A Herança de Espinhos escrita por Hime Illana


Capítulo 2
Capítulo 2




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Sem que eu percebesse eu estava outra vez naquele vale, agora eu me lembrava das outras vezes que tinha vindo aqui, e já sabia o que estava por vir. Cheia de coragem fui direto para a sala dos tronos, disposta a descobrir o porquê de ter esse sonho tantas vezes e a por um fim nesse pesadelo. Sem o menor pudor abri a grande porta de madeira e me dirigi ás mulheres de véu, dessa vez eu não iria fugir.

— Quem são vocês e por que eu venho tendo esse sonho tantas vezes?

A mulher que não chorava nos sonhos anteriores se levantou, aliás, nenhuma delas chorava mais.

— Por favor, sente-se, nós vamos lhe explicar algumas coisas. – disse a mulher.

Magicamente apareceu uma cadeira atrás de mim, ela era de madeira e tinha o estofado cor de creme, parecia ser bem antiga, mas no momento eu não tinha tempo pra admirar a decoração.

— Muito bem, pode começar me contando quem são vocês. – perguntei enquanto me sentava, tendo que puxar a bainha do vestido para não pisar nele.

— Eu sou Josephine A Primeira, minha criança, e essas são as minhas oito irmãs, mas não se preocupe você terá a oportunidade de conhecer a todas no seu devido tempo.

Agora que eu tinha notado ela não usava mais o véu que cobria seu rosto nas outras vezes que vim aqui, aliás, nenhuma delas usava, e pude ter certeza de que eram mulheres de épocas e lugares diferentes, pois cada uma tinha aparência e características diferentes, e eram muito bonitas também.

— O-Olá, eu sou Elena. – disse eu agora ficando acanhada com a beleza e imponência das nove mulheres à minha frente.

— Nós sabemos disso, minha pequena, sabemos tudo sobre você.

— Como?

— Nós estamos te observando há muito tempo.

A beleza de Josephine era impressionante. Ela tinha a pele branca reluzente e os cabelos longos castanhos, só que bem mais claros que os meus, era como se fosse da cor do mel, seus olhos eram azuis como o céu, mas tinham uma leve tristeza neles, igual a todas as outras, mesmo sendo belas e estonteantes, elas irradiavam tristeza, como se...

— Minha criança? – perguntou Josephine com sua voz doce, me tirando dos meus pensamentos.

— Sim?! – respondi subitamente. Ela só sorriu.

− Você é uma criança muito especial, destinada a grandes coisas, mas também destinada a carregar um grande fardo sobre as costas.

− Como assim? – perguntei desconfiada, mas curiosa.

− Você é a herdeira que esperávamos há muito tempo, a herdeira que trará a luz, mas também as trevas para o mundo. Ainda há muito para você aprender, mas primeiramente você precisará ser testada para sabermos se é qualificada.

Lembrei-me do que tinha ocorrido hoje, sobre o acidente e como Edric tinha me falado que eu certamente tinha um dom.

— Acho melhor você voltar agora, pequenina. Já está muito tarde.

— Voltar? Como assim? E você nem me explicou nada direito! Quer saber se eu sou qualificada para o que?

Naquele momento comecei a sentir que a sala se afastava de mim e Josephine e as outras foram ficando cada vez mais distantes.

— Qualificada para ser a próxima Rainha.

— Espere, tem muitas coisas que eu quero perguntar! – gritei tentando voltar pra lá, mas isso só fazia tudo ficar ainda mais distante.

— Conversaremos mais da próxima vez, até logo, minha pequena Princesa. – disse Josephine, agora sua voz era como um sussurro.

Antes que me desse conta, estava afundando outra vez, fui ficando cada vez mais sonolenta, sendo embalada pelas águas negras do mar da inconsciência até apagar de vez.

Acordei com o despertador do celular tocando, dessa vez eu tinha mudado o horário para 7 horas da manhã, o que daria tempo suficiente para eu tomar um banho, me arrumar e tomar café. Diferentemente das outras vezes, eu me lembrava claramente de tudo, da conversa que tive com Josephine, da maciez da cadeira em que sentei, do esforço que fiz para tentar me aproximar delas quando tudo começou a se afastar e de apagar nas águas negras. Eu me lembrava de tudo. Decidi que naquela noite iria querer uma explicação clara, o que Josephine quis dizer com “qualificada para ser Rainha”? Eu estava decidida a descobrir tudo, mas não podia pensar nisso agora, pois eu tinha outro compromisso.

