Zorak, Vingança escrita por Semideusa


Capítulo 1
Capítulo 1-


Notas iniciais do capítulo

A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. - Charles Chaplin



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Eu sou Zora Abak, moro em um vilarejo afastado do resto do mundo, mas que consegue ter um bom tráfego de viajantes por estar no meio do caminho para algumas cidades grandes. Ainda sim, as pessoas não gostam muito daqui. A incidência de dikes, que são um conjunto de criaturas nojentas, é grande. Ultimamente essa constante ida e vinda de viajantes tem diminuído e prejudicado o comércio daqui.

Acordei de manhã com gritos do padeiro. Velho chato, não tem como voltar a sonhar. Levantei entre tropeços e fui atender o bendito homem. Aquela cara de fuinha alérgica dele me irrita.

– T-tem um sne-either no-o.

– Tá! MABY, TRABALHO!

Maby é minha meia-irmã e meia-fada. Meu pai traiu minha mãe e depois ela saiu de casa. A amante do papai disse que não poderia criar uma mestiça. Na época ela tinha dois anos e eu quatro.

Maby veio terminando de vestir a jaqueta do nosso uniforme de proteção enquanto eu começava a vestir a calça. É uma roupa de couro preto que protege contra a gosma dos sneithers, o fogo se você apagar a tempo, e a maior parte do ácido dos skins e dos citos. Terminei de prender o cabelo com palitos, que na verdade são agulhas mortais, eu adoro elas! Peguei o arco a aljava e adaga. Maby, a espada e escudo. Somos as melhores, mas os homens jamais admitiriam.

Tudo em volta do bicho estava furadinho. Minha irmã deu um grito indo em direção a ele com a espada erguida. Eu tentei avisar, mas ela nunca me ouve. Continuou indo, ele se assustou e: gosma nela. Isso a fez parar. Aquilo gruda você.

– Agora você vai precisar de um banho! – gritei – ou talvez três.

– Urrrrgh. Me ajuda logo. – balançava a espada com uma mão se “defendendo” com o escudo com a outra para que o sneither se afastasse.

Rindo, lancei três flechas seguidas, uma pegou atrás do pescoço e as outras duas no rabo. Isso com certeza chamou a atenção dele.

– Ótimo, agora ele tá vindo na minha direção!

– Não é tão engraçado agora é? – falou conseguido se soltar.

– Não. – fui andando de costas. Atirei mais quatro flechas, uma em um dos três olhos. – acho que ele ficou mais zangado com um olho a menos!

Ele fez movimento para erguer a calda cheia de espinhos, como um escorpião verde supercrescido, mas Maby a cortou antes que ele lançasse um espinho se quer. Ele rugiu e se virou para ela, que estava com gosma no cabelo loiro curto, que agora parecia grama cortada: verde e embolada.

– Acho que você irritou ele.

Ela arregalou os olhos para os dentes pontiagudos que ele mostrava para ela e olhou para mim.

– Ah, você acha?

Atirei uma flecha na direção onde estaria o “coração” dele e ele caiu para frente, em cima dela. Acabou rápido. Sneither não são difíceis de matar.

– Não mais.

– Poderia ter me avisado! – bradou irritada enquanto os que estavam escondidos saiam e aplaudiam.

– Mas qual seria a graça? – disse ajudando ela a tirar a coisa de cima. Ela fez um aceno na minha direção que jogou sangue de sneither em mim, um líquido viscoso azul que cheira mal.

– É. Não teria graça. – disse com um sorrisinho amarelo enquanto tentava se limpar. Lancei um olhar de ameaça que ela ignorou.

– Vamos, ou papai vai surtar quando perceber que a gente saiu sem avisar.

Esse foi só o começo do dia. Mais um dia, como muitos. Ao chegar em casa, nosso pai estava nos esperando com a vassoura na mão. Não ia nos bater, nunca fez isso, mas ninguém consegue parecer tão ameaçador com uma vassoura.

