Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 49
Rafael e Gabriela


Notas iniciais do capítulo

Peço infinitas desculpas pelos erros ortográficos que passam despercebidos*



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Enquanto meu amigo Pedro estava em casa, se remoendo em seu quarto por ter partido o coração da garota mais detestável desse universo eu estou aqui, em uma festa de uma turma do terceiro ano muito perto de se formar, comemorando entre eles como se eu fosse o melhor amigo de todo mundo.

Eu tinha muitas expectativas para essa noite, mas muitas delas foram superadas. Faz duas horas que cheguei aqui e não precisei me esforçar nenhum pouco para chamar a atenção da mulherada. Muito pelo contrário, desde que cheguei, por ser considerado carne fresca, elas não saem do meu pé.

É realmente difícil administrar todas elas de uma só vez, mas não é algo que eu não seja capaz de fazer. Porque se tem uma coisa que eu adoro é estar entre as garotas, independentemente de como elas sejam.

Já são quase três horas da madrugada e posso dizer que eu estou exausto: já bebi muito, já beijei muito, já dancei muito, já conversei muito e até comecei ver as coisas rodando. E como eu estava sozinho, sem nenhum dos meus amigos de verdade por perto, achei melhor ir embora antes que me esquecesse de qual era o caminho de casa.

Mas antes eu precisava fumar um cigarrinho básico.

Saí da casa onde eu estava – aquela festa realmente não tinha hora pra acabar – e parei lá fora na calçada, onde pedi um isqueiro e um cigarro para um sujeitinho esquisito bastante solidário. Ele foi bastante simpático e até batemos um papinho, coisa rápido. Porque de fato eu precisava ir embora.

Só que antes de tocar meus pés na rua uma garota que aparentemente surgiu das sombras praticamente se jogou nos meus braços e por pouco não se espatifou no asfalto. Não sei quem estava mais bêbado: eu ou ela. Mas pra sua sorte eu a segurei. Ela enlaçou-me pelo pescoço, o vestido justo subindo cada vez mais pra cima e deixando boa parte de suas coxas a mostra. Quando a olhei nos olhos só para ver se eu a reconhecia, ela soltou uma alta gargalhada.

— Rafa, você não pode ir embora agora. – disse ela entre risos, o cabelo ruivo e longo cobrindo metade do rosto.

Lembrei-me que ela se chamava Pâmela. Ou será que era Paloma? Ou Patrícia? Não sei, só sei que ela foi à garota que mais ficou no pé durante toda a noite. Chegando até ser um tanto irritante.

— Você não pode ir embora sem me levar junto. – disse ela de um jeito dengoso, puxando meu pescoço pra baixo por ela ser mais baixinha.

O.K. Ela venceu.

Obviamente eu não iria leva-la pra casa. Nem pra minha e nem pra dela. Não estava com cabeça pra aquilo. Mas para ela largar do meu pé eu estava disposto a tudo, inclusive beija-lo, coisa que eu ainda não tinha feito. Ou será que já? Não me lembro. Só para ela parar de me encher o saco.

Estávamos os dois meio fora de si, então aquilo não poderia ser considerado abuso. Eu a beijei tranquilamente, sentindo o gosto de cerveja e chiclete da boca dela. Estava indo tudo muito bem, normal e tranquilo. Só mais uma ficada entre tantas outras. Até que um rosto surgiu na minha frente. Fazia um bom tempo que eu não pensava na Gabriela daquela forma. Mas naquele segundo ela resolveu aparecer nos meus pensamentos no momento mais importuno do mundo.

Muito rapidamente eu afastei aquela garota de mim, como se tivesse acabado de levar um choque. Ela só riu um pouco confusa e assustada. E eu saí correndo, perdido e atordoado. Perguntando-me porque diabos a Gabriela apareceu na minha mente justamente quando estava beijando outra?

***

Naquela manhã, enquanto eu observava as nuvens branquinhas se movimentarem no céu na área externa da clínica, o médico que vinha acompanhando de perto meu caso sentou-se ao meu lado para me dar a notícia mais feliz que eu poderia receber em toda a vida.