Levantei-me e fui tomar um banho, depois fui escolher a roupa que iria usar naquele dia, decidi por usar uma calça jeans clara e uma blusa azul escura com detalhes em renda nas mangas. Penteei meu longo cabelo castanho cacheado e fiz um rabo de cavalo alto. Logo após fui tomar café, minha mãe acordou nessa hora.

—Ué, vai sair? – perguntou ela, com o cabelo desgrenhado e com cara de sono. Apesar de minha mãe ser branca e loira de cabelo liso, eu e minha irmã somos morenas e cacheadas, pois ambas puxamos ao nosso pai, Oliver, que estava viajando a trabalho, ele é da Marinha Nacional.

— S-sim. – respondi meio sem jeito, eu não podia dizer que ia me encontrar com Edric, pois teria que contar sobre o acidente, e se eu fizesse isso minha mãe iria surtar, então tive que inventar uma desculpa. – Eu marquei de sair com a Mika - minha melhor amiga desde o ensino médio - hoje.

— Hmmm, vai sair que horas?

Minha mãe foi até o armário e pegou uma xícara, mas a posição onde ela estava não me permitia ver sua expressão, então eu não conseguia saber se ela estava acreditando em mim ou não.

— Eu marquei com ela às 8h, vou sair mais ou menos às 07:40h.

— Tudo bem, mas não volte muito tarde, ok?

— Claro! – respondi, aliviada por ela ter acreditado. Eu não gosto de mentir para minha mãe, mas se eu contasse a verdade ela com certeza iria ter um troço, então eu não tinha outra opção.

Depois de tomar meu café fui escovar os dentes e passar um pouco de batom, depois coloquei uma sapatilha nude de lacinho e peguei minha bolsa. Quando estava quase saindo, minha mãe me pergunta:

— Você vai para onde mesmo?

Eu paralisei, não tinha pensado nisso ainda, meu cérebro começou a funcionar a todo vapor, então disse a primeira coisa que me veio à mente:

— Ao shopping, nós vamos passear no shopping!

— Ah, tudo bem então, divirtam-se.

— Ok, tchau mãe!

Saí quase correndo, não queria dar a chance de minha mãe me perguntar outra coisa e eu acabar estragando tudo. Fui para o ponto de ônibus, eu ainda estava meio cansada da caminhada de ontem, então preferi ir de ônibus até perto da lanchonete.

Chegando lá eu comecei a olhar em volta procurando por Edric, eu não o conhecia muito bem, mas um garoto como ele seria fácil de reconhecer, mas ele não estava lá, presumi que eu tinha chegado cedo demais, olhei para a tela do celular e vi que ainda faltavam cinco minutos para as 8h da manhã, decidi esperar.

O sol já estava forte mesmo sendo cedo, então me abriguei sob a cobertura da lanchonete, estava ficando apreensiva com a demora de Edric. Será que tudo não passou de uma brincadeira daquele garoto e ele inventou aquela história de encontro só pra me deixar aqui plantada feito uma idiota?

Comecei a olhar para os lados na esperança que o veria chegando ao final de alguma rua, mas não tinha nenhum sinal dele. Decidi esperar até às 8:30h. Passaram-se 10... 15... 20... 30 minutos e nada, até fiz um lanche na lanchonete, mas nada dele aparecer, decidi que iria esperar até às 9h, se ele não aparecesse eu iria embora. Deu 9:30h, completamente irritada decidi ir embora, dessa vez eu realmente ia ao shopping, tomar um sorvete pra me acalmar e olhar as vitrines. Ai que raiva que eu estou! Raiva de mim por ter acreditado num completo estranho e raiva dele por ter me feito papel de idiota.

Já estava quase chegando à esquina quando um luxuoso sedam preto importado se aproximou de mim, eu olhei para a janela, mas o vidro escuro não me deixava ver o motorista. O carro parou bem do meu lado e eu parei também, a porta do motorista se abre e saindo de lá usando uma camisa social branca com as mangas dobradas até o antebraço, uma calça jeans preta que parecia ser bem cara, óculos escuros de marca e o sorriso mais descarado da face dessa Terra estava Edric. Ele veio na minha direção, e quando chegou perto o suficiente de mim, tirou os óculos com um movimento casual e me laçou um olhar sedutor. Juro por Deus que a minha vontade era de voar em cima dele e socá-lo com todas as minhas forças.