– Onde vocês estavam? De repente eu acordei e vocês não estavam aqui. Pelo cheiro enfrentaram um sneither, hã? Não responda! – falou zangado quando abri a boca. Não tive tempo de emitir som antes que ele continuasse – vocês poderiam ter morrido – apontou para mim – sua irmã poderia ter morrido, você é quase de maior e não tem responsabilidade e você – apontou para Maby – é mais irresponsável ainda porque vai nas ideias dela!

– Mas não é ideia dela, eu, eu, gosto disso! – Maby respondeu.

– Não gosta nada! Você não pode gostar disso deveria ser uma dama! Não conseguem ser como as outras garotas da aldeia? Não respondam. Eu já sei o que vão dizer...

– O senhor não toma fôlego nunca? Como fala tudo de uma vez? – cortei-o. Ele me olhou zangado enquanto Maby ria, se virou e saiu. – Ótimo. Deixei ele zangado.

– Você acha? – disse ela contendo as lágrimas. Olhei para ela.

– Sério, como ele consegue? – ela caiu em gargalhadas no sofá eu deixei ela e subi para o meu quarto.

Daqui a dois dias faço 18 e então poderei sair de casa. Meu pai odeia que eu e Maby cacemos os dikes, que é como são chamados todas essas coisas, mas é tudo que eu faço, tudo que eu quero fazer. Ele quer que eu seja como as outras garotas daqui de Cratem que só fazem gritar e erguer a barra do vestido quando algo acontece. Eu nem tenho vestidos! Na verdade tenho um mas não vem ao caso. Não dá pra usar um vestido como aquele todo o dia e sempre. Cratem é um fim de mundo, mas não acho que Maby conseguiria ficar com ele sozinha, não acho que poderia ir embora. Eu amo meu pai, mas ele não consegue entender que eu não sou como todo mundo. Não entendo. Antes, ele também matava dikes, mas um dia, quando conheceu minha mãe, ele parou. As vezes, as pessoas ainda falam que eu vou ser grande como ele foi um dia. Isso, é claro no sentido figurado. Bom, agora ele é só um ferreiro. O bom é que não nos falta boas armas. Eu até faço algumas armas, mas ele é mestre. O que eu sei fazer bem são arcos e as flechas, eu mesma faço as minhas.

Meu quarto tem armas, livros sobre armas e como matar dikes, flechas por toda parte, papeis com esboços, protótipos de armas, alguns arcos... Bom, eu gosto de armas. As vezes meu pai fala : ”Suas amigas... ” e eu “Pai, que amigas?” então ele : “A Lena e Aky vão vir aqui e vão ver essa bagunça” e eu “Pai, elas são amigas da Maby e não ligam se meu quarto tá arrumado, ligam se a gente tem comida” e bem, ele se zanga. Mas é só o que ele faz mesmo, fica zangado e grita.

Peguei minhas coisas e fui para o banheiro. Meu pai inventou um chuveiro, uma coisa que faz a água cair quente então não precisamos esquentar ainda que se tenha que encher de água e esperar um pouco. Bom fui me banhar, olhei do lado e minha irmã vinha com toalha e roupas também. Nós duas paramos, encarei-a e ela me encarou e volta. Saí correndo em direção ao banheiro ao mesmo tempo que ela, chegamos a porta juntas. Ela me empurrou e pegou a maçaneta, voltei e empurrei ela que grudou no meu cabelo desfazendo meu coque e se machucando.

– Ai! Você furou minha mão!

– Eu não! Você puxou meu cabelo!

Começamos a brigar e se empurrar. Derrubamos as coisas, pisei na toalha dela, ela me xingou. De repente, splash! Tomamos um balde de água fria e paramos da forma como estávamos. Ela com as mãos no meu cabelo enquanto eu tentava dar uma chave de braço nela. O que é difícil por ser mais alta que eu. A gente se soltou tirando a água dos olhos. A porta do banheiro se fechou e meu pai cantarolou:

– Eu acho que vão precisar esquentar a água porque esta vai acabar.

