Um mundo sem você escrita por Silent Leaf


Capítulo 2
A primeira noite


Notas iniciais do capítulo

Fiz um capítulo para apresentar melhor os personagens principais.
Como sempre, desejo uma boa leitura e um ótimo dia! :)



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Embora eu me sentisse mentalmente cansado e desgastado, não permiti que um minuto a mais se passasse dentro daquela casa sem que eu corresse para alimentar a lareira com madeira e fogo. O material estava separado ao lado daqueles tijolos escurecidos que formavam a lareira, como sempre os deixei, prontos para uma situação como essa. Por isso, o esforço necessário foi tão pequeno quanto o tempo que levei para finalizar todos os preparativos. Antes que o céu escurecesse, já estava totalmente coberto com um bom edredom, aquecido e iluminado pelas chamas dançantes, que se arrastavam de um pedaço de madeira para o outro.

Pensei em dormir cedo, apenas para fazer a noite passar mais rápido. Infelizmente, estava elétrico demais com tudo o que estava acontecendo para que isso fosse possível. Já faziam quase duas horas desde que acordei no meu carro, o céu já estava escuro e eu não tinha encontrado uma pessoa. Nem mesmo uma sombra, um vulto distante, nada. Éramos eu, a neve lá fora e a solidão que crescia no meu peito. Embora fosse só um sentimento (talvez) passageiro, parecia mais um vírus se espalhando e infectando pouco a pouco meu corpo inteiro. Pensei em ler algum livro para fazer o tempo voar, mas tive que forçar demais a visão para decifrar as pequenas palavras perto daquelas chamas. Se ao menos o Eric estivesse aqui, isso não seria necessário. Afinal, ele já decorou quase uma biblioteca inteira dentro da sua paixão por histórias. Eu ri ao lembrar como ele conseguia sempre aparecer com uma frase nova de um livro diferente. Era uma qualidade e tanto dele. Tanto a memória quanto o amor pelos livros. Isso e, é claro, a lealdade dele. Treze anos juntos. Nos conhecemos quando eu estava prestes a fazer quinze e fui na festa de quinze anos de uma amiga em comum do colégio. Desde lá, poucas vezes nos vimos fazendo algum programa separados. Muito mais pela falta de vontade de nos separar do que pela falta de oportunidade. Qualquer programa entre amigos envolvia um convite dele para mim ou meu para ele. Óbvio que os programas mais românticos não tinham esse convite, claro. Mas logo nos dias seguintes havia a costumeira saída para discursar sobre o que aconteceu e como aconteceu. Sentia a falta dele naquele momento, uma boa conversa com certeza ajudaria a passar o tempo. Ele provavelmente teria alguma frase de um livro para me motivar a atravessar a noite também.

Sorrindo com as memórias que corriam pelas trilhas da minha mente, as lembranças com o Eric me ligaram à Thaís. As coisas eram diferentes com ela. Não tínhamos a intimidade que era possível com o Eric, não falávamos dessas coisas mais pessoais. Pensando bem, mal falávamos sobre qualquer coisa séria. Era sempre risadas, muitas risadas. A Thaís foi meu porto seguro desde que tenho alguma memória. Para cada lágrima de tristeza ou dor que caia do meu rosto, ela me faria gargalhar três vezes. Para cada momento de estresse, eu teria um intervalo de paz com ela. Isso me lembrava do quanto eu estava aflito com a situação atual e como ela facilmente mudaria isso. Eu nunca seria capaz de me sentir sozinho, por mais abandonado que o mundo estivesse, se ao menos ela estivesse aqui. Meus olhos automaticamente encontraram a janela da parte de trás da casa. Lá ficava o meu jardim. Meu jardim que, sem qualquer cerca ou barreira, virava o dela só com alguns passos. Era o local aonde as vezes passávamos a noite inteira conversando e deixando nossos olhos viajarem pelo céu estrelado, sem direção ou passagem de volta. Foi graças a ela que eu conheci a Júlia, ou Lia, como eu me acostumei a chamar, embora todos insistissem no clássico “Jú”.

Júlia Rodrigues. Sempre achei ela super bonita, mas a via como alguém acima do meu patamar. Não me entenda errado, ela não era a garota mais linda da faculdade e nem nada do gênero. E sim, eu só conclui a faculdade ano passado, pode sacanear. A questão é que eu era do grupo de nerds que se isolavam no canto da sala para falar de jogos online e o mais novo site de torrents quase-confiáveis. Ela, por outro lado, ficava entre outras garotas de mesmo patamar de beleza que dividiam, além do gosto comum, o mesmo olhar de desprezo pelo meu grupo de colegas. Por isso e pela minha considerável baixa estima, ela estava sempre um andar acima do meu alcance. Nunca nem pensei em falar mais do que o educado “bom dia, como vai” com ela. Não tinha coragem para isso e nem sabia com que assunto seguiria depois. Quem fez o movimento inicial foi ela. Como ela mesmo volta e meia dizia: Quando queria algo, ela ia atrás e pegava. Sempre foi determinada assim.