— Bom dia Elena, como vai?

Pensei em xingá-lo e brigar com ele, mas como nem o conhecia direito respirei fundo e tentei fingir que nada tinha acontecido.

— Bom dia. Por que demorou tanto? Eu já estava indo embora. – disse eu com a voz mais gentil que pude fingir naquele momento, pois não queria dar a ele o gostinho de me ver perder a calma.

— Desculpe, eu acabei me perdendo, mas o importante é que eu consegui chegar. E então vamos?

Vamos nada seu imbecil, quem você pensa que é para me fazer esperar mais de uma hora em pé sob um sol infernal? Quer saber de uma coisa, eu vou é para casa! Foi o que eu pensei em dizer, mas como ele já estava ali, e eu já tinha esperado aquele tempo todo, resolvi que não iria desperdiçar o meu esforço. Acenei com a cabeça positivamente, ele se virou em direção à porta do carona e a abriu para mim, eu entrei e coloquei o cinto e logo após de mim ele entrou no carro e se sentou atrás do volante, colocou o cinto de segurança e começou a dirigir.

O carro do Edric era lindo e cheirava a novo, os bancos de couro eram pretos, aliás todo o interior era preto, incluindo o painel e o volante que tinha um símbolo no centro de uma marca de carros muito famosa, o ar condicionado estava ligado deixando o ambiente bem confortável e o ronco do motor era tão suave que parecia um ronronar de gato. Estar ali dentro daquele conforto todo me deixou mais calma e ter vindo me buscar de carro, fresquinho e confortável, ao invés de vir a pé como eu pensei que ele viria me fez perdoá-lo por ter demorado tanto. Afinal, ter que andar debaixo daquele sol até o tal lugar onde ele trabalha, que, aliás, eu nem sei o quão longe é, seria a gota d’água para mim, eu com certeza o teria largado lá no meio da rua e teria ido embora sem a menor piedade.

— Elena, eu por acaso te contei sobre o lugar onde eu trabalho?

Eu estava quase cochilando no banco quando ele me perguntou, me recompus rapidamente e tentei me lembrar se ele tinha me dito algo sobre o tal lugar.

— Hmm, você só me falou que é um lugar onde os balanceadores trabalham.

— Sim, é a Ordem Rose&Crown, você conhece?

— Não, nunca ouvi falar.

— Eu imaginei que não. Eu falei com o meu pessoal e eles ficaram bem interessados em você, querem te conhecer.

— Espera, mas você disse que eu ia só conhecer o lugar!

— E você vai, mas eu não podia levar uma civil sem dar algumas explicações, certo?

— S-sim, acho que sim.

Comecei a ficar ansiosa. Com quem será que o Edric falou sobre mim? O que será que ele falou sobre mim? Eu nunca conheci um balanceador antes, nem nunca me envolvi com coisas sobrenaturais. O que será que vai acontecer comigo agora?

— O que foi? Está nervosa? Não se preocupe, nada de ruim vai acontecer com você.

Eu olhei para Edric, ele estava virado para a estrada, mas me olhava com o canto do olho.

— Como você pode ter tanta certeza? Eu nunca me envolvi com esse tipo de coisa antes, e se algo me acontecer e se eu me machucar?

— Você não vai, porque para chegar em você, vão ter que passar por mim primeiro e eu sou bem duro na queda.

Ele estava com o rosto virado para mim agora, seu olhar era sério, mas seu sorriso era confiante, como se estivesse dizendo que enfrentaria qualquer desafio... E que com certeza venceria. Gostaria de saber de onde que ele tirava tanta confiança.

— Hm. – murmurei.

Desviei o olhar para baixo e disse um “obrigada” bem baixinho. Ele riu e voltou a olhar a estrada.

Depois de um tempo eu percebi que estávamos indo para o centro da cidade, pois a paisagem ao redor era cheia de prédios comerciais, carros indo de um lado para o outro e de pessoas apresadas nas calçadas, devia ser quase horário de almoço naquele momento. Edric dirigiu por mais meia hora e parou em frente ao portão do estacionamento de um grande prédio espelhado. Ele abaixou o vidro e falou com o porteiro.

— Hey Giovanni, abre o portão aqui, por favor!

— Olá, Edrrric, buon giorno!

Giovanni veio até a janela e apertou a mão de Edric, eles se cumprimentaram alegremente, e ele me pareceu ser um senhor bem simpático. Não pude ver muito da aparência do Giovanni, mas percebi que ele devia ser de meia idade e era meio gordinho, tinha a pele levemente bronzeada, cabelos negros e olhos castanhos, e pelo forte sotaque, era italiano.

Depois de uma rápida conversa ele abriu o grande portão eletrônico e Edric entrou com o carro no estacionamento. Rapidamente Edric encontrou uma vaga e estacionou o carro. Eu fui a primeira a sair e olhando ao redor percebi que o estacionamento estava cheio de carros novos e motos de luxo de todos os tipos, cores e marcas imagináveis, era como se eu estivesse em alguma exposição de automóveis para gente endinheirada.

— Vem comigo, eu tenho que registrar minha chegada na recepção. – disse Edric enquanto colocava as chaves do carro o bolso da calça com uma mão e segurava algo que parecia ser um paletó sobre o ombro com a outra.

Subimos uma pequena rampa e atravessamos uma pequena porta que dava para o saguão do prédio. Chegando na tal recepção eu tive que parar por um segundo para me recompor. O saguão era gigantesco e muito luxuoso, parecia ser a recepção de um hotel cinco estrelas e estava cheio de gente usando terno e segurando pastas, documentos e conversando enquanto andavam para várias direções. Edric que estava um pouco a minha frente não percebeu que eu tinha parado e continuou em frente até o balcão para falar com a recepcionista, uma mulher loira e bem bonita. Ele tirou do bolso da camisa um cartão e passou no leitor digital que estava na mesa, depois disso eu me aproximei, ele guardou o cartão de volta no bolso, a bela recepcionista me passou um crachá com a palavra "Visitante" nele, eu o coloquei no pescoço, Edric foi em direção ao elevador e eu segui logo atrás dele.

No elevador, Edric apertou o botão do 10º andar e o elevador começou a subir. Eu percebi que todos os botões, desde o do primeiro andar, que tinha aquela recepção gigantesca, até o botão do 5º andar brilhavam com uma luz branca em volta, os botões do 6º até o 10º andar emitiam uma luz vermelha, os botões do 11º ao 15º emitiam uma luz laranja, do 16º ao 20º emitia uma luz azul, e do 21º ao 25º tinham uma luz violeta em volta. Achei aquilo bem estranho, mas antes que eu pudesse perguntar alguma coisa, o elevador tinha chegado ao seu destino.

A porta se abriu e parecia que tinha nos levado a um mundo completamente diferente. Aquele andar estava cheio de jovens, que deviam ser mais ou menos da minha idade, alguns mais novos, outros mais velhos, muitos cumprimentavam Edric quando ele passava.

A grande maioria era de garotos nesse setor, eles usavam calça de alfaiataria preta - alguns usavam calça jeans como Edric - alguns usavam tênis e outros sapato social, uma camisa branca, gravata preta e um jaleco branco por cima do uniforme. Outros só usavam um paletó preto com um símbolo bordado no bolso, um brasão com dois leões segurando um escudo que tinha uma rosa no centro e uma coroa no topo. Haviam poucas garotas também, algumas usavam shorts de alfaiataria - alguns shorts eram bem curtos-, outras usavam saias - também super curtas e justas -, a maioria usava salto, as poucas exceções usavam sapatilhas ou tênis e todas sem jaleco, só com paletó. Mas o que mais me chamou mesmo a atenção foi que todos ali eram muito bonitos, parecia até ser uma agência de modelos ao invés de um prédio comercial e todos pareciam ser... ricos.

Um garoto chegou para falar com Edric por um instante, mas como eu estava um pouco longe deles e estava admirando tudo ao redor, eu não ouvi do que se tratava a conversa. Pouco tempo depois o garoto foi embora e Edric veio até a minha direção.

— Venha Elena, eu preciso te apresentar a alguns amigos.

Edric me guiou até um corredor cheio de portas que tinha uma pequena placa no alto de uma parede que dizia “Setor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico”. Aqui todos pareciam estar com bastante pressa por algum motivo.

Chegamos até uma porta branca no fundo do corredor que tinha uma plaquinha escrita “Laboratório 01” e logo abaixo estava uma folha de caderno presa com fita adesiva e com a frase “Não perturbe” escrito a mão. Edric entrou sem bater, dentro da sala estava cheio de livros por todos os lados e frascos de vidro de várias formas diferentes com líquidos coloridos e coisas estranhas dentro. No fundo da sala, perto de uma grande janela fechada estava uma mesa de laboratório feita de inox abarrotada de papéis com várias anotações, livros e revistas, alguns eu reconheci serem de química, física e criptozoologia.

— Henry, sou eu, onde você está? – perguntou Edric em voz alta para a sala vazia.

— Aqui. – respondeu uma voz masculina vinda de algum lugar.

Ouvi um barulho estranho vindo do canto oposto da sala e quando me virei vi uma pilha de papéis se mexendo, debaixo dela estava um garoto que provavelmente estava dormindo no que deveria ser um sofá que estava coberto pelos papéis.

— Aqui está ela, a garota que eu te falei ontem. – disse Edric me empurrando suavemente para mais parto do garoto.

— Oh, deixe me ver.

Henry se levantou e veio na minha direção, ele era um pouco mais alto que eu, talvez uns 2 centímetros a mais e parecia ser mais novo também, deveria ter uns quinze ou dezesseis anos. Tinha o cabelo loiro claro, era curto e bagunçado, os olhos eram azuis e ele usava uns óculos que pareciam ser um daqueles óculos de proteção que eu usava quando ia no laboratório de anatomia da faculdade e tinha um olhar que parecia ser uma mistura de sono e tédio.

— Olá, eu sou Elena. – disse eu tímida.

— Sim, sim, eu sei. – respondeu ele com um pouco de grosseria.

Henry ficou me rodeando como se estivesse me estudando, eu só fiquei lá, imóvel, estranhando o que ele estava fazendo.

— Hmm, interessante, muito interessante.

— Eu disse que era interessante. – concordou Edric com um sorriso.

— O que é interessante? – perguntei

— Eu preciso do medidor. – disse Henry me ignorando.

Ele começou a procurar alguma coisa no meio daquela bagunça e um minuto depois ele voltou com um aparelho na mão. Ele puxou uma antena fina que parecia ser uma antena de rádio e a apontou para mim ligando o aparelho que parecia ter saído de um filme ficção científica. O aparelho começou a fazer um ruído, Henry me rodeou outra vez e conforme ele ia me rodeando e mexendo no aparelho o barulho aumentava, até que ele o apontou para o meu decote, bem na direção do meu coração.

— Hmm, acho que achei o epicentro.

— O que? – perguntei, colocando a mão no decote meio constrangida, mas só para ser ignorada outra vez.

Henry foi se aproximando e quando chegou a centímetros de mim o aparelho começou a fazer um chiado muito alto, a soltar fumaça e a falhar, até que finalmente ele ficou mudo.

— Maravilhoso, simplesmente maravilhoso, ela quebrou o medidor de energia sobrenatural!

Edric riu.

— O que? No-nossa, me desculpe, eu não tive...

— Relaxa Elena, ninguém vai brigar com você. – disse Edric com um grande sorriso.

— Mas se eu quebrei o negócio, como isso pode ser bom?

— É bom porque significa que você é bem forte, aliás, mais forte do que eu e o Henry pensamos.

— Exatamente e se possível gostaria de te estudar um pouco mais. Vou precisas fazer alguns experimentos pra ter certeza do tipo de poder que temos aqui. – disse Henry, com os olhos brilhando.

— Sim, mas não agora, ela ainda não é membro da Ordem.

Edric puxou Henry pelo colarinho do jaleco para afastá-lo de mim, que resmungou meio irritado. Nessa hora eu escuto uma batida na porta e dela aparece um garoto franzino e baixinho, ele tinha o cabelo liso bem penteado e curto castanho meio chocolate, grandes olhos castanhos e trazia uns papéis na mão.

— Co-com licença... – disse o garoto.

— Opa, Benny, você apareceu bem na hora! –disse Edric com um sorriso suspeito indo em direção a ele.

— O-o que?

O tal garoto, Benny, parecia ser bem acanhado e tímido, inclusive ele me deu a impressão de ter um pouco de medo do Edric.

— Olha, eu preciso que me faça um favor, quero que mostre o prédio para Elena.

— Que? Mas...

— Eu mesmo iria fazer isso, mas tenho outros assuntos de última hora para resolver. E então, você vai mostrar o prédio a ela por mim, certo? - Edric se aproximou mais dele, e como era muito mais alto que Benny a impressão que me deu era que ele estava tentando intimidar o pobre garoto.

— C-claro, tudo bem. - respondeu Benny recuando.

— Ótimo. Então Elena, o Benny aqui vai te mostrar o lugar, eu infelizmente tenho trabalho para fazer, e espero que esteja feliz agora Henry.

— Estou fascinado, nem vou conseguir dormir à noite. - disse Henry estudando o medidor quebrado que ainda soltava fumaça.

— Ótimo, desculpas a todos, mas agora eu tenho que ir. Até logo Elena.

Só tive tempo de acenar para ele, Edric saiu como um raio pela porta me deixando sozinha com Henry, que estava muito ocupado fazendo anotações, e com Benny, que parecia estar mais assustado do que antes. Tentei quebrar o clima puxando conversa com ele.

— Oi Benny, meu nome é Elena, muito prazer em te conhecer!

Eu tentei ser o mais simpática e gentil possível com aquele garoto que mais parecia um ratinho assustado.

— Oi, meu nome é Benny, mas você já sabe disso, não é? Bom, na verdade meu nome é Benjamin Frison, mas por algum motivo todos aqui me chamam de Benny, não que isso importe, afinal, eu até gosto de ser chamado de Benny e eu estou falando muito, não é? Desculpa, é que eu fico nervoso com estranhos e quando eu fico nervoso eu não paro de falar e de tremer e...

— Calma! Nossa, eu fiquei até sem ar agora! Como consegue falar tanto sem dar pausa para respirar?

— Desculpa, desculpa mesmo!

— Relaxa! Eu também fico tímida com gente que eu não conheço, mas não precisa se preocupar, tenho certeza que vamos virar amigos logo, certo?

— Claro, seria legal!

Eu admito, fiquei com um pouco de pena do Benny, ele realmente me lembra um animalzinho indefeso, aliás, ele era bem bonitinho, não bonito do tipo sexy, mas bonito do tipo fofo, daqueles que fazem você querer colocar no bolso e levar para casa.

Benny saiu do laboratório de Henry e eu segui logo atrás dele. Ele começou me mostrando o andar em que estávamos.

— Tudo que estiver entre o 6º e o 10º andar pertencem ao Setor da Rosa Vermelha e é onde a área de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico se encontra. – disse Benny enquanto andávamos.

— Legal, mas que negócio é esse de Setor da Rosa Vermelha?

— Aqui na Ordem Rose&Crown os membros são divididos em setores e cada um cuida de determinada área da Ordem.

— Entendi, e você Benny, é de que setor?

— Eu sou do Setor da Rosa Vermelha com muito orgulho! Todos são legais comigo e o nosso capitão é uma pessoa incrível! Ele é super forte e é muito respeitado e admirado pelos membros do nosso setor e de outros setores também! Ah e cada setor tem um time composto por um capitão e seus subordinados.

— Nossa, ele deve ser uma pessoa incrível.

— Sim! Apesar de ele me dar um pouco de medo, m-mas não me entenda errado, ele é legal, mas, sei lá, ele assusta às vezes e não sou só eu que penso assim, muita gente tem medo dele, principalmente quando ele está em missão!

Eu fiquei muito curiosa para conhecer esse tal capitão, mas preferi mudar de assunto, já que Benny ficou nervoso de novo.

— Sei... Bom, esse prédio é bem grande, você deve ter muitos outros lugares para me mostrar certo?

— Sim! Vamos!

Fomos em direção ao elevador e Benny me mostrou quase todos os setores do prédio e eu finalmente percebi o porquê dos botões do elevador serem de cores diferentes, cada um representava a cor de cada setor da Ordem. O setor da Rosa Azul é o Setor de Saúde e Tratamento Sobrenatural, o da Rosa Laranja é responsável pelo Setor de Reconhecimento Multidimensional e Ações Táticas, o da Rosa Vermelha é o Setor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, mas ainda faltava saber os botões brancos e os violetas, então perguntei ao Benny:

— O que são esses botões brancos e os violetas?

— Ah, bom, você percebeu que esse é um prédio comercial, certo? Bom, os botões brancos são os andares comerciais, os violetas são os andares onde vivem os oficiais de alta patente da Ordem, ou seja, os capitães e seus superiores, eu nunca fui lá, mas dizem que tem vários quartos para quando tiverem que passar a noite na Ordem por conta de alguma missão mais difícil ou podem até morar aqui se quiserem.

— Ah entendi... - de repente minha ficha caiu - Pera, como assim andares comerciais, quer dizer que tem gente normal trabalhando nesse prédio que mexe com coisas de outro mundo?

— Ah, bom, sim. – respondeu Benny casualmente, como se fosse super normal.

— QUE? Como assim? E eles sabem disso?

— Não, todos que trabalham no Setor da Rosa Branca, como chamamos, não sabem de nada que se passa no resto do prédio, para eles esse é só mais prédio comum.

— Mas... Isso não é perigoso? Eles estão literalmente no olho do furacão aqui.

— Bom, eu nunca ouvi nenhum caso de envolvimento de civis aqui na Ordem, aliás, uma das regras aqui é que não se pode envolver os civis nos nossos assuntos, nosso trabalho é manter total discrição sobre o mundo sobrenatural e as outras dimensões para que gente como eles possam viver tranquilamente.

— Ou seja, a Ordem é secreta e tudo é feito nas sombras.

— Exato! – disse Benny com um sorriso inocente.

Estou começando a ficar realmente preocupada com o tipo de coisa que estou me envolvendo, mas não posso recuar agora, eu preciso de respostas e duvido que vão me deixar sair depois de saber tanta coisa, aliás, agora reparei que depois do Edric e o Benny me contarem tanto sobre a Ordem, acho que não tem mais volta pra mim, minha única escolha é me juntar a eles. Adeus vida tranquila.

— Bom, eu já te mostrei tudo o que tinha mostrar, acho que meu trabalho aqui está feito! – disse Benny

— Ah sim, obrigada por me mostrar como são as coisas aqui, Benny! – disse eu com um sorriso simpático.

— De nada! Agora só falta assinar os papéis pra você oficialmente ser uma de nós! Você... Vai entrar pra Ordem né Elena?

— Ah, sobre isso...

— Mas você tem que entrar! Eu sei que é meio assustador, mas tem muitas pessoas legais aqui e... Ah, o restaurante no Setor da Rosa Azul é uma delícia, e tem um SPA onde fazem várias massagens gostosas em você e você gosta de navegar na internet? Aqui na Ordem tem wi-fi super rápido e de graça, você pode até trabalhar ouvindo música com fone de ouvido que ninguém briga com você!

— Olha, realmente parece ser muito legal...

—Por favor Elena!

Benny já estava lacrimejando, ele realmente queria que eu entrasse pra Ordem, eu ainda estava com dúvidas, mas vendo como todo mundo aqui vive muito bem, e como eu não tinha outra escolha...

— Tá bom, ta bom, eu entro!

— Viva! – Benny deu um grito, ele realmente estava feliz. Acho que vai ser legal trabalhar aqui, principalmente se tiver mais gente fofa como o Benny.

Voltamos para o laboratório e Henry estava tentando concertar o medidor que eu tinha quebrado.

— Senhor Henry, adivinha só, a Elena vai entrar pra Ordem!

Henry parou de mexer no medidor e olhou pra mim com um brilho malicioso no olhar, eu tinha me esquecido que ele queria me usar como ratinha de laboratório antes, mas Edric o impediu, agora ele vai ter a chance. Senti um arrepio.

— Oooh, mas que ótima notícia. Quando podemos começar? - perguntou Henry esfregando as mãos maliciosamente.

— C-calma, ela ainda nem assinou nada e temos que falar com o capitão pra ele arrumar a papelada e... e.... – disse Benny nervoso ao ver o Henry vindo na nossa direção como um leão pronto pra dar o bote na sua presa.

Henry respirou fundo e voltou para sua expressão de sono/tédio de antes.

— Ah, sim, bom, então vá falar logo com ele.

— S-sim senhor! – Benny correu em direção à porta - Ah Elena, vai demorar algumas horas até o capitão arrumar tudo, acho melhor você voltar amanhã. - disse Benny antes de sair porta afora

— Oh, então eu volto amanhã. – disse eu.

— Sim, estaremos te esperando pacientemente, Elena! – disse Henry com um tom meio sinistro na sua voz. Senti outro arrepio.

— A-até amanhã.

Benny me acompanhou até o elevador e nos despedimos antes ir. Quando cheguei na recepção olhei mais uma vez pelo estonteante lugar como se estivesse tentando me consolar com a beleza e o luxo do prédio. Vai dar tudo bem. Você vai viver bem como todo mundo aqui, não há nada pra se preocupar. Fiquei repetindo essas palavras como um mantra. Respirei fundo e fui pegar o ônibus pra voltar pra casa.


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