E começou a cantar enquanto a Maby gritava que não é justo e ele cantou ainda mais alto. Saí. Discutir não vai adiantar, conheço ele. Realmente só vai sair de lá quando a água quente acabar.

Vou até o rio, meu lugar favorito no mundo todo. Fica fora da aldeia, é uma clareira cercada por uma parte de mata densa onde ninguém se atreve a entrar por acreditar que existem dikes mais perigosos, que ninguém viu, mas a menos que borboletas e canários sejam maus, eu não vejo nada de ameaçador aqui. Ninguém pode me encontrar, ninguém sabe onde me encontrar. Tiro minhas roupas e entro no rio. Tem algumas árvores e flores em volta e é realmente um lugar surreal. Como ninguém vem aqui, não ligo em tomar banho no rio, já fiz isso algumas vezes. Não, mentira, já fiz isso várias vezes, desde a vez em que matei meu primeiro dike, com 13 anos. Saí correndo assustada, sangue e ácido de cito em mim. Corri em linha reta, sem olhar pra onde ia e então caí na água. Aquilo lavou tudo. Todo o sangue, todo o ácido, eu me senti refrescada e liberta. Essa água cura de tudo, purifica. Só então eu emergi, e olhei onde estava, quando me dei conta de que não havia nada de mal ali e muito pelo contrário, guardei este lugar só para mim, ninguém poderia acabar com tudo isso. Um lugar intocado pela humanidade, que emite uma aura tão poderosa, que repele tais seres. E desde então, tenho vindo aqui. Batizei o lugar de Zorak. Montei um abrigo na mata perto da cachoeira. Os animais que habitam este pedaço de paraíso, são animais normais, não aqueles dikes nojentos e infernais. Queria compartilhar este lugar com o resto do mundo, mas as pessoas acabariam com sua magia. Destruiriam tudo para “construir” e então tudo seria perdido e transformariam este resquício de luz em trevas.

Eu terminei de me lavar, a corrente tirou todo sangue azul do meu cabelo, que chega até o fim da coluna. Sou muito diferente da minha irmã. Quem não nos conhece, não acha que temos alguma ligação além de caçar dikes e da pele branca. Mesmo nossa pele sendo branca, ainda é diferente. Eu sou realmente branca, como porcelana. Ela é loira, como a mãe fada, graciosa, esbelta. Eu não sou uma completa perda de tempo também, mas não sou nada como ela. Ela tem o cabelo curto e liso e o meu é preto e indefinido, ela é alta, tem quase 1 e 80 e eu tenho no máximo 1 e 70 de altura. Ela parece uma dama, é graciosa como... como uma fada. E eu, sou graciosa, mas como uma caçadora deve ser. Como uma gato quando avalia a presa. Meu pai quer que eu seja mais como ela, mas não é a minha natureza. Eu sou uma guerreira, uma caçadora.

Nadando, me aproximo da cachoeira e saio da água, ando um pouco, a terra grudando nos meu pés molhados, acho a árvore na qual montei minha “casa”, meu abrigo. As vezes, fico aqui até o sol se por. Nunca passei uma noite, ou meu pai iria surtar e minha irmã era bem capaz de vir até aqui atrás de mim. Minha casa fica no topo de uma das mais altas árvores perto do lago. Levou sete meses para que ficasse totalmente pronta, mas valeu o esforço. Eu tenho uma vista da aldeia, apesar de ser um pouco distante, e de uma parte da floresta e de todo o lago e cachoeira também. Não é muito grande, mas consegui fazer um colchão, tem umas caixas que uso como mesa para desenhar e colocar livros. Não preciso de uma cozinha, apenas pesco um peixe e asso se tenho fome, ou pego uma fruta e se tiver sede, há o rio. Me lavo nas águas termais no frio e na cachoeira no calor. Este é um lugar divino. Faço minhas flechas, meus arcos e arrumo minhas roupas. Claro que aqui as vezes não preciso delas, deixo um roupão pra quando sair do rio.