Foi em uma noite de karaokê no pub perto da casa do Eric e não muito longe da dela, El Mochuelo. A Thaís sempre teve uma voz impressionante, então volta e meia a gente arrastava ela para lá para ouvir ela cantar. Era de se ficar admirado com o talento, sério! Nesse dia, a Lia também estava lá. Ela foi esperta e esperou eu ir buscar uma cerveja no balcão para reclamar que eu estava sendo muito deseducado de não pagar uma para ela. Eu nem tinha falado com ela aquela noite, imaginei que era só algum truque para ganhar cerveja de graça. Até porque, como era de se esperar, eu fiquei sem jeito e comprei uma para ela. É apenas como eu sou, inocente a esse nível. Sem nenhum assunto em mente, eu virei de costas, totalmente sem graça após ver a cerveja ser entregue e segui para a minha mesa. A questão é que, para minha total surpresa, ela veio junto e se sentou do meu lado. O mais incrível foi que não tive que pensar em assunto nenhum, ela tinha tanto para dizer e me contar. Logo para mim que sempre fui bom em escutar. No começo confesso que fiquei de cara feia com a presença dela, pensava nela como uma entrona. Continuaria pensando isso se a cada assunto ela não chegasse mais perto e mais perto, até que ela estava tão próxima que a minha única escolha possível era beijar ela. Nunca que eu teria imaginado isso para a minha noite. Menos ainda teria eu imaginado que entraríamos em um relacionamento sério pouco depois.

Sempre fui um cara simples e de poucas palavras. Ficava na minha a maior parte do tempo. Desde sempre, eu era aquele garoto atrás do outro menino na foto do colégio. Aquele que você só vê os olhos, o cabelo e mal enxerga metade do nariz, sabe? Quer dizer, até o meu nome, Lucas Lima, é curto, simples e passava despercebido nas chamadas. Com o pessoal me dando o apelido de Kas então, ficou ainda mais fácil ser quase invisível. Eu sei o que trouxe o Eric para perto de mim. Consigo entender a proximidade com a Thaís. O que nunca entrou na minha cabeça e eu acho que nunca vai entrar, é o que a Lia via e ainda vê em mim.

Droga, como sinto falta deles. Me sinto com frio, sozinho e o tempo não passa. Nesse momento eu juro que daria muita coisa para ter qualquer um deles comigo. A escuridão que pinta as janelas e o vento frio que as arranha me levam de volta à infância. De volta a época em que eu achava que, a qualquer momento, o bicho papão apareceria na minha frente. Embora eu não acreditasse mais nessas criaturas infantis, algo naquela imensidão vazia me trazia receio e medo. Antes me perguntando quem estaria lá fora por solidão, agora desejava que ficasse por lá, ao menos até o dia clarear. Com pouco movimento de corpo, joguei mais algumas toras de madeira ao fogo para mantê-lo vivo. Só de tirar um pouco do braço de debaixo do edredom, meus pêlos já eriçavam e meus dentes se batiam. Essa era, definitivamente, uma das noites mais frias que vivi. Fria pela temperatura e congelante pela solidão. Eu desejava com toda a minha força o dia seguinte, com urgência.

Os próximos segundos passaram como se fossem minutos e os minutos como horas. Na disputa entre a lebre e a tartaruga, o relógio não saiu da linha de partida. Ou se saiu, se perdeu no meio do trajeto. Nada fazia o tempo passar e eu estava aflito demais para me concentrar em qualquer memória boa. Cogitei a ideia de olhar o meu relógio de pulso, que ainda funcionava graças à sua bateria, mas não fui bravo o suficiente para tirar o braço do edredom. Seja lá que horas o relógio estivesse marcando, com certeza era uma hora ainda mais fria do que a anterior. Depois de sentir como se tivessem passado dez horas, tentei ser realista e imaginar que o ponteiro havia passado de meia noite ainda agora. Acreditei que estava em um novo dia. Bem no comecinho dele. Pensei em como seria vantajoso se o meu relógio fosse um daqueles que tem luz própria, assim eu poderia ver a hora embaixo da coberta. O meu só tinha o botão de ajustar o horário e as vezes nem isso funcionava direito. Eu realmente precisava conseguir um relógio melhor um dia desses mas, como bom preguiçoso que sou, esse dia sempre era amanhã ou o dia seguinte, nunca hoje.

Fechei os olhos, não estava com muito sono, mas conseguia juntar migalhas dele aqui e ali. O barulho das brasas saltando ajudavam um pouco a acalmar os ânimos, muito embora fosse uma luta constante com a ventania que volta e meia batia na janela para me lembrar que estava lá fora, me observando. Aos poucos, o sereno foi me dominando e meu corpo cedendo ao cansaço. Estava quase pronto para adentrar o mundo dos sonhos mas um barulho forte na porta de entrada fez meus olhos e meu coração saltarem. Seria minha imaginação? Não! Mais uma vez a madeira da porta bradou. Minha respiração ficou mais forte, meus batimentos dobraram a velocidade. Aquilo não era o vento, não era a madeira reagindo ao frio. Tinha algo batendo na porta. Tinha alguém querendo entrar!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado! :D
Se puder, deixa um comentário! Seja uma crítica positiva ou negativa.
Até o próximo! :)



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