— Gabriela, você está seguindo muito bem com o tratamento. Todos nós estávamos bastante surpresos com a sua recuperação. Certamente você é uma das pacientes mais evoluídas que temos. Por isso vir até aqui dizer que muito provavelmente você terá alta em dezembro.

Meu queixo quase caiu.

Eu estava de fato me esforçando muito mais do antes, tomando toda a medicação certinha, conversando com o psicólogo, fazendo amizades, aproveitando meu tempo e refletindo sobre a minha vida. Tempo eu tinha de sobra. E o que eu mais queria era sair daqui o quanto antes e recuperada. Mas não imaginava que isso estava tão perto de acontecer.

Ainda sem acreditar no que ele tinha acabado de me dizer, eu o abracei por impulso e o agradeci uma centena de vezes por tudo. Aquela notícia fez do meu dia algo muito melhor. Eu estava louca para contar a novidade ao Pedro, aos meus amigos e a minha família. Isso se eles já não soubessem.

Caramba! Eu poderia muito bem sair saltitando por todo esse jardim e gritar bem alto o quanto eu estava feliz por isso.

Mas não foi bem o que eu fiz. Na verdade eu tirei o resto do dia para fazer as coisas que eu tinha aprendido a gostar: como ler, pintar, conversar, jogar e rir. Meu Deus, eu estava tão empolgada. Era evidente para todo mundo. As enfermeiras sabiam o motivo de toda a minha alegria e bom humor, mas os meus colegas não. E também nem me senti a vontade para contar a eles. Sabia que muitos ainda teriam uma longa jornada por aqui, na reabilitação. Não queria esfregar minha recuperação mais do que rápida na cara deles. Isso seria muito cruel da minha parte.

Ao chegar da noite eu jantei e depois fui para o meu quarto, onde eu só queria ficar em paz até cair no sono. A noite estava linda lá fora, eu podia ver bem pela janela aberta. O céu estava repleto de estrelas e a lua nova brilhava no alto do céu.

O relógio sobre a mesinha ao lado da minha cama indicava que já se passava das onze e meia da noite. Aquele era um horário que a maioria das enfermeiras já tinham se recolhido, assim como os pacientes. Lá fora estava tudo muito calmo e silencioso.

Até que bateram na minha porta.

A principio me perguntei quem poderia ser. Não estava acostumada a receber visitas aquele horário. Mas pensando melhor, poderia ser uma enfermeira preocupada ou um médico de plantão.

— Entra. – eu disse, sentando-me sobre a cama.

Três figuras bastante familiares entraram de fininho.

O mais alto era o Carlos. Ele tinha dezenove anos e já estava internado ali há um ano e meio. Eu nem poderia me imaginar tanto tempo nesse lugar. Deve ser horrível! Carlos é muito magro e moreno. Pelo pouco que ele me contou logo deduzi que ele era um cara da pesada, daqueles que lá fora se metia em muitas confusões relacionadas a drogas.

A garota, a do meio, chama-se Thais. Ela tem a mesma idade que eu. Ela era muito humilde e podre. Tinha se envolvido com drogas por influencia da mãe, que era traficante. Vê se pode uma coisa dessas! Atualmente a mãe está presa e a filha está aqui há seis meses.

E por ultimo o Valério. Ele tem dezessete anos. A idade do meu irmão. Valério chegou aqui há menos tempo que todos nós. Ele ainda está passando por aquele processo difícil de reabilitação. Mas faz amizades com muita facilidade. Ele, assim como eu, se envolveu com as drogas e o álcool meio sem querer, mais por diversão.

Bom, basicamente esses três são os mais doidinhos da clínica. Nem sei por quê ou como fui me envolver com eles. Eu achei que seria bom conhecer novas histórias e me familiarizar mais com as pessoas em volta. Mas estou começando a me arrepender disso. Pois naquele momento eu só queria dormir, eu não quero fazer sabe-se lá o que eles tinham em mente. Estava muito tarde pra isso. E tudo tem um limite.

— Precisamos da sua ajuda, Gabi. – sussurrou a Thais, ao se aproximar da minha cama, deixando os outros dois mais para trás. — Nós sabemos que você é mais esperta aqui.

— Obrigada... Eu acho. – disse, confusa. — Mas porque estamos sussurrando? O que vocês querem?

— Estamos em uma missão. Ninguém pode saber que estamos acordados. – foi à vez de o Carlos abrir a boca. — Você vem ou não com a gente?

Eu não queria ir, não estava disposta para nenhum tipo de missão ultrassecreta. Eu só queria dormir para o tempo passar mais depressa e eu voltar para minha casa logo. Mas também não permitiria que esses três se envolverem em confusão. Eu precisava estar por perto para colocar um pouco de juízo na cabeça deles.

— Tá. Tudo bem. Eu topo ir com você. – levantei-me e calcei meus chinelos ao pé da cama. — Mas o que exatamente vocês têm em mente?

— Se você vier com a gente saberá em breve. – continuou o Carlos. — Mas por enquanto isso é tudo que você pode saber.

Confesso que todo aquele mistério me deixou um pouco animada e bastante curiosa. Então lá fomos nós, para nossa primeira missão.

Como eu já tinha previsto a clínica estava vazia. Já estavam todos em seus quartos dormindo. Nós quatros éramos os únicos perambulado pelos corredores e tentando não fazer barulho para não chamar a atenção de ninguém.

Ao chegarmos lá fora a Thais virou-se da minha direção e disse:

— O Valério encontrou umas coisinhas pra gente. Aposto que você vai adorar. Faz muito tempo que a gente não vê essas coisas.

Bem que desde o principio eu achava o Valério um garoto bem misterioso, como se sempre que ele estivesse calado ele estivesse pensando em algum jeito de fugir dali ou aprontar alguma.

Fui guiada por eles até alguns arbustos, nos fundos do jardim. Estava bem escuro ali e eu estava começando a sentir que íamos fazer uma coisa muito errada. Carlos olhou para os dois lados para ver se não tinha ninguém por perto alem de nós antes de enfiar o braço no mato e tirar de lá dois frascos de... Remédio.

Remédio da pesada, daqueles que não temos acesso em hipótese alguma. O tipo de medicação que fica trancada a sete chaves, longe de todos nós.

Meus olhos quase saltaram quando vi aquilo. Tirei rapidamente aquelas coisas da mão daquele garoto e li o rotulo. Eu estava certa: remédios fortes que têm o efeito imediato.

Meu coração batia muito rápido, em pânico. Mas por outro lado estava impressionada demais com tudo aquilo para acreditar no que tínhamos ali, bem na frente de nossos olhos.

— Mas para quê vocês precisavam da minha ajuda? – perguntei, voltando-me para os três. — Não entendi...

— Ah, aquilo foi só uma desculpazinha pra você vir com a gente. – finalmente o Valério resolveu dizer alguma coisa. — Na verdade, nós sabíamos que poderíamos confiar em você, diferentemente dos outros.

Estava refletindo sobre aquilo. Em parte sentindo-me muito bem por saber que tinha pessoas ali que confiava em mim a esse ponto. Mas por outro lado, muito mal por saber que aquilo tudo não poderia significar boa coisa e eu estava inclusa naquilo. Não tinha como escapar.

Carlos tomou os frascos das minhas mãos. Despejou alguns compridos nas mãos da Thais e depois nas mãos do Valério. Os dois agiram muito rápido: jogaram tudo pra dentro da boca e engoliram. Eu fiquei chocada e horrorizada. O tratamento de todos estava indo por água a baixo.

E por fim Carlos também ingeriu alguns comprimidos. Eles nem precisavam de água ou coisa assim para ajudar a descer pela garganta.

Na minha cabeça vieram dois pensamentos:

1º) Corra daí antes que seja tarde demais.

2º) Ou fique e destruía tudo que conquistou.

Eu não sabia o que fazer, qual decisão tomar ou como agir.

— Toma. – Carlos estendeu um dos fracos na minha direção. — Agora é sua vez.

Olhei pasma para ele. Depois olhei para a Thais e o Valério que já estavam como aqueles sorrisinhos travessos. E por fim olhei para aquele frasco cheio de comprimidos e eu podia jurar que o frasco estava me pedindo para pegá-lo e fazer dele o que bem entendesse.

E agora, o que eu faço?

***

Estávamos aproveitando o domingo de sol para apreciar a piscina do prédio dos meus amigos. Bom, pelo menos eles pareciam estar se divertindo a beça. Eu por outro lado, estava tentando me divertir. Mas não estava sendo tão fácil como costumava ser. Não quando passei o sábado inteiro pensando por quê a Gabriela andava rodando a minha mente como nunca antes.

Bianca estava tomando sol do outro lado, espreguiçada em sua cadeira de praia usando apenas a parte de cima de seu biquíni branco e um shortinho jeans curto. Além do chapéu e óculos escuros. Natália e Luiza estavam por perto, porém dentro da água.

Felipe e Pedro estavam competindo para ver quem nadava mais de uma ponta a outra da piscina em menos tempo. Os dois mais pareciam dois garotinhos de dez anos e eu adoraria estar competindo com eles também, mesmo sabendo que eu era o melhor. Mas eu não estava na vibe e preferi me sentar na ponta da piscina, balançado os pés dentro da água. Usando apenas uma bermuda e meus óculos escuros.

Do meu lado esquerda estava a Maria Eduarda e a Tatiana sentadas em uma parte mais isolada, usando biquínis minúsculos e fazendo de conta de que não estavam tentando se entrosar com a gente. Pois elas sabiam que se dependesse da maioria de nós jamais seriam aceitas no grupo. Ainda assim elas tiveram a ousadia de ficar por perto, bisbilhotando a gente e tentando chamar a atenção a todo custo.

Especialmente a Maria Eduarda, tentando se exibir para o meu melhor amigo. Mas estava mais que claro que ele não estava nem aí pra ela ou ele tinha aprendido de uma hora pra outra disfarçar isso muito bem.

Estavam todos tão entrosados, se divertindo, pegando sol, nadando, conversando e rindo... E eu aqui, isolado, tentando a todo custo me juntar a eles, mas era como se uma força maior me puxasse para trás, impedindo-me de ser feliz, como eu costumava ser. Eu sentia um peso nas costas, uma vontade louca de gritar de raiva, de estar longe dali e tentar não ficar pensando em tanta bobagem.

Eu não estava nenhum pouco bem e isso estava muito claro pra todo mundo. Nem mesmo eu estava aguentando todo o meu mau humor, por isso resolvi manter certa distancia, pra não sair descontando em todo mundo. Mas no fundo, só eu sabia o quanto eu queria me desligar de tudo aquilo e poder entrar de vez nessa água e esquecer o resto do mundo.

Era isso que meu corpo pedia: diversão. Mas a minha cabeça não parava de pensar em outra coisa. Era a estúpida da Gabriela que estava tomando conta de todos meus pensamentos. Fazia tão pouco tempo em que eu a vi e que tínhamos tentado conversar. Aquela visita tinha de fato me afetado. De repente me dei conta que tudo aquilo me parecia tão incompleto sem ela por perto.

Meu Deus, o que será que deu em mim?

Sim, eu juro que tentei espantar esse tipo de pensamento, mas de uma forma ou de outra eles sempre acabavam voltando.

Para minha sorte o dia passou incrivelmente rápido. Segunda-feira não era um dos meus dias preferidos, mas não era como se eu tivesse a opção de pular para o próximo dia. Se bem que seria ótimo se pudéssemos fazer isso quando não estivéssemos tendo um dia bom. Mas... Fui pra escola. Já não estava com notas tão boas assim, não poderia repetir o ano por faltas também.

A hora do treino era sempre a mais esperada pra mim, como todo mundo sabe: sou louco por esportes. Sou apaixonado por futebol. Provavelmente a única coisa no mundo em que sou de fato bom. Mas aí aconteceu uma coisa bem estranha durante todo o treino: meu desempenho tinha caído completamente. Eu não consegui dar um passe bom, também não fiz nenhum gol e estava caindo por qualquer bobagem.

É... Eu não estava muito legal. E o time todo protestou e sofreu com isso. Xingaram-me, me tentaram substituir alegando que eu precisava de um bom banho frio ou um descanso, mas eu fui relutante e joguei até o final. Ou pelo menos tentei. Mas o mais esquisito é que sempre que meus olhos se voltavam para as arquibancadas eu jurava ter visto a Gabriela acenando para mim.

Mas elas estavam vazias. E nem tinha com o Gabi estar ali.

Mais uma vez aquela garota estava me deixando maluco. Logo agora que eu achei que finalmente tinha me livrado dela. E com certeza isso só está acontecendo comigo porque voltar a vê-la e ouvir sua voz no dia do seu aniversário mexeu muito comigo.

Parece que quanto mais ela me desprezava, me maltratava, rejeitava e pisava em mim mais envolvido eu me sentia por ela, quando o que eu mais queria era viver em paz, a minha vidinha miserável de sempre sem ficar dependente de nada ou ninguém.

Já no vestiário - me preparando para ir tomar um banho, tirar o suor do corpo e me livrar daqueles pensamentos - um dos meus colegas reservas do time entrou e veio em minha direção com um sorriso muito travesso.

— O que aconteceu, cara? Você tá com um carinha de apaixonada. Eu nunca pensei que algum dia esse momento fosse acontecer. – ele soltou uma gargalhada. — Você amarrado em uma garota é quase uma piada. Mas aí, me conta, quem é ela? Alguma gostosa do terceiro ano outra vez?

Não me segurei e parti pra cima dele, aproveitando a primeira oportunidade para socar a cara dele. Claro que eu peguei o cara desprevenido. Como ele poderia imaginar que eu ia surtar com uma piadinha sem graça dele? Eu não era assim. Quer dizer... Sim, eu adorava me meter em confusões. Mas quando o assunto era zoeira eu costumava entrar no clima, rir também ou revidar com uma piadinha mais engraçada ainda.

Mas não daquela vez.

Apesar de não estar raciocinando direito, eu continuei a soca-la. Os dois no chão. Ele por baixo implorando para eu parar e perguntando qual era o meu problema. E eu por cima, completamente cego e furioso.

— Ei, que gritaria é essa? – o treinador entrou no vestiário e nos encontrou. — Puta merda! – ele chamou pelo resto do time e todos juntos tentaram me tirar de cima do garoto.

Quando eu finalmente conseguir ouvir o resto do time perguntando o que tinha dado em mim ou quando eu finalmente enxerguei o garoto atirado no chão com o rosto todo ferido por minha causa, foi quando eu perguntei a mim mesmo mentalmente qual era o meu problema e porque eu tinha feito aquilo com um pobre coitado que não tinha nada a ver com os meus problemas.

— Rafael, você está fora do time. Agora vai já para a diretoria. – o treinador berrou bastante zangado, apontando o dedo em direção à saída.

***

Eu não cheguei a tomar as pílulas. Enquanto eu encarava meus colegas e aquelas porcarias viciantes, foi como se uma luz que desceu do céu tivesse me despertando do meu momento de loucura e duvidas, e tivesse conseguido me convencer de que eu estava melhor sem elas, e que poderia muito bem continuar assim se eu fosse forte e superasse o meu passado sombrio.

Mas claro que alguma coisa tinha que dar muito errado. E logo apareceram alguns guardas da clínica e algumas enfermeiras com as lanternas acessam em nossas caras, como se fossemos bandidos que estivessem roubando algum banco. Bom, de alguma forma sim. Alguns de nós éramos mesmo bandidos loucos para manterem seus vícios a qualquer custo.

Mesmo tentando me explicar, passei a ser tratada como um lixo. O que nunca tinha acontecido desde que cheguei aqui. Pegaram-me pelos braços, um de cada lado, e me levaram de volta para dentro da clínica. Largaram-me em uma salinha que não era o meu quarto e me fizeram esperar por horas e horas. Enquanto esperava ali dentro, sabe-se lá Deus o quê, eu chorei muito, sozinha, em um canto.

Passei por uma série de exames médicos e nem por um momento me deixaram abrir a boca para contar a minha versão da história. Ao final do dia, viram através do resultado dos exames que eu estava limpa, ao contrário dos meus colegas, que pelo que pude ouvir por aí, foram punidos de alguma forma.

É como dizem: cada um colhe o que planta.

Eu, no caso, estava colhendo pelo que os outros plantaram.

Eu ainda era ingênua e tola.

As enfermeiras que costumavam me olhar com tanto amor agora estavam me escoltando de volta para o meu com uma expressão de decepção e desprezo. Aquilo bastou para o meu coração se desperdiçar por completo.

— Você ficará aqui pelas próximas horas. – disse uma delas, olhando-me feio. — Nada de sair, receber visitas ou ter refeições.

— O quê? – praticamente gritei, horrorizada. — Mas eu não fiz nada. Vocês viram: eu estou limpa. Vocês não podem fazer isso comigo!

— Claro que podemos. É o que faremos. – ela continuou, um pouco antes de trancar a porta. — Agora fique aqui e comporte-se. Nós vamos ligar para sua família e lhes informar das mudanças em seu tratamento.

E elas se foram.

Não! Elas não podiam contar nada daquilo a minha família e amigos. Seria o fim para mim. Eles iam voltar a ficar tristes, decepcionados e preocupados comigo. A última coisa que eu queria agora era isso.

— E dê adeus à alta que você receberia em dezembro, docinho. – voltou uma delas só para me dizer isso e deixar-me ainda mais desolada.

Eu chorei muito pelas próximas horas. Encolhida em minha cama, sentindo muito frio. Mais uma vez eu estava sozinha e perdida. Eu tinha voltado ao ponto inicial... Tudo que eu fizera fora perdido.

Ao me dar conta disso eu surtei. Levantei-me furiosa, com as lágrimas ainda transbordando dos olhos e escorrendo pelas bochechas. Joguei longe tudo que estava em minha frente, em meu campo de visão. Comecei a chutar os poucos móveis e paredes mesmo com os pés descalços e com a dor insuportável que vinha a seguir. Puxei meus próprios cabelos e gritei tão alto que logo toda a clínica estaria ciente do que eu estava fazendo comigo mesma.

Médicos e enfermeiras entraram com tudo em meu quarto, enquanto eu me contorcia e tentava me livrar deles. Em poucos segundos eu me vi mais calma e controlada, após aplicarem um calmante emocional em minhas veias. Eu não senti mais nada por fora, mas conseguia sentir muito por dentro.

E o que mais sentia por dentro era medo. Medo de estar fora daquele lugar, onde as pessoas tinham estudado para fazer com que eu ficasse bem. E não sabia mais dizer se sobreviria ao mundo real, onde tudo estaria a minha disposição e nem todos poderiam me conter ou me segurar como esse pessoal que trabalha aqui. Lá fora onde eu poderia voltar a me drogar, beber, fumar e sair pela noitada a fora com pessoas ruins e de má influencia. Lá fora onde eu poderia fraquejar e nem sempre teria pessoas a minha volta para me ajudar.

Eu estava com medo de não conseguir, quando o grande momento do meu retorno chegasse. Quando enfim eu estaria livre e mesmo ainda em tratamento passaria por um milhão de provas como a que tive por aqui e por um momento achei que iria fraquejar, que iria ceder e cair em tentação, optando pelo caminho errado mesmo tendo sido ensinada após uma série de consultas que esse caminho não era o mais fácil.

Quando enfim peguei no sono aquela noite com a ajuda de alguns medicamentos mais forte eu tive um pesadelo. Um pesadelo terrível de que a escuridão mais uma vez caia sobre mim, mas que diferentemente da ultima eu não teria outra vez a chance para tentar mudar. Acordei apavorada no meio da madrugada, encharcada de suor. Olhei em volta e nada vi além do escuro e da solidão. E naquele instante eu gritei por uma única pessoa:

— Rafael!


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Notas finais do capítulo

Vocês devem estar me odiando agora. Eu sei haha Justamente quando tudo estava indo bem com a Gabi, eu dou uma mancada dessas. Me desculpem, de verdade haha Mas é a vida, certo? Nem tudo é perfeito e nem tudo é fácil todo o tempo. Existem sim desafios e obstáculos. Mas vejam pelo lado positivo: ela não caiu em tentação. Ela só teve um surto com medo de sua mais nova realidade. Quem sabe isso sirva para ela e o Rafael voltarem a se reaproximar. Aposto que tem muita gente aqui esperando por isso ansiosamente.



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