Mas apesar de tudo, tenho que voltar para casa do meu pai. Já se passaram três horas e ele vai mandar uma equipe de resgate atrás de mim se eu não voltar para o almoço. Tiro o roupão, desço e pulo no lago. Trouxe toalhas e roupas limpas e posso lavar o uniforme no lago também. É exatamente o que faço. Saio da floresta e vou para casa. Quando entro, meu pai levanta da mesa, me abraça e diz:

– Estava quase mandando uma equipe de resgate atrás de você!

– Ele estava mesmo – Diz Maby se levantando da mesa também – mais um pouco e teria uma armada atrás de você, com tochas, forcados e tudo mais.

– Você está bem? – continua meu pai segurando meus ombros e observando se estou com todas as partes do corpo nos devidos lugares.

– Sim, papai, estou.

– Pois não está mais. Está de castigo. Não vai sair de casa! -

– Pai eu vou fazer 18 depois de amanhã!

– Não quero saber – e aponta para mim com uma mão, sem ainda me soltar – está de castigo até depois de amanhã! Espera... tomou banho? Sim, pois está limpa. Onde você foi?

Me desvencilho das mãos dele.

– Fui até o rio papai.

– O rio? Onde todos passam? Onde as mulheres lavam roupas? Você se banhou em público?

– Não pai. Eu lavei o cabelo e depois me escondi na gruta para me lavar.

– Mas alguém poderia ter entrado. Um dike poderia ter entrado e te matado, ou... ou pior ainda, um homem poderia ter entrado e acabado com a sua honra, ou... ou um dike poderia ter entrado e acabado com a sua honra. Já imaginou? Um dike?

– Pai! Para! Nada ia acontecer, eu estava armada e quase ninguém entra na gruta....

– Quase, quase não é ninguém!

– Pai, ninguém vai lá, satisfeito?

– Não, não estou. Você não é como a sua irmã...

– Não, não sou! – gritei e subi para o meu quarto correndo. Bati a porta.

Não sei por que eu não fiquei em Zorak, nadei,ou eu poderia ir desvendar mais lugares, mapeá-los como venho fazendo, explorar além. Mas não. Eu tinha que voltar. Como sempre, eu tinha que voltar. Meu pai precisa de mim, minha irmã, não importa o quanto pareça forte, precisa de mim, Cratem precisa de mim, mas eu também preciso de Zorak, da Maby, do cabeça-dura do meu pai e de Mad... não, de Cratem eu não preciso tanto assim. Paro de chorar. Não percebi que estava chorando. Alguém bate na porta. Deve ser Maby, como sempre, para pedir que eu seja mais razoável. Ela é sempre mais razoável quando se trata disso. Abro a porta, mas é meu pai.

– Filha, - ele quase nunca me chama de filha – olha, eu sei que não sou o melhor pai. Mas... mas eu tento. Eu tenho medo. Medo por você e pela Maby. Vocês são destemidas e lindas e tem uma vida toda pela frente e são tão imprudentes....

Ele ia com certeza me dar sermão mais uma vez. Eu me enganei, ele não está arrependido de me comparar mais uma vez com a minha irmã caçula.

– ... E eu as amo.

Parei, ele nunca falou que nos amava, sempre fora uma verdade implícita. Ele continua:

– ...é egoísmo não querer que vocês vão. Mas eu não quero te perder e não quero perder Maby. Vocês duas são as únicas com que me importo. Me perdoa?

Aquilo em surpreendeu como nenhum dike nunca foi capaz. Não sei o que dizer.

– Claro papai – foi o que saiu.

Nos abraçamos rapidamente. Acho que vi lágrimas nos olhos dele, mas se foi só impressão não deu pra saber. Ele desceu para a cozinha. Fiquei um tempo parada na porta, estupefata demais para fazer outra coisa, mas então entro e fecho a porta, devagar. Sento na cama e abraço meu joelhos. As lágrimas caem sem serem impedidas agora. Não achei que poderia amá-lo mais, mas eu amo. Amo ainda mais.


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