Guardian Angel escrita por Juliano Adams


Capítulo 11
Francês


Notas iniciais do capítulo

Heey leitores,tudo bem com vcs? ^^ Nesse capítulo Leo e Patrick tem um encontro no cinema, o capítulo é narrado pelo ponto de vista do Patrick, espero que gostem, boa leitura!



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Hoje fariam três anos, dois meses e vinte e seis dias que eu não me preparava para um encontro, eu nem sequer lembrava o que era isso. Não que eu quisesse causar boa impressão, pra causar boa impressão eu teria que nascer de novo. Eu só queria parecer sei lá, menos bagunçado. Tentei arranjar uma roupa legal, abri o armário: só tinha preto e cinza, tanto cinza diferente que dava pra fazer um filme ruim. Numa gaveta achei uma camiseta branca com aquelas golas em V, eu cortei aquela gola à mão quando tava na oitava série e resolvi parecer um pouco mais gay do que já era. Também fiz um bracelete de arco íris no processo, meu pai teria rasgado com os dentes se visse, então joguei fora. A camiseta ainda servia, ficava meio justa mais servia, não sei se sentia alívio ou decepção. Tinha uma calça jeans rasgada nos joelhos, serviu. Droga, o que fazer com o meu maldito cabelo? Passar ácido e deixar cair? Não, melhor não agir precipitadamente. Se eu deixar ele caindo sobre meu rosto ninguém precisaria ver o quão horrível eu tava.

–Filho, tem uma moça aqui querendo te ver! – Eu não sei se consigo descrever a expressão da minha mãe ao entrar no meu quarto e perceber 3 coisas: 1- o quarto estava arrumado, 2- eu não estava de preto, 3- eu tava tentando ajeitar meu cabelo. Provavelmente a reação dela foi a mesma de Colombo ao encontrar os índios. Não, melhor: foi igual a dos índios ao encontrar colombo. Droga, tinha alguém querendo me ver. Quem diabos ia me visitar? Resolvi perguntar:

–Se ela for da polícia diz que os corpos já estavam lá quando eu cheguei. – minha mãe era uma daquelas pessoas que se assustava fácil. E era engraçado ver os olhos arregalados dela quando eu dizia essas coisas. – Credo filho, deus que me perdoe, que horror. É uma menina chamada Yara. Peço pra ela subir?

–Sim, pode deixar. A gente vai discutir sobre como esconder um corpo depois de um assassinato. A gente ainda tem aquele freezer velho na garagem? – Ela saiu olhando pro alto.

–Eaí querido? Como tá? – Eu ainda não tinha sacado qual era a dessa Yara, mas ela parecia legal. Sei lá, é raro eu ver o lado bom das coisas, mas eu não via um defeito aceitável nela.

–Vendo os prós e contras de derramar ácido sulfúrico na cabeça. – Respondi, seria amarrar tudo num rabo de cavalo muito ridículo? Foi uma retórica.

–Calma, que Yara tirou a tarde pra ser fada madrinha. – Ela disse, e daí notei que ela tava segurando uma valise. – Em vez de varinha de condão tem uma tesoura, condicionador e um pente. – Agora vai passar uma água nessa carapinha. – Ela não fazia soar feito uma ordem, mas eu sabia que devia obedecer.

–Eu vou me arrepender? – Não custava perguntar.

–Vai se arrepender de não tirar essas mechas loiras mal feitas daí, tá seco pra caramba menino. –Ela dizia enquanto pegava uma toalha e colocava em cima da cadeira da minha escrivaninha. Eu fui lavar o cabelo. Contanto que ela não fizesse um topete moicano, acho que qualquer coisa era melhor que o jeito que tava.

–E aí, que filme vocês vão ver? – Ela perguntou enquanto separava meu cabelo em mechas e começava a passar a tesoura. Não tinha espelho no meu quarto, ele teve que pegar um da minha mãe. Não sei se chamo de reagir bem, mas ela se ajoelhou na frente da Yara e agradeceu quando falei que ia cortar o cabelo. Eu nem lembrava mais como era de cabelo curto.

–Eu ainda não sei. – Respondi. – O Leo te mandou aqui?

Ela riu.

–Não querido, ele tá muito ocupado procurando uma academia pra começar a malhar e blabla essas coisas de Leo. Eu vim pra dar uma repaginada em ti mesmo, por minha conta. Não é todo dia que a gente vai no cinema com o cara mais bonito da cidade.

–A cidade é pequena, não é muito difícil. – Completei. Nós dois rimos.

–Ah, admita. Ele tem seu charme.

É, ele tinha. Eu não costumava reparar na beleza das pessoas. Geralmente porque pessoas bonitas eram, na maioria dos casos, arrogantes. Admirar a beleza delas pra mim é alimentar a arrogância, eu não ligo se o cabelo é loiro e os olhos são verdes, isso não diz nada sobre a índole da pessoa. Mas não dava pra negar que Leo era bonito, é claro que também não dava pra negar que ele era meio arrogante. Mas talvez eu tenha julgado ele errado, talvez ele seja uma pessoa boa, lá no fundo.

Vocçe prefere cortar reto ou deixar uma franja? – Ela perguntou.

–ah, acho que dá pra deixar uma franja, assim demora menos pra eu conseguir esconder meu rosto nele.

Ela riu.

–Ai menino, não precisa ficar com vergonha, você é lindo. Olha pros seus olhos. – Ela disse, passando um pano em volta do meu ombro pra tirar os cabelos que caiam.

–São castanhos, é a cor mais ordinária de olho que existe.

–Bobagem. Sabe, uma vez eu fui pra França, era intercambio e tal. Todo mundo tinha olho azul ou verde e era branco que nem cera. Ai tá a Yara lá, toda morena, com o olho preto que nem um carvão. Todo mundo ficou encantado. Beleza é relativo Patrick, não é uma ideia comum a todo mundo, tem muito mais haver com quem tu é, e principalmente com o contraste que o que é belo possui em relação as demais coisas. Beleza é se destacar, se destacar é sair do padrão. Contraste é bonito, diferenças são bonitas. E... Se me permite adicionar um adendo, tu contrasta muito bem com o Leo, tanto na aparência quanto no jeito.

Eu não sabia se Yara tinha saído do mato, caído do céu, ou fugido de uma escola de filosofia, mas ela parecia sempre ter a coisa certa para dizer. O que é estranho, afinal to muito mais acostumado a pessoas dizendo coisas erradas. Yara chegava a parecer não humana. Meio que sei lá, dava pra sentir uma aura – não que eu acredite nessas bobagens – mas dava pra sentir que ela queria meu bem.

–Voilà. – Ela disse girando a cadeira. – Nos primeiros segundos eu não me reconheci. É, eu tinha orelhas e testa, talvez até conseguisse me passar por um ser humano normal. Meu cabelo tava bem mais curto, e todo preto. Até combinava melhor com a roupa, não que me importasse, mas ficava melhor mesmo. – E aí, o que achou? – Ela perguntou animada.

–Tá ótimo. Dá até pra dizer que sou uma pessoa e não um alien.

–Ai bobo, para com isso. Você é lindo. Agora vai lá, quero ver a reação do Leo. – Ela me levou de mão até lá embaixo, e quando passamos por meu pai ela me abraçou, eu até fiquei agradecido, se meu pai pensasse que ela era minha namorada ele não ia se importar em me ver saindo com o Leo. Não que eu me importasse com a opinião do meu pai, mas era chato ele ficar brigando.

Leo tava me esperando lá embaixo: calça jeans, camiseta branca e jaqueta de couro. Duas constatações: 1- Estávamos em abril, era idiota usar uma jaqueta de couro; 2 – ele ficava lindo de jaqueta de couro. Eu não sou muito bom em constatar expressões no rosto das pessoas, mas Leo arregalou os olhos ao me ver. Eu tava mais arrumado, ou sei lá, menos bagunçado. Ele me olhou de cabeça aos pés:

–A culpa foi da Yara. – Eu disse em minha defesa.

–Só que ele tem que voltar antes da meia noite senão o feitiço acaba, e ah, não tinha nenhuma abóbora em casa. – Ela disse – melhor vocês irem a pé. – Eu ri.

–Você tá...

–Irreconhecível?

–Bonito.

–É, dá no mesmo.

Ele riu.

Nos despedimos de Yara e começamos a caminhar. Leo não parava de olhar pra mim, as vezes diretamente as vezes de canto de olho, mas ele não parava de ficar olhando. Aquilo era estranho pra caramba, mas de alguma forma eu tava gostando dele olhar pra mim. Tipo, quando uma pessoa olha pra você você sente que existe algo em ti, algo pra que a pessoa tá olhando. Eu as vezes sentia um buraco dentro de mim, um vazio, mas com Leo olhando pra mim eu sentia que não tava vazio, eu me achava, de alguma maneira, importante pra alguém.

–E aí, o que a gente vai ver? – Perguntei quando nos aproximávamos da bilheteria.

–Que tal a bela e a fera? Fizeram um remake com atores franceses. – Ele sugeriu.

–Bela e a fera? Que ótimo: síndrome de Estocolmo, Lea Séydoux, flores e amor eterno. Não poderia pensar em coisa melhor. – Acho que nunca ia me livrar da minha ironia, não que eu fizesse pra provocar, mas gostava de pegar ele de surpresa.

Ele riu.

–É, acho que você vai gostar. Quer pipoca?

–Prefiro marsmallows, pipocas são clichê.

Ele riu de novo.

–Ta bom.

Sentamos numa das últimas fileiras. Me bateu um frio na barriga quando encarei aquela tela. Nunca pude ir no cinema com Jorge, esteve fechado todo tempo que estivemos juntos. Parte do tempo eu ficava pensando em como seria ir ao cinema com ele, sentir ele pôr a mão nas minhas costas e encostar a cabeça no peito dele. Não que eu não tivesse feito isso. Mas no cinema é diferente, é diferente encostar a cabeça no peito de alguém numa sala escura com música e encostar a cabeça no peito de alguém numa praça domingo. No cinema é escuro, a gente sente mais. Queria parar um pouco de pensar nisso. Tentei me concentrar em Leo, mas chegava a ser estúpido o quanto ele me fazia lembrar de Jorge, até o jeito de rir era igual. Talvez fazer Leo rir fosse um Guilty Pleasure, ao mesmo tempo que a risada dele era tão gostosa, me fazia lembrar algo que tentava esquecer.

O filme começou, tínhamos escolhido legendado, então as falas eram todas em francês. A língua francesa se desenvolveu lá pelo ano 700, no norte da então província da Gália, que fazia parte do Império Romano. A região era basicamente o limite entre o império, ao sul, e as terras dos bárbaros, ao norte. Os romanos falavam latim, os bárbaros, germânico. O latim originou primeiro o italiano, depois o espanhol e o português; o germânico deu origem ao alemão e ao inglês. O francês ficava bem no meio. Não era uma língua de bárbaros, tampouco uma língua de nobres. A maior parte das palavras veio do latim, mas os sons vieram dos bárbaros. Talvez fosse isso, essa mistura, do selvagem com o civilizado, do bagunçado com o organizado, que fizesse o francês ser tão bonito. Lembrei da Yara falando do contraste. Eu não sei se era só eu. Mas me dava prazer ouvir francês, era como se cada palavra fosse cuidadosamente ensaiada para soar o melhor possível. Eu fiquei pensando nisso o filme todo, e só perto do final que fui lembrar dos marshmallows. Talvez eu tivesse hipnotizado por aquelas vozes, ou fosse só distraído mesmo, mas o fato é que quando fu abrir o pacote e tirar um maldito marshmallow do saco esse estourou, e derramou tudo no colo do Leo. Droga, odiava ser desastrado. Pelo menos ele parecia não ligar – apesar de estar com o colo cheio de coisinhas brancas e grudentas. Ele pegou um deles na mão e me olhou. Ele não tava brabo nem nada, mas me olhou de um jeito estranho.

–Désolé monsieur, vous avez perdu votre guimauve. - Ele sussurrou no meu ouvido, e aproximou o marshmallow da minha boca, eu abri quando senti nos meus lábios, ele colocou na minha boca, e deu pra sentir a ponta dos dedos dele tocando de leve meus lábios, meu coração acelerou com aquele toque, eu sabia que não era nada demais, então por que meu corpo reagia assim?

Já tava escuro depois que saímos, Leo me pagou um refrigerante, sentamos no fio da calçada, já não tinha quase ninguém na rua. E pra falar a verdade tava meio frio, meu queixo tava tremendo. Leo me emprestou o casaco, eu não quis aceitar, ele tava só de regata por baixo. Mas ele disse que não se importava muito com o frio. E eu não vou mentir, eu gostava dos braços dele. Tinha uma tatuagem no ombro, bem pequena, era uma fração: 10/6

–O que significa? – Perguntei, apontando pro ombro dele.

–É a inscrição que tem no chapéu do chapeleiro maluco. Da Alice no pais das maravilhas. – Ele respondeu.

–Dizem que para sobreviver aqui você precisa ser tão maluco quanto um chapeleiro.

–O que por sorte eu sou. – Ele completou rindo

Rimos juntos.. É, eu tava cada vez mais certo que Leo era um cara legal, e não o imbecil que eu imaginei sentar do meu lado no primeiro dia de aula. Talvez eu só tivesse com medo de me aproximar de alguém de novo. Quer dizer, eu ainda tava com medo. Mas quando a gente ria junto eu me sentia tão bem. Era como se parte de mim vivesse de novo. Sabe, viver é uma palavra bem ampla: se mexer, comer, beber, respirar... Não é exatamente isso que define quem tá vivo, você até pode se sentir vivo quando tá fazendo isso. Mas quando você ri junto com alguém, aí sim que você sente que estar vivo vale a pena.

–O que foi que você disse lá dentro?

–Quando? – Ele perguntou.

– Quando o saco de marshmallows explodiu por incompetência do operador. – respondi rindo.

–Eu disse: “desculpe senhor, você perdeu seu marshmallow”- ele respondeu. –Acho que em francês tudo soa melhor.

–É mais romântico.

Ele ficou me encarando, do mesmo jeito do cinema, acho que naquela altura nós dois estávamos hesitantes, era o ponto que ninguém sabia mais manter o assunto. Eu comecei a respirar rápido. Tava frio, dava pra ver a nuvem de vapor que saia da minha boca. Ele pôs a mão no meu queixo.

–Mon âme comme um banquise qui fonde quand tu m’enlaces. – eu não fazia ideia do que ele tinha dito. Mas nâo deu pra perguntar, só deu tempo de fechar os olhos e sentir a boca dele encostando na minha. Dessa vez eu me deixei levar, ele me puxou pra mais perto dele e me abraçou, as mãos dele tavam geladas, ele me abraçava forte, se envolvia em mim pra se aquecer. Era engraçado, eu era bem menor que ele, mas ainda assim eu tentava envolver ele com os braços, eu apoiei a cabeça no peito dele, e a gente ficou ali, abraçado, esquentando um ao outro. Era um daqueles momentos que eu queria que durasse pra sempre.


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Notas finais do capítulo

Antes que me esqueça: o que o Leo fala é "minha alma é um bloco de gelo que derrete quando você me abraça" uma frase que peguei do filme "les chansons d'amour' que altamente recomendo haha. Enfim, espero que tenham gostado, não se esqueçam de deixar reviews e até a próxima >



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