ela fosse apenas parte da decoração. Ela tentava manter uma expressão passiva, mas seu coração estava levemente acelerado.

Ela se sentia insegura; sabia que não era digna de uma chance, embora fosse tentar convencer o conselho de sua capacidade como podia. Seria como um criminoso implorar ao carrasco por perdão quando a guilhotina já estava preparada. Mas, de qualquer forma, Emma precisava tentar.

Ela estava quase desistindo de ficar ali, parada como um vaso chinês, e já iria procurar um lugar para se sentar, mas o clique alto da maçaneta da porta girando lhe deu um susto, e ela virou-se novamente, e viu seu pai, acenando com a cabeça para que entrasse.

Ela subiu os dois degraus entre ela e a sala, e entrou para encarar o Conselho.

A sala também era revestida de mármore, mas um tom mais escuro. Era quadrada, e com alguns quadros surrealistas nas paredes. Também era frio, como o ambiente anterior, e cheirava a tapeçaria antiga, mas a atenção estava na mesa redonda no centro, e nos sete rostos que se viraram para ela quando Emma entrou. Todos estavam em pé, curvados sobre a mesa, observando o que parecia ser um mapa e algumas cartas.

— Ela é tão jovem – comentou o que aparentava ser mais velho, no meio do grupo, fitando Emma com atenção, como se tentasse adivinhar sua idade apenas com os olhos.

— Garanto que isso não é um problema, senhor – Emma disse, parando em frente à mesa e colocando as mãos para trás.

— Fale quando falarem com você – Ahberon murmurou atrás de Emma, o que lançou arrepios pelos braços da mulher.

— Ahberon, poderia nos dar um minuto? – Lucius pediu, cruzando os braços.

Emma não ousou se virar para ver a expressão do pai, mas ela sabia que aquilo não o deixaria feliz. Ela esperou que ele se recusasse, ansioso para ver a filha falhar mais uma vez. No entanto, não disse nada e Emma ouviu as portas batendo atrás dela.

— Você está ciente do que está pedindo, uh... Emma? – Perguntou outro dos Mestres. Emma não se lembrava de todos os nomes, mas ela tinha quase certeza de que este se chamava Samson. Era o mais alto, e o mais jovem naquela mesa, com aproximadamente cinquenta anos. Usava vestes cinza e pretas, e tinha fama por ser completamente impassível.

— Sim, senhor.

— Está pedindo a este conselho para seguir nesta missão, sozinha. Uma missão em que enviaríamos no mínimo três de nossos irmãos.

— E depois do acontecido – Disse outro, cujo nome Emma não se recordava. – você se julga preparada para tal responsabilidade?

— Não é algo fácil, como invadir um esconderijo, ou matar um alvo – continuou Samson. – Isto é sério.

Emma respirou fundo, e olhou para cada um dos membros do conselho.

— Em quantas missões já foi mandada? – perguntou Aedan.

— Aedan, eu disse que confio nela – disse Lucius. – Ela é muito habilidosa.

— Mas permitiu que a guilda de Ahberon fosse atacada – Disse Samson.

— Todos cometemos erros alguma vez em nossas vidas miseráveis. E aprendemos com eles.

— Essa missão não é suposto ser uma missão de aprendizado, Lucius.

— De qualquer forma – Aedan continuou, olhando para Emma. – Eu gostaria de saber.

— Uh, várias, mestre – disse Emma. – Mais do que eu consigo recordar.

— E teve sucesso?

— Na maioria delas, mestre.

— Com ajuda de companheiros?

— Em algumas, sim.

— Mesmo assim, Aedan – disse Samson. – Não podemos confiar tal responsabilidade a apenas uma Assassina. É loucura.

— Há outros assassinos lá, tenho certeza de que se Emma precisar, vão oferecer sua assistência – disse Lucius.

Emma esperou que se silenciassem para começar a falar.

— Eu sei que não é... apropriado, mestres – Ela disse, sem hesitar, mantendo uma expressão passiva em seu rosto. – E é justamente pelas ocorrências que venho pedir-lhes esta oportunidade. Eu sinto que devo isso a este conselho, à Ordem e aos meus irmãos, cujas vidas eu vi serem expurgadas de suas almas diante de meus olhos. É por eles e com eles que vou lutar, me impulsionando à conclusão desta missão – Eles não disseram nada para a interromper, então Emma continuou. – Eu tenho pesadelos. Com a fumaça, com as chamas, e com o sangue. Treinei duramente nos últimos três anos, expandindo meus conhecimentos e habilidades, sabendo que, quando chegasse a hora, eu pudesse estar diante deste conselho, e pedir uma chance de vingar meus irmãos e irmãs que tiveram suas vidas tiradas naquela noite. Sabendo que os pesadelos iriam parar, e que eu não ouviria mais os gritos em minha cabeça. E sabendo que, o dia que eu pusesse minhas mãos no Diamante e o trouxesse para casa, seria o dia que eu tomaria novamente meu lugar como membro desta Ordem: entre os Templários e sua vitória.

O silencio tomou a sala; o único som era o da madeira crepitando na lareira. Emma olhou discretamente para Lucius, e viu o que desejou ver no rosto de seu pai toda sua vida; um pequeno sorriso nos lábios, e um olhar orgulhoso, formando pés-de-galinha nos cantos dos olhos.

— Muito bem – Disse um dos mestres... Isaac, olhando para Emma com penetrantes olhos cinza. – Apenas lembre-se, minha jovem. Falhar não é uma opção. Você não terá outra chance.

Aquilo era um sim. Emma respirou fundo novamente.

— Sim, mestre.

— Confiamos em você, Emma – disse Lucius.

— Não vou decepcioná-los.

— Esperamos que não – disse Isaac, e olhou em volta. – Alguém contra nossa irmã seguir nesta missão?

O silêncio era música para os ouvidos de Emma.

Ahberon esperava do lado de fora quando Emma e Lucius saíram da sala. Não demonstrou expressão alguma quando a filha disse que estaria partindo da Inglaterra; apenas assentiu e disse que esperaria fora do quartel-general. Emma sabia que ele não esperava que o conselho desse a Emma uma chance, e provavelmente tinha todo um sermão preparado para manter os ouvidos dela ocupados por algumas horas. Mas aquilo não aconteceria.

Lucius ficou encarregado de explicar a Emma sua tão esperada missão. Dera alguns papéis a ela que continham o que ela precisava saber, entre eles um mapa e uma carta. Contou a ela sobre o informante que concedeu a informação, que era mencionado na carta sob o pseudônimo de “A Águia”, para evitar suspeitas caso alguém interceptasse o pergaminho. Disse também que o navio, o Anfitrite partiria em dois dias.

— E qual o destino? – Emma perguntou.

Lucius lançou um sorriso torto a Emma, também uma sobrancelha erguida, como se subliminarmente a desejasse uma boa dose de sorte.

— América